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Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Diarreia e Constipação Diarreia Diarreia consiste na diminuição da consistência das fezes ou aumento da frequência de evacuações, evacuando mais de 3 vezes ao dia, sendo que o hábito intestinal normal é de três vezes ao dia até três vezes na semana. É uma doença de alta mortalidade no grupo dos idosos e crianças menores que 5 anos, principalmente nos países em desenvolvimento, sendo que o Rotavírus é a principal causa de diarreia fatal nas crianças, mas hoje em dia, já há vacina, o que diminuiu a mortalidade e estima-se que crianças até 3 anos de idade tenham 3 episódios de diarreia por ano. Existem algumas classificações para diarreia que são usadas mais na prática, começando com a classificação quanto ao tempo de evolução, então a diarreia pode ser classificada como diarreia aguda com uma duração de até duas semanas/15 dias, uma diarreia persistente quando ela dura de 16 dias a 30 dias, e uma diarreia crônica quando a duração é de mais de 30 dias/ mais de 4 semanas. Ela pode ser classificada também com relação à etiologia em diarreia infecciosa ou não infecciosa, e quanto ao mecanismo fisiopatológico, em diarreia osmótica, secretora, exsudativa e motora. *A classificação do mecanismo fisiopatológico não é tão utilizada, pois o paciente pode se enquadrar em mais de um, somando as etiologias. A fisiopatologia da diarreia aborda seis principais aspectos, que envolvem então a absorção de líquidos, osmolaridade da luz intestinal, a integridade da mucosa intestinal, a integridade do sistema nervoso entérico, a microbiota intestinal (alterações de microbiota são responsáveis por quadro de diarreia também) e a motilidade intestinal. - Absorção de líquidos: Chama atenção, pois por dia nós temos um aporte de mais ou menos 10 l de líquido para o nosso intestino, isso consiste no que a gente ingere de líquido e o que é produzido pelas nossas secreções, como secreção biliar e pancreática e todas as secreções digestivas. Então chega para o nosso intestino mais ou menos 10 litros por dia, se a gente não tivesse a capacidade de absorver esse líquido, o número de evacuações seria bem maior, a maior parte desse líquido é absorvida no jejuno (doenças de jejuno afetam a absorção de líquido), diarreias mais altas, no intestino delgado, geralmente são mais volumosas, mais líquidas e em maior quantidade, chega no nosso colo mais ou menos um litro de líquido então uma quantidade considerável foi absorvida no intestino delgado e mais ou menos 10% desse líquido (100 a 150ml) é eliminado nas fezes (quando a gente tem qualquer doença acometendo o intestino delgado tem uma prejuízo na absorção desses líquidos o que pode contribuir para a fisiopatologia da diarreia). - Osmolaridade da luz intestinal: O líquido direciona sempre do compartimento de menor osmolaridade para o de maior, alimentos muito hiperosmolares, por exemplo açúcares não absorvíveis como Manitol e lactulose, o líquido vai ser direcionado para a luz e isso pode ser uma causa de diarreia em pessoas que ingerem muito doce ou medicamentos com esses componentes que podem ser uma causa de diarreia. - Mucosa intestinal: A mucosa tem uma função protetora importante, funciona como uma barreira física, é responsável pela secreção de imunoglobulinas, tem uma camada de muco, a partir do momento que temos doenças que acometem a barreira, como doenças inflamatórias intestinais que fazer feridas e úlceras, abre uma porta de entrada e a diarreia pode acontecer. - Sistema nervoso entérico: Existem alguns mediadores, como o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), somatostatina, norepinefrina, serotonina, acetilcolina, que podem ser produzidos em outras situações que não sejam normais, como tumores secretores desses mediadores, isso faz com que curse com uma diarreia volumosa e secretora, sendo que as funções do SN entérico é sobre a musculatura lisa, transporte de íons, processos de absorção e secreção e funções endócrinas, o hipo ou hiper funcionamento desse sistema que está associado a diarreia e constipação. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 - Microbiota intestinal: A microbiota vive em simbiose com o nosso organismo, se acontece um desequilíbrio, isso pode nos afetar de alguma forma, como o uso de antibióticos, como inibidores da bomba de prótons que diminuem a acidez estomacal, ou seja, todos os fatores que desregulam a microbiota intestinal fazer parte dos fatores que culminam na diarreia. - Motilidade intestinal: Nem toda diarreia é consequência da aceleração do trânsito intestinal, nem sempre há um peristaltismo alterado, sendo que as principais que causadas pela alteração da motilidade são a diarreia funcional, por doenças endócrinas (hipertireoidismo, linfoma, tumor carcinóide), síndrome do intestino irritável do polo diarreico, etc. Diarreia Aguda 80% dos casos tem um agente infeccioso como etiologia, bactérias, vírus ou protozoários, os 20% restantes são secundários ao uso de alguns medicamentos, existe uma lista enorme de medicamentos que podem favorecer a diarreia, além de inflamações pélvicas como apendicite aguda e isquemia intestinal. Vírus são a principal causa de diarreia aguda, a transmissão desses vírus que causam diarreia são a transmissão fecal-oral, ou seja, por contato com a água ou alimento contaminado, ou mesmo de pessoa para pessoa, contato direto. Essa transmissão ocorre em surtos epidêmicos, os principais são rotavírus e norovírus, sendo bem comum várias pessoas do mesmo ciclo serem acometidas. Bactérias são a segunda causa mais frequente de diarreia aguda, campylobacter (fator de risco para sd de Guillain-Barré), clostridioides difficile (relacionada ao uso de antibióticos, proliferação exacerbada, de forma que se tornam patogênicos), E. coli (existem 5 tipos enteropatogênicas), salmonella, shigella, staphylococcus (diarreia por produção de toxina, essas iniciam muito rapidamente após a ingestão do alimento contaminado), vibrio cholerae e yersinia enterocolitica (causa ileíte terminal e deve ser inserida no dx diferencial de doença de Chron). *Disenteria é a diarreia associada com elementos anormais nas fezes e dor abdominal importante. De protozoários, podem ser os cryptosporidium, giardia lamblia, entamoeba histolytica, strongyloides stercoralis (pode ocorrer uma infecção disseminada desse em pacientes imunossuprimidos, por isso é preciso tratar para ele antes de imunossuprimir o paciente). Em relação às manifestações clínicas, temos que caracterizar a evacuação dos pacientes e os sintomas associados a elas. É importante fazer a caracterização de diarreia alta ou baixa pois ajuda no raciocínio de qual parte está acometida e qual o agente etiológico. O tempo de evolução ajuda a pensar no agente etiológico, a diarreia por toxina um início muito rápido depois da ingestão do alimento contaminado, geralmente de 4 a 24 horas após a ingesta, com melhora rápida também, em 24-48 horas, o staphylococcus é um exemplo. A diarreia infecciosa pode ser causada por vírus ou protozoário, começa depois de 48 horas da ingesta e costuma ser menor de três a quatro dias e nas bacterianas pode durar até 7 dias. Lembrar de perguntar se teve contato com indivíduos com histórias semelhantes, ou seja, se teve alguma epidemia local, geralmente as infecções virais podem se relacionar com surtos epidêmicos, perguntar sobre viagens, existe a diarreia do viajante e geralmente o agente mais frequente é a E. coli. Perguntar se o paciente faz refeições em ambientes que não o domicílio, isso aumenta a chance de infecção, perguntar se ele está sobre o uso de medicamentos, existem muitos medicamentos que podem ser responsáveis por diarreia aguda, sondar sobre internação ou uso de antibióticorecente porque isso é fator de risco para infecção pelo clostridium difficile. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 O diagnóstico é feito por meio de PCR nas fezes, detecção direta de toxinas nas fezes, coprocultura e exame parasitológico de fezes. Não devo pedir exame de fezes para qualquer paciente com diarreia, devo pedir para imunossuprimidos, pacientes com febre, sangue nas fezes e persistência da diarreia, ou seja, naqueles que você tem que ter certeza do agente etiológico. Em relação ao tratamento, em pacientes com diarreia aguda, orientar para evitar o consumo de leite e derivados (lactose), pois podem fazer uma intolerância à lactose secundária, evitar alimentos laxativos, mas sem grandes restrições, mas, clinicamente o TTO é feito por meio de hidratação, via oral ou endovenosa dependendo do estado clínico do paciente. *Diarreias virais cursam bastante com náuseas e vômitos. Pode fazer o uso de medicamentos anti- diarreicos, como loperamida (não pode ser administrada em pacientes com disenteria) e racecadotril, pode utilizar antibiótico, os de primeira escolha são ciprofloxacina ou levofloxacina (durante 3 dias), esses são os que cobrem a maioria das bactérias que afetam o trato intestinal, uma alternativa será sulfametoxazol-trimetoprim (por 5 dias). Para o tratamento da clostridioses, é utilizada a vancomicina via oral, e em casos recorrentes, opta-se por transplante fecal. Quando deve-se pensar em prescrever o antibiótico: os quadros que cursam com febre, com sangue, imunossuprimidos, idosos e diarreia que não melhora em 7 dias. Diarreia Crônica Há muitas etiologias associadas a esse tipo de diarreia. As peculiaridades de anamnese e exame físico que não podemos nos esquecer de perguntar para esses pacientes são: na HDA perguntar sobre esteatorreia, restos alimentares nas fezes, bloating (sensação de muitos gases e distensão abdominal), cólica abdominal, perda de peso e edema, quando apresentar esse tipo de sintoma, pensar em causas disabsortivas. É importante fazer diário alimentar com o paciente para avaliar a ingestão de lactose, adoçantes, cafeína, álcool, etc, pois a causa da diarreia pode estar na alimentação, e se apresentar dor abdominal e febre, pensar em diarreias inflamatórias. No interrogatório sintomatológico, é importante questionar sobre manifestações extra intestinais, como dor articular, alterações oculares, lesões de pele, úlceras orais, dermatite herpetiforme (associada com doença celíaca) e buscar sinais e sintomas de disabsorção, a deficiência de vitamina B12 pode causar parestesia, ataxia e glossite. Na HPP, perguntar sobre comorbidades dos pacientes, como diabetes, hipertireoidismo, pancreatite crônica, HIV, perguntar sobre o uso de medicamentos, radioterapia prévia, cirurgias prévias. Na HF é importante perguntar sobre neoplasia colorretal, doença inflamatória intestinal, doença celíaca e diabetes. O diagnóstico pode ser feito em metade dos casos apenas por exame físico e história clínica, quando não consegue, pedimos os exames: Hemograma, eletrólitos, PCR, albumina, ferritina, B12, D e ácido fólico, anti-transglutaminase IgA e IgA total (rastreio para doença celíaca), glicemia de jejum e hemoglobina glicada, TSH e T4 livre, anti-HIV, Lucas Melo – Medicina Ufes 103 parasitológico de fezes (3 amostras), calprotectina fecal (componente que deriva da degranulação de neutrófilos, quando está elevada, inferimos que pode ter uma doença inflamatória no intestino, quando ela vem abaixo de 50, a chance de ter uma doença inflamatória é muito pequena) e investigação para clostridioides se história for sugestiva. A diarreia crônica possui alguns sinais de alarme: Nesses casos tem que fazer uma investigação mais guiada, como colonoscopia com biópsia seriada e endoscopia se suspeitar de doença celíaca. Em alguns casos pode-se pensar em pedir tomografia ou ressonância de abdome. Se após pedir todos os exames e ainda não conseguiu fechar o dx de diarreia crônica, pensar em causa mais rara, como os tumores hormônio- secretores (deve dosar gastrina de jejum, calcitonina, somatostatina, VIP, ácido 5-HIAA na urina em 24 horas) e diarreia factícia (diarreia por abuso de laxativos). O tratamento é dividido em 3 grandes pilares, o TTO etiológico específico, o TTO empírico para casos selecionados e o TTO sintomático. - Tratamento etiológico específico: - Tratamento empírico para casos selecionados: é feito, geralmente, em 3 cenários, antibioticoterapia empírica para supercrescimento bacteriano (rifaximina, tetraciclina, sulfametoxazol - trimetoprim, metronidazol, ciprofloxacina, uso por 14 dias ou ciclos de 7 dias), restrição de lactose da dieta de pacientes com clara relação dos sintomas à ingesta e colestiramina na suspeita de diarreia colerética (aumento de bile no TGI). - Tratamento sintomático: antidiarréicos (loperamida e racecadotrila) e análogos da somatostatina (octreotide, tem a função de inibir a secreção de hormônios, usados quando há presença de tumores carcinóides). Constipação Intestinal A definição envolve alguns critérios, sendo que o paciente deve apresentar 2 ou mais dos seguintes itens: A definição de constipação não está sempre ligada a diminuição da frequência de evacuação. Os principais fatores de risco para constipação intestinal são a idade (prevalência aumentada em idosos), sexo feminino, baixo nível socioeconômico, ingestão inadequada de fibras e líquidos, baixo nível de atividade física e gravidez. Com relação à etiologia e fisiopatologia, a constipação é dividida em 2 grandes grupos, pode haver a constipação secundária a alguma doença e a constipação funcional/idiopática. Em relação a secundária, existem várias causas: Lucas Melo – Medicina Ufes 103 A constipação funcional/idiopática pode ser dividida mais uma vez em 3 grupos, aquela com trânsito colônico normal, trânsito colônico lento (a inércia colônica é a principal causa, pacientes cursam com megacólon bem grande, não possuem o aumento da motilidade colônica após refeições ou uso de estimulantes, isso normalmente acontece por conta da diminuição dos plexos mioentéricos e das células de Cajal) ou com distúrbio na defecação (paciente tem uma evacuação retal prejudicada, ou seja, uma alteração nas forças propulsoras do reto e/ou aumento da resistência a evacuação, podendo se apresentar por sintomas como anismo, contração paradoxal do músculo puborretal, discinesia do assoalho pélvico, alguns fatores que podem causar esse distúrbio são trauma, dano obstétrico ou abuso sexual). Na história dos pacientes, deve-se fazer algo bem detalhado, pois eles podem ter manifestações que devem ser investigadas, como na HDA, perguntar sobre forma das vezes, frequência, esforço evacuatório, sensação de evacuação incompleta, necessidade de manobras manuais, sangramento nas fezes, é importante fazer o diário alimentar. Classificação para padronizar as formas das fezes. Na HPP, é importante perguntar sobre comorbidades como diabetes, hipotireoidismo e doenças neurológicas, e uso de medicamentos constipantes. Na HF, perguntar sobre neoplasia colorretal. No EF, é importante observar se o paciente possui distensão abdominal, massas palpáveis, examinar bem a região perianal (realização de toque retal). Os sinais de alarme são: E, na presença desses sinais, sempre fazer a colonoscopia para investigar tudo certinho. *Para os pacientes que não possuem nenhum sinal de alarme, é necessário apenas pedir um hemograma para excluir se o paciente tem anemia, e depois começa o tratamento empírico sem a necessidade de exames mais aprofundados. *Se começou o tratamento e o paciente não teve melhora, pensar em pedir exames mais específicos, que são a manometria anorretal,teste de expulsão do balão e defecografia, além do estudo do tempo de trânsito colônico. Em relação ao tratamento da constipação, como medidas gerais vamos lançar mão de influenciar o paciente a fazer atividade física regular, aumento da ingesta de líquidos e fibras, criar o hábito de evacuar depois das refeições e suspender medicamentos constipantes se possível. Em relação a medicamentos, existem várias classes, como fibras (farelo de trigo e psyllium), laxantes osmóticos (lactulose, PEG, hidróxido de magnésio), laxantes estimulantes (bisacodil, picossulfato de sódio, sene), agonista do receptor 5-HT4 (prucaloprida), agentes pró-secretores (lubiprostona, linaclotida) e lubrificantes (óleo mineral). Lucas Melo – Medicina Ufes 103 *Biofeedback é uma fisioterapia do assoalho pélvico, ensinando o paciente a contrair de forma certa os músculos da região. *O tratamento cirúrgico é indicado em raros casos, como inércia colônica, fazendo uma colectomia total, além de casos de retocele.
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