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GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO SUMÁRIO PLANO DE ESTUDO ................................................................................................................ 5 ATIVIDADES WEB – AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM ................................ 5 INFORMAÇÕES IMPORTANTES .......................................................................................... 6 CUIDADOS NO ENVIO DAS ATIVIDADES AVALIATIVAS ............................................. 7 UNIDADE 01: ............................................................................................................................ 9 TÓPICOS DE QUESTÕES FILOSÓFICAS À EDUCAÇÃO .................................................. 9 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO. ........................................................................................... 11 DISCIPLINA: A TRANSFORMAÇÃO DA ANIMALIDADE EM HUMANIDADE ....... 13 A DISCIPLINA E A SUA RELAÇÃO COM A DETERMINAÇÃO DO SER HUMANO: A HUMANIDADE ............................................................................................................... 14 QUESTÃO DA FORMAÇÃO ............................................................................................. 14 UNIDADE 02 ........................................................................................................................... 19 TÓPICOS DE QUESTÕES ANTROPOLÓGICAS DA EDUCAÇÃO .................................. 19 A antropologia e a formação de professores ......................................................................... 19 PROBLEMAS PEDAGÓGICOS E PROBLEMAS ANTROPOLÓGICOS........................ 24 ETNOGRAFIA PODE CONTRIBUIR PARA A EDUCAÇÃO? ....................................... 27 O ENSINO DE ANTROPOLOGIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES .................... 29 UNIDADE 03 ........................................................................................................................... 32 TÓPICOS DE QUESTÕES SOCIOLÓGICAS DA EDUCAÇÃO ......................................... 32 RELAÇÕES ENTRE DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO NA OBRA DE PAULO FREIRE33 Democracia, Educação e as Relações na Humanização Humana ........................................ 34 UNIDADE 4 ............................................................................................................................. 45 TÓPICOS DE QUESTÕES HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO ............................................... 45 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: DA ANTIGUIDADE AOS NOSSOS DIAS, DE MÁRIO ALIGHIERO MANACORDA ............................................................................................. 48 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO EM MARIA MARTA TEIXEIRA LOPES, 2006 ........................................................................................................................ 53 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 56 GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO APRESENTAÇÃO A disciplina Fundamentos filosóficos, antropológicos, históricos e sociológicos da educação, se traduz, em essência, como fundamentos da educação. Sobre isso, considera-se importante que você possa ampliar o conhecimento sobre os temas a serem trabalhados. Para incentivá-lo a participar dessa empreitada, selecionamos alguns textos, compilando-os também, por meio dos quais você poderá ler e se apropriar das discussões acerca das compreensões da referida disciplina. Desde logo é salutar trazer à mente a reflexão de tais fundamentos para que você amplie seu conhecimento. Nesse sentido, de forma breve, percorreremos objetivamente a compreender e correlacionar a educação a partir da contribuição dos fundamentos da filosofia, da história, da sociologia e da antropologia, e, como uma das direções, de forma mais detida a compreender os fundamentos da antropologia para a educação e sua relação com os modos de viver humano; a compreender a educação como processo social; a entender as contribuições da filosofia à educação; e a realizar a relação dos saberes antropológicos, filosóficos, sociológicos e históricos na educação. Sabendo-se que o conhecimento se instrumentaliza em boa medida, em função das evoluções das questões sociais, políticas e econômicas, e de certo, sobressaindo-se em função desta última. Por esse viés de compreensão a racionalidade que se exige de cada profissional requer mais especificidade para o fazer pedagógico com inteligência e sabedoria. Logo, nosso desejo é poder ilustrar, caro discente, a importância de todos os saberes aqui mencionados, a fim de possibilitar a leitura da palavra-conhecimento, a sua compreensão, e seus usos, na medida em que se necessite dos saberes que de nós é exigido. Nessa concepção, você será o mais beneficiado por cada tema compreendido, por cada exercício realizado. Diante de tudo que foi dito não esqueça que acreditamos no seu crescimento profissional e no seu sucesso por meio deste curso. Cordial abraço Professor Mílvio da Silva Ribeiro GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação. Conseqüentemente, o homem é infante, educando e discípulo. KANT, Immanuel (1724-1804). Sobre a pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella. 3.ª Ed. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2002. SOBRE O PROFESSOR: O professor Mílvio da Silva Ribeiro é Licenciado em PEDAGOGIA pela UNIVES (2009) e também Licenciado em GEOGRAFIA pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2013). É Mestre em Geografia (PPGEO/UFPA, 2015), Doutorando em Geografia (PPEGO/UFPA, 2017). Tem experiência na Educação Básica e superior, com ênfase em Geografia nas séries iniciais, finais do ensino fundamental e ensino médio, docência do Ensino Superior (graduação) pela Universidade do Estado do Pará - UEPA e em nível de Especialização na UFPA como professor do curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social - GEAM/ICED/UFPA. Na Faculdade de Teologia, Filosofia e Ciências Humanas Gamaliel – FATEFIG coordena o curso de PEDAGOGIA na modalidade a Distância. É membro do Núcleo de Docente Estruturante - NDE dos Cursos de PEDAGOGIA em EaD e de FORMAÇÃO PEDAGÓGICA e professor de Metodologia da Pesquisa Científica e Antropologia Jurídica no curso de Direito da FATEFIG. Endereço para acessar o CV do Professor: http://lattes.cnpq.br/9542173320344070 http://lattes.cnpq.br/9542173320344070 GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO PLANO DE ESTUDO O plano de estudos visa orientá-lo (a) no desenvolvimento da Disciplina. Nele, você encontrará elementos que esclarecerão o contexto da Disciplina e sugerirão formas de organizar o seu tempo de estudos. O processo de ensino e aprendizagem na Faculdade Gamaliel leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam. Assim, a construção de competências se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das diversas formas de ação/mediação. São elementos desse processo: a) O Guia didático de estudos; b) O Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA, onde você encontrará as atividades virtuais de verificação da aprendizagem; c) A prova presencial. ATIVIDADES WEB – AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM No Ambiente Virtual de Aprendizagem da Faculdade Gamaliel, você terá o conteúdo da disciplina e as atividades a serem realizadas.Discriminamos abaixo cada uma delas: Fórum da Disciplina: é um espaço web de discussão-interação-reflexão de temas relativos ao conteúdo, com mediação do tutor EaD. É uma ferramenta importante para o desenvolvimento da aprendizagem no processo educativo à distância. O Fórum é parte do processo de avaliação da aprendizagem, tendo em vista que através dele não só a escrita é exercitada, mas o exercício da análise, da reflexão, permitindo o debate plural de ideias e a crítica coletiva do grupo. Quando o estudante participa das discussões, trocando ideias e experiências, contribui, também, com a consolidação da aprendizagem de seus pares. O fórum é elemento avaliativo e vale 01 (um ponto). Na prática: esse elemento consiste em um exercício em que a questão elaborada pelo professor-autor permitirá ao estudante mobilizar os conhecimentos tratados e analisar, na GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO prática, um caso (estudo de caso), voltado ao ambiente organizacional educacional. Essa atividade avaliativa vale 02 (dois pontos). Exercite: trata-se de um exercício nos moldes de um questionário com questões a serem resolvidas e terá um único formato de resposta: o de escolha múltipla, ou seja, você escolherá a resposta correta dentre quatro opções. Essa ferramenta será usada como exercício de fixação de conteúdos e fará parte do processo de avaliação web. Tem o valor de 01 (um) ponto. Prova presencial: a prova encerra o conjunto de atividades avaliativas da disciplina e deve ser realizada no Polo de Apoio Presencial. A prova vale 06 (seis) pontos. O conjunto de atividades avaliativas e sua pontuação estão resumidas na tabela abaixo: Fórum da disciplina Na prática Exercite Prova presencial Total de pontos 1.0 2.0 1.0 6.0 10.0 Para aprovação na disciplina o estudante deve obter aproveitamento final de no mínimo 7.0 (sete) INFORMAÇÕES IMPORTANTES Nossos fóruns temáticos terão data de início e término, por isso você deve ficar atento aos avisos e comunicados disponibilizados no AVA. Assim, o acesso a esse ambiente deve ser diário. Cada contribuição nos fóruns não poderá conter mais de 200 palavras, pois este limite é importante para garantir-lhes uma maior e mais leve dinâmica. Contribuições formadas por um número de palavras maior do que 200 deverão ser divididas em mais de uma postagem ou serão penalizadas ao final da avaliação. Postagens e tarefas têm caráter autoral, ou seja, devem ser opiniões próprias e inéditas, sendo desejável o uso de citações para corroborá-las com referências seguindo as normas da ABNT. Sobre a avaliação da participação nos fóruns: GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Serão consideradas para aferição de notas somente as postagens consistentes feitas pelo aluno. Considera-se postagem consistente aquela que faça referência à temática exigida, respondendo às questões norteadoras do fórum ou em debates com os colegas e tutor. O aluno deverá participar com, no mínimo, três postagens consistentes e distintas, e em três dias diferentes de cada semana de vigência do fórum temático. A participação concentrada em apenas 2 dias distintos reduzirá a nota total na atividade em 20%, e se concentrada em apenas 1 dia, a redução será de 40%. Por fim: postagens concentradas apenas no último dia do fórum sofrerão redução de 50%. As postagens nos fóruns deverão ser de caráter autoral sendo facultado o direito de inclusão de citações de acordo com as Normas da ABNT, portanto acompanhadas de citação de autoria. Serão considerados para a avaliação dos fóruns, além da frequência e da realização das atividades propostas, a interação com colegas e tutor, a clareza e correção das postagens, a proatividade e a cortesia no trato com os colegas e com o tutor. Na correção das tarefas, além da realização das atividades propostas, serão considerados na avaliação das notas os seguintes critérios, no que tange à forma e ao conteúdo da tarefa: estrutura do texto, clareza, correção gramatical, bibliografia, linha de raciocínio, coerência com as orientações, embasamento no conteúdo e exemplificação. CUIDADOS NO ENVIO DAS ATIVIDADES AVALIATIVAS Cada contribuição nos fóruns que contiver trechos retirados de textos de outros autores (incluindo referências eletrônicas) deverá conter, obrigatoriamente, a fonte da qual estes foram retirados, explicitada em acordo com as normas de citação (NBR 10520) e de referências (NBR 6023) da ABNT. É extremamente importante destacar que cópias de livros (digitadas e/ou digitalizadas), artigos, dissertações, teses e textos da internet serão detectadas facilmente e acarretarão na nota zero ao aluno, sem oportunidade de substituição do trabalho. Recomendamos que o envio das tarefas não seja feito na última hora, a fim de evitar que eventuais transtornos (problemas com internet, falta de luz, sobrecarga da rede, etc.) inviabilizem o envio. Se, no horário final de entrega, ocorrer algum problema com a plataforma, o prazo de envio será dilatado e devidamente comunicado em nossa plataforma/e- mail. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Não será permitido o envio de tarefas por qualquer outro meio que não o local específico para isso na plataforma ou fora do prazo. O não envio de uma tarefa no prazo acarretará na nota zero ao aluno sem oportunidade de substituição do trabalho. Só serão aceitos tarefas e trabalhos enviados em doc, docx ou rtf. Não enviem tarefas em pdf, odt ou nenhum outro formato que não os especificados, pois não serão aceitas e acarretarão na nota zero ao aluno sem oportunidade de substituição do trabalho. As notas de fóruns/tarefas serão divulgadas posteriormente ao encerramento/envio dos mesmos. Fique atento aos calendários. O aluno terá o direito de, junto ao tutor, requerer a revisão de sua nota. Para tanto há um "Fórum de Pedido de Revisão de Notas" onde o aluno deverá postar seu requerimento até 4 (quatro) dias depois de liberada a nota que será questionada. Em qualquer pedido de revisão devem ser informados o nome do aluno, seu grupo e os comentários necessários à revisão. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO UNIDADE 01: TÓPICOS DE QUESTÕES FILOSÓFICAS À EDUCAÇÃO Como ponto de partida, gostaria de esboçar com você que o ensino de filosofia da educação tem sido alvo de discussões por autores, pesquisadores e demais profissionais da área na tentativa de consolidar a filosofia da educação como um campo de saber legitimado pela teoria e pela prática. Nesse sentido lhe convido a compreender o campo filosófico-educacional para a construção de uma base de conhecimentos que contribuam significativamente para expandir o diálogo no campo da atuação da docência e de seu uso para outras incursões de saberes, a partir da reflexão filosófica. Nessa perspectiva, estimulo você a percorrer na investigação de alguns de seus aspectos históricos, enfatizando nessa trajetória sua conversão em disciplina acadêmica institucionalizada e também sua constituição e consolidação como campo de estudos e pesquisas no Brasil. Agora, chamo a sua atenção para perceber a filosofia da educação a partir do final do século XVIII até o início do século XX, por exemplo, a expressão filosofia da educação não era especificamente utilizada e tampouco era preponderante. Nesse período, além da referida terminologia, uma abrangente nomenclatura era utilizada indistintamente, isto é, de modo genérico, para tratar de qualquer tópico que relacionasse filosofia e educação. (TOMAZETTI, 2003). Essa relativa indistinção entreo saber filosófico e o saber pedagógico predominou até o início do século XX. Enquanto perdurou essa suposta equivalência entre os dois saberes, os conteúdos filosófico-educacionais foram diluídos nos estudos pedagógicos, principalmente, no âmbito da disciplina Pedagogia Teórica. Tal situação somente mudou quando a própria Pedagogia deixou de ser uma disciplina subdividida nas vertentes teórica e prática, a fim de buscar sua consolidação como campo teórico relacionado às Ciências da Educação. O contexto do referido debate foi permeado pelo uso deletério que Durkheim fez da expressão especialista de generalidades, criada originalmente por Comte para se referir ao papel do filósofo diante das ciências positivas (TOMAZETTI, 2003). No positivismo, a Filosofia é compreendida como uma disciplina pré-científica, constituída por ideias gerais e cujo objeto de estudo principal seria os universais. Na célebre Lei dos Três Estados, Comte defende a ideia evolucionista segundo a qual o desenvolvimento intelectual da humanidade GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO pode ser historicamente classificado em três fases distintas: a teológica (ficcional), a metafísica (abstrata) e a positiva (científica). Em cada uma delas o pensamento humano opera de uma forma característica. No estágio teológico, predominam as crendices e superstições, expressas nas explicações que apelam para forças sobre-humanas como espíritos e divindades. No estágio metafísico, as explicações anteriores cedem lugar para elucidações baseadas em causas finais, essências e outras generalizações teóricas. E no estágio positivo, considerado o ápice do desenvolvimento intelectual humano, tanto a transcendência quanto a especulação generalizante são superadas em prol da ciência, definida pela verificação e comprovação das leis originadas a partir da experiência (COMTE, 1983). A partir da classificação comtiana, a filosofia fica restrita a um segundo plano, o estágio pré-científico da abstração e das generalidades, ao passo que disciplinas como biologia, psicologia e sociologia, por serem consideradas ciências experimentais, estariam situadas num patamar mais elevado no que se refere à evolução do pensamento humano. Como o filósofo da educação não poderia ser considerado um cientista e como a filosofia remete a um saber de caráter amplo, panorâmico e de conjunto, então, foi-lhe atribuído o título de especialista em generalidades. Assim, a filosofia da educação associada às generalidades foi amplamente prejudicada porque tudo aquilo que não tinha lugar na ciência era destinado ao campo de saberes filosóficos da educação. Nesse contexto, os especialistas das ciências da educação concebiam a perspectiva filosófica como irrelevante para a educação porque consideravam que nenhuma proposta de melhoria concreta podia advir dela, visto que, diferentemente das positivas explicações oriundas das ciências da educação, as propostas filosóficas acerca da educação eram negativistas e utópicas. No esquema de Durkheim, por exemplo, a filosofia educacional não poderia fixar a finalidade da educação em razão de seu caráter negativista e utópico e, por isso, deveria forçosamente abdicar de tal tarefa em prol da sociologia e da psicologia, as positivas ciências da educação que, por efetivamente cuidarem dos aspectos coletivos e individuais de uma sociedade, saberiam identificar as reais necessidades educacionais a fim de estabelecer metas realizáveis (DURKHEIM, 1978). GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Durkheim também usa pejorativamente a associação da filosofia com a amplitude de ideias e ausência de especificidades com o propósito estratégico de minar a influência filosófica exercida no campo universitário e, assim, ocupar seu lugar com outros campos do saber que não são generalistas, mas devidamente demarcados, hierarquizados e com competências específicas: a psicologia da educação e a sociologia da educação. Vejamos que não temos a pretensão de verificar toda literatura disponível que aborda a temática aqui discorrida, mas gostaria de provocá-lo a pesquisar esse assunto nas fundamentações de alguns autores, dentre eles, destaco, no boxe, a recomendação das seguintes referências bibliográficas. Eis o desafio de aprofundamento. Em seguida passaremos a discorrer uma das possibilidades de diálogos que nos ajudará entender filosofia da educação. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO. Para pensar filosofia e seu relacionamento com a educação, apoiamo- nos no texto base de (KALSING, 2010,). Assim, iniciaremos por Immanuel Kant que é um dos mais eminentes filósofos de todos os tempos, em função, pode-se dizer, da sua imensa e profunda obra filosófica. É conhecido principalmente seu sistema crítico, que inclui as denominadas três críticas e diversas obras escritas dentro do chamado período crítico como, por exemplo, a Fundamentação da metafísica dos costumes. Argumenta-se que os últimos escritos de Kant são frutos de um período de senilidade, junto à grande repercussão das obras anteriores à década de 1780, quase nos limitou a uma interpretação do pensamento ético de Kant em que estudos sobre antropologia, psicologia, biologia, história, educação ou qualquer outro de cunho empírico contribuíam pouco nos trabalhos sobre a aplicabilidade de sua ética. Referente à pedagogia e ainda outras áreas, poderia ser incluída no conjunto do pensamento ético de Kant, isto é, a pedagogia parece ter vinculação com a sua ética, a qual muitas vezes é apenas compreendida como circunscrita ao que foi escrito e publicado por Kant dentro do período crítico. E essa compreensão mais ampla do pensamento ético de Kant, incluindo obras sobre antropologia, psicologia, biologia, história, educação, por exemplo, numa palavra, obras que possam ter um cunho mais empírico, está começando a ganhar corpo, com alguns trabalhos que abordam a história, a antropologia e a pedagogia como constituintes GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO de uma compreensão mais ampla da ética kantiana, apontando aí já os temas da formação moral e do caráter 1 . A seguir passaremos a mencionar aspectos relativos à obra de Kant. AS TRÊS PARTES DA EDUCAÇÃO PARA KANT Kant inicia seu escrito sobre a pedagogia com a frase “o ser humano é a única criatura que precisa ser educada”. Isso significa, entre outras coisas, que o ser humano não nasce pronto. Ou, de uma outra forma, como diz Celso de Moraes Pinheiro, “com isso, Kant mostra que o processo de educação cabe, inteiramente, ao homem, e apenas a ele” (PINHEIRO, 2007, p. 33). E, por educação propriamente, continua ele, “[...] entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação” (KANT, 1996, p. 11). O cuidado seria “[...] as precauções que os pais tomam para impedir que as crianças façam uso nocivo de suas forças” (Idem). O cuidado é algo que, de certa forma, os animais não precisam, já que eles, “[...] logo que começam a sentir alguma [força], usam as próprias forças com regularidade, isto é, de tal maneira que não se prejudicam a si mesmos” (Idem). “A disciplina transforma a animalidade em humanidade” (Idem.). Ela é o tratamento através do qual se tira do ser humano a sua selvageria (conforme KANT, 1996, p. 12.), pois “a selvageria consiste na independência de qualquer lei” (Ibidem p. 12.). Portanto, a disciplina consiste em submeter o ser humano às leis da humanidade e, consequentemente, aos preceitos da razão (conforme KANT, 1996, p. 12-13.), para que ele não siga “[...] imediatamente cada um de seus caprichos” (Ibidem, p. 13.). Já a última parte, a instrução, é entendida também, pode-se dizer, como formação e como cultura(conforme OLIVEIRA, 2004, p. 456, conforme também OLIVEIRA, 2006, p. 74, conforme também ROANI, 2007, p. 19.) e se refere tanto à “[...] formação geral da humanidade para além da animalidade na raça humana” (OLIVEIRA, 2004, p. 456) quanto a “[...] processos educacionais mais específicos dirigidos a grupos particulares assim como a indivíduos” (Idem). 1 [cf. Munzel, 1999, Louden, 2000, Banham, 2003, Wood, 1999] (Idem, Itálicos acrescentados.). GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO DISCIPLINA: A TRANSFORMAÇÃO DA ANIMALIDADE EM HUMANIDADE Convido você a percorrer apenas a introdução da obra “SOBRE A PEDAGOGIA”, pelo fato de se entender que esta contém elementos suficientes para o objetivo deste guia de estudo. Assim, em primeiro lugar, o aspecto disciplina, especificamente, pelo fato de este conter relações com as obras citadas na introdução do presente texto e que são Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita e Início conjectural da história humana. Como já visto, Kant afirma a respeito da disciplina em Sobre a pedagogia que ela “transforma a animalidade em humanidade” (KANT, 1996, p. 11). Essa transição, essa passagem requer, como diz Pinheiro, “[...] que possamos desenvolver em nós mesmos a humanidade, estabelecendo princípios bons, disciplinando nossas tentações, enfim, reconhecendo o primado da razão sobre o instinto” (PINHEIRO, 2007, p. 40). A ideia da passagem, por assim dizer, da animalidade à humanidade já ocorre em algumas obras anteriores à Sobre a pedagogia, como, por exemplo, Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, publicada em 1784 (conforme KANT, 1986, p. 09.). Essa obra trata da “[...] história da liberdade em seu desdobramento [...]” (KANT, 2009, p. 157.), ou do “[...] desdobramento da história do agir humano [...]”. Lá, na denominada Sétima Proposição, Kant entende que se pode aceitar que a natureza segue “[...] um curso regular para conduzir a nossa espécie aos poucos de um grau inferior de animalidade até o grau supremo de humanidade [...]” (KANT, 1986, p. 18). Desse modo, através da observação da história da liberdade em seu desdobramento, isto é, do desdobramento da história humana, Kant entende que se pode perceber nela um curso regular, ou um “[...] fio condutor [...]” (Ibidem, p. 10.), que conduziria a espécie humana do grau inferior da animalidade para o grau supremo da humanidade. Essa passagem da animalidade à humanidade poderia ser percebida, portanto, na história, mais propriamente no decurso da história humana. Entretanto, diferentemente de Sobre a pedagogia, nessa obra, o que operaria a transição da animalidade à humanidade não é propriamente a disciplina e sim o que Kant denomina de “[...] insociável sociabilidade [...]” (Ibidem, p. 13.), o antagonismo presente na espécie humana, que é então o meio que a natureza utiliza para realizar esse propósito (conforme KANT, 1986, p. 13). Esse antagonismo consiste na tendência dos seres humanos a entrar em sociedade que está ligada a uma oposição geral que ameaça constantemente dissolver essa sociedade (conforme KANT, 1986, p. 13.). GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Portanto, essa tensão (conforme TERRA, 1986, p. 52), pode-se dizer, entre a tendência de entrar em sociedade e a oposição a essa mesma sociedade é o que impele a espécie humana ao progresso, no entender de Kant e, assim, a faz caminhar do grau inferior da animalidade para o grau supremo da humanidade. A DISCIPLINA E A SUA RELAÇÃO COM A DETERMINAÇÃO DO SER HUMANO: A HUMANIDADE Kant, dando prosseguimento ao texto, relacionará novamente disciplina e humanidade em Sobre a pedagogia. Desta vez, a disciplina está implicada com o que Kant denomina de a determinação do ser humano. Por suas palavras, “a disciplina impede que o ser humano se afaste, através de seus impulsos animais, de sua determinação, a humanidade” (KANT, 1996, p. 12.). Ou seja, nesse momento, disciplina tem implicação com o que Kant chama de a determinação do ser humano, a saber, a humanidade. Aqui ela impede que o ser humano se desvie de sua determinação, ou mais alto fim, talvez possa se dizer, isto é, da humanidade. Mais adiante, ele vinculará a arte da educação com a consecução desse fim ou dessa determinação. Por suas próprias palavras, “a arte da educação ou pedagogia deve, portanto, ser raciocinada, se ela deve desenvolver a natureza humana de tal modo que essa possa conseguir o seu destino”. Em seguida faremos mais uma incursão sobre a temática da formação, eis a seguir: QUESTÃO DA FORMAÇÃO O título deste tópico provoca-nos a uma boa incursão, por isso, iremos utilizar a obra “Sobre filosofia e educação: racionalidade, diversidade e formação pedagógica” (CENCI, 2009), com sua fonte original ao lado mencionado. O referido texto, ajuda-nos a construir questionamentos, daí almejando ser um espaço de diálogo e de partilha acerca de questões, de tensões e de compreensões sobre a educação e os processos formativos nela implicados. O diálogo interdisciplinar, a pluralidade de abordagens, o cuidadoso exercício hermenêutico e o alargamento das perspectivas epistemológicas são marcas genéticas e condição de partida para a compreensão de textos. Aqui salientamos a abordagem, de forma exemplar, a tríade racionalidade, diversidade e formação pedagógica, mediante a GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO retomada dos conceitos de Paideia, Humanitas e Bildung, centrais para a educação e para a filosofia. Rever a pertinência e o valor de tais conceitos denota reconhecimento da historicidade dos processos e dos ideais formativos efetivados no decorrer da história da humanidade. Implica, também, reconhecer que tais conceitos ainda possuem fecundidade para uma nova leitura hermenêutica da realidade sócio histórica da qual somos partícipes. Os três autores (Goergen, Flickinger e Charlot) propõem um olhar retrospectivo acerca do problema formativo educacional, conjugando educação e filosofia. Entendem que somos herdeiros de uma tradição educativa que inicia com os gregos antigos. Para os gregos, o ideal da Paideia conjugava a formação moral e a ação política como pressupostos da humanização. A Humanitas latina agrega, ao ideal grego, a dimensão prática da vida humana, concebendo que a educação também teria como tarefa a formação do cidadão virtuoso. Argumentam, além disso, que a emergência da modernidade trouxe à tona a centralidade na razão subjetiva e a crença no valor da ciência e da técnica como instrumentos de autonomia e de libertação dos homens em relação à natureza e à tradição. Para os modernos, através da Bildung, o homem se converte em verdadeiro homem. O homem passa a ser o grande responsável pela construção de si mesmo, autor, criador e artífice de si, da sociedade e de uma nova ordem moral, política e econômica. A releitura dos conceitos de Paideia, Bildung e Humanitas indica que o processo formativo, no modo como foi colocado em prática nos diversos contextos sócio-históricos específicos, possuía como intenção principal desenvolver o ser humano. Tratava-se de processos de humanização que, além do ensino de matérias e disciplinas específicas, agregavam as dimensões éticosocial, estética e autobiográfica. Em suma, um ideal de educação integral, guardadas as diferenças históricas e sociais entre esses conceitos. Neste sentido, atribuiu-se à educação, ao longo do tempo, um triplo processo: humanização, socialização e subjetivação. A humanização implicava em adentrar num mundo humano já configurado, tornar-se homem – ser humano – num determinado contexto. A socializaçãopressupunha que o neófito participasse da herança social, aprendendo uma cultura e os valores já construídos na história da comunidade à qual passava a pertencer. Finalmente, o processo de subjetivação ou singularização permitia que o indivíduo se diferenciasse, configurasse uma identidade e uma autobiografia. Nesse viés, era possível compreender que o ser humano não nascia pronto, predefinido. A condição humana implicava finitude e historicidade e, ao mesmo tempo, consciência de que o humano poderia ser construído e reconstruído na relação com a cultura, com os outros, com o mundo circundante e consigo mesmo. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Atualizar essa história e essa compreensão dos processos formativos implica questionar o caráter reducionista da formação no sistema educacional atual, que prioriza, de modo geral, os aspectos técnicos e instrumentais em detrimento a outros elementos, como os éticos e os estéticos. Implica, também, compreender a atual crise e os questionamentos endereçados à educação, como movimentos de enfrentamento das várias racionalidades existentes nos meandros educativos. A segunda parte da obra “Sobre filosofia e educação” está dividida em sete eixos temáticos, com vinte e três textos, que foram apresentados no Seminário em forma de mesas-redondas, com os seguintes temas: Paidéia grega e os desafios educacionais atuais; Hermenêutica, racionalidade e formação; Iluminismo pedagógico e desafios educacionais atuais; Formação emancipadora e racionalidade instrumental; Formação, democracia e ação pedagógica; Processos pedagógicos, linguagem e diferença; Formação e políticas educacionais. Em vários desses textos argumenta-se que os conceitos de Paideia, Humanitas e Bildung são inspiradores para a continuidade do diálogo entre filosofia e educação. A análise dos mesmos demonstra de modo brilhante, os arranjos e as formas como uma determinada sociedade organizou e sistematizou os processos formativos das novas gerações. Entretanto, esses conceitos não podem servir de modelo ou simples parâmetro para a formação na atualidade. A Paideia, por exemplo, surge num contexto social, político e econômico determinado e específico. Nossa realidade é diferente, e mais de dois mil anos nos separam da sua experiência. Ela pode servir de inspiração do como foi possível pensar e estabelecer um processo formativo condizente com os anseios e os ideais dos cidadãos da época. A Bildung (formação), herdeira dos conceitos de Paideia e de Humanitas, quando tomada desde a perspectiva hermenêutica, revela a importância da experiência no processo formativo humano. Nesse viés, experiência implica vivência, reconhecimento da finitude e da incompletude do eu. Por isso, é também abertura ao outro, ao diferente, que pode afetar-me, fazendo-me crescer. Desse modo, a Bildung engloba três vetores da formação humana: o conhecimento científico e da tradição; o elemento ético moral da subjetivação, da convivência e da busca pelo bem viver, tanto pessoal, quanto no âmbito social; e o elemento estético, da autocriação de si enquanto ser único e irrepetível. O conceito de formação olhado historicamente – na forma de Paideia, Humanitas ou Bildung nos mostra a validade de revisitar os clássicos da filosofia e da educação como forma GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO de melhor interpretar nossa situação presente. Trata-se da tarefa de também dialogarmos com a cultura já construída. Não significa aceitar acriticamente todas as dimensões ou cargas culturais que esses conceitos carregam, pois há elementos que não podem ser assumidos por nossa geração, e outros que se mantêm válidos, se reinterpretados adequadamente. Além disso, alguns capítulos do livro abordam o tema da formação dos educadores. Os autores destacam que para pensar os processos formativos na atualidade necessitamos também olhar a questão das políticas de formação docente, tanto num nível de formação inicial, quanto numa dimensão de formação continuada. A formação docente é questão estratégica para a melhoria da qualidade da educação no Brasil. A TÍTULO DE CONSIDERAÇÕES DO TÓPICO Sobre a pedagogia, mais conhecida obra do filósofo Immanuel Kant sobre o tema educação, muitas vezes considerada do suposto período de senilidade do filósofo, por ter sido publicada um ano antes de sua morte, em 1803. Porém, percebem-se nela certas ideias que ocorrem também em sua filosofia da história, como, por exemplo, Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita e Início conjectural da história humana. Essas ideias são, entre outras, a evolução do ser humano da animalidade à humanidade; o fato de o ser humano não poder utilizar somente o instinto, necessitando extrair de si mesmo determinadas qualidades, através do exercício de sua razão; a ideia de uma determinação da humanidade ou de um fim mais alto da humanidade, que é a determinação moral. O exercício de diálogo na obra “Sobre filosofia e educação”, enceta um olhar mais adequado em relação ao fenômeno formativo. Nesse viés, entendemos que a leitura desta obra, e o necessário diálogo entre filosofia e educação, apontam para a possibilidade de superação do processo de instrumentalização e de compartimentalização que temos acompanhado no campo educacional. Especialmente à redução da educação ao ensino e à instrumentalização dos processos formativos, mediante a adoção de cartilhas, manuais, receitas prontas, entre outras. Além disso, fazemos referência à possibilidade de superação dos compartimentos e campos específicos que se negam a abordar o fenômeno formativo desde uma perspectiva pluriversal e multidisciplinar. De modo geral, “Sobre filosofia e educação” permite-nos refletir, também, acerca dos fins da educação. Esse exercício supera um olhar redutivo e centrado nos aspectos técnicos e instrumentais dos processos formativos. Permite repor o problema educacional a partir de um horizonte mais amplo, que contemple os diferentes modos de concebermos e colocarmos em prática a educação em nosso tempo. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Torna possível discernir os valores, os princípios, os objetivos e as metodologias que poderão nortear os processos formativos. Mostra-nos que o diálogo entre os vários campos do saber, especialmente a filosofia e a educação, é possível e frutífero. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO UNIDADE 02 TÓPICOS DE QUESTÕES ANTROPOLÓGICAS DA EDUCAÇÃO A antropologia e a formação de professores A proposição se segue, com a temática da formação de professores no Brasil é um campo em constante disputa, no qual alguns saberes são valorizados em detrimento de outros. Antes, porém, trago a lembrança de forma sintética o seguinte quadro, nele tento esboçar brevemente a compreensão do que venha ser a antropologia: Para pensar tais questões o convido a verificar isso a partir da contribuição da antropologia para a formação docente, tanto no nível teórico, a partir da discussão sobre a diversidade cultural no espaço escolar, quanto no nível prático por meio do desenvolvimento da pesquisa etnográfica. Nessa perspectiva, compreendemos que o conhecimento produzido no campo antropológico mostra-se fundamental para a formação de professores, em especial, GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO considerando a realidade brasileira, marcada por uma profunda diversidade e desigualdade sociocultural. Algumas expressões estão correlacionadas às ideiasque aqui se pretende discorrer, dentre elas estão: antropologia da educação, formação de professores, ensino de antropologia. A seguir esboça-se uma ideia do que seja antropologia como contribuições nucleares de: Bronislaw Malinowski (1884 - 1942) este nasceu na Polônia, estudou Ciências Exatas em seu país e na Alemanha e, depois, mudou-se para a Inglaterra, onde se naturalizou. A leitura de O ramo de ouro, obra clássica de James Frazer, atraiu-o para a Antropologia. Malinowski ficou conhecido por estabelecer o método etnográfico, ou seja, a pesquisa de campo de longa duração, com conhecimento fluente do idioma local e “observação participante”. O trabalho de campo tornou-se um dos principais métodos de pesquisa antropológica. Para Malinowski, o antropólogo deveria “mergulhar” na cultura local, participando das atividades cotidianas enquanto observava o que acontecia. Grande crítico dos evolucionistas e precursor da perspectiva funcionalista em Antropologia, Malinowski foi umdos intelectuais mais influentes do século XX. Para pensar sobre professores, alunos e outros nativos, associa-se ou utiliza-se as compreensões do fazer antropológico ao pesquisador longe de casa, realizando seu trabalho de campo em uma ilha paradisíaca, em um processo tal qual preconizado por Malinowski (1976) em Os Argonautas do Pacífico Ocidental, publicado em 1922. Todavia, as mudanças vivenciadas na ciência antropológica com a constituição de uma antropologia at home (PEIRANO, 2006) trouxe uma série de novas questões e possibilidades de investigação, dentre elas, temos a emergência da escola enquanto lócus de estudos dos antropólogos, por mais que devamos ressaltar que o campo da Antropologia da Educação no Brasil ainda está em formação, e começa a tomar visibilidade a partir dos anos 70 do século passado, com os chamados estudos de comunidades, mas que não eram exatamente uma novidade se reconhecemos que, na primeira metade do século XX, vários antropólogos nos Estados Unidos voltaram-se para o debate educacional, com destaque para Franz Boas e Margaret Mead (GUSMÃO, 1997). Nessa mesma direção, devemos chamar a atenção para o fato de que muitas das investigações antropológicas no campo da educação se desenvolveram no rastro das pesquisas com crianças (ROCHA, TOSTA, 2009), o que é bastante significativo para compreendermos os diálogos que vão se constituindo a partir de então entre a Antropologia e a Educação. Outros dois aspectos que merecem nota são: a) um período da antropologia brasileira geralmente olvidado, que remete ao advento dos gabinetes de Antropologia Pedagógica no começo do século XX, num momento anterior à institucionalização dessa ciência junto aos primeiros cursos de Ciências Sociais no Brasil, que surgem apenas nos anos de 1930 (OLIVEIRA, 2012); GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO b) a fundação do Centro Brasileiro e dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais em 1955 por Anísio Teixeira, que visavam justamente produzir pesquisas nas Ciências Sociais, tendo por objeto de investigação a Educação (FERREIRA, 2008), contando com pesquisadores ilustres como Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, contudo, tais centros encerram suas atividades nos anos de 1970 sem terem atingido seu objetivo de fato, ou seja, o de consolidar um campo de investigação das Ciências Sociais aplicadas à Educação. Não seria exagero afirmarmos, portanto, que a Antropologia surge no Brasil ligada visceralmente ao campo da Educação. O que podemos observar nesses últimos anos, com o fomento do debate no campo da Antropologia da Educação, é que não se trata de algo novo, mas sim da retomada de uma discussão, ainda que em outro contexto. Esse olhar construído a partir da interface entre a Antropologia e a Educação produz “novos nativos”, agora professores e alunos passam a ser investigados por meio de etnografias. E ainda que se trate de uma realidade próxima, sempre há o desafio de tornar o que nos é familiar em exótico (DAMATTA, 1978), e perceber, no caso da escola, o que está para além dos documentos oficiais que compõem parte desse universo (ROCKWELL, 2009). Arrisco aqui uma primeira afirmação mais enfática pontuando que uma das grandes contribuições que a Antropologia pode trazer para a Educação seria romper com aquilo que Azanha (1992) denominou de “abstracionismo pedagógico”, ou seja, questionar os discursos genéricos sobre os agentes que compõem a prática educativa. Parafraseando Mauss, não nos interessa o professor e o aluno em geral, mas sim o professor e o aluno de tal e qual escola. Antes de avançar no texto, me parece ser importante reafirmar que a Antropologia da Educação ainda é um campo em formação no Brasil, o que em muito se deveu à Reforma Universitária de 1968, que criou as Faculdades de Educação separando-as das demais Ciências Humanas, o que é um movimento importante para a compreensão do parco interesse dos Antropólogos brasileiros pela Educação, tanto que a maior parte daqueles que se envolvem com a temática ou estão fora dos Departamentos de Antropologia/Ciências Sociais, e vinculados institucionalmente às Faculdades/Departamentos/Centros de Educação, ou acabam esbarrando na escola na interface com outros campos de pesquisa, como no caso da Educação Escolar Indígena . Acerca da incipiência da Antropologia da Educação no Brasil, Rocha e Tosta (2009, p. 128) nos apontam que: Quando afirmamos essa incipiente e descontínua conversa entre a antropologia e a educação, não podemos deixar de notar que, também, no campo antropológico, pouco se sabe ou se pesquisou sobre a instituição escolar, suas dinâmicas e os demais processos de aprendizagem que ocorrem de forma paralela ou concorrencial a ela. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Tendo em vista tais questões e entendendo a dinâmica própria desse campo, Gusmão (2009, p. 43) indica uma agenda mínima para a Antropologia da Educação no Brasil para os próximos anos: fazer reflexões sistemáticas sobre experiências concretas, a partir do diálogo e vivências compartilhadas; pensar as políticas públicas que se voltam para uma educação diferenciada, destinada a segmentos populacionais tradicionalmente estudados pela antropologia, como por exemplo indígenas e negros; estudar a escola como espaço de convívio e de confronto interétnico e campo de sociabilidade e alteridade, bem como o ambiente social e político em que ela se insere; considerar a diversidade de situações e de concepções divergentes quanto ao que deva ser a escola e o papel que deve representar; pensar a educação em contextos interculturais, que tenham a diversidade como valor e, ainda, que considere o processo intrínseco da experiência social e da vida cotidiana; explicitar uma noção de educação ampla, em que a vivência histórica de relações sociais múltiplas e a reflexão do outro sobre o mundo e sobre si mesmo ocupem um lugar especial; encontrar caminhos para uma educação capaz de despertar e desenvolver a sensibilidade para a diversidade sociocultural e para a alteridade; estabelecer relações teóricas e metodológicas possíveis entre antropologia e educação. É possível perceber que a questão da diversidade aparece como a forte tônica da agenda proposta por Gusmão, e certamente é a partir dela que a Antropologia se articula, afinal, como indica Mafra (2007), enquanto a diversidade for uma questão para nós, há um lugar para a Antropologia no mundo, parafraseando a autora, podemos dizer que enquanto a diversidade for uma questão para o campo educacional, haverá uma demanda real, e necessária, da reflexão antropológica, o que envolve tanto espaços escolares como não escolares. Ainda no tocante à questão da diversidade, a constituição de uma Antropologiada Educação não pode a atenção e o respeito demonstrados pelo antropólogo às diferenças entre as culturas como àquelas próprias a cada uma constituem o essencial de seu procedimento. Assim, o antropólogo não procura elaborar uma lista de receitas em que cada sociedade irá servir segundo seu estado de espírito toda vez que perceber em seu seio uma imperfeição ou uma lacuna. As fórmulas próprias a cada sociedade não são transponíveis a nenhuma outra. O antropólogo apenas convida cada sociedade a não acreditar que suas instituições, seus costumes e suas crenças são os únicos possíveis; ele a dissuade de GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO imaginar que, pelo fato de que os julga bons, essas instituições, esses costumes e crenças estão inscritos na natureza das coisas e que é possível impunemente impô-los a outras sociedades cujo sistema de valores é incompatível com o seu (LEVI-STRAUSS, 2012, p. 37). Essa premissa geral, que pode e deve ser aplicada a outros campos da Antropologia, toma contornos particulares na Educação, em especial, no Brasil quando consideramos os profundos processos de exclusão social e cultural da realidade escolar, bem como o não reconhecimento dos outros espaços de aprendizagem pela escola, sintetizados na figura dos professores, ainda que não sejam esses os “culpados” pelo cenário existente na educação brasileira. Isto tudo tem gerado a necessidade de levarmos a discussão da Antropologia para outras áreas do saber, o que se dá muitas vezes de forma problemática, em especial, no seu processo de apropriação pela Educação (VALENTE, 1996), no qual há amiúde uma tentativa de separação entre teoria e método, difundindo-se amplamente a ideia de que em educação se deve realizar estudos “do tipo etnográfico” e não etnografia no seu senso estrito (ANDRÉ, 1995), o que, em nossa interpretação, aponta muito mais para uma imprecisão metodológica (OLIVEIRA, 2013b). Em todo o caso, é inegável a contribuição que a Antropologia traz ao aproximar os pesquisadores do cotidiano escolar (SIROTA, 1994), ainda que essa ultrapasse em muito tal aspecto. O que me parece ser significativo, enquanto premissa para a construção desse diálogo é o reconhecimento de que escola não é culturalmente neutra (MACEDO, 2010), o que já fora apontado não apenas por antropólogos como por sociológicos, como Bourdieu e Passeron (2008), o que aponta para a demanda de uma reflexão antropológica sobre essa realidade. Certamente, um ponto que merece destaque é a ampliação do conceito de Educação que a Antropologia traz, ao perceber os processos de ensino e de aprendizagem como algo que ocorre dentro e fora das escolas, mais que isso, essa ciência traz novas indagações para o campo educacional, ao colocar como necessidade o levantamento de questões como “[...] o que significa educar e aprender nos casos que pesquisamos; como se concebe o conhecimento e sua transmissão; quais as modalidades, os lugares e as relações envolvidas nesse processo; como se insere e é inserida nele a criança; e de que criança se trata” (COHN, 2005, p. 36-37). O antropólogo, ao levantar questões que aparentemente não teriam nenhuma relevância para outros pesquisadores, produzir novos olhares para a compreensão dos professores, alunos e demais agentes sociais e elementos envolvidos na prática educativa. No trabalho de Quintella (1984), por exemplo, é problematizado como mães e professoras GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO possuem perspectivas distintas sobre a escola, o que poderia tender num primeiro momento para olhares e expectativas convergentes, mas a autora aponta justamente para a complexidade que envolve a percepção da escola por parte de sujeitos posicionados distintamente em relação a esse espaço. Indagar sobre o lugar da Antropologia na Educação não é uma questão simples de ser respondida, contudo, busco articulá-la ao longo desse texto pensando essa contribuição ligada à formação docente, pois esse tem sido um lugar privilegiado para o desenvolvimento da Antropologia da Educação, em especial, junto aos cursos de Pedagogia, ainda que não se trate de um diálogo fácil (GUSMÃO, 2006). PROBLEMAS PEDAGÓGICOS E PROBLEMAS ANTROPOLÓGICOS Para ajudar na reflexão que pretendo desenvolver, recorro a um fato que aconteceu comigo durante um curso de formação de professores no interior de Alagoas, nordeste do Brasil, tratava-se do encontro da disciplina Fundamentos Antropológicos da Educação no curso semipresencial de Pedagogia, da Universidade Federal de Alagoas. O público era formado predominantemente por professoras (que chamaremos aqui de alunas-professoras) que já lecionavam há anos, algumas há mais de trinta, porém não possuíam curso superior, em sua maioria, fizeram o chamado Magistério, ou seja, um curso de formação docente de nível médio. Pois bem, tratava-se aqui de uma aula longa, bastante cansativa, pois como era o único encontro presencial, deveria durar toda a manhã e toda a tarde. Apesar de a Antropologia ser uma disciplina basicamente teórica nesse curso, e remeter a uma série de conceitos e autores desconhecidos em princípio por esses alunos, eles pareciam bastantes interessados e conseguiam relacionar os temas discutidos com seu cotidiano nas escolas. Já pelo turno da tarde, aconteceu algo que certamente marcou meu percurso no campo da Antropologia da Educação. Uma aluna-professora negra, aparentando ter entre 35 e 40 anos, que já lecionava há mais de 15 anos, narrou a seguinte situação: um dia na educação infantil os alunos estavam desenhando e, dentre as várias coisas que desenhavam, haviam figuras humanas; um dos alunos realizou a seguinte pergunta: “Tia, eu pinto de que cor os bonequinhos?”, e eis que ela prontamente respondeu: “Pinte cor de pele”. A aluna- professora estava espantada, pois, naquele nosso encontro, ela havia percebido algo sobre suas aulas, essas que ela praticava há mais de 15 anos, que lhe fez repensá-las a partir do olhar lançado pela Antropologia. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Para tal feito, a mobilização dos conceitos de Cultura, Etnocentrismo e Relativismo foram fundamentais, em verdade, esses tendem a ser os que os alunos melhor usam e com os quais conseguem realizar mais conexões com sua própria prática. Nesse sentido, ao pensarmos o lugar da Antropologia nesses cursos de formação docente, precisamos reconhecer que o conhecimento antropológico permite ao docente em formação desnaturalizar a realidade social, ao questionar as formas estáticas de compreensão da dinâmica cultural, ao mesmo tempo em que permite que eles possam também familiarizar o que lhes parece estranho, por meio do relativismo cultural. Leva ainda tais educandos a questionar a suposta “neutralidade cultural” da escola, demarcando uma postura crítica com relação aos discursos produzidos em torno desta suposta neutralidade, subsidiando o educador em formação para a desconstrução de tal concepção, o que só é possível quando compreendemos na cultura uma perspectiva plural e polifônica (OLIVEIRA, 2012, p. 128). Em todo o caso, parece-me claro que a simples presença da Antropologia enquanto disciplina acadêmica não resolve o problema, o de que precisamos é compreender o lugar dessa ciência nesse contexto, para tanto, precisamos entender o que nos é narrado por essa aluna-professora. Falar sobre “cor de pele” no universo infantil, em um país como o nosso, o que realmente quer dizer? Ao indagá-la qual a cor que ela tinha em mente quando pediu isso a seus alunos, ela me respondeu “um rosa bem clarinho”. Ora, o dilema com que nos defrontamos nesse momento não é algo que poderíamos reduzir a uma dimensão pedagógica no sentido mais ralodo termo, em nossa compreensão, tendemos a percebê-lo como uma questão cultural, afinal, não há como pensar uma prática educativa “desculturalizada” (CANDAU, 2010). Logo, estávamos diante de um problema antropológico posto, e não sendo “simplesmente uma questão pedagógica”, não pode ser resolvido com “uma didática” mais adequada. Tal situação traz à tona a seguinte questão: o que se passa na escola se liga diretamente aos dilemas culturais mais amplos de nossa sociedade, destacando-se questões como o racismo e o sexismo, e assim devem ser interpretados, enquanto dilemas culturais. Tal como Dauster (2007), acredito que a Antropologia pode contribuir significativamente para a prática docente, ao lançar como desafio para os professores a possibilidade de perceberem como muitas vezes o etnocentrismo encontra-se incrustado em seu cotidiano, mais ainda, em seu fazer pedagógico. Há uma ampla literatura consolidada, principalmente no campo da Sociologia da Educação, que indica como a escola contribui para o aprofundamento das desigualdades sociais (FORQUIN, 1995), e se isso se dá de forma direta e indireta por meio da prática dos professores. Não queremos com isso criar um discurso “culpabilizador” sobre a prática GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO docente, tampouco “desculpabilizá-los”, mas sim chamar a atenção para o fato de que essas desigualdades são também culturais, e que são produzidas, dentre outros meios, ao construirmos uma realidade pedagógica que mata culturalmente o educando, homogeneizando os agentes sociais que estão presentes na escola, ou em outros espaços educativos. Como indica Sarmento (2011, p. 588), a criança desaparece ante a escola, restando-lhe apenas o aluno, destituído de toda a sua bagagem cultural. De algum modo, perante a instituição, a criança “morre”, enquanto sujeito concreto, com saberes e emoções, aspirações, sentimentos e vontades próprias, para dar lugar ao aprendiz, destinatário da ação adulta, agente de comportamentos prescritos, pelo qual é avaliado, premiado ou sancionado. A escola criou uma relação particular com o saber, uniformizando o modo de aquisição e transmissão do conhecimento, para além de toda a diferença individual, de classe ou de pertença cultural. Essas questões parecem despercebidas pelas demais “ciências da educação”, ou simplesmente são compreendidas como algo que pode ser solucionado de forma aligeirada por meio de outra “metodologia”, ou simplesmente repreendendo o comportamento dos alunos, por meio de castigos diversos, o que certamente não é o caso, tendo em vista a profundidade da questão. Não se trata apenas de “dar aulas diferentes”, mas sim de produzir um giro cognitivo nos agentes envolvidos na prática educativa, o que pode se operar por meio de uma tarefa recorrente na Antropologia, que é a possibilidade de ligar fatos aparentemente singulares, sem conexão entre si, a questões mais amplas e gerais, pois, como nos aponta Geertz (1989, p. 17), “Fatos pequenos podem relacionar-se a grandes temas, as piscadelas à epistemologia, ou incursões aos carneiros à revolução, por que eles são levados a isso”, ou seja, o que ocorre na escola, por exemplo, se liga a questões mais amplas de nossa sociedade, e isso deve ficar claro no processo de formação de professores. O espanto da aluna-professora, ao olhar retrospectivamente para sua própria prática, indica o que a Antropologia é capaz de causar, todavia, não queremos apontar para fórmulas prontas, tendo em vista que em cada contexto social e cultural no qual se inserem os professores, a escola, os alunos, há caminhos distintos para se problematizar e desnaturalizar a realidade encontrada. Para Pimentel (2012, p. 52), o ensino de Antropologia se faz relevante tendo em vista que “[…] desde a chegada de outros povos ao nosso país, conflitos culturais (e seus trágicos desdobramentos) produzem graves problemas educacionais com os quais lidamos hoje”. Ao romper com o “abstracionismo pedagógico”, a Antropologia chama a atenção para que os GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO professores saibam quem são seus alunos, não por meio de informações genéricas, mas sim voltando seu olhar para suas trajetórias, histórias e vidas, pertencimentos etc. A aluna- professora, à qual fazemos referência aqui, ainda demonstrou surpresa ao revisitar sua prática pedagógica pelo fato de “ser preta”, assim como os seus alunos, segundo o seu relato. Obviamente que o fato de serem pretos, seus alunos e ela mesma, era algo conhecido pela aluna-professora, contudo, até então, esse fato não lhe parecia ser algo relevante para a formulação de suas aulas. A Antropologia convida-nos para olhar a realidade educacional em sua totalidade, olhar para os alunos e professores reais, em toda sua inteireza, encarando tais agentes não apenas enquanto “um problema pedagógico” a se resolver, mas sim como sujeitos culturalmente situados. Como costumo dizer em minhas aulas, a Antropologia os leva a ver o que sempre viram em sala de aula, contudo, passarão a enxergar outros elementos. ETNOGRAFIA PODE CONTRIBUIR PARA A EDUCAÇÃO? Um dos pontos de maior tensão no diálogo entre a Antropologia e a Educação se dá no processo de apropriação da etnografia, tendo em vista que há uma recorrente ampliação da utilização dessa na pesquisa educacional, o que pode ser percebido considerando publicações recentes, elaboradas tanto por profissionais com a formação em Antropologia (DAUSTER, TOSTA, ROCHA, 2012), como fora dela (MATTOS, FONTOURA, 2009), bem como por meio de balanços realizados (GARCIA, 2001; LIMA, 2001), que apontam que a etnografia encontra-se amplamente difundida nas pesquisas realizadas nos Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil. Esse é um processo que merece um exame cuidadoso por parte dos antropólogos, tendo em vista a apropriação muitas vezes realizada sem a devida articulação entre a teoria e o método (VALENTE, 1996; OLIVEIRA, 2013b), e sem a preocupação de ligar os fatos singulares encontrados no trabalho de campo com a dimensão da totalidade, fundamental para a descrição etnográfica (LAPLANTINE, 2011). Conforme já indicado, há uma perspectiva amplamente difundida na educação na qual se afirma que não é possível realizar pesquisas etnográficas em escola, mas sim, apenas trabalhos “do tipo etnográfico” (ANDRÉ, 1995), muitas vezes, também chamados de “inspiração etnográfica”, “de cunho etnográfico” etc., o que vai na contramão de uma série de autores (MEAD, 1955; WOODS 1999; OLIVEIRA, 2013b) que afirmam a etnografia como uma possibilidade real e válida de investigar a realidade educacional. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Essa visão argumenta que tal impossibilidade se deve ao fato de que não podemos realizar pesquisas tal como “são realizadas pelos antropólogos”, o que incluiria viver com os nativos por um longo período de tempo, aprender outra língua etc. O que é olvidado nessa argumentação é toda mudança que ocorreu na Antropologia desde Malinowski, afinal, utilizar tais critérios como instrumentos de validade ou não de uma pesquisa como etnográfica relegaria toda a Antropologia Urbana a um status de “não etnográfica”, de forma simples e automática. Acredito que não apenas seja possível realizar etnografias no âmbito da educação, estejamos ou não nos referindo a espaços escolares, como que a etnografia pode trazer importantes questões para a educação, levando os pesquisadores ao encontro dos agentes reais que vivenciam o ensino e a aprendizagem em suas múltiplas formas. A experiência da etnografia possibilita a construção de um texto essencialmente polifônico (CLIFFORD, 2011), e que, portanto, traz à tona as questões,dilemas, e problemáticas elaboradas a partir do encontro etnográfico vivenciado entre o nativo e o pesquisador (OLIVEIRA, 2006). O processo de pesquisa em nossas próprias sociedades apresenta problemáticas sui generis em termos metodológicos, uma vez que a proximidade é sempre um desafio (VELHO, 2003), contudo, gostaria de ressaltar que apesar do fato de que para chegarmos a uma carreira acadêmica temos que possuir toda uma vivência escolar anterior, isso não significa que apenas pelo fato de as escolas nos serem um ambiente familiar isso implique em conhecermos essa realidade, muito pelo contrário, tendemos a produzir visões naturalizadas, cristalizadas e tidas como dadas, no caso de professores que já lecionam e buscam um curso superior isso ainda é mais emblemático, pois, possuem muitas vezes visões negativas sobre a escola, o trabalho docente, seus alunos, a avaliação etc.. Acredito que a prática etnográfica possa trazer uma significativa contribuição não apenas para a pesquisa educacional, no sentido de lançar novos olhares sobre questões recorrentes nesse campo, como evasão, avaliação, formação de professores, educação em espaços não formais, cultura escolar etc., como também deve ser pensada como elemento relevante na formação docente, no sentido de trazer ganhos em termos de elementos que possam embasar a prática pedagógica. Como aponta Krawczyk (2011), os professores normalmente conhecem muito pouco da vida de seus alunos, e tendem a se limitar à diferenciação, por vezes estereotipada, entre os alunos do curso diurno e noturno. Isso indica que apenas conviver “com os nativos” não nos leva a conhecê-los, para essa realidade, a etnografia pode ser pensada como uma possibilidade GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO para se conhecer mais dos alunos, percebê-los enquanto agentes ativos que atuam na construção no que ocorre em sala de aula. Aqueles que se voltam exclusivamente para os ambientes escolares devem ter em mente também que as pesquisas ali desenvolvidas envolvem mais que os sujeitos imediatamente observáveis, os gestores escolares e a família do aluno não são apenas importantes no sentido de poderem trazer dados, mas também deve-se ter em mente que o consentimento deles para que a pesquisa ocorra é fundamental, portanto, o clássico processo de aceitação do antropólogo por parte dos nativos aqui torna-se mais complexo, como podemos perceber por meio do relato de Eugênio (2003, p. 216-217): Se, entre as professoras, minha aceitação não foi imediata, deu-se o oposto com as crianças. A receptividade delas me surpreendeu. […] A receptividade que marcou minha relação com as crianças cedeu lugar ao clima oposto em minha relação com as mães. A desconfiança, aqui, não foi passageira, como a das tias comigo. Em meu contato com as mães, se manteve sempre algum grau de tensão – em parte, talvez, por serem todas elas “videntes” e, portanto, perceberem minha postura de “observadora em tempo integral”, de caderno em punho, fosse qual fosse a atividade paralela que me incumbissem. Corsaro (2005) destaca, no caso daqueles que pesquisam crianças, a relevância de ser aceito por elas, e de como isso não é uma atividade simples, normalmente, havendo a necessidade de o pesquisador lançar mão de uma ampla gama de recursos metodológicos para conseguir obter resultados, bem como de tatear em seu campo em busca de uma interação mais efetiva com seus “nativos”, buscando compreender a cultura própria das crianças. Em termos mais objetivos, o que almejo destacar neste tópico é que a etnografia pode contribuir para a educação principalmente em dois aspectos, em minha interpretação: a) na produção do conhecimento por meio da pesquisa educacional, lançando novos olhares e ampliando as possibilidades metodológicas utilizadas nesse campo; b) na formação docente, compreendendo a etnografia como um elemento de constituição do professor, levando-o a conhecer mais enfaticamente a realidade dos agentes com os quais ele convive em sua prática profissional, atual ou futura. O ENSINO DE ANTROPOLOGIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES Como já apontei, no início do século passado, a Antropologia estava presente nos cursos de formação docente nas chamadas Escolas Normais onde havia a disciplina GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Antropologia Pedagógica, que muitas vezes contava com um Laboratório associado à Psicologia (OLIVEIRA, 2013a). Muita mudança ocorreu do começo do século XX para o XXI, se esses laboratórios estavam vinculados principalmente a uma psicologia experimental e à antropologia física, nesse momento, temos um cenário no qual o ensino de Antropologia é predominantemente representado pela Antropologia Cultural e Social, além de termos, também nesse momento, um universo de pesquisa consolidado, que se solidificou em especial a partir dos anos de 1970 com o advento das pós-graduações no modelo que as conhecemos atualmente. Apesar dessa tradição do ensino de Antropologia voltada para a formação de educadores, que assume as mais diversas denominações, como Antropologia da Educação, Antropologia e Educação, Fundamentos Antropológicos da Educação etc., o ensino dessa ciência com essa finalidade se restringe atualmente aos cursos de Pedagogia, ainda que pontualmente apareça como disciplina optativa em outras licenciaturas, e mais raramente como disciplina obrigatória na formação dos licenciados em Ciências Sociais. Seja no levantamento realizado por Sartori (2010), com relação aos cursos de pedagogia na região sul do país, seja em outro voltado para a realidade desses mesmos cursos no nordeste (OLIVEIRA, 2012), o que podemos perceber é uma presença significativa da Antropologia na Pedagogia, o que indica o reconhecimento de que tal ciência pode colaborar para a formação docente. Em todo o caso, vale ressaltar que muitas vezes o responsável pela disciplina não é um profissional com formação no campo das Ciências Sociais, ou mesmo com experiência de trabalho de campo desenvolvido na interface entre a Antropologia e a Educação, o que se mostra bastante problemático, tendo em vista que para além da questão dos títulos universitários exigidos para a docência (em geral, doutorado ou trabalho de nível equivalente), ninguém deveria pretender ensinar antropologia sem ter realizado ao menos uma pesquisa considerável de campo. […] Convém acabar, de uma vez por todas, com a ilusão de que se pode ensinar a antropologia no gabinete, com o auxílio de uma edição completa (mas comumente, uma resumida) do Ramo de outro ou outras compilações. Aos que por ventura invocassem, contra essa cláusula, o caso de especialistas ilustres que jamais foram a campo (afinal, Sir James Frazer respondia aos que lhe faziam essa pergunta: “Deus me livre!”...), lembraremos que Lévy-Bruhl, por exemplo, jamais ocupou uma cadeira de antropologia ou com título equivalente (não existia nenhuma nas universidades francesas em sua época), e sim uma cadeira de filosofia. Nada impede que, no futuro, sejam atribuídas a teóricos puros cadeiras pertencentes a disciplinas vizinhas da antropologia, como história das religiões, sociologia comparada ou outras. Mas o ensino da antropologia deve ser reservado às testemunhas. Tal atitude nada tem de audaciosa. Na GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO verdade é respeitada de fato (embora nem sempre de direito) em todos os países em que a antropologia atingiu certo desenvolvimento (LEVI-STRAUSS, 2008, p. 395-396). Considerando tais ponderações, afirmo que o ensino da Antropologia da Educação deve ser realizado por aqueles que são “testemunhas” nesse campo particular, ou seja, o ensino da Antropologia da Educação deve estar articuladoà produção do conhecimento antropológico em educação, que deve se vincular também ao trabalho de orientação em nível de graduação e pós-graduação em Educação, bem como em Ciências Sociais/Antropologia, o que se coloca como um processo consideravelmente desafiador, que não se resume em definir o perfil acadêmico em termos de formação do profissional que assumirá tal tarefa. Infelizmente, a presença da Antropologia nos cursos de Pedagogia é bastante pontual, normalmente se restringe a uma única disciplina, que acaba ocupando o lugar tanto de uma “Introdução à Antropologia”, onde devem ser apresentados seu objeto, método, principais categorias e escolas teóricas etc., como também desenvolver uma articulação com a educação, lançando um novo olhar no exame dessa realidade, em especial a escolar. Apesar do fascínio que a disciplina é capaz de despertar entre os alunos, são visíveis as dificuldades existentes no processo de assimilação das leituras, da linguagem dos autores, e na forma de utilização do próprio arcabouço que a disciplina traz. Nesse sentido, devemos reconhecer que não há apenas a necessidade do aluno em assimilar outra linguagem, outro universo teórico, mas também do professor em dialogar verdadeiramente com os autores próprios do campo da Educação, a fim de construir pontes que possam ligá-lo a seus alunos, visando à produção do conhecimento antropológico em educação. Parece-me que o desafio hoje vai para além da tentativa de termos bons antropólogos junto às Faculdades de Educação lecionando Antropologia, e mais que isso, produzindo conhecimento antropológico em educação, a questão que soa ainda mais desafiadora é a necessidade de que a Educação ganhe o devido status acadêmico junto aos antropólogos vinculados institucionalmente aos Departamentos e Programas de Ciências Sociais/Antropologia, o que, no meu entender, deve ser acompanhado de um incremento na produção acadêmica nessa área, não apenas junto a periódicos e eventos de Educação, como tem ocorrido predominantemente, e da tentativa de articular de uma rede de pesquisadores que interesses convergentes. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO UNIDADE 03 TÓPICOS DE QUESTÕES SOCIOLÓGICAS DA EDUCAÇÃO Caro (a) aluno (a), a seguir uma proposição fragmentada de questões sociológicas e educação, desse modo, as indicações para leituras são importantes para tratar sobre Sociologia da Educação. Assim, gostaria de pensar com você sobre algumas questões que se podem encaminhar aqui, por exemplo, a apresentação de condições, tomam legitimamente o lugar dos sobrenomes, isto é, dos nomes de família, na definição do percurso social a que estão destinados seus possuidores. Desde a década de 1960, graças aos trabalhos de Pierre Bourdieu, Baudelot e Establet, Bowles e Gintis, Coleman, entre outros, sabemos que as coisas não se passam exatamente assim e que as operações escolares de separação e classificação dos alunos não estão imunes às lutas das famílias para garantir a transmissão dos seus patrimônios. A autonomia da escola para produzir seus vereditos é constantemente desafiada, carregado de sentido e consequências decisões que, apenas na aparência, podem ser pensadas exclusivamente por uma lógica pedagógica, como no caso da definição dos conteúdos curriculares legítimos, ou econômica, como no caso das decisões de se introduzir ou apoiar tal ou qual ramo do ensino, técnico ou generalista. Mais uma questão é pensar a sociedade contemporânea caracterizada pela inserção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na estrutura e nas relações sociais. É comum perceber a presença desses dispositivos tecnológicos em casa, na escola, no trabalho e nos momentos de lazer em geral. E essa condição direciona o processo de formação do corpo social, pois, se antes, era requisito que os sujeitos tivessem saberes relacionados as tecnologias analógicas, hoje, esses mesmos sujeitos necessitam ter conhecimentos digitais. E essa condição incide sobre a formação dos professores no país, pois, é necessário a inserção dessas tecnologias nas propostas formativas para que haja uma aproximação entre a escola e o mundo social. GUIA DE ESTUDOS – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS, ANTROPOLÓGICOS, HISTÓRICOS E SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Você pode enumerar muitas outras questões, mas agora iremos fragmentando algumas questões que se podem presumir. Então, a seguir vamos tratar de uma das mais extraordinárias questões, que são as contribuições à educação de: RELAÇÕES ENTRE DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO NA OBRA DE PAULO FREIRE Daqui em diante, os fragmentos que se seguem, pensam por suas vezes as contribuições de Paulo Freire, numa possibilidade da participação ativa e livre na vida democrática que constitui um dos princípios, sob um olhar, para conceber uma educação formadora do humano. Nessa linha de raciocínio, você será capaz de compreender as relações existentes entre Democracia e Educação. Para isso, a fonte inspiradora dessa provocação de estudo tem como base a obra de Paulo Freire, pois podemos entender que a teoria desse pensador brasileiro pode contribuir de forma crucial para avançar no sentido de se instaurar uma prática democrática no campo da educação. Você pode buscar a seguinte indagação: quais são as concepções de democracia e de educação e de que forma ambas se relacionam no processo de formação que busca a humanização do homem? Para que você entenda, neste texto, o sentido da proposição, busque os aspectos históricos, políticos e sociais da democracia na educação, explorando a especificidade de cada um na formação do homem-sujeito pela experiência de pensar, problematizar e dialogar. Nossa intenção é a realização de uma análise conceitual que permita olhar criticamente a realidade e argumentar esperançosamente por uma escola verdadeiramente democrática que ancora e abarca a vocação ontológica do homem para aprender e ensinar (para “ser mais” e para “estar sendo”) e, dessa forma, alicerça a formação da consciência de si e do outro, a corporificação do “eu social” (ser democrático) e a eticização humana, constituintes do processo de humanização. Fontes a serem verificadas para aprofundamento BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1988. ______. Presidência da República. Lei 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, ano 134, n. 248, p. 27833-41, dez. 1996. CARRÃO, P. A Pedagogia Anarquista Brasileira. Revista Utopia, Portugal, n. 5, 1997. DARNTON, R.; DUHAMEL, O. (Org.). Democracia. Rio de Janeiro: Record, 2001. 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