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SEGURANÇA INTERNACIONAL - AULA 3

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SEGURANÇA INTERNACIONAL 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Caroline Cordeiro Viana e Silva 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta aula, avançaremos em nossa discussão sobre segurança 
internacional, desta vez não apenas com elementos teóricos mas também com 
temas práticos. Até este momento, vimos as teorias de segurança internacional. 
Todas as teorias se baseiam nas experiências práticas de nossa sociedade e é 
importante que tenhamos em mente que, apesar de o conteúdo ser teórico, ele 
não está descolado de nossa realidade. Nesta aula veremos mais uma corrente 
teórica e, em seguida, partiremos para a observação prática da realidade. 
Iniciaremos a aula entendendo o conceito de segurança no pós-
colonialismo. Depois disso, avançaremos e refletiremos juntos sobre a guerra. 
Nosso objetivo será pensar as novas dimensões dos conflitos atuais, a mudança 
na natureza da guerra, as características da nova guerra e, por fim, o que os 
analistas internacionais falam sobre a paz e a gestão de conflitos. 
TEMA 1 – PÓS-COLONIALISMO 
A corrente teórica de segurança internacional chamada de pós-
colonialismo chama atenção para os países em desenvolvimento e 
subdesenvolvidos, observando as especificidades desses países e a 
necessidade, neles, da presença de um Estado forte. É considerada uma teoria 
de abordagem ampla e tem como autor principal Mohammed Ayoob. 
Ayoob inicia suas publicações em 1984, demonstrando que, no período 
de Guerra Fria, o conceito de segurança é entendido como uma imunidade 
estatal para enfrentar as ameaças externas. A teoria pós-colonial também se 
contrapõe aos argumentos da teoria realista, com as correntes teóricas vistas 
nas aulas anteriores. 
Partindo do ponto de que a teoria realista é limitada, o autor se propõe a 
pensar no terceiro mundo. Ainda vivendo em um período de Guerra Fria e, por 
isso, utilizando a terminologia terceiro mundo, Ayoob percebe que o conceito de 
segurança relacionado a ameaças externas representava apenas os países de 
primeiro e segundo mundos, mas não os países de terceiro mundo: “[...] if not 
totally absent, so thoroughly diluted as to be hardly recognizable”1 (Ayoob, 2007, 
p. 319). Com isso, o objetivo de Ayoob (2007) é pensar como e por que o 
 
1 “[...] se não totalmente ausente, tão completamente diluído a ponto de dificilmente ser 
reconhecido” (Ayoob, 2007, p. 319, tradução nossa). 
 
 
3 
contexto do terceiro mundo era tão radicalmente diferente e quais eram as 
implicações dessas diferenças para o sistema internacional. 
Diferentemente dos países desenvolvidos, a sensação de insegurança 
dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos emana dos limites de suas 
fronteiras. Isso não significa que os países em desenvolvimento e 
subdesenvolvidos não tenham inseguranças diante de ameaças externas, mas 
sim que a insegurança desses Estados é uma junção de fontes de ameaças 
internas e externas. 
Os Estados desenvolvidos não lidam com tantos problemas de ordem 
política como os Estados em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Os Estados 
não desenvolvidos pendulam entre fontes internas e externas de ameaça, como 
problemas sociais e econômicos. Com isso, esses Estados militarizam 
problemas políticos e, ao apresentarem estes problemas também como 
problemas militares, os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento tentam 
escolher uma arena de confronto com dissidentes domésticos. Essa 
caracterização do problema de segurança enfrentado pelos Estados do terceiro 
mundo e suas diferenças em relação ao padrão de problemas de segurança 
enfrentados pelos Estados desenvolvidos têm sido tratadas em nível doméstico, 
em cada Estado. 
Porém, as diferenças são meramente os sintomas de uma divergência 
muito mais profunda nas respectivas experiências dos Estados desenvolvidos e 
dos não desenvolvidos. Essas diferenças estão relacionadas a duas grandes 
variáveis: 
1. A história da formação do Estado nos países em desenvolvimento e nos 
subdesenvolvidos, em contraposição à dos países desenvolvidos; 
2. O padrão de recrutamento das elites e o estabelecimento e a manutenção 
de regimes políticos nos países não desenvolvidos, em comparação ao 
mesmo processo nos países desenvolvidos. 
Essas diferenças entre o primeiro e o terceiro mundos determinam as 
distintas orientações de segurança entre os conjuntos de Estados. 
É importante perceber que a variável tempo é a proposição dominante na 
estruturação do conceito pós-colonialista. Países desenvolvidos colhem 
resultados de anos em processo de desenvolvimento e atingiram estruturas 
estatais legítimas, coesas e fortes. Em contrapartida, as estruturas estatais dos 
países não desenvolvidos ainda não atingiram a mesma força e legitimidade. A 
 
 
4 
maioria dos Estados em desenvolvimento e subdesenvolvidos é apenas 
participante recente no sistema moderno de Estados, que é de origem europeia, 
em suas características definidoras: “Until a few decades ago they were mere 
‘objects’ rather than ‘subjects’ in international relations”2 (Ayoob, 2007, p. 321). 
A estruturação do sistema internacional é resultado dessa variável tempo: 
Even after the conclusion of the decolonization process, because of the 
enormous time gap between the development of modern state 
structures in the Third World and the development of the same 
structures in Europe, their capacity to act effectively in a system which 
is defined primarily by its state-centric character is low. The economic 
gulf between the developed Western and developing Southern states, 
with limited and partial exceptions, adds to the latters’ ineffectiveness 
as participants in the system3 (Ayoob, 2007, p. 321). 
Esse lapso temporal entre colonizadores e colônias, mesmo depois da 
independência, geram no sistema internacional dois tipos de atores: atores 
primários – Estados europeus, América do Norte e Oceania; e atores 
secundários – os recém-independentes, o terceiro mundo, os países em 
desenvolvimento e os subdesenvolvidos. 
Outro agravante está no processo de independência: as fronteiras dos 
países subdesenvolvidos e até mesmo dos em desenvolvimento foram 
desenhadas pelos colonizadores. Muitas vezes, por conveniência administrativa; 
outras, por algum tipo de compensação oferecida a concorrentes coloniais. 
Como resultado desse processo, essas estruturas ainda não desenvolveram a 
capacidade de assegurar uma identidade de população em seus Estados e 
também de seus regimes políticos. 
Portanto, a desarmonia interna e a falta de identificação constituem uma 
ameaça forte às estruturas de Estado dos países não desenvolvidos. O problema 
é acentuado quando se analisa o nível de consenso sobre as questões sociais e 
as políticas fundamentais, nas sociedades desses Estados (Ayoob, 2007, p. 
321). 
É possível identificar na corrente pós-colonialista mais um grande avanço 
no conceito de segurança. O pós-colonialismo contribui para isso ao fornecer 
 
2 “Até algumas décadas atrás, eram meros ‘objetos’ em vez de ‘sujeitos’, nas relações 
internacionais” (Ayoob, 2007, p. 321, tradução nossa). 
3 “Mesmo após a conclusão do processo de descolonização, devido ao enorme intervalo de 
tempo entre o desenvolvimento das estruturas estatais modernas no terceiro mundo e o 
desenvolvimento das mesmas estruturas na Europa, sua capacidade de atuar efetivamente em 
um sistema que é definido principalmente por seu caráter centrado no Estado é baixo. O fosso 
econômico entre os Estados ocidentais desenvolvidos e o Sul em desenvolvimento, com 
exceções limitadas e parciais, contribui para a ineficácia dos últimos como participantes do 
sistema” (Ayoob, 2007, p. 321, tradução nossa). 
 
 
5 
uma nova variável para a análise da segurança internacional: a variável tempo, 
ao pensar na distância entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos e 
em desenvolvimento, que pouco se afastaram da colonização e de seus 
resultados, tendo em perspectiva os atoresdo cenário internacional. 
Ponderando especificamente sobre os países subdesenvolvidos e em 
desenvolvimento, é importante notar que desenvolvimento econômico desigual, 
com diferenças econômicas, em uma população, grandes, crescentes e 
flagrantes em termos de riqueza e renda, tensões comunitárias e étnicas são 
fatores que contribuem para a falta de consenso social sobre as questões 
fundamentais e sobre o caráter não representativo da maioria dos regimes nos 
países não desenvolvidos, o que se reflete, também, nas constantes ameaças 
internas a sua segurança e à segurança das estruturas estatais. 
Para Ayoob (2007), esses inúmeros fatores iluminam a grande 
disparidade entre o que é considerado segurança nos países desenvolvidos e o 
que é considerado segurança nos países em desenvolvimento: 
“The dimensions of the security problem, and of the concept of security 
itself, in the Third World are, therefore, very different from those applied 
to, and common in the literature of, the developed West”4 (Ayoob, 2007, 
p. 323). 
Porém, o distanciamento entre as sensações de segurança não aparece 
apenas em sua construção temporal. O conflito de visões fica claro no cenário 
internacional, em que os Estados desenvolvidos definem uma agenda 
internacional de segurança com o propósito de pensar na estabilidade e 
segurança internacional como um todo. Isso tem graves efeitos negativos sobre 
os Estados não desenvolvidos, tanto no que diz respeito aos temas internos, 
como nas causas de sua insegurança. 
Os temas da agenda internacional de segurança costumam ter pouco, ou 
até mesmo nenhum, vínculo com os temas de segurança dos Estados não 
desenvolvidos. Com isso, as ameaças internas se agravam e rapidamente 
passam para o cenário internacional, levantando a possibilidade de intervenção 
dos países desenvolvidos. 
Ayoob segue desenvolvendo sua pesquisa e em 1996 publica um capítulo 
de livro em que apresentará novos pontos relevantes para o pensamento pós-
 
4 “As dimensões do problema de segurança e do conceito de segurança em si, no terceiro mundo, 
são, portanto, muito diferentes daquelas aplicadas e comuns na literatura do Ocidente 
desenvolvido” (Ayoob, 2007, p. 323, tradução nossa). 
 
 
6 
colonial. O autor passa a pensar na norma internacional, na maneira como o 
direito internacional pensa os direitos humanos e como essa norma representa 
a forma de lidar com a segurança dos países desenvolvidos, mas não reflete os 
problemas de segurança enfrentados nos países não desenvolvidos. 
A comunidade internacional pensou os direitos humanos com ênfase nos 
direitos civis e políticos, enquanto que a história dos países em desenvolvimento 
e subdesenvolvidos demonstra que os direitos salvaguardados devem ser 
aqueles para os seres humanos, independentemente de nacionalidade ou 
particularidade de Estado. 
Na década de 1960, é possível perceber um ponto de mudança na ótica 
dessa regra: a Convenção Internacional dos Direitos Humanos reconhece 
indivíduos e grupos de indivíduos independentes de seus vínculos estatais; 
porém, a aplicabilidade da regra nos países de terceiro mundo segue 
enfrentando dificuldades. O conceito de direitos humanos depende da existência 
e do bom funcionamento dos Estados industrializados, representativos e 
responsivos, o que nem sempre se encontra nos países não desenvolvidos. 
A comunidade internacional pressiona os Estados pós-coloniais a 
adaptarem a sua realidade à mesma vivida pelos países desenvolvidos e é isso 
que acontece com os direitos humanos e também com outras manifestações 
estatais, como a lógica econômica liberal. 
Todos esses aspectos assinalados por Ayoob (2007) representam um 
avanço no conceito de segurança ao demonstrarem que não é possível seguir o 
mesmo padrão em todos os Estados: torna-se necessário sempre considerar as 
variáveis internas e as diferentes ameaças que advêm de cada uma dessas 
variáveis. 
TEMA 2 – NOVAS DIMENSÕES DO CONFLITO 
Para entendermos a mudança nas dimensões dos conflitos 
contemporâneos, é importante termos em mente que a configuração atual dos 
conflitos é reflexo da evolução histórica da sociedade. Essa evolução histórica 
tem um importante momento, que foi a Guerra Fria. 
A Guerra Fria é um importante marco para as relações internacionais e 
isso ocorre por ela ter sido o conflito que mais polarizou o mundo, uma guerra 
de ideologias que mostrou, entre várias capacidades, a potência bélica dos dois 
polos envolvidos. Após meio século de bipolaridade, o fim da Guerra Fria 
 
 
7 
suprimiu o polo socialista do sistema internacional. Além disso, foi possível 
observar que, nesse sistema internacional, não mais viveríamos o legado de 
duas potências e os Estados Unidos da América (EUA) demonstravam sua força 
militar e hegemonia estratégica global. 
Assim, conforme disse Villa (2019): “[...] o fim da Guerra Fria não se limitou 
apenas a modificar a distribuição de poder, mas alterar a própria natureza do 
poder e do conflito”. Na história da sociedade ocidental contemporânea tivemos 
sempre o poder alinhado à força militar. Isso advém do curso histórico da 
sociedade, com as experiências da I Guerra Mundial, II Guerra Mundial e Guerra 
Fria. Porém, o fim da Guerra Fria demonstra um jogo de poder estratégico-militar, 
um jogo de poder econômico e um terceiro jogo de poder de relações 
transnacionais, de natureza múltipla e não necessariamente estatal. 
Ao longo da Guerra Fria, as áreas de maior preocupação nos planos 
militares dos EUA eram aquelas de confronto entre os EUA e o bloco soviético, 
Centro e Sudeste da Europa e Extremo Oriente. Porém, desde o fim da Guerra 
Fria, essas áreas perderam o significado estratégico para os EUA (com exceção 
da Coreia do Norte) e outras áreas ganharam atenção da política de defesa 
americana, como: Golfo Pérsico, bacia do Mar Cáspio e mar da China Meridional. 
Essa mudança de estratégia dos EUA tem ênfase na proteção de 
suplementos vitais, especialmente petróleo e gás natural. Enquanto, na Guerra 
Fria, a prioridade era manter e montar linhas e alianças ideológicas, o fim da 
Guerra Fria representou o início da competição por acesso a esses suplementos 
vitais e econômicos. A possibilidade de interrupção de fornecimento desses 
suprimentos naturais acarretaria graves consequências econômicas aos países 
importadores e isso faz com que essas fontes de recursos sejam uma 
preocupação nacional significativa. Além disso, com o consumo global de 
energia subindo cerca de 2% ao ano, a competição pelo acesso a grandes 
reservas de energia só aumentará, nos próximos anos (Klare, 2001). 
Michael Klare (2001) chama atenção para essa mudança na postura dos 
EUA e também das outras maiores potências mundiais. Em seu texto, Klare 
(2001) constata que o fim da Guerra Fria possibilita que todas as potências 
mundiais reavaliem seus esforços estratégicos. Essa reavaliação transfere o 
foco dos países globalizados para os recursos naturais estratégicos para as suas 
economias e isso inclui petróleo, gás natural e também água potável e recursos 
minerais. 
 
 
8 
Em outras partes do mundo, surgiram conflitos localizados para o controle 
de madeira e minerais valiosos. Normalmente, esses conflitos envolvem uma 
luta entre elites ou tribos concorrentes sobre a renda derivada das exportações 
de mercadorias. Em Angola e Serra Leoa, por exemplo, grupos rivais estão 
lutando pelo controle de lucrativos campos de diamantes; na República 
Democrática do Congo (DRC), o conflito diz respeito tanto ao cobre quanto aos 
diamantes; e em partes do sudeste da Ásia, vários grupos estão brigando por 
estandes valiosos de madeira. O recente derramamento de sangue em Bornéu 
surgiu de confrontos entre os dayak, indígenas, que há muito ocupavam as 
extensas florestas de Bornéu, e os colonos de Java e Madura, levados pelo 
governo indonésio para colher toda essa madeira. Embora não sejam uma 
ameaça diretaà segurança das grandes potências, esses conflitos podem levar 
ao envio de forças de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas 
(ONU) – como em Serra Leoa – que, assim, impõem demandas significativas à 
capacidade mundial de gerenciar a violência étnica e regional (Klare, 2001). 
Todos esses fenômenos – aumento da competição pelo acesso às 
principais fontes de petróleo e gás, atrito crescente pela alocação de água 
compartilhada e guerras internas por mercadorias de exportação valiosas – 
produziram uma nova geografia do conflito, uma cartografia reconfigurada na 
qual os recursos fluem, ao invés de divisões políticas e ideológicas. 
TEMA 3 – MUDANÇA NA NATUREZA DA GUERRA 
No tema anterior vimos que a Guerra Fria, desde o seu início até o seu 
fim, gerou mudanças nas percepções mundiais de segurança. Percebemos que 
o repertório de ameaças no sistema internacional se tornou mais complexo e 
difuso. Isso representa novas dimensões do conflito, mas essas novas 
dimensões mudam a natureza da guerra? Sim. 
Conforme mencionamos, com o fim da Guerra Fria começam a aparecer 
rivalidades priorizadas por recursos naturais que são ativos econômicos. A 
existência desses conflitos, sobretudo no sul da Ásia, na ex-Iuguslávia, na África, 
a partir dos anos de 1980, dificilmente poderiam ser explicados com as teorias 
clássicas de segurança internacional. Diante do processo de globalização, os 
conflitos não se limitam a um só país ou mesmo a uma só região ou motivo. A 
nova natureza da guerra dificulta a distinção entre nacional e internacional. 
 
 
9 
Segundo Mary Kaldor (2012), toda sociedade tem sua própria forma 
característica de guerra. O que tendemos a perceber como guerra, o que os 
formuladores de políticas e líderes militares definem como guerra é, de fato, um 
fenômeno específico que se formou na Europa, em algum lugar, entre os séculos 
XV e XVIII, embora tenha passado por várias fases diferentes, desde então. Foi 
um fenômeno intimamente ligado à evolução do Estado moderno. Kaldor 
organiza a natureza das guerras antigas para poder ilustrar a nova natureza da 
guerra. As guerras tradicionais eram um fenômeno estatal, público, podendo ser 
organizadas conforme o Quadro 1. 
Quadro 1 – Evolução da guerra tradicional 
 Séculos XVII e 
XVIII 
Século XIX Início do 
século XX 
Final do século 
XX 
Tipo de 
política 
Estado 
absolutista 
Estado-Nação coalizões de 
Estados, 
Estados 
multinacionais e 
impérios 
blocos 
Objetivos da 
guerra 
razões de 
Estado; 
conflitos 
dinásticos; 
consolidação de 
fronteiras 
conflitos 
nacionais 
conflitos 
nacionais e 
ideológicos 
conflitos 
ideológicos 
Tipo de 
exército 
mercenário e 
profissional 
profissional, 
com 
recrutamento 
exército de 
massa 
elite científico-
militar/exército 
profissional 
Técnica militar uso de armas 
de fogo, 
manobras 
defensivas, 
cercos 
ferrovias e 
telégrafos, 
mobilização 
rápida 
poder de fogo 
maciço; 
blindados e 
aeronaves 
armas nucleares 
Economia de 
guerra 
regularização de 
taxas e 
empréstimos 
expansão da 
administração e 
burocracia 
economia 
mobilizada 
complexo 
industrial-militar 
Fonte: Adaptado de Kaldor, 2012, tradução nossa. 
Cada uma dessas fases descritas no Quadro 1 foi caracterizada por um 
modo diferente de guerra, envolvendo diferentes tipos de forças militares, 
diferentes estratégias e técnicas, diferentes relações e meios de guerra. Mas, 
apesar dessas diferenças, a guerra era reconhecidamente o mesmo fenômeno: 
uma construção do Estado moderno territorializado, racional, ordenado 
hierarquicamente e com fronteiras definidas. À medida que o Estado moderno, 
centralizado e territorializado dá lugar a novos tipos de políticas, emergentes de 
 
 
10 
novos processos globais, a guerra, como a concebemos, está se tornando, 
atualmente, um anacronismo. 
Samuel Huntington (1999), em sua obra O choque das civilizações e a 
mudança na ordem mundial, aborda essa nova natureza da guerra. Segundo o 
autor, após a Guerra Fria os conflitos internacionais passam a ter como ponto-
chave a cultura. Huntington (1999) alega que povos pertencentes a diferentes 
identidades culturais entrariam em conflito, de modo que a política 
contemporânea de segurança terá como foco principal a preservação e o 
fortalecimento da integridade cultural. 
O trabalho de Huntington (1999) foi bastante criticado, mas muito debatido 
na área de segurança internacional. O ponto principal do debate foi a cultura: 
internacionalistas acreditam que o problema não é termos culturas diferentes, 
mas sim a desigualdade que divide o mundo entre países desenvolvidos e não 
desenvolvidos. Sempre teremos países marginalizados, em que a globalização 
não atingiu a mesma intensidade que em outros países do mundo. O ponto em 
comum entre todos os analistas é a mudança na natureza da guerra. 
As diferentes interconexões de nossa sociedade contemporânea 
dificultam a distinção entre o nacional e o internacional e os conflitos não se 
restringem a um só país ou mesmo a uma só região. Com isso, o elemento 
central dos estudos de segurança – o Estado – deve ser repensado. Para Kaldor 
(2012), podemos definir as novas guerras como um novo tipo de conflito violento, 
em que as partes envolvidas geralmente não têm objetivos geopolíticos ou 
ideológicos. Esses novos conflitos tendem a envolver uma identidade particular; 
envolvem exércitos, forças policiais, gangues, milícias e forças paramilitares, 
organizados de forma descentralizada e utilizando métodos não tradicionais. Os 
métodos variam: pode ser expulsão de populações, assassinatos em massa, 
intimidação política, intimidação econômica e psicológica e outras quaisquer 
formas de gerar medo e terror entre civis. 
TEMA 4 – CARACTERÍSTICAS DA NOVA GUERRA 
Para entender o presente e o passado recente, é preciso compreender o 
impacto da globalização na política de sobrevivência dos Estados. As políticas 
têm novos atributos na contemporaneidade. Antes de tudo, esses atributos são 
de ordem horizontal e vertical, transnacional e nacional. A principal implicação 
da globalização é que a soberania territorial não é mais viável. O esforço para 
 
 
11 
recuperar o poder em um domínio espacial em particular apenas enfraquecerá 
ainda mais a capacidade de influenciar eventos (Kaldor, 2012). 
As novas guerras são guerras globalizadas. Elas envolvem a 
fragmentação e a descentralização dos Estados. A participação nas guerras é 
baixa em relação à população, tanto por falta de pagamento quanto por falta de 
legitimidade das partes em guerra. Como a produção doméstica é muito 
pequena, o esforço de guerra depende fortemente da predação local e do apoio 
externo. As batalhas são raras; a maior parte da violência é dirigida contra civis 
e a cooperação entre facções em guerra é comum. 
Tipicamente, as novas guerras são caracterizadas por uma multiplicidade 
de tipos de unidades de combate, públicas e privadas, estatais e não estatais ou 
algum tipo de mistura. Podemos identificar cinco tipos principais: 
1. forças armadas regulares ou seus remanescentes; 
2. grupos paramilitares; 
3. unidades de autodefesa; 
4. mercenários estrangeiros; 
5. tropas estrangeiras regulares. 
As forças armadas regulares estão em decadência, particularmente em 
áreas de conflito. Cortes nos gastos militares, prestígio em declínio, escassez de 
equipamentos, de peças de reposição, combustível e munição e treinamento 
inadequado contribuem para uma diminuição de sua atuação. 
As unidades de combate mais comuns são grupos paramilitares, ou seja, 
grupos autônomos de homens armados, geralmente centrados em um líder 
individual. Os grupos paramilitares são frequentemente compostos por soldados 
– até mesmo unidades inteiras são compostas por soldados baixados, da reserva 
ou desertores; e também por voluntários, jovens frequentemente 
desempregados em busca de um meio de vida, uma causaou uma aventura. 
Eles raramente usam uniformes, o que os torna difíceis de serem distinguidos 
dos não combatentes, embora usem roupas ou sinais distintivos. 
As unidades de autodefesa são compostas por voluntários que tentam 
defender suas localidades. Tais unidades são muito difíceis de se sustentarem, 
principalmente por causa de recursos inadequados. Onde não são derrotados, 
muitas vezes acabam cooperando com outros grupos armados e sendo sugados 
para o conflito. 
 
 
12 
Mercenários estrangeiros incluem indivíduos contratados por unidades de 
combate particulares e outros grupos de mercenários. Um fenômeno crescente 
são as empresas de segurança privada, que frequentemente recrutam soldados 
aposentados da Grã-Bretanha ou dos EUA, contratados pelos governos e por 
empresas multinacionais e geralmente interconectados. 
A categoria final é de tropas estrangeiras regulares, geralmente operando 
sob a égide de organizações internacionais, principalmente a ONU, mas também 
a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Em geral, essas tropas não 
estão diretamente envolvidas na guerra, embora sua presença seja muito 
significativa. 
Esses vários grupos operam de forma autônoma e em cooperação. O que 
parecem ser exércitos são, na verdade, coalizões horizontais de unidades 
separatistas das forças armadas regulares, milícias locais ou unidades de 
autodefesa, quadrilhas criminosas, grupos de fanáticos e apoiadores que 
negociaram parcerias, projetos comuns ou divisões de trabalho. Por causa do 
custo, de sua logística e infraestrutura e de habilidades inadequadas, esses 
grupos raramente usam armas pesadas, embora, onde estas sejam usadas, 
possa-se muito bem fazer uma diferença considerável. 
TEMA 5 – PAZ E GESTÃO DE CONFLITOS 
Para entendermos o que Rafael Villa (2019) chama de paz e gestão de 
conflitos é necessário primeiro compreendermos o conceito de conflito que é 
utilizado pelo autor e também por nós. Villa (2019) cita, ao longo do seu texto, 
dois conceitos de conflito – aqui trabalharemos com três conceitos. São eles: 
1. conflito armado interestatal: conflito armado entre dois ou mais Estados; 
2. conflito armado intraestatal: conflito entre um governo e um grupo não 
governamental que lhe é opositor. 
3. conflito armado intraestatal internacional: conflito entre um governo e um 
grupo não governamental opositor, em que existe o apoio de tropas 
internacionais a um dos lados em conflito. Dessa forma, tropas 
estrangeiras participam ativamente do conflito. 
Com o fim da Guerra Fria, se observa o predomínio de conflitos 
intraestatais. E, junto com isso, as práticas associadas à gestão e resolução de 
conflitos ganham força. Por gestão de conflitos se entende a limitação, mitigação 
 
 
13 
ou contenção de conflitos violentos. Essa gestão envolve processos com objetivo 
de resolver a causa originária do conflito. Essa gestão usualmente ocorre de 
maneira regional: cada vez mais, atores regionais passam a se envolver nessa 
atividade. Nesse processo, é crucial a desmobilização de ex-combatentes, a 
reconstrução do tecido social, o estabelecimento de instituições políticas e a 
criação de formas de desenvolvimento econômico e social. 
Em conclusão, as práticas mobilizadas para a gestão de um conflito, com 
o propósito de controlar e conter o uso da força armada, poderão ser 
convencionadas para resolvê-lo, sendo o cessar-fogo uma forma de paz. 
NA PRÁTICA 
O Programa de Dados de Conflitos de Uppsala (Uppsala Conflict Data 
Program – UCDP) é o principal provedor mundial de dados sobre violência 
organizada e o mais antigo projeto de coleta de dados sobre guerras civis, com 
uma história de quase 40 anos. Sua definição de conflito armado tornou-se o 
padrão global de como os conflitos são sistematicamente definidos e estudados. 
O UCDP produz dados de alta qualidade, sistematicamente coletados, com 
cobertura global, comparáveis entre casos e países e com séries temporais 
longas, atualizadas anualmente. Além disso, o programa é uma fonte única de 
informação para profissionais e formuladores de políticas (UCDP, [S.d.]). 
O UCDP também opera e atualiza continuamente seu banco de dados on-
line (UCDP Conflict Encyclopedia) sobre conflitos armados e violência 
organizada, em que informações sobre vários aspectos do conflito armado, como 
dinâmica e resolução de conflitos, estão disponíveis. Esse banco de dados 
interativo oferece um sistema baseado na web para visualização, manipulação 
e download de dados, incluindo conjuntos de dados prontos sobre violência 
organizada e manutenção da paz, todos gratuitos (UCDP, [S.d.]). 
Entre no site da UCPD e navegue para descobrir um pouco mais sobre os 
conflitos armados que estamos vivendo atualmente no mundo: 
<https://ucdp.uu.se/> (UCDP, [S.d.]). Quantos deles são perto do Brasil? 
Podemos verificar uma concentração desses eventos em algum continente? 
Entre no site e confira! 
 
 
 
14 
FINALIZANDO 
Nesta aula, fizemos um importante avanço em nossos estudos de 
segurança internacional. Para além do conceito de segurança, vimos também as 
alterações nos conflitos mundiais no pós-Guerra Fria. Para passar por todos 
esses temas, nossa aula foi dividida em cinco grandes tópicos. 
No primeiro tema da aula, estudamos o pós-colonialismo, com uma 
corrente teórica que chama atenção para os países em desenvolvimento e 
subdesenvolvidos, observando as especificidades desses países e a 
necessidade de eles terem um Estado forte. Na continuidade, fomos para o 
Tema 2, em que falamos das novas dimensões do conflito. Vimos, juntos, que 
existe uma nova geografia do conflito, em que os recursos naturais passam a 
fazer parte dos interesses nacionais, ao invés de divisões políticas e ideologias. 
Em seguida, abordamos que houve uma mudança na natureza da guerra, em 
que as diferentes interconexões de nossa sociedade contemporânea dificultam 
a distinção entre o nacional e o internacional. Nos conflitos, as partes envolvidas 
geralmente não têm objetivos geopolíticos ou ideológicos. 
Compreendendo a natureza da nova guerra, vimos as suas 
características. Conversamos sobre forças armadas regulares, grupos 
paramilitares, unidades de autodefesa, mercenários estrangeiros e tropas 
estrangeiras regulares. E, por fim, o último tema de nossa aula foi sobre paz e 
gestão de conflitos, em que abrangemos os conceitos de conflito interestatal, 
conflito intraestatal e conflito intraestatal internacional. 
 
 
15 
REFERÊNCIAS 
AYOOB, M. Security in the Third World: The Worm About to Turn? In: HANSEN, 
L.; BUZAN, B. (Ed.). International Security: volume 1. 1. ed. Londres: Sage 
Publications, 2007. p. 317-329. 
HUNTINGTON, S. O choque das civilizações e a mudança na ordem 
mundial. Lisboa: Gradiva, 1999. 
KALDOR, M. New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era. 
Cambridge: Polity Press; Stanford: Stanford UP, 2012. 
KLARE, M. The New Geography of Conflict. Foreign Affairs, v. 80, n. 3, p. 49-
61, 2001. 
UCDP – Uppsala Conflict Data Program. Uppsala, [S.d.]. Disponível em: 
<https://ucdp.uu.se/>. Acesso em: 20 nov. 2019. 
VILLA, R. D. Segurança internacional. Curitiba: InterSaberes, 2019.

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