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1 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Exames Laboratoriais em Gastroenterologia Aula ministrada pela professora Maria da Penha Zago. Exames laboratoriais em Hepatologia Serão abordados nessa aula os seguintes: - Testes para avaliação de lesão hepatocelular (necrose hepatocelular); - Testes para avaliação do fluxo biliar e lesão de vias biliares (colestase); - Testes para avaliação da função de síntese do fígado (suficiência hepática); - Teste para estágio para cirrose. OBS.: Os testes para investigação da etiologia da doença hepática serão abordados em outras aulas. Marcadores de Necrose Hepatocelular----------------------------- Serão abordadas as aminotransferases e a desidrogenase lática. I. AMINOTRANSFERASES A aspartato aminotransferase (AST), conhecida também como transaminase glutâmico oxaloacética (TGO), catalisa a reação: aspartato + alfa-queroglutarato = glutamato + oxaloacetato. Essa enzima tem alta concentração no citoplasma e principalmente nas mitocôndrias. Está presente no fígado, músculo esqueléticos e músculo cardíaco, rins, pâncreas e eritrócitos. Pode ser portanto, indicativa de lesões em diversos sítios. OBS.: sofrimento intracelular costuma aumentar mais TGO que TGP. Valores normais: até 31 U/L (mulheres) e 37 U/L (homens). A outra transaminase é a alanina aminotransferase (ALT), conhecida também como transaminase glutâmico pirúvica (TGP), catalisa a reação: alanina + alfa-queroglutarato = glutamato + piruvato. Essa enzima é encontrada em altas concentrações apenas no citoplasma do fígado, portanto é mais sensível. Valores normais: até 31 U/L (mulheres) e 41 U/L (homens). Níveis elevados das transaminases significam necrose hepatocitária (principalmente ALT/TGP). Esses valores não têm valor prognóstico (o valor exato dessas enzimas não indica uma lesão pior/melhor ou maior/menor) e na doença avançada geralmente é normal (valores muito alterados normalmente associados a eventos agudos). II. DESIDROGENASE LÁTICA (DHL) Pode observar-se aumento em lesões hepáticas de modo geral. É útil na diferenciação entre hepatite aguda viral e lesão causada por isquemia ou paracetamol. 2 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Nas hepatites, por exemplo, é comum as transaminases se elevarem muito e a DHL não tanto, enquanto nas lesões por isquemia comumente ocorre ao contrário. Quando a ALT/TGP está acima de 5 vezes e a relação ALT/DHL é maior que 1,5, é sugestivo de hepatite viral. Valores normais: 24-480 U/L. Quando TGO e TGP se elevam em proporções parecidas, isso é sugestivo de lesão aguda de hepatócitos. Quando o valor da TGO/AST é mais de 2 vezes maior que o da ALT/TGP é indicativo de lesão hepática por álcool. Marcadores de Colestase--------------------------------------------- Serão abordadas as bilirrubinas, a fosfatase alcalina e a gamaglutamil transpeptidase (Gama GT). I. FOSFATASE ALCALINA Durante todo o trajeto de ductos biliares, desde os canalículos até a chegada ao ducto colédoco, há a produção de fosfatase alcalina. A FA pode ser encontrada em vários sítios, principalmente no fígado e nos ossos (pode aumentar em tumores ósseos e na gravidez). Quando seu aumento está relacionado ao fígado, esse aumento se dá devido a uma obstrução dos canais biliares levando a uma colestase. A colestase causa aumento da síntese e aumento da liberação de fosfatase alcalina. OBS.: colestase por causa alcóolica é uma causa intra-hepática importante. A elevação de FA em até 3 vezes é inespecífica, podendo ser causada por várias doenças hepáticas. Já uma elevação importante da FA, representando uma colestase, tem como causas lesões infiltrativas do fígado (tumores primários ou metastáticos) e obstrução biliar (intra ou extra hepática). II. GAMAGLUTAMIL TRANSPEPTIDASE (GAMA GT) Essa enzima não é encontrada nos ossos e na placenta, portanto confirma uma origem hepática de uma FA aumentada. É uma enzima microssomal, sofrendo indução pelo uso de álcool (marcador de alcoolismo e não de hepatopatia alcóolica) e drogas (anticonvulsivantes e outras). Portanto, a GAMA GT pode estar elevada sem aumento de FA. Pode ser elevada em até 10% dos indivíduos sem relação com doenças. Algumas doenças hepáticas apresentam elevação da FA sem elevação da GGT: colestase intra-hepática recorrente benigna, doença de Byler e colestase da gravidez. III. BILIRRUBINAS Com a quebra das hemácias (tempo de vida médio de 120 dias), principalmente no baço (pode ser também no osso e fígado), o grupo HEME se transforma em biliverdina e depois em bilirrubina. Essa bilirrubina não é solúvel e, portanto, é carreada no sangue ligada a uma proteína: a albumina. Essa bilirrubina é chamada de bilirrubina indireta. A bilirrubina indireta, quando aumentada, não provoca colúria, pois por ser grande não é filtrada. Isso ocorre, por exemplo, em casos de hemólise ou eritropoiese ineficiente. Pela corrente sanguínea, a bilirrubina indireta chega ao fígado, onde cai nos sinusóides e entra no hepatócito. Dentro da célula hepática, a bilirrubina é conjugada com o ácido glicurônico, vai para o retículo endoplasmático e acaba sendo excretada pelo canalículo biliar. Assim, passa por todo o caminho até o intestino e dá cor às fezes. Portanto, quando a bilirrubina direta (conjugada) não consegue alcançar o ducto biliar, há acolia fecal. 3 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Aumento de bilirrubina indireta pode ser dado por: aumento da produção de bilirrubina (hemólise, eritropoiese ineficaz, reabsorção de hematoma) e por defeitos congênitos na captação ou conjugação da bilirrubina (Síndrome de Gilbert, Síndrome de Crigher Najjar tipo I e II). Aumento de bilirrubina direta pode ser dado por: defeitos congênitos na excreção hepática (Síndrome de Rotor, Síndrome de Dubin Johnson) e por defeitos adquiridos na excreção hepática (lesão do parênquima hepático, obstrução biliar). Devido ao clearance renal da bilirrubina conjugada, o nível sérico da bilirrubina não ultrapassa os 30mg/dl, na ausência de insuficiência renal ou de hemólise. A elevação da bilirrubina tem valor prognóstico na hepatite alcóolica, cirrose biliar primária e hepatite aguda. Quanto maior (mais icterícia), maior a chance de uma hepatite fulminante. Marcadores de Síntese Hepática------------------------------------ Serão abordadas a atividade de protrombina I. ATIVIDADE DE PROTROMBINA O fígado sintetiza a maioria dos fatores e inibidores da coagulação, portanto testes que visam esses fatores e medidas relacionadas são bons marcadores da suficiência hepática. A falta de fatores de coagulação pode se dar por perda de função dos hepatócitos ou por falta de matéria prima, a vitamina K (adquirida pela dieta e absorvida juntamente à gordura). Na prática clínica, utiliza-se a determinação da atividade da protrombina. O tempo de atividade de protrombina pode ser dado em segundos (TAP), em % e em INR. EX.: Normal = 13 segundos RESULTADO: TAP = 50% | INR = 2,0 Paciente = 26 segundos O normal é um TAP de até 80% e um INR de até 1,2. II. ALBUMINA Proteína de síntese hepática, tendo uma produção diária de 10g e meia vida de 21 dias. Devido a meia vida prolongada é menos sensível que o TAP (altera-se com 2, 3 dias de alteração) na avaliação da síntese hepática em pacientes com doença aguda. Portanto, usa-se mais para doenças crônicas. Fatores extra-hepáticos que influenciam o nível sérico de albumina podem ser: estado nutricional, catabolismo proteico, perdas renais/intestinais. Classificações das doenças hepáticas------------------------------ I. CHILD-PUGH Essa classificação é utilizada para classificar com hepatopatias crônicas, tendo sido criada inicialmente para avaliação de risco cirúrgico desses pacientes. Utiliza-se2 dados clínicos e 3 laboratoriais. Mnemônico BEATA (Bilirrubina, Encefalopatia, Ascite, Tempo de Protrombina e Albumina). 4 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Child A: Ótimo fígado. Child B: Fígado com certo grau de insuficiência. Child C: Fígado de alto risco. II. MELD/PELD Modelo matemático utilizado para alocação do paciente pelo estado de seu órgão na fila de transplante. Quanto maior a pontuação, menor a sobrevida e, portanto, prioridade na lista de transplante. Utiliza-se a creatinina sérica, bilirrubina total e INR como parâmetros. OBS.: existe um modelo chamado MELD-Na, que leva em consideração o sódio do paciente. Marcadores tumorais e outros--------------------------------------- Alfa feto proteína: é uma proteína fetal, mas aumenta em inflamações de fígado e carcinoma hepatocelular (alfa feto proteína de 300). O normal é o nível em até 10 unidades de medida. 5 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 CA 19.9: Marcador de uma glicoproteína relacionada a mucina. Está presente em neoplasias que produzem mucina, como no câncer de pâncreas (adenocarcinoma de pâncreas e IPMN). CEA: é o antígeno carcinoembrionário. Importante pois está aumentado no câncer colorretal e é um marcador muito utilizado para o controle pós-terapêutica desse câncer. Calprotectina fecal: proteína citoplasmática do neutrófilo, presente toda vez em que há morte de neutrófilos. Sua medida nas fezes, ajuda no diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais. Elastase fecal: enzima pancreática que auxilia no diagnóstico da insuficiência pancreática exócrina, pois não é digerida e sai em quantidade inalterada nas fezes. Caso esteja em valores baixos, pode ser sinal de insuficiência pancreática. Teste respiratório do H. Pylori: usado para controle no tratamento do H. Pylori. 6 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Cirrose Hepática Aula ministrada pela professora Maria da Penha Zago. Estrutura do Fígado Normal O sangue chega pelos ramos portais (70%) e também pela artéria hepática (30%), irrigando assim as células do fígado. Esse sangue chega ao lóbulo hepático e vai passando até chegar à veia centrolobular, que vai drenar o sangue. O ramo portal é um ramo da veia porta que faz parte do espaço porta (ramo da artéria hepática, veia porta e ducto biliar). Na histologia do lóbulo hepático clássico, demonstrado na figura acima, a área 3 (mostrada abaixo) é a que mais sofre, pois está mais longe do espaço porta e, assim, onde ocorre mais hipóxia. OBS.: Schistosoma mansoni obstrui o espaço porta, fazendo que a hipertensão fique da região da obstrução para trás (não entra nos sinusóides) e, assim, a hipertensão portal esquistossomótica não cursa com insuficiência hepática ou cirrose. Introdução à cirrose O fígado cirrótico é aquele em que há uma subversão/desorganização difusa da arquitetura hepática normal. Formam-se, assim, nódulos (caroços) cercados de tecido conjuntivo fibroso. 7 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 A cirrose pode ser classificada morfologicamente em alguns tipos. A cirrose hepática macronodular é aquela em que há nódulos grandes (parecem até nódulos neoplásicos pelo tamanho), tendo como principal causa o álcool. Já na cirrose hepática micronodular formam-se pequenos nódulos na extensão do território hepático, normalmente causada pelos vírus da hepatite B e C. Por último, ainda existe a cirrose hepática mista, em que se encontra macro e micro nódulos. Para a epidemiologia da etiologia da cirrose hepática no Espírito Santo, utilizaremos nessa aula um estudo feito no ano de 1993 a 2005 no HUCAM-UFES com 1100 casos de cirrose hepática. Desses casos, 41,8% foram causados por álcool; 24,4% por VHC e VHC+álcool; 18,9% por VHB e VHB+álcool e 14,8% por outras etiologias. Já outro estudo (HUCAM/UFES 2013), encontrou-se que por volta de 40% dos 1516 casos tem a etiologia no álcool. OBS.: lembrar que a principal variável que faz com que tenha mais cirróticos homens é o álcool, já que os alcoolistas são majoritariamente homens. Álcool e Cirrose O álcool é metabolizado no fígado. No metabolismo dele, forma-se, após reações químicas, ácidos graxos. Os ácidos graxos se depositam no interior do hepatócito na forma de uma gota de gordura, em um processo chamado de esteatose alcóolica. Essa é primeira alteração que ocorre na hepatopatia alcóolica, com as células sofrendo e podendo levar a necrose e apoptose desses hepatócitos. Começa a haver um processo inflamatório importante (chamado de hepatite alcóolica) que leva a fibrose hepática. OBS.: O Corpúsculo de Mallory é um fenômeno que ocorre na esteatose alcóolica e não alcóolica em que ocorre uma manifestação morfológica altamente característica, mas não patognomônica, da ação tóxica do etanol sobre o fígado. O corpúsculo de Mallory é um conteúdo hialino (degeneração hialina celular) que se inclui no citoplasma, ou seja, há a presença de material proteico no citoplasma do hepatócito. É importante lembrar que a presença de fibrose (principalmente quando se tem traves que vão desde a veia centrolobular até o espaço porta) é um marcador de gravidade de lesão hepática. Vírus e Cirrose Outra etiologia importante é a viral, principalmente representada pelas hepatites B e C. O vírus da hepatite B pode ser piorado pelo vírus delta, que é um vírus defectivo que mora dentro do HBV e leva a uma maior gravidade da doença. NASH e Cirrose Outra etiologia é a NASH, que é a esteato-hepatite não alcóolica. Por alterações como obesidade, diabetes tipo 2 e hiperlipidemia (doenças plurimetabólicas), passa-se a ter sofrimento hepático devido a dificuldade do metabolismo de ácidos graxos dentro do fígado, levando a reações oxidativas (estresse oxidativo/formação de radicais livres) o que resulta em lesões hepáticas semelhante a doença alcóolica sob o ponto de vista histológico. Sob o ponto de vista clínico, a TGO está predominantemente alterada na doença alcóolica e a TGP no caso da não alcóolica. 8 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Outras Causas As três principais causas da cirrose estão citadas nas seções acima. No entanto, outras causas ainda podem existir e devem ser estudadas. I. HEMOCROMATOSE Uma causa é a hemocromatose, de natureza hereditária. Nessa doença, há uma alteração no metabolismo do ferro, havendo depósitos de ferro no fígado. Esse depósito leva a um processo inflamatório hepático que pode levar à cirrose. Desconfia-se, na clínica, desse acometimento quando há ferritina elevada e uma saturação de transferrina acima de 50% (hematócrito pode ser alterado). Deve ser pedido também, à suspeita, um teste para a mutação da hemocromatose. Lembrar que os depósitos também atingem outros órgãos como o pâncreas (pancreatite crônica + cirrose hepática = pensar em hemocromatose para descartá-la). II. DOENÇA DE WILSON A Doença de Wilson, por sua vez, é outra causa hereditária. Nela, há um erro no metabolismo do cobre em que há depósito de cobre em várias regiões. Na íris, é possível observar em 50% dos casos anéis de Kayser-Fleischer, resultado de acúmulo de cobre na região. Podem ocorrer doenças neurológicas e psiquiátricas. A proteína a pesquisar é a ceruloplasmina. A doença tem cura. III. DEFICIÊNCIA DE ALFA 1 ANTI-TRIPSINA Também de natureza hereditária. Há um processo inflamatório importante dos pacientes, que normalmente são crianças. IV. ESTASE VENOSA A estase venosa pode causar quadros de hepatopatia crônica, inclusive com cirrose. Acometimentos associados a essa causa são: insuficiência cardíaca, pericardite constrictivae Síndrome de Budd-Chiari. A Síndrome de Budd-Chiari é a obstrução de efluxo hepático venoso que se origina em qualquer lugar desde os pequenos ramos da veia hepática dentro do fígado até a veia cava inferior e o átrio direito. Deve-se pensar nessa síndrome em pacientes que tem eventos tromboembólicos (pacientes que tem deficiência de fatores anticoagulantes, aumento de fatores pró-coagulantes, gravidez). V. CIRROSE BILIAR SECUNDÁRIA Outro causa é a obstrução biliar, causado por obstruções mecânicas como tumores ou cálculos, no colédoco, papila duodenal etc. Se essa obstrução se mantiver por muitos meses, esse paciente pode evoluir para uma cirrose hepática. Portanto, é importante lembrar que a obstrução de via biliar deve ser drenada, tanto para melhorar o quadro clínico do paciente quanto para poupar o fígado de maiores lesões. VI. CIRROSE BILIAR PRIMÁRIA Chamada de hoje em dia de Colangite Biliar Primária. É uma doença ductular que se caracteriza por uma colangite, marcada pelo anticorpo anti-mitocôndria. 9 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 VII. COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA Doença da via biliar em que há um processo inflamatório autoimune que leva a formação de regiões de estenose e regiões dilatação (colar de pérolas). Causa cirrose hepática. Está muito ligada a doença inflamatória intestinal (em 80% dos casos), principalmente retocolite ulcerativa. Testes laboratoriais: FA e GGT. VIII. HEPATITE AUTO-IMUNE É uma doença autoimune caracterizada por um processo inflamatório localizado no parênquima hepático, onde é possível marcar os anticorpos anti-músculo liso (maioria dos pacientes) e anti-LKM (menor prevalência/mais em crianças). IX. DROGAS Outra causa é o uso crônico de drogas. Um exemplo é o uso crônico de metotrexate, que é utilizado para doenças autoimunes atuando como imunomodulador. Essa droga causa fibrose, e precisa de uma dose acima de 1250mg de somatória da dose para começar a ter risco. Chama-se atenção para a alfa-metildopa, um antidepressivo. Atualmente, praticamente não é utilizado. Outro exemplo é a amiodarona, um antiarrítmico que dá uma lesão muito parecida com esteato-hepatite não alcóolica, podendo levar a lesão hepática. Aspectos Clínicos A cirrose pode ser compensada ou descompensada. Sexo: mais comum em homens no geral. Ficar atento pois mulheres tem mais doenças autoimunes. Idade: As etiologias mudam muito com a idade. As etiologias nas crianças é totalmente diferente dos adultos. Profissão: a ocupação pode influenciar, inclusive com relação ao consumo de álcool. Importantes antecedentes são icterícia, transfusão de sangue, consumo de drogas, álcool, tatuagem, dor abdominal (etiologias que podem levar a cirrose), emagrecimento, icterícia, ascite, h. digestiva, encefalopatia. Tudo isso deve ser pesquisado e perguntado ao paciente. Exame Físico------------------------------------------------------------- É importante ter atenção, no exame físico ao seguinte: estado geral (principalmente musculatura), nutrição, icterícia, hálito (ex.: encefalopatia hepática), aranhas vasculares, eritema palmar, atrofia testicular, ginecomastia, alteração na distribuição de pelos (passam a ter característica de pelos femininos), edema, exame do fígado (ex.: borda cortante na cirrose), exame do baço, ascite (verificar a extensão/se há macicez móvel), circulação colateral. OBS.: A encefalopatia hepática se caracteriza pela presença na corrente sanguínea (e aí ganhando a circulação cerebral) de produtos que deveriam ser metabolizados pelo fígado, mas acabam escapando da passagem pelo fígado através de shunts portossistêmcios gerados a partir de alguma doença hepática (ex.: hipertensão portal). Um exemplo desse tipo de substância que pode gerar a encefalopatia é a amônia. No exame físico, pedir para o paciente fazer a hiperextensão do braço e mão, e com a ação de falso neurotransmissor dessas substâncias faz com que haja um sinal clínico chamado de flapping, em que a mão vai e volta. 10 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Aspectos Laboratoriais Nos exames laboratoriais, muitos são os testes importantes. O hemograma, plaquetas, TAP precisam ser dosados, principalmente devido a avaliação da coagulabilidade do paciente. Além disso, bilirrubinas, ALT, AST, Gama GT, FA, albumina, ureia, creatinina, Na, K (esses últimos 4 para avaliar a função renal). Além dos últimos, cabe fazer: análise de líquido ascético (lembrar da GASA, em que pode ter mais ou menos albumina no líquido ascético, denotando o que pode estar associado a esse processo: transudato por hipertensão portal ou exsudato por uma inflamação no peritônio, por exemplo), marcadores virais, autoanticorpos, ferro, saturação de transferrina, ceruloplasmina, alfa-1-anti-tripsina). Outros exames Endoscopia digestiva alta (EDA): avaliar sinais de hepatopatia crônica como varizes esofágicas. Importante também verificar se há ‘red spots’ que podem sangrar. USG: é importante pedir sempre o USG. Tem alta especificidade, mas não tão alta sensibilidade. Heterogenicidade, aspecto de papel rasgado, fibrose peri-vesicular ou peri-portal, todos são sinais de que pode haver hepatopatia crônica. Importante lembrar que o lobo caudado (segmento 1) normalmente aumenta nesses pacientes e o lobo quadrado (segmento 4) diminui normalmente (fica abaixo de 3cm). Pode-se, inclusive, encontrar-se carcinoma hepatocelular. Tomografia: muito mais utilizada para pesquisa de nódulos, avaliação venosa do que diagnóstico propriamente dito de hepatopatia crônica. Elastografia: avalia a rigidez do fígado (fibrose) e, assim, permite classificar o nível de rigidez/fibrose apresentado pelo fígado. Biópsia: feito apenas em casos em que não é possível fazer o diagnóstico com nenhum dos métodos não-invasivos citados acima. A biópsia é feita com uma agulha, em que se tira um fragmento pela técnica de Menghini, examina e faz o diagnóstico histológico. É cada vez menos usada. Laparoscopia: menos utilizado atualmente (já foi muito usado), permite a visualização das estruturas abdominais e ainda a possibilidade de fazer biópsia, caso necessário. Epidemiologia e Dados Gerais de Diagnóstico A cirrose hepática tem uma chance de 10% de conversão do estado compensado para o descompensado. A sobrevida em 6 anos é de 54% na CH compensada e de 20% na CH descompensada. Importante lembrar das classificações de Child-Pugh e MELD descritas na aula anterior. 11 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Tratamento As medidas gerais envolvem: uma dieta balanceada (1-1,2g de proteína por dia), abstinência ao álcool (+ IMPORTANTE), repouso relativo (hoje em dia recomenda-se muito a realização de exercícios), evitar o uso de medicação hepatotóxica (IMPORTANTE), evitar o uso de benzodiazepínicos (evitar encefalopatia hepática). É importante também o tratamento etiológico: - CH alcóolica: abstinência ao álcool - Hepatites virais: medicamentos específicos para HBV e HCV. - HAI: corticoide + azatioprina - Doença de Wilson: dpenicilamina - Hemocromatose: sangria terapêutica - CBP/CEP: ácido ursodesoxicólico É necessário também fazer profilaxia e tratamento das complicações, entre essas medidas: tratamento da ascite/PBE, prevenção e tratamento da hemorragia digestiva, tratamento da encefalopatia hepática, prevenção e tratamento da síndrome hepatorrenal, prevenção do CHC (USG e AFP 6/6 meses). Por último, pode-se fazer o transplante de fígado como tratamento definitivo. Os itens abaixo elegem para o transplante: Importante cuidado com os fatores de risco para hepatopatia crônica: tratamento dentário sem descartáveis, alcoolismo, objetos cortantes contaminados, não vacinação, falta de uso de EPI. 12 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃOVITOR FALEIROS - 103 Complicações da Cirrose Aula ministrada pela professora Izabelle Signorelli. Introdução A cirrose hepática é uma condição crônica grave que surge a partir de uma agressão hepática crônica. As principais repercussões clínicas dessa doença são a hipertensão portal e a insuficiência hepática. Diante desses dois pilares que surgem as principais complicações do paciente cirrótico. O paciente cirrótico pode complicar com hemorragia digestiva alta varicosa, ascite/peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia hepática e síndrome hepatorrenal. Bases Anatômicas da Hipertensão Portal-------------------------- É importante lembrar que a irrigação hepática vem da artéria hepática e da veia porta. Com a presença da cirrose (ex.: fibrose) aumenta a resistência a chegada de sangue ao fígado , que causa um aumento da pressão do sistema porta. Com uma “fuga” a essa pressão, surgem as anastomoses e as varizes esofágicas. Ocorre também hepatomegalia. Hemorragia Digestiva Alta Varicosa O desenvolvimento das varizes de esôfago é um marco muito importante da hipertensão portal. Essas varizes podem sangrar e daí que vem a possibilidade de complicação do paciente. Os fatores de risco para o sangramento das varizes são: (1) tamanho da variz, pois quanto maior calibre maior a chance de sangrar; (2) a presença de sinais vermelhos, que são pontinhos vermelhos no topo das varizes e são fator preditor para sangramento; (3) a gravidade da doença hepática (Child-Pugh C), quanto maior a gravidade maior a chance; (4) gradiente de pressão venosa-hepática, que se for maior ou igual a 12 mmHg aumenta-se a chance de sangramento. A complicação se dá quando ocorre o sangramento varicoso ativo por ruptura da variz esofágica. Para pacientes cirróticos com varizes esofágicas é possível fazer a profilaxia primária para evitar ruptura e complicação. Os pacientes em que se adota essa profilaxia são: paciente com VE médio/grosso calibre, paciente com VE fino calibre Child B ou C/red spots (esses mesmo na ausência de sangramento prévio). Essa profilaxia pode ser feita de duas maneiras: (1) usando o betabloqueador não seletivo (principalmente propranolol); (2) ligadura elástica (muito cara e feita quando o paciente não pode fazer o betabloqueador ou o tratamento com esse medicamento está trazendo efeitos adversos no paciente). Para pacientes com sangramento ativo (muitos chegam já sem sangramento) lança-se mão de: (1) reposição de volume; (2) drogas vasoativas, que são os constrictores esplâncnicos (principalmente terlipressina); (3) antibioticoprofilaxia (preferencialmente ceftriaxona 1g/dia por 7 dias OU norfloxacina 400mg de 12/12 horas) a fim de prevenir peritonite bacteriana espontânea no paciente com ascite (sangue na luz intestinal aumenta o risco de translocação e infecção do líquido ascítico e para diminuir o risco de ressangramento (antibiótico diminui a liberação de endotelinas e endotoxinas e assim diminui o gradiente venoso hepático). Isso é iniciado antes das EDA, que deve ser realizada em até 12 horas, para investigar a causa do sangramento (confirmar se é varicoso) e o tratamento endoscópico desse sangramento é pela ligadura elástica ou escleroterapia. 13 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Quando faz-se a EDA e um métodos de tratamento endoscópico citados acima e o paciente está com o sangramento controlado e estabilizado, adota-se a profilaxia secundária para evitar o re-sangramento. A profilaxia secundária é feita com a ligadura elástica associada ao betabloqueador não seletivo. OBS.: 80% dos pacientes que sagram se não forem submetidos a uma profilaxia secundária sangram de novo em 1 ano. Já no paciente que sangrou e após a EDA e a terapia endoscópica o sangramento persistiu, repete-se a EDA (+terapia endoscópica). Se o sangramento persistir, faz-se uma outra terapia: ou o balão de Sengstaken-Blakemore (tratamento temporário que fica por até 24h); ou o TIPS (shunt intra-hepático portossistêmcios), em que se coloca um shunt (prótese), que liga a veia porta à veia hepática e alivia a pressão no sistema porta. Ascite/Peritonite Bacteriana Espontânea A ascite é um complicação recorrente no dia a dia e quando associada a infecção pode trazer uma mortalidade importante para esses paciente. As causas de ascite são: cirrose hepática (80%), carcinomatose peritoneal, insuficiência cardíaca, tuberculose peritoneal, outras (síndrome nefrótica, pancreatite). A fisiopatologia da ascite envolve o amento da pressão hidrostática, a diminuição da pressão oncótica ou a produção de líquido peritoneal maior que a reabsorção. Quanto há aumento da pressão hidrostática, as causas podem ser: cirrose hepática, insuficiência cardíaca e pericardite constrictiva. Quando há redução da pressão oncótica, as possíveis causa são: síndrome nefrótica, cirrose hepática, desnutrição. Quando há produção de líquido peritoneal maior que a reabsorção, possíveis causas são: tuberculose peritoneal e neoplasia. Diagnóstico etiológico da Ascite------------------------------------- OBS.: Diagnóstico de ascite é clínico, pela história clínica e exame físico: piparote (para ascite de grande volume) e macicez móvel (para ascite moderada). Exames de imagem podem confirmar a hipótese diagnóstica, quando há dúvida ou ascites leves, de difícil diagnóstico pelo exame físico. Para investigar a etiologia da ascite, faz-se a paracentese diagnóstica, em que é realizada a drenagem e análise desse líquido ascítico. Esse método é realizado em TODO paciente internado com ascite, no momento da admissão hospitalar. Nos pacientes cirróticos que já tem diagnóstico de ascite, faz-se também a paracentese quando há deterioração do quadro clínico ou quando há febre (suspeita de peritonite bacteriana espontânea). Na análise do líquido ascítico é... obrigatório fazer: a contagem de células (especialmente no cirrótico, para ver se está infectado), dosagem da albumina e proteínas totais, cultura do líquido ascítico. opcional fazer: dosagem de glicose/DHL, Gram/cultura para TB (últimos dois itens para suspeita de tuberculose peritoneal), dosagem de amilase/ triglicerídeos (suspeita de ascite secundária a pancreatite aguda ou pancreatite crônica complicada), pesquisa de células neoplásicas. 14 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 É extremamente importante no contexto da ascite, o gradiente de albumina soro-ascite (GASA). Quando admite-se o paciente e faz-se a paracentese e solicita-se a dosagem de albumina do LA também pede-se no mesmo momento a albumina sérica. Com esses valores, calcula-se: GASA = [albumina sérica] – [albumina LA] O gradiente é considerado ALTO quando for maior ou igual a 1,1g/dl e significa que o paciente tem hipertensão portal (97% de acurácia). Esse gradiente de GASA alto tem como principais causas possíveis: cirrose hepática, insuficiência cardíaca, metástases hepáticas e síndrome de Budd-Chiari. O gradiente é considerado BAIXO quando for menor que 1,1g/dl e significa que o paciente não tem hipertensão portal. Esse gradiente de GASA baixo tem como principais causas possíveis: carcinomatose peritoneal, síndrome nefrótica, peritonite tuberculosa e ascite pancreática. No PACIENTE CIRRÓTICO (não infectado), a análise do líquido ascítico normalmente tem como resultados: (1) celularidade baixa, menos que 500 leucócitos/mm3 (PMN menor que 250); (2) GASA alto; (3) proteína total baixa (menor que 2,5g/dl); (4) líquido amarelo citrino. No PACIENTE CARDÍACA CONGESTIVA, a análise do líquido ascítico normalmente tem como resultados: (1) celularidade baixa, menos que 500 leucócitos/mm3 (PMN menor que 250); (2) GASA alto; (3) proteína total alta (maior que 2,5g/dl); (4) líquido amarelo citrino. A diferença para o cirrótico é exatamente a proteína total ALTA. Na CARCINOMATOSE PERITONEAL, , a análise do líquidoascítico normalmente tem como resultados: (1) celularidade baixa, menos que 500 leucócitos/mm3 (PMN menor que 250); (2) GASA baixo; (3) proteína total alta (maior que 2,5g/dl); (4) líquido amarelo citrino/ hemorrágico. Tratamento da Ascite no Cirrótico----------------------------------- Trata-se a ascite com: - Restrição de sódio (Na+) com consumo máximo de 2g/dia. - Restrição hídrica se Na+ menor que 120 mEq/L. - Diuréticos: espironolactona (100mg por dia podendo chegar ao máximo de 400mg) ou a furosemida (40mg por dia podendo chegar ao máximo de 160mg). Pode-se usar os dois juntos ou apenas um, sempre acompanhando a resposta do paciente e efeitos colaterais. - Paracentese terapêutica com reposição de albumina (6 a 8 g/L de LA): em pacientes com ascite tensa e ascite refratária (esta é aquela em que o paciente não tolera diurético: ou por efeitos colaterais ou pois não responde). OBS.: paracentese sem adequada reposição de albumina aumenta o risco de síndrome hepatorrenal. Peritonite Bacteriana Espontânea----------------------------------- É uma infecção do líquido ascítico que ocorre em cirróticos descompensados na ausência de uma fonte intra- abdominal de infecção. A prevalência em cirróticos internados é de 10 a 30%, com mortalidade de 20 a 30%. A patogênese envolve a translocação de bactérias entéricas e pela baixa capacidade de opsonização do LA (devido a concentração baixa de proteína). O diagnóstico da PBE é feito pela contagem de PMN no LA maior ou igual a 250/mm3 e pela cultura do LA positiva. Normalmente o paciente tem clínica de infecção, no entanto 30% podem ser assintomáticos. 15 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 O TRATAMENTO de primeira escolha cefotaxima (no nosso meio acaba-se utilizando a ceftriaxona que também é uma cefalosporina de 3ª geração). Associa-se esse antibiótico com a albumina (1,5g/kg no primeiro dia do tratamento, especialmente nas primeiras 6h do diagnóstico e 1g/kg por dia no terceiro dia de tratamento) quando o paciente tem creatinina maior ou igual a 1 mg/dl e/ou bilirrubina maior que 4mg/dl. Essas duas condições são fatores de risco para disfunção renal no paciente com PBE. Esse uso da albumina previne, portanto, a disfunção renal e melhora a sobrevida dos pacientes. A duração do tratamento com a antibioticoterapia varia de 5 a 10 dias. É importante repetir a paracentese 48 horas após início do ABT para avaliar a resposta do paciente. A contagem de PMN deve reduzir de 25-50%, e se isso não ocorrer é necessário trocar o antimicrobiano (não está respondendo). Todo paciente que tem diagnóstico de PBE tem um risco de 70% em um ano de recorrer. Para isso, faz-se a PROFILAXIA SECUNDÁRIA: uso de norfloxacina 400mg/dia contínuo, até que o paciente seja transplantado ou resolva a ascite. Encefalopatia Hepática É uma complicação recorrente em pacientes graves, normalmente em fases mais avançadas da doença hepática. Surge por alterações neuropsiquiátricas reversíveis (existem pacientes que tem ela de forma persistente). Tem amplo espectro clínico, se apresentando tanto de forma subclínica até o coma. A cirrose hepática descompensada é o momento no qual ocorre essa complicação, podendo ocorrer quando há a formação de shunts portossistêmicos e em pacientes com insuficiência hepática aguda grave. Pode ser graduado em 4 graus: A patogenia está principalmente associada ao aumento dos níveis de amônia. O fígado é o principal órgão que faz a metabolização da amônia, e com a insuficiência hepática há diminuição da metabolização. A amônia assim ultrapassa a barreira hematoencefálica (por estar no sangue) e se configura como um dos principais fatores. Há também na patogenia a ação de falsos neurotransmissores (octopamina/feniletanolamina) e o aumento do número e sensibilidade de receptores GABA/benzodiazepínicos (são inibitórios). Há também o aumento de neurotransmissores inibitórios. Fatores precipitantes: hemorragia digestiva, ingestão excessiva de proteínas, alterações eletrolíticas (hipocalemia), infecções (pneumonia/ITU/PBE – é o principal fator), uso de benzodiazepínicos, insuficiência renal e TIPS. O diagnóstico da EH é clínico. O paciente apresenta asterix/ flapping, hálito hepático, alterações neuropsíquicas, alterações do ciclo sono-vigília ao exame clínico. Existem também os testes psicométricos para diagnóstico. Um exemplo é um teste em que se pede para o paciente ligar números (fazer conexão numérica) e ele não consegue. Outro é a micrografia, em que o paciente deve escrever seu nome e quando se encontra alterado o paciente termina de escrever seu nome bem pequeno. 16 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Em alguns poucos pacientes (dúvida ou pesquisas) pode-se fazer o eletroencefalograma, em que pode se encontrar ondas theta e delta. Para o TRATAMENTO, o mais importante é identificar e corrigir o fator desencadeante: se é uma infecção, hemorragia digestiva, excesso de proteína, sedativos (benzodiazepínicos) diuréticos. Importante suspender o uso de diuréticos, restringir proteínas da dieta de origem animal (quando tem excesso) e dar o suporte calórico adequado (perda de massa muscular favorece persistência da encefalopatia hepática). Basicamente pode utilizar-se: - Lactulose: 10 a 30ml 3x ao dia (reduz as bactérias que convertem a ureia em amônia). - Rifaximina: não disponível no Brasil. - Neomicina: 2 a 6g/dia. - Metronidazol: 750mg/dia. OBS.: Lembrar que o uso crônico está associado a efeitos colaterais. Neomicina a ototoxicidade/nefrotoxicidade e o metronidazol a neuropatia periférica. Síndrome Hepatorrenal É uma insuficiência renal funcional que ocorre em pacientes com CH avançada na ausência de evidência clínica, laboratorial ou anatômica de doença renal (arquitetura renal normal). É uma complicação gravíssima. Pacientes cirróticos com ascite e função renal normal desenvolvem SHR em 18% em 1 ano de seguimento e 39% em 5 anos de seguimento. O prognóstico é muito reservado e a mortalidade chega a 90%. Trata-se de um distúrbio funcional com alterações histológicas renais mínimas ou ausentes. O rim desse paciente funciona normalmente caso seja transplantado para outro paciente com insuficiência renal crônica dialítica. Caso haja transplante de fígado do paciente com SHR, tende-se a reverter a insuficiência renal. É classificada em tipo 1 e tipo 2: - Tipo 1: evolução rápida e progressiva com perda da função renal em curto período de tempo (dias ou semanas). - Tipo 2: evolução mais lenta, com sobrevida superior ao tipo 1, sendo comum em paciente com ascite refratária. Os critérios para diagnóstico são: - cirrose com ascite; - lesão renal aguda pelos critérios de ICA-AKI (aumento de 0,3 na creatinina nas últimas 48h ou 7 dias já critério de função renal); - ausência de melhora nos valores de creatinina após pelo menos dois dias de interrupção do uso de diuréticos e iniciada a expansão com albumina (1g/kg); - ausência de choque; ausência de uso recente ou recorrente de drogas nefrotóxicas; - ausência de doença renal parenquimatosa indicada por proteinúria superior a 500mg/dia, hematúria microscópica (mais de 50 hemácias por campo) e/ou encontro de alterações renais ao USG. O melhor TRATAMENTO é a prevenção da SHR. Pode ser feito o transplante hepático, de preferência antes que o paciente tenha SHR, pois é uma complicação com alta mortalidade. É importante também evitar e tratar fatores precipitantes, que são: paracentese sem reposição de albumina, PBE, hemorragia etc. 17 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Alcoolismo Aula ministrada pela professora Penha Zago. Introdução O consumo de álcool no Brasil é um hábito enraizado na população. No entanto, embora pareça contraintuitivo, segundo o Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcoolna População Brasileira, de 2007, cerca de 48% da população não consumiu álcool no último ano antes da pesquisa. 9% da população acima de 18 anos, por sua vez, são bebedores frequentes pesados. Bases Fisiopatológicas do Alcoolismo O sistema gabaérgico é o sistema em que o álcool faz efeito. O GABA é o neurotransmissor que faz a depressão do sistema nervoso central. O receptor Gabaérgico é formado por subunidades alfa, beta, gama e delta, tendo em sua subunidade alfa um sítio especial para o etanol. O etanol se liga nessa subunidade e executa a função de depressão do SNC. OBS.: Na subunidade alfa também há um sítio especial para os benzodiazepínicos, onde faz-se a ação terapêutica. O etanol, portanto, chega ao receptor gabaérgico e deprime o SNC. A euforia após consumo de álcool tem relação com a quantidade de interneurônios GABA, que pode modular o estímulo GABA-A e levar à euforia. No entanto, nesse momento, já há alteração de motricidade, fala, atenção, capacidade de julgamento. No indivíduo adulto, chega em um determinado momento em que não dá mais para gerar uma depressão tão grande, e nesse ponto ocorre o processo de neuroadaptação pelo sistema glutaminérgico. Esse sistema é responsável por uma adaptação dado o consumo prolongado e crônico de álcool, que causa a liberação de mais glutamato, levando a uma hiperatividade. Assim, há um equilíbrio entre estímulo e a depressão, levando a pessoa a potencialmente ser um alcoolista, uma vez que ele bebe muito, mas dificilmente tem sintomas. OBS.: o receptor glutaminérgico tem um canal iônico (onde passa cálcio, sódio e sai potássio) que é fechado por um íon de magnésio. Na falta desse íon, o canal fica aberto. Um dos grandes problemas do alcoolismo, nesse contexto, é a baixa quantidade de magnésio, sendo que na terapêutica costumeiramente prescreve-se magnésio para o paciente como forma de auxiliar a tratar. A dependência está associada a uma alteração do sistema dopaminérgico em que o paciente passa a ter prazer somente ao uso do álcool. Quando ocorre o consumo, ocorre a liberação de dopamina, gerando a sensação de prazer no alcoolista. 18 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Mecanismo do Etanol no Receptor GABA-------------------------- O álcool é um agonista GABA-A. O etanol, portanto, se liga ao receptor pós-sináptico e mantém ele aberto mais tempo, passando dessa forma mais íons Cl- (deixa a célula menos excitável) e, assim, mais atividade depressora. Mecanismo no Receptor NMDA-------------------------------------- O receptor NMDA é o receptor glutamatérgico responsável pela síndrome de abstinência alcóolica. Ao uso crônico de álcool, há maior expressão desse receptor na membrana pós-sináptica, o que culmina naquele mecanismo de neuroadaptação. Nesse paciente, após 6h sem consumir etanol ou com redução importante de dose ingerida, não ocorre o equilíbrio da neuroadaptação mais, uma vez que passa a ocorrer muito mais excitação que depressão. É exatamente essa hiperexcitação que causa uma descarga beta-adrenérgica no paciente que leva aos sintomas da síndrome de abstinência. Diretrizes Diagnósticas do Alcoolismo (CID-10 F-10) Para diagnóstico, é necessário que haja pelo menos 3 das 6 seguintes diretrizes: I. Forte desejo de consumir álcool (compulsão), ou seja, a percepção subjetiva de necessidade de ingerir álcool. II. Dificuldade de controlar o início e o término do consumo. III. Sinais e sintomas da síndrome da abstinência alcoólica. IV. Tolerância. V. Prazer apenas no uso de álcool (subjetivo). VI. Persistência do uso do álcool a despeito de consequências nocivas. OBS.: Os valores de quantidade de consumo e tipo de bebida não fazem parte do diagnóstico de alcoolismo. Usa-se esses dados na clínica para estimar a possibilidade de lesão no paciente. 60g/dia em média para homens ou 30g/dia em média para mulheres são os valores de etanol a partir dos quais já possível fazer cirrose no paciente. Principais Sinais e Sintomas da Síndrome de Abstinência A síndrome de abstinência é caracterizada por uma descarga beta-adrenérgica que ocorre quando falta álcool no alcoolista pós-neuroadaptação. O paciente apresenta: taquicardia, hipertensão arterial, náuseas, vômitos, piloereção, tremores, hipertermia, sudorese, insônia, pesadelos, ansiedade, inquietação, depressão, confusão mental, alucinações e convulsões. Diretrizes Diagnósticas da SD de Abstinência (F10.3)------------ A SD de Abstinência portanto está relacionada aos sinais e sintomas físicos que ocorrem com a interrupção ou redução do uso do álcool. Pode ser classificada em F10.3.0 quando não complicada; F10.3.1 quando com convulsões; e F10.4 quando com delirium tremens (20% morrem se não forem tratados imediatamente). 19 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Os tremores são os primeiros a aparecer (5h após interrupção), depois pode ser seguido de convulsões (após 24h da interrupção) e podendo aparecer delirium tremens (normalmente após 36-72h da interrupção). Após 14 dias depois da última dose ingerida não há mais sintomas de abstinência (caso os sintomas permaneçam, deve-se buscar outro diagnóstico). Código Genético x Alcoolismo Segundo o trabalho de Otto Michael Lesch (década de 1990): OBS.: a base diagnóstica é a anamnese (pode ser utilizar o site www.lat-online.at para inserir os dados obtidos com a anamnese e estimar a classificação do paciente). OBS.: essa ordem é muito importante para fazer o diagnóstico com base na exclusão correta dos tipos em que paciente não se encaixa. TIPO IV. Indivíduo com lesão somática grave antes dos 14 anos (lesão cerebral). TIPO III. Indivíduo com doença psiquiátrica prévia (maior delas é a depressão) – deve ter ocorrido antes do uso do álcool ou em tempo longo de abstinência. TIPO I. Indivíduo com Síndrome de Abstinência grave. TIPO II. Indivíduo que tipicamente usa álcool como droga ansiolítica (sem síndrome de abstinência grave) – não desenvolveu-se emocionalmente, é dependente e infantil. http://www.lat-online.at/ 20 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Casos Clínicos Sobre Classificação CASO I. Homem, 45 anos, casado. Faz uso de álcool desde 15 anos de idade. Sempre teve muitos problemas sociais e é desempregado. Apresenta tremores, agitação psicomotora, alucinações. Várias tentativas de abstinência sem sucesso. Teve parto prematuro (nasceu no 7º mês de gestação), dificuldade escolar (reprovado e sem conclusão da escola), enurese noturna. Classificação: TIPO IV. CASO II. Paciente VB, masculino, 58 anos, casado. Uso de álcool desde os 18 anos. Iniciou tratamento há 2 anos, ficou sem beber por 18 meses e depois retornou ao uso do álcool. Ao longo da vida, períodos de abuso de álcool e abstinência. Teve síndrome de abstinência grave. Teve parto sem complicações, desenvolvimento social normal, desenvolvimento escolar normal, depressão na adolescência, não ruía unha e não teve enurese noturna. Ficou abstinente enquanto estava usando antidepressivo, mas quando parou voltou a beber. Classificação: TIPO III. CASO III. Paciente MAR, 45 anos, solteiro. Faz tratamento no HUCAM desde 22 anos para pancreatite crônica. Começou a beber aos 16 anos. Teve síndrome de abstinência grave com tremores, alucinações, convulsões já jovem, aos 22 anos. Teve 3 recaídas em 20 anos – quando retorna o uso de álcool, nova SAA grave, requerendo internação. Teve parto normal sem complicações, desenvolvimento normal, desenvolvimento escolar normal, infância e adolescência sem complicações, SAA grave, sem quadro de depressão. Classificação: TIPO I. CASO IV. Paciente OTN, 32 anos, casado. A família foi quem trouxe o paciente para atendimento. Uso de álcool diário, somente cerveja – 3 a 6 garrafas por dia. Enzimas hepáticaselevadas (gama GT, AST, ALT), diagnóstico de cirrose hepática. Parto normal sem complicações, desenvolvimento normal, desenvolvimento escolar normal, infância e adolescência sem complicações (sem problemas psiquiátricos), sem SAA grave, dependência da figura materna. Classificação: TIPO II. Tipologia de Lesch em Vitória-ES----------------------------------- Zago-Gomes, Alcohol Alcohol, 2009. N=170. 21 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Avaliação Clínica Mínima - Exame neurológico: polineuropatia periférica (70% dos alcoolistas crônicos), memória (mini mental), bateria de avaliação frontal (FAB). - Exame cardiovascular: ICC, arritmias (importante fazer ECG sempre – QT longo principalmente em abstinência). - Hemograma (VCM é marcador biológico do alcoolismo), PFH (TGO e Gama GT são marcadores biológicos do alcoolismo), magnésio. - Glicose, colesterol, HDL, triglicerídeos. - Parasitológico fezes. - Sorologias de HBV, HCV, HIV e VDRL. - US abdominal: se houver hepatomegalia, dor abdominal ou diabetes. Tratamento Farmacológico da SAA - Reposição de tiamina (no mínimo 3 meses + no tratamento da SAA) - Benzodiazepínico (prescrição baseada em sintomas) – pelo menos 30mg por dia com retirada gradual ao longo de 1 semana. - Reposição de magnésio: em casos graves. - Haloperidol: quando há alucinações. NÃO PODE: - Repor glicose sem repor tiamina. - Usar clorpromazina (aumenta o risco das convulsões do paciente) - Hidantalizar (fenilhidantoina/hidantal) o paciente. 22 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Hepatites Virais Aula ministrada pela professora Penha Zago. Introdução aos Vírus Hepatotrópicos Há muitos anos, descobriu-se um vírus, transmitido pela água, ao qual foi dado o nome de vírus A. Tempo depois, ainda no início do século XX, descobriu-se um outro vírus, transmitido per secreções e sangue, ao qual foi dado o nome de vírus B. Assim, sucessivamente, foi-se nomeando os vírus seguintes com as próimas letra do alfabeto. No final da década de 1980, somente, é que foi descoberto o vírus C, que antes era chamado de vírus “não A não B”. Um fato curioso é que, nessa época, para a doação de sangue, não se fazia os testes de checklist para vírus “não A não B”, fazia-se apenas para A e B, assim a transmissão desse vírus podia ser amplamente feita a partir das transfusões sanguíneas. Os vírus A e E são os hídricos, ou seja, que transmitem pela água. E os relacionados ao sangue/secreções são os B e C. O vírus da hepatite D (delta) é um vírus defectivo, ou seja, só vive em quem tem hepatite B (vive dentro do vírus B). Todos os vírus são de RNA, exceto o B, que é de DNA. As hepatites A e E normalmente não levam a cronicidade (alguns poucos casos de E podem cronificar), enquanto os outros levam. Alguns vírus não classicamente hepatotrópicos podem causar hepatite: citomegalovírus, Epstein-Barr, varicela, cachumba, febre amarela, herpes simples, rubéola, dengue, covid-19 (embora não pareça ser algo muito característico e marcante por enquanto). Sintomas das Hepatites Aguda e Crônica I. HEPATITE AGUDA A sintomatologia independe da etiologia (medicamentosa, viral etc.). Os pacientes apresentam náuseas, mal estar, hiporexia, adinamia, mal estar abdominal (hipocôndrio direito), discreta dor. Além disso febre baixa (pode não ter). Na hepatite B pode haver dor articular. II. HEPATITE CRÔNICA No geral, o paciente é assintomático. Quando aparecem, normalmente são sintomas de descompensação da cirrose causada por essa hepatite. Há sinais no exame físico de hepatopatia crônica. Hepatite A É um vírus de RNA, da família dos picornavírus (é um hepatovírus). A transmissão é fecal oral, pela contaminação de água e alimentos. 23 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 O paciente transmite o vírus nas fezes por bastante tempo, e ele pode sobreviver na água por até 1 ano. Existem vários genótipos, porém só um sorotipo; assim, ao se infectar pelo vírus da hepatite A, a pessoa se torna resistente. A incubação é de 15 a 45 dias (média de 30). A replicação é no fígado e não há cronicidade conhecida. As complicações mais importantes são: hepatite fulminante e hepatite colestática. A sintomatologia na criança é mais branda, enquanto na adolescência ou idade adulta pode-se ter uma hepatite mais prolongada com quadro mais colestático. Após a infecção pelo vírus A, demora-se 1 semana aproximadamente para começar a apresentar a viremia, que se mantém mesmo após o começo dos sintomas, indo até mais ou menos até as 2 primeiras semanas de manifestações clínicas. As transaminases começam a subir por volta da segunda semana, tendo seu pico por volta da quarta semana. A marca da infeção aguda se dá pela presença de anticorpo anti-VHA IgM no soro, que começa a subir de nível por volta da 1ª e 2ª semanas e tendo seu pico entre a 4ª e 5ª semanas. Esse anticorpo cai a níveis indetectáveis mais ou menos na oitava semana (6 semanas após o início do quadro clínico). Já o anti-HVA IgG começa a aparecer por volta das 2ª e 3ª semanas, vai crescendo e encontra níveis detectáveis mais ou menos na 6ª a 8ª semana da infecção. Esse anticorpo demarca a imunização. O Brasil é um país com diferenças enormes de saneamento entre diferentes regiões. Por isso, em regiões quase que contíguas é possível achar divergências significativas entre as porcentagens de indivíduos que tiveram contato com o vírus A em cada local. O estudo do perfil epidemiológico de Zago-Gomes et all, Hepatite A - 2005, 9% das crianças tinham tido contato com a hepatite A no centro de Vila Velha, enquanto em Cobi de Baixo, esse valor era de 70 a 80%. Apesar de o cenário de saneamento e contato com o vírus ser muito pior em Cobi de Baixo, os indivíduos se infectavam lá de maneira muito precoce, em uma idade em que não há inclusive muita sintomatologia. Por outro lado, os indivíduos do centro de Vila Velha cresceriam suscetíveis ao vírus A, tendo risco de contraí-lo na idade adulta, muito possivelmente de forma mais grave. Não há tratamento específico para a hepatite A. É muito importante, no entanto, o cuidado com o manuseio de fezes e secreções, bem como a correta lavagem de mãos do paciente e do cuidador. Quanto à prevenção, são necessários melhores padrões de higiene e sanitarismo adequado. Além disso, é possível usar gamaglobulina hiperimune para pessoas suscetíveis que se encontram ou irão para situações/locais de risco. Outra prevenção importante são as vacinas. 24 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 A tabela abaixo mostra os grupos que podem ser vacinadas pelo SUS com a vacina para hepatite A. OBS.: A vacina é aplicada em 1 ou 2 doses dependendo da marca. Hepatite E É um vírus de RNA cuja transmissão é fecal oral, pela contaminação de água e alimentos. A incubação é de 15 a 60 dias (média de 40). Causa hepatite grave em 1-3%, mas em mulheres grávidas essa porcentagem chega a um valor entre 15 e 25%. A gravidade aumenta com a idade. Existem descrições esporádicas de cronicidade. A hepatite E tem áreas de alta endemicidade em continentes como África e Ásia. Já o Brasil é um país de média endemicidade, porém não de maneira homogênea em todo seu território, em que se destacam o Acre e a Bahia. O Espírito Santo é uma área não-endêmica. Após a infecção pelo vírus E, os sintomas começam normalmente entre a 3ª e a 5ª semanas. As transaminases começam a ter aumento significativo por volta da quarta semana, tendo seu pico por volta da quinta semana. A marca da infeção aguda se dá pela presença de anticorpo anti-VHE IgM no soro, que começa a subir de nível por volta da 3ª semana e tendo seu pico entre a 5ª e 6ª semanas. Esse anticorpo cai aníveis indetectáveis mais ou menos na nona semana. Já o anti-VHE IgG começa a ter seus níveis em franco aumento no soro por volta da 4ª semana, vai subindo e encontra níveis detectáveis, depois ganhando maiores valores e assim se mantendo positivo por toda a vida. Esse anticorpo demarca a imunização. 25 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Hepatite B É um vírus de DNA, formando por: HBsAg (antígeno de superfície do vírus B); HBcAg (antígeno do core); HBeAg (antígeno solúvel que ajuda a formar o vírus quando ele está dentro da célula | significa que está ocorrendo replicação); DNA dupla fita; DNA polimerase (abre o DNA para que possa ser lido). Quando há infecção pelo vírus B, o corpo começa a criar os anticorpos para combater o vírus, produzindo, em ordem: - Anti-HBc IgM (marcador de infecção de fase aguda). - Anti-HBc IgG (marcador de infecção de fase crônica). - Anti-HBe (marcador de que parou a replicação). - Anti-HBs (marcador de imunidade). Quando há a infecção pelo vírus B, o curso que a doença pode tomar é a resolução ou a cronicidade. Quando o indivíduo se infecta em idade neonatal, em que há dificuldade do sistema imune em distinguir o que é ‘self’ e o que é ‘não-self, apenas 2% vão à resolução, enquanto 98% vão para a cronicidade. Já quando o indivíduo é adulto, que tem seu sistema imune montado e preparado, 95% resolvem e vão para a cronicidade apenas 5%. Portanto, em um indivíduo portador crônico da hepatite B, a probabilidade de ele ter se infectado em idade neonatal é extremamente alta, por isso é importante averiguar qual dos parentes próximos a ele (principalmente a mãe) foi a fonte da infecção. I. HEPATITE B AGUDA O processo descrito a seguir é o de montagem natural da imunidade, e ocorre principalmente em adultos, exatamente por se tratar de um processo que culmina na resolução da hepatite B aguda. Quando há a infecção, o vírus apresenta diversas proteínas e, dentre elas, o HBsAg e o HBeAg (dosáveis) e HBcAg (não é dosado pelos métodos comuns pois está presente apenas dentro da célula no fígado). Os sintomas começam aproximadamente entre a 6ª e 8ª semana de infecção e é possível dosar o HBsAg mais ou menos após 4 semanas da infecção. Nesse período, detecta-se também o HBeAg. 26 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Por volta da 6ª semana, começa-se a produzir os anticorpos anti-HBC IgM e anti-HBc IgG. O primeiro diminui seus níveis no sangue gradativamente a partir da 14ª semana até ficar indetectável. No período que compreende a 12ª a 14ª semanas, detecta-se também o anti-HBe. Tempo depois, surge o anti-HBs e, com ele, o fim da infecção, que chamamos de resolvida (não se fala em cura). II. EVOLUÇÃO PARA CRONICIDADE Nos pacientes que evoluem para cronicidade, não há a montagem completa da imunidade. Nesses pacientes, o HBsAg é sempre positivo, não desenvolvendo o anti-HBs. O anti-HBc IgM fica indetectável, e o anti-HBc total mantém-se positivo. O HBeAg se mantém positivo muito tempo (demarcando que há replicação) e depois, mesmo sem resolver, pode acabar desenvolvendo o anti-HBe. 27 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Marcadores de Resolução-------------------------------------------- Conceito de Integração ao DNA Humano--------------------------- O vírus B entra na célula, perde sua camada protetora, abre seu core e, dentro do citoplasma, libera seu DNA. O DNA entra dentro do núcleo celular, e aí fecha-se em vários DNAs, formando o cccDNA, que são vários DNA em círculos que podem se integrar ao DNA da célula humana e é utilizada para fazer a tradução das proteínas que formarão o DNA. Devido a esse mecanismo, pacientes que já tiveram hepatite B devem ter cccDNA em suas células e, portanto, não podem ser doadores de órgãos ou de sangue. Endemicidade Global--------------------------------------------------- Na segunda metade do século XX, as áreas de maior endemicidade eram a Ásia e a África. No Brasil, havia áreas endêmicas de hepatite B, principalmente na Amazônia (muito endêmica na região de Lábrea). No ES havia bolsões de hepatite B (em áreas associadas a imigração italiana) com em Vargem Alta, Castelo, Laranja da Terra. Em estudos feitos de 1990 a 2010, a endemicidade continuou parecida, sendo que no ES os bolsões localizados principalmente no Sul do estado. Com o início da vacinação, o perfil da infecção por hepatite B mudou. A incidência, registrou-se, teve importante diminuição de incidência. Transmissão do Vírus B------------------------------------------------ A transmissão do vírus B é feita por sangue e secreções. A transmissão pode ser: vertical/perinatal, em que mãe portadora transmite ao filho; ou horizontal, pelo contato com as secreções contaminadas por via parenteral/percutânea, contato interpessoal ou contato sexual. Profissionais da saúde, drogas EV, hemofílicos e pacientes renais crônicos são grupos de risco e devem ser vacinados. Pessoas com muitos parceiros sexuais também pertencem a grupo suscetível. Fases da Infecção Crônica-------------------------------------------- O paciente se infecta com o vírus B como neonato e cronifica. 28 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Até os 20,25 anos esse paciente mantém os níveis de HBeAg no sangue, sendo altamente replicante, tendo alto nível de HBV-DNA e ALT/TGP em nível normal. Essa fase é chamada de ‘Fase não Inflamatória’ (fase imunotolerante). Depois, vem uma fase (por volta dos 25 a 30 anos) vem uma fase em que há uma inflamação crônica ativa) em que há picos de HBV DNA e de ALT. Essa fase de hepatite crônica ativa vai durar o período no qual há a transferência de HBe para o anti-HBe, chamada de ‘Fase Inflamatória’. Quando há a conversão para anti-HBe, diminui-se a replicação e os níveis de HBV-DNA e aminotransferases está baixo, com hepatite leve e fibrose mínima. Essa fase é a ‘Fase Portadora Inativa’. Muitas vezes não precisa de tratamento. Depois, há uma fase de atividade chamada de ‘Fase de Reativação’ em que geralmente há uma mutação no vírus B e ele começa a replicar, gerando inflamação ativa e aumento nos valores de HBV-DNA e ALT. PARÂMETRO / FASE FASE IMUNOTOLERANTE INATIVA HEPATITE CRÔNICA ATIVA E+ FASE DE PORTADOR INATIVO HEPATITE CRÔNICA ATIVA E- HBsAg + + + + HBeAg + + - - Anti-HBe - - (É POSSÍVEL SER +) + + Anti-HBs - (É POSSÍVEL SER +) - (É POSSÍVEL SER +) - - HBV-DNA MUITO ALTO (108) ALTA (105) < 2.000 UI > 2.000 UI TGP NORMAL AUMENTADA NORMAL AUMENTADA US (ELASTOGRAFIA) NORMAL NORMAL OU ALTERADO NORMAL NORMAL OU ALTERADO BIÓPSIA HEPÁTICA (A.INF. / FIBROSE) SEM ALTERAÇÕES ALTERADO SEM ALTERAÇÕES ALTERADO Tratamento e Prevenção---------------------------------------------- O tratamento hoje é feito com medicamentos com alta barreira genética. Utiliza-se tenofovir e entecavir. 29 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 A prevenção é feita com a vacinação. A vacina contra a hepatite B é uma vacina de DNA recombinante, em que é feito um esquema de 3 (0, 1 e 6 meses), que garante 96% de proteção após as 3 doses. OBS.: Há menor soroconversão em idosos e imunossuprimidos. Toda gestante deve ser testada para hepatite B, pois é necessário vacinar caso negativa e fazer imunoprofilaxia em casos de gestante HBsAg positiva com gamaglobulina hiperimune (HBIG). Todo recém-nascido deve vacinar contra hepatite B. Hepatite D (Delta) É um vírus defectivo, de RNA, que mora dentro do vírus B. Assim, só tem vírus D aquele paciente que também tem vírus B. Pode haver 2 possibilidades: infecção por vírus B já associado a vírus D (mais graveque hepatite aguda normal) OU superinfecção HBV-HDV (infecção por vírus D em paciente B crônico que leva a uma hepatite D aguda em cima da B crônica / quadro mais grave). Hepatite C É um vírus de RNA, do gênero hepatovírus e família picornavírus, encapsulado. Possui 6 genótipos (pelo menos 10% de diferença no genoma entre si). OBS.: Em 1989 foi difundida a dosagem da hepatite C, permitindo o diagnóstico da doença. A infecção aguda de hepatite C é incomum pois normalmente é assintomática. A crônica, por sua vez, é comum. Dos pacientes infectados com hepatite C, 85% cronificam. O perfil dos 15% que atingem a cura após infecção é parecido com as hepatites estudadas nos blocos anteriores. Os níveis de anti-HCV no sangue demarcam o fim da infecção, assim como a normalização dos valores de ALT, levando a resolução da doença. 30 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Os 85% que cronificam tem a infecção aguda (que é normalmente assintomática, mas pode haver sintomas por aproximadamente no máximo 4 semanas) e depois desenvolvem anti-HCV, com níveis flutuantes de ALT que se mantém dessa forma por muito tempo. A transmissão é parenteral, principalmente por transfusão de sangue e derivados, uso de drogas, hemodialisados e transplantados renais. Existe a transmissão sexual (rara) pelo sangue (não se dá por secreções). Há também a transmissão perinatal, interpessoal (raríssima) e esporádica. Os pacientes que são população de risco para hepatite C estão listados abaixo: OBS.: recém-nascidos de mães com hepatite C devem ser avaliados por meio do RNA viral, uma vez que, pela transmissão do anti-HCV pela placenta, esse anticorpo é positivo dessa forma até o segundo ano de vida aproximadamente. O tratamento é feito com múltiplas drogas, normalmente 2 ou 3, a depender do perfil hepático do paciente e outros critérios. 90-95% de resposta positiva com o tratamento estabelecido hoje em dia. OBS.: Hepatites C e B, associadas ou não ao álcool, ainda representam causas importantes de cirrose e de mortalidade. 31 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Diarreia e Constipação Aula ministrada pela professora Beatriz da Cunha Lopes Rocha. Diarreia A definição de diarreia é a diminuição da consistência das fezes ou aumento da frequência de evacuações (mais de 3 vezes/dia). OBS.: Hábito intestinal normal -> até 3 vezes/dia ou até 3x/semana. É uma doença com alta mortalidade no grupo dos idosos e crianças menores de 5 anos (principalmente nos países em desenvolvimento). A principal causa de diarreia fatal em crianças é pelo rotavírus (hoje em dia diminuiu bastante com o advento da vacina). Estima-se que crianças de até 3 anos de idade tem em média 3 episódios de diarreia por ano. CLASSIFICAÇÕES: - Quanto ao tempo de evolução: diarreia aguda (até 15 dias); diarreia persistente (16 a 30 dias); diarreia crônica (mais de 30 dias). - Quanto à etiologia: infecciosa; não infecciosa. - Quanto ao mecanismo fisiopatológico: diarreia osmótica; diarreia secretora; diarreia exsudativa; diarreia motora. OBS.: A classificação mais usada é quanto ao tempo de evolução. A classificação quanto ao mecanismo fisiopatológico não é muito usada, pois normalmente encontra-se uma soma de mais de um mecanismo no quadro, tornando difícil a classificação em apenas 1 tipo. Fisiopatologia------------------------------------------------------------ A fisiopatologia da diarreia envolve: a absorção de líquidos; a osmolaridade da luz intestinal; a mucosa intestinal; sistema nervoso entérico; microbiota intestinal; motilidade intestinal). I. ABSORÇÃO DE LÍQUIDOS Chega ao intestino um aporte de 10 litros por dia. A maior parte desse líquido é absorvida no jejuno, chegando ao cólon aproximadamente entre 1 e 1,5L de líquido. Aproximadamente 10% desse aporte ao cólon (100 a 150mL) são eliminados nas fezes. II. OSMOLARIDADE DA LUZ INTESTINAL O líquido de direciona sempre do compartimento de menor osmolaridade para o de maior osmolaridade. Quando, por exemplo, há alimentos na luz intestinal de hiperosmolaridade, como açúcares não absorvíveis (manitol e Lactulose), o líquido é direcionado para lá, podendo levar à diarreia. III. MUCOSA INTESTINAL A mucosa intestinal tem uma função protetora importante, que atua como barreira física e tendo aspectos funcionais como a secreção de imunoglobulinas, muco e defensivas. As lesões da mucosa (como em doenças inflamatórias intestinais) pode servir então como porta de entrada para que se desenvolva a diarreia. 32 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 IV. SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO O sistema nervoso entérico abrange em seu funcionamento diversos mediadores, como o peptídeo intestinal vasoativo (tumores secretores de VIP cursam com diarreias secretoras volumosas), somatostatina, norepinefrina, serotonina, acetilcolina e outros. Ele tem funções de controle sobre a musculatura lisa (alterações nessa função pode levar a constipação ou diarreia), o transporte de íons, processos absortivo e secretor e em funções endócrinas. V. MICROBIOTA INTESTINAL O intestino é povoado por uma população enorme de microrganismos, que formam a microbiota intestinal. Essa microbiota vive em simbiose com o corpo humano, que é responsável pela saúde da mucosa e participa da modulação do sistema imune. Fatores desreguladores da microbiota (uso de antibióticos, medicamentos que alteram pH) podem alterar o equilíbrio da microbiota intestinal, podendo levar a diarreia. VI. MOTILIDADE INTESTINAL Nem toda a diarreia é consequência da aceleração do trânsito intestinal. No entanto, muito são os fatores que podem alterar a motilidade intestinal e que podem levar à diarreia, como a diarreia funcional, diarreia por doenças endócrinas (hipertireoidismo, VIPoma, tumor carcinoide) e síndrome do intestino irritável. Diarreia Aguda 80% dos casos de diarreia aguda estão relacionados a agentes infecciosos (bactérias, vírus e protozoários), enquanto os 20% restantes tem relação com medicamentos (2º lugar), inflamações pélvicas (ex.: apendicite aguda) e isquemia intestinal. Os vírus (I) são a principal causa de diarreia aguda. A transmissão desses vírus se dá por via fecal-oral (água ou alimentos contaminados / pessoa a pessoa), geralmente ocorrendo em surtos epidêmicos. Os mais prevalentes são o rotavírus e o norovírus. As bactérias (II), por sua vez, são a segunda causa mais frequente de diarreia aguda. As mais frequentes são: - Campylobacter (pode levar a síndrome de Guillain-Barré); - Clostridioides difficile (relacionada ao uso de antibióticos); - Escherichia coli, que apresenta 5 subtipos, que são a enterotóxigênica, enteroagregante, enteropatogênica (estas 3 cursam com diarreias aquosas), enteroinvasiva e entero-hemorrágica (geralmente cursam com disenteria – diarreia associada a dor abdominal importante e presença de elementos anormais nas fezes). A enterotóxigênica pode produzir uma toxina chamada toxina de Shiga, que pode gerar a síndrome hemolítica-urêmica; - Salmonella, muito encontrada em ovos (S. typhi pode causar febre tifoide); - Shigella, geralmente causa uma diarreia mais invasiva, mucossanguinolenta; - Staphylococcus, geralmente causa diarreia pela liberação de toxinas (danos a mucosa que causam sintomas já 2 a 8h após ingestão da toxina); - Vibrio cholerae, causa uma diarreia volumosa e alto risco de desidratação (cólera); - Yersinia enterocolítica, pode causar ileíte terminal (diagnóstico diferencial para Doença de Crohn). Os protozoários (III) causadores de diarreia são principalmente os Cryptosporidium, Giardia lamblia (pode levar a diarreia crônica com má-absorção, Entamoeba histolytica (a infestação pode causar amebíase invasiva intestinal), 33RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Strongyloides stercoralis (pode causar strongiloidíase disseminada em imunocomprometidos – lembrar de tratar antes de iniciar o tratamento com corticoides). Manifestações Clínicas------------------------------------------------ Quando o paciente chega à consulta com queixa de diarreia, muitas são as perguntas que devem ser feitas na anamnese para investigar o quadro apresentado. Primeiro, as evacuações devem ser caracterizadas. Pergunta-se a consistência (pastosa, consistente, líquida), volume, frequência, presença de elementos anormais nas fezes (sangue, muco, pus), presença de gordura, presença de restos alimentares, se há urgência retal, tenesmo. Importante pesquisar a presença de sintomas associados como febre, náusea, vômito e dor abdominal. Nesse contexto, é relevante pesquisar na anamnese características para tentar predizer se a provável origem da diarreia é alta ou baixa. A diarreia alta tem provável origem no intestino delgado, cursando normalmente com grande volumes de fezes, bem líquidas, podendo conter restos alimentares e gordura. Já a diarreia baixa tem provável origem no cólon, cursando normalmente com alta frequência de evacuação, em pequeno volume, podendo conter sangue/muco/pus e haver urgência e tenesmo (principalmente quando acomete reto). O tempo de evolução também é muito importante, podendo inclusive remeter à etiologia. A diarreia por toxina tem início 4-24h após a ingesta com melhora em 1-2 dias. Já a diarreia infecciosa tem início 48h depois da ingestão do alimento/água contaminada, sendo que as virais geralmente duram de 3-4 dias enquanto as bacterianas podem durar até 7 dias. Sob o ponto de vista epidemiológico, é importante pesquisar: se o paciente teve contato com indivíduos com histórias semelhantes, epidemias locais; se o paciente fez viagens (diarreia do viajante – agente mais frequente é a E. coli); refeições em ambientes que não o domicílio; uso de medicamentos; internação ou uso de antibiótico recente. Para o diagnóstico, estão disponíveis alguns testes que poderiam ser feitos nas fezes dos pacientes, como PCR nas fezes, coprocultura, detecção de toxina nas fezes, parasitológico de fezes. No entanto, não se deve solicitar esses exames para todo paciente com diarreia aguda, mas sim nos pacientes em que é necessário ter certeza do agente etiológico, como em pacientes imunossuprimidos, com febre, com sangue nas fezes, com diarreia persistente. Caso Clínico-------------------------------------------------------------- [ Marcelo, 34 anos, deu entrada no OS referindo ingesta de pizza com gosto ruim há 1 dia e náuseas e vômito. Nega sangue, muco ou pus nas fezes. Nega febre e não tem nenhuma doença imunossupressora. ] Para esse paciente, não é mandatório solicitar exames diagnósticos nesse caso. Trata-se esse tipo de paciente de forma sintomática, com soro, dieta etc. Tratamento-------------------------------------------------------------- Para os pacientes com diarreia aguda, recomenda-se que evite-se leite e derivados (pode ocorrer uma intolerância a lactose secundária). Evitar também alimentos gordurosos e laxativos (evitar também alimentos ricos em fibras, mas sem grades restrições. Deve-se hidratar o paciente, por via oral ou intravenosa. OBS.: diarreias virais cursam muito com náusea e vômito também). 34 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Pode-se utilizar medicamentos antidiarreicos com sintomáticos como Loperamida (constipa o paciente – usa-se exceto naqueles casos com disenteria) ou racecadotril (propriedade antissecretória. E também usa-se antibióticos como ciprofloxacina ou levofloxacina 3 dias (primeira escolha), sulfametoxazol-trimetoprim/bactrim 5 dias (alternativa), ou vancomicina via oral (em caso de clostidioides). Pondera-se o uso de antibiótico quando há febre, diarreia com sangue, imunossuprimidos, idosos, diarreia que não melhora em 7 dias. Diarreia Crônica São muitas as etiologias possíveis para a diarreia crônica, como mostrado nas tabelas abaixo: 35 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Manifestações Clínicas------------------------------------------------ Na anamnese, sobre a história da doença atual, lembrar sempre de perguntar se o paciente tem esteatorreia, se há restos alimentares nas fezes, bloating (sensação de muitos gases/abdome distendido), cólica abdominal, perda de peso, edema; nesses casos pensar em causas disabsortivas. É importante fazer um diário alimentar com o paciente (avaliar ingestão de lactose adoçantes, cafeína, álcool etc.), bem como interrogar sobre febre e dor abdominal, e aí pensar em diarreias inflamatórias. No interrogatório sintomatológico, é importante pesquisar manifestações extraintestinais da doença inflamatória intestinal, como dor articular, alterações oculares, lesões de pele (eritema nodoso, pioderma gangrenoso), úlceras orais. Lembrar da dermatite herpetiforme, que é uma manifestação extraintestinal clássica da doença celíaca. Perguntar também sobre sinais/sintomas de disabsorção (ex.: falta de vitamina B12 pode levar a parestesia, ataxia e glossite). Para a história patológica pregressa, é importante perguntar sobre comorbidades como diabetes, hipertireoidismo, pancreatite crônica, HIV. Lembrar de investigar o uso de medicamentos como antibióticos, AINEs, metformina, bem como história de radioterapia prévia e cirurgias prévias (by-pass, colectomia, gastrectomia, ressecção ileal, colecistectomia). Em história familiar, é relevante perguntar sobre neoplasia colorretal, doença inflamatória intestinal, doença celíaca e diabetes. Para o diagnóstico, é muito importante ressaltar que a história clínica e exame físico bem detalhados permitem o diagnóstico etiológico da diarreia crônica em 25-50% dos casos. A avaliação inicial normalmente conta com os seguintes exames: Os sinais de alarme da diarreia crônica são muito importantes, e estão citados a seguir: No caso de algum desses sinais de alarme estiver presente, é importante investigar de maneira mais profunda. Faz-se, nesses casos, uma colonoscopia (com biópsias seriadas). Em suspeita de doença celíaca, pede-se endoscopia (com biópsias de duodeno). Em alguns casos, pede-se tomografia ou ressonância de abdome, principalmente em casos com dor abdominal, perda de peso, febre ou suspeita de Crohn / carcinomatose / pancreatite crônica. 36 RESUMO DE GASTROENTEROLOGIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Se o paciente tiver menos de 40 anos, sem sinais de alarme e com critérios para síndrome do intestino irritável/diarreia funcional, não é necessária nenhuma investigação adicional!! Nesses pacientes, faz-se apenas os exames de avaliação inicial. Lembrando que a síndrome do intestino irritável se caracteriza por dor abdominal que se relaciona com a evacuação e é associada a alteração da frequência e/ou da consistência das evacuações. A diarreia funcional se caracteriza pela alteração da frequência e/ou da consistência das evacuações sem a dor abdominal. Se com a história clínica, o exame físico, os exames laboratoriais/endoscópicos/imagem, não foi possível chegar ao diagnóstico etiológico da diarreia, é preciso pensar nas causas mais raras. Assim, pensa-se em tumores hormônio- secretores (dosando gastrina de jejum, calcitonina, somatostatina, VIP, 5-HIAA em urina 24h), bem como na diarreia factícia (por abuso de laxativos). Tratamento-------------------------------------------------------------- O tratamento é dividido em 3 grandes pilares: tratamento etiológico específico, tratamento empírico para casos selecionados e tratamento sintomático. O tratamento etiológico específico consiste exatamente em tratar a causa diagnosticada especifica que levou
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