Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO PENAL II Juliana Kraemer Micelli Teixeira Ação penal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar as condições da ação penal e as suas características. Explicar as diversas hipóteses de ação penal: pública incondicionada, condicionada e ação privada. Explorar a jurisprudência das cortes superiores acerca da ação penal. Introdução A ação penal é o direito subjetivo público autônomo e abstrato de invocar a tutela jurisdicional do Estado para que este resolva conflitos provenientes da prática de condutas definidas em lei como crime. Neste capítulo, você vai ler sobre a ação penal dentro do ordenamento jurídico brasileiro, analisando as suas condições e características, bem como as suas hipóteses de aplicação. Ainda, vai explorar a jurisprudência das cortes superiores sobre a ação penal, trazendo exemplos fáticos. Condições da ação penal e as suas características A ação penal é um instituto do Código de Processo Penal que garante ao Estado a perseguição penal dos indivíduos que praticam infração penal. Mais do que isso, é a garantia de que o infrator não passará impune por crimes praticados no seio da sociedade. Ação penal Abordando o tema deste capítulo, Thornaghi (1967, p. 437) sustenta que: [...] o conceito de ação pode ser facilmente entendido. Assim, quem contempla a atividade processual vê o exercício: de um direito do autor: direito de exigir a proteção do Estado ou o direito de ação; de um poder jurídico do Estado sobre o autor e réu: poder de jurisdição; de um direito do réu: direito de defesa. Carnelutti (1950, p. 10) afirma que a ação penal é o: [...] direito subjetivo processual, ao qual se costuma chamar de ação o direito de ação, é um direito subjetivo público, que pertence à parte, não frente ao seu adversário, senão frente ao juiz, sendo que este se compete o dever de fazer tudo quanto é necessário para se pronunciar sobre a demanda, propondo-lhe uma sentença justa. Já Humberto Theodoro Junior (1989, p. 53) aduz: Modernamente, prevalece a conceituação da ação como direito público subjetivo exercitável pela parte para exigir do Estado a obrigação da tutela jurisdicional, pouco importando seja de amparo ou desamparo à pretensão de quem o exerce. É, por isso, abstrato. E, ainda, autônomo, porque pode ser exercitado sem sequer relacionar-se com a existência de um direito subjetivo material, em casos como o da ação declaratória negativa. É, finalmente, instrumental, porque sempre se refere à uma decisão a uma pretensão ligada ao direito material (positiva ou negativa). O fundamento constitucional da ação penal está contido na Constituição Federal, no art. 5º, XXXV e XXXIX. Conforme Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 55): O acesso ao Poder Judiciário é direito humano fundamental, dispondo o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal que, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, assegurando-se a todo indivíduo a possibilidade de reclamar do juiz a prestação jurisdicional toda vez que se sentir ofendido ou ameaçado. Para José Frederico Marques (1997, p. 123): Não existirá crime sem lei anterior que o defina: nullum crimen, nulla poena sine lege (CF, art. 5º, XXXIX). Do ponto de vista processual, ação civil e ação penal só se diversificam ratione materiae uma vez que apresentam as mesmas linhas conceituais e idênticos caracteres jurídicos. Na lição de Greco (2015), a ação penal condenatória terá por finalidade apontar a autoria da prática de infração penal, fazendo o Poder Judiciário providenciar a análise dos fatos por ele cometidos, que deverão ser claramente narrados na peça inicial de acusação, para que, ao final, se for condenado, seja aplicada uma pena justa, isto é, proporcional ao mal por ele produzido. Ação penal2 Condições da ação penal Ainda de acordo com Greco (2015), para que o Estado possa conhecer e julgar a pretensão deduzida em juízo, é preciso que aquele que invoca o seu direito subjetivo à tutela jurisdicional preencha determinadas condições, sem as quais a ação não conseguirá alcançar a sua fi nalidade, pois perecerá. O art. 395, II, do Código de Processo Penal — com a nova redação conferida pela Lei nº. 11.719, de 20 de junho de 2008 — assevera que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal. São condições necessárias ao regular exercício do direito de ação de na- tureza penal: legitimidade das partes; interesse de agir; possibilidade jurídica do pedido; justa causa. Registra-se posição contrária da lavra de José Barcelos de Souza (1995, p. 161), que afirma não ser “[...] a justa causa uma condição autônoma, uma quarta condição da ação”. Rogério Sanches Cunha (2018) divide as condições da ação em gerais ou genéricas e especiais ou específicas: Gerais/genéricas — são as condições exigidas em todas as ações penais. A doutrina majoritária menciona três, embora haja quem sustente haver quatro: Possibilidade jurídica do pedido — o pedido formulado, ou seja, o pedido central requerido deverá encontrar amparo no ordenamento jurídico. O fato narrado, em suma, tem que encontrar amparo no Direito vigente. Caso falte qualquer um dos requisitos do fato punível, o pedido será considerado juridicamente impossível. Legitimidade ad causam (para a causa) — a legitimidade ativa per- tencerá ao Ministério Público (na ação pública) ou à vítima (na ação 3Ação penal privada); a passiva exige, em regra, pessoa (humana) que tenha 18 anos ou mais na data do fato (agente imputável). Interesse de agir — no âmbito penal, o interesse de agir é um elemento inerente à ação penal. Caberá ao juiz, diante de cada caso concreto, examinar os aspectos pertinentes à adequação do provimento solicitado e sua utilidade (objetivando dirimir o conflito). Justa causa — trata-se da presença de fumus boni iuris, ou seja, fumaça do bom direito; trata-se de um lastro probatório mínimo. Quando uma ação penal (pública ou privada) vem a ser intentada sem nenhuma prova, no tocante à existência do fato ou sobre a autoria, impõe-se sua rejeição liminar. Especiais/específi cas — são condições especiais exigidas em determinadas ações penais, como, por exemplo, a representação da vítima, a requisição do Ministro da Justiça, entre outros. Na falta de uma das condições específi cas da ação, o autor será carecedor da ação. A carência conduzirá à extinção do processo e o posterior arquivamento dos autos. Legitimidade das partes Segundo Greco (2015), a legitimidade ativa no processo penal está expressa- mente determinada na letra da lei, que traz o titular da ação, podendo tanto ser o Ministério Público, órgão acusador ofi cial, quanto o particular. A legitimidade ativa poderá ser primária ou secundária. Em determinadas ocasiões, a lei poderá transferir essa legitimidade a outra pessoa, que não será o titular original do direito. Por exemplo, o Ministério Público, por inércia, deixa de oferecer a denúncia no prazo legal, transferindo assim o direito de propor a ação penal ao particular, por meio de uma ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, ou seja, subsidiária àquela que deveria ter sido proposta pelo órgão oficial, legitimado primariamente a propô-la. Ação penal4 Interesse de agir O interesse de agir, na seara do processo penal, decorrerá da necessidade de se ter o titular da ação penal, valendo-se do Estado para que este conheça e, se for convencido da infração penal, condene o réu ao cumprimento de uma pena justa. Liebman (1984, p. 154) afi rma que “[...] o interesse de agir é o elemento material do direito de ação e consiste no interesse em obter o provimento solicitado”. Para Greco (2015), podemos subdividir esse interesse de agir em dois momentos: interesse–necessidade e interesse–utilidade da medida. Dessa forma, quando o agente pratica uma infração penal, é abertoao Estado a possibilidade de fazer valer o seu ius puniendi. Todavia, a aplicação da pena ficará sujeita, sempre, à aplicação do devido processo legal. Por mais que o réu assuma a culpa do fato criminoso, não poderá o Ministério Público fazer, antes da ação penal, cumprir qualquer sanção de natureza penal. Greco (2015, p. 795) prossegue: [...] ainda na hipótese dos chamados Juizados Especiais Criminais, nas infra- ções penais consideradas de menor potencial ofensivo — embora não exista ainda ação, isto é, embora não haja uma acusação formal perante o juízo criminal, imputando ao autor dos fatos a prática de uma infração penal, com o consequente pedido de condenação —, não podemos deixar de considerar, no caso de proposta de transação penal, que importa na aplicação imediata de medida restritiva de direitos ou multa, a necessidade da tutela jurisdicional, pois somente ao juiz caberá impor a sanção penal cuja proposta de aplicação fora feita pelo Ministério Público e aceita pelo autor da infração. Ainda nessa linha, não podemos abrir mão do Estado-juiz para que se possa aplicar uma sanção de natureza penal, ao contrário do que acontece com a jurisdição civil. Contudo, embora sempre haja o interesse-necessidade, às vezes, pode faltar ao legitimado ativo o chamado interesse–utilidade da medida. Embora a jurisdição penal seja sempre necessária à aplicação de uma pena, poderá acontecer que, no caso concreto, sua intervenção já não seja mais útil. Isso acontece na hipótese em que, durante o curso da ação penal, embora não tenha ainda ocorrido a prescrição, considerando a pena máxima cominada em abstrato, tiver decorrido período suficiente para que, ao final, após a aplicação da pena em concreto, haja o reconhecimento da prescrição. 5Ação penal Ressaltamos que, embora ainda se sustente esse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Súmula nº. 438, já manifestou o seu posicionamento no sentido de não admitir o reconhecimento da extinção da punibilidade, considerando a pena hipotética, ou seja, aquela que, provavelmente, seria aplicada ao caso concreto na hipótese de condenação (GRECO, 2015). No entendimento de Greco (2015), ao contrário do posicionamento do STJ, a hipótese diz respeito à ausência de uma das condições exigidas não somente ao exercício, como também ao regular andamento da ação (seja ela civil ou penal). Assim, uma vez ausente o interesse-utilidade, é necessário o reconhecimento da extinção do processo, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, perfeitamente aplicável in casu. Possibilidade jurídica do pedido A terceira condição da ação trata da possibilidade jurídica do pedido. Segundo Vicente Greco Filho (1991, p. 97), “[...] a possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira preveja a providência pretendida pelo interessado”. Como observado por José Barcelos de Souza (1995, p. 60): [...] pedido juridicamente impossível é, pois, o pedido insuscetível, de si mesmo, por sua própria natureza, de ser julgado pelo Poder Judiciário, por ser a este vedado fazê-lo. Não o é, pois, simplesmente o pedido que desme- reça sentença favorável, ou aquele manifestamente improcedente. Nem o que apenas repugne ao direito, nem o pedido absurdo. Nem tampouco o que não encontra amparo no direito material. É pedido que, sequer, poderia ser examinado em sentença de mérito. Por isso mesmo, não seria exato julgá-lo improcedente. Ao juiz cabe, portanto, não tomar conhecimento dele, pelo que deverá indeferir a inicial ou, não o fazendo, posteriormente declarar extinto o processo, sem apreciação do mérito. Justa causa A última condição necessária para a ação de natureza penal condenatória é a justa causa, segundo Greco (2015). Nessa linha, Greco explica que a justa causa é o lastro probatório mínimo que dê suporte aos fatos narrados na peça inicial de acusação. O art. 395, III, do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei nº. 11.719/2008, diz que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. Ação penal6 Hipóteses de ação penal: pública incondicionada, condicionada e ação privada O Código Penal e a legislação processual penal preveem duas espécies de ação penal: ação penal pública; ação penal privada. A regra prevista no art. 100 do Código Penal traz que toda ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. Segundo Cunha (2018, p. 517), a classificação da ação penal mostra-se importante por força das diferentes consequências jurídicas que lhe são inerentes, como seus legitimados, aspectos procedimentais, princípios próprios e prazos. Cunha ainda esclarece (2018) que a ação penal no Brasil poderá ser clas- sificada, em um primeiro momento, em: de iniciativa pública; de iniciativa privada. Dessa forma, a ação penal de iniciativa pública é promovida pelo Ministério Público e pode ser incondicionada ou condicionada (à representação da vítima ou requisição do Ministro da Justiça). Já a ação penal de iniciativa privada, por sua vez, subdivide-se em: exclusivamente privada; personalíssima; subsidiária da pública. Ação penal de iniciativa pública A ação penal de iniciativa pública pode ser incondicionada e condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça. 7Ação penal Ação penal pública incondicionada De acordo com Greco (2015), será incondicionada a ação penal de iniciativa pública quando, para que o Ministério Público possa iniciá-la ou, mesmo, requisitar a instauração de inquérito policial, não se exige qualquer condição. Conforme art. 100 do Código Penal, a ação penal será pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. Conforme art. 27 do Código de Pro- cesso Penal, caso não haja fato ou qualquer condição que impossibilite o início das investigações pela polícia ou que impeça o Ministério Público de dar início à ação penal pelo oferecimento de denúncia, qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo- -lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção, apresentando-lhe, pois, sua notitia criminis (GRECO, 2015). De acordo com Cunha (2018), a ação penal pública incondicionada é cercada pelos seguintes princípios: Ofi cialidade — o Ministério Público é órgão ofi cial (daí a ofi cialidade da ação penal pública). Obrigatoriedade ou legalidade processual — o Ministério Público, presentes as condições da ação, é obrigado a agir, a ingressar com a ação penal, a não ser em determinados casos expressamente previstos em lei, como na possibilidade de transação penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995). Indisponibilidade — o Ministério Público não pode desistir da ação penal proposta (art. 42 do Código de Processo Penal), nem do recurso interposto (art. 576 do Código de Processo Penal). Pode, entretanto, requerer a absolvição do réu (em primeira instância, no plenário do júri, em segunda instância) e renunciar à interposição de eventual recurso (renúncia não se confunde com desistência). A exceção ao princípio da indisponibilidade é a possibilidade de o Ministério Público propor ao denunciado o benefício da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº. 9.099/1995). Ação penal8 Intranscendência — a ação penal somente pode ser proposta contra o autor do crime, desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena (que não pode passar da pessoa do condenado). Indivisibilidade — apesar de muitos ensinarem que esse é o princípio que vigora na ação penal pública incondicionada, Norberto Avena (2010, p. 165) discorda, lecionando vigorar nessa espéciede ação penal a divisibilidade: [...] havendo mais de um suposto autor do crime, nada impede que venha o Ministério Público a ajuizar a ação penal apenas em relação a um ou alguns deles, relegando-se tal propositura quanto aos demais, para momento pos- terior. Esse procedimento do Ministério Público pode justificar-se tanto na necessidade de serem buscados maiores elementos para amparar o processo penal em relação aos investigados que não constaram no polo passivo da inicial, como em questão de estratégia processual. A ação penal pública tem início com o recebimento da denúncia, de execu- ção do Ministério Público, quando o indiciado no inquérito policial passa a ser designado como réu ou acusado. A denúncia, no entanto, para ser validamente recebida, deve observar os requisitos expostos no art. 41 do Código de Processo Penal (exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, identi- ficação do acusado, classificação jurídica do fato punível, rol de testemunhas, quando necessário). Ação penal pública condicionada De acordo com Cunha (2018), sendo de iniciativa pública, nessa modalidade de ação, a titularidade continua do Ministério Público, que, entretanto, não pode agir de ofício, pois depende da prévia manifestação de vontade do ofendido ou do Ministro da Justiça, de acordo com art. 24 do Código de Processo Penal e art. 100 do Código Penal. Tanto a representação quanto a requisição, de acordo com o posicionamento majoritário, são condições específi cas de procedibilidade (sem elas, o processo não pode ter início). Essa espécie de ação penal (pública condicionada) é cercada dos mesmos princípios da incondicionada. Como, no entanto, o Ministério Público não pode agir sem o pedido-autoriza- ção (representação da vítima ou requisição do Ministro da Justiça), entendemos existir um misto de oportunidade e obrigatoriedade. Os referidos personagens (vítima e Ministro da Justiça) provocam o órgão estatal se entenderem oportuno e conveniente. Provocando, o Ministério Público, presentes as condições da ação, é obrigado a agir, ou seja, a ingressar com a ação penal. 9Ação penal Da representação do ofendido A representação deve ser oferecida perante a autoridade policial, o Ministério Público ou o juiz, pelo ofendido ou por procurador com poderes especiais. A única exigência, em relação à forma da representação, é que seja escrita (se for oral, que seja reduzida a escrito), sem a necessidade de observar outras formalidades (CUNHA, 2018). A desnecessidade de se observar forma específica na representação é pacífica tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Não há um formulário específico a ser preenchido, nem um padrão com texto obrigatório: basta qualquer manifestação escrita no sentido de querer representar. Cunha (2018) ainda assevera que, quanto à legitimidade para representar, temos: Quando a vítima for menor de 18 anos, somente o seu representante legal pode oferecer a representação — se a vítima não tem pai nem mãe, representa quem tem a guarda fática ou jurídica do menor. Se seus interesses colidem com os dos pais, nomeia-se curador especial — de acordo com a maioria da doutrina, o curador nomeado não é obrigado a oferecer a representação, mas deve analisar o seu cabimento em consonância com os interesses do menor. Nesse sentido, Tourinho Filho (2009, p. 366): De se observar, ainda, que a nomeação de curador especial, pelo Juiz, não cria para aquele a obrigação de fazer a representação; deve o curador, isto sim, ponderar a conveniência de agir, só o fazendo se julgar oportuno. Do contrá- rio, a representação tornar-se-ia obrigatória nesse caso, o que seria absurdo. Vítima maior de 18 anos — exclusivamente ela pode representar. Por força do Código Civil vigente, a capacidade civil plena se inicia aos 18 anos, razão pela qual não existe mais a dupla titularidade no caso de vítima maior de 18 a menor de 21 anos. No caso de morte da vítima (ou se ela foi declarada ausente por decisão judicial) — o direito de representar passará ao cônjuge (ou companheiro), ascendente, descendente ou irmão (art. 24, § 1º, do Código de Processo Penal). O prazo para representação é de seis meses, contados do dia em que o ofendido (ou seu representante legal) souber quem é o autor do crime. Trata-se de prazo decadencial, que, portanto, não se prorroga, não se suspende e não se interrompe. Ação penal10 Requisição do Ministro da Justiça Na lição de Greco (2015), da mesma forma que a representação do ofendido, a requisição do Ministro da Justiça também tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade, permitindo ao Ministério Público iniciar a ação penal, uma vez preenchida essa condição. Em ambas as hipóteses — representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça —, o Ministério Público não está obrigado a dar início à ação penal, pois tem total liberdade para pugnar pelo arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação após emitir, fundamentadamente, a sua opinio delicti. Tais condições, portanto, uma vez preenchidas, não impõem ao Ministério Público o dever de oferecer denúncia, mas sim dizem que, se assim entender, as pessoas envolvidas pela infração penal permitem que ele proceda. Ação penal privada Segundo Frederico Marques (1997, p. 321): [...] ação penal privada é aquela em que o direito de acusar pertence, exclusiva ou subsidiariamente, ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá- -lo. Ela se denomina ação privada, porque seu titular é um particular, em contraposição à ação penal pública, em que o titular do ius actionis é um órgão estatal: o Ministério Público. As ações penais de iniciativa privada classificam-se em: privada propriamente dita; privada subsidiária da pública; privada personalíssima. Ação penal privada propriamente dita Segundo Greco (2015), as ações de iniciativa privada propriamente ditas são aquelas promovidas mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. Em determinadas infrações penais, a lei penal preferiu que o início da persecutio criminis fi casse a cargo do particular. Os princípios que regem as ações penais de iniciativa privada se diferenciam daqueles das ações penais de iniciativa pública, uma vez que o interesse do particular se sobrepuja ao interesse do Estado. 11Ação penal De acordo com Cunha (2018), a ação penal privada é balizada por princípios próprios e comuns à ação penal pública. São eles: Princípio da oportunidade ou da conveniência — a vítima ingressa com queixa se quiser, ausente qualquer obrigatoriedade. Princípio da disponibilidade — a vítima pode dispor da ação penal privada por meio de institutos próprios, que ensejam a extinção da punibilidade do Estado. Princípio da indivisibilidade — a vítima não pode escolher o réu, ou seja, deve mover a ação penal contra todos os autores conhecidos ou contra ninguém. Princípio da intranscendência — a ação não pode passar da pessoa do delinquente (porque a pena não pode passar da pessoa do condenado). O Ministério Público, na ação penal privada, participa como fiscal da lei. Por isso, é possível que adite a queixa em relação a aspectos formais. Reina na doutrina o dissenso a respeito da possibilidade de o Ministério Público aditar a queixa para incluir outro agente. Para alguns, agindo como fiscal da lei e zelando pela indivisibilidade da ação penal, poderá o membro do Ministério Público incluir novo réu mediante aditamento (CUNHA, 2018). Sobre o tema, Tourinho Filho afirma (2009, p. 462): Se a queixa em relação a um “obrigará ao processo de todos”, parece óbvio que todos devem ser postos no polo passivo da relação processual. E essa tarefa, nos termos dos arts. 48, 46, § 2° e 45 do Código de Processo Penal, compete ao Ministério Público, fazendo o aditamento. Outra corrente da doutrina sustenta que o Ministério Público não pode aditar a denúncia para essa finalidade, pois se trata de legitimidade exclusivada vítima para agir. Nesse caso, a exclusão de um dos agentes caracterizaria renúncia ao direito de queixa sobre ele, o que redundaria na renúncia também em relação ao querelado, em razão do disposto no art. 49 do Código de Processo Penal. Por fim, há os que sustentam ser impossível o aditamento, mas não a determinação, pelo órgão do parquet, para que o querelante se manifeste a respeito de sua omissão. Assim aduz Norberto Avena (2010, p. 178): Não será lícito ao Ministério Público aditar a queixa para nela incluir outros defensores, por importar em intromissão indevida na legitimação exclusiva do ofendido. Assim, para os defensores desta linha de pensamento, a refe- Ação penal12 rência de que o Ministério Público velará pela indivisibilidade não significa aditar no lugar do querelante, mas tão-só promover junto ao magistrado que seja aquele instado a incluir o co-autor ou partícipe faltante sob pena de ser reconhecida a ocorrência da renúncia tácita à ação penal. Ação penal privada personalíssima A diferença básica existente a ação penal privada personalíssima e a ação de iniciativa privada propriamente dita reside na titularidade. Aqui, o direito de agir é atribuído única e exclusivamente à vítima. Não há, em nenhuma hipótese, a substituição do titular da ação penal (CUNHA, 2018). No caso de morte do ofendido, extingue-se a punibilidade. Se o ofendido for incapaz, deve-se aguardar a cessação da causa da incapacidade para que ele próprio ajuíze a ação penal. Greco (2015) sustenta que, em virtude da natureza da infração penal prati- cada, entendeu por bem a lei penal que tal infração atinge a vítima de forma tão pessoal, tão íntima, que somente a ela caberá emitir o seu juízo de pertinência a respeito da propositura ou não dessa ação penal. Ação penal privada subsidiária da pública Conforme Greco (2015), as ações penais de iniciativa privada subsidiárias da pública encontram respaldo não somente na legislação penal (art. 100, § 3º, do Código Penal e art. 29 do Código de Processo Penal), como também no texto da Constituição Federal (art. 5º, LIX), que diz que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Com essa disposição, quis o legislador constituinte, a exemplo do que fazem o Código Penal e o Código Processual Penal, permitir ao particular, vítima de determinada infração penal, que acompanhasse as investigações e o trabalho do órgão oficial encarregado da persecução penal. Em razão desses dispositivos legais, se o Ministério Público, por desídia sua, deixar de oferecer denúncia no prazo legal, abre-se ao particular a possibilidade de, substituindo-o, oferecer sua queixa-crime, dando-se, assim, início à ação penal. Greco (2015, p. 773) ainda prossegue, sustentando que: [...] merece ser ressaltado que somente caberá ao particular intentar a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública quando o Ministério Público, deixando decorrer in a/bis o prazo legal para o oferecimento da denúncia, não der início à ação penal. Isso quer dizer que o direito de dar início à ação penal que, originalmente, é de iniciativa pública, somente se transfere ao particular se houver desídia, inércia do Ministério Público. 13Ação penal Segundo Cunha (2018), na ação penal privada subsidiária, o Ministério Público tem os seguintes poderes: Pode, desde logo, repudiar a queixa — nesse caso, passará a contar com a obrigação de oferecer denúncia, chamada de denúncia substitutiva. A denúncia substitutiva, portanto, é a que deve ser oferecida pelo Ministério Público no lugar da ação penal privada subsidiária (art. 29 do Código de Processo Penal), que foi refutada (repudiada). Se o Ministério Público não repudiar a queixa subsidiária — ele poderá aditá-la (com totais poderes de incluir novos autores, novos fatos, entre outros), interferir em todos os termos do processo, fornecer provas ou indicações delas e interpor recursos. Se o querelante negligenciar, deve o Ministério Público retomar a ação como parte principal — se o Ministério Público entender que não há base (justa causa) para a ação penal, deve discordar da queixa apresentada e ma- nifestar-se no sentido da sua rejeição. No caso de vítima com 17 anos de idade e casada, quem poderá realizar a sua representação legal? Não há solução legal para a situação. Duas possibilidades são colocadas pela doutrina: nomeia-se curador ou aguarda-se a vítima completar 18 anos e conta-se a decadência a partir desse dia. Essa é a melhor solução, a que melhor respeita a autonomia da vítima. Jurisprudência das cortes superiores acerca da ação penal Após o estudo pontual da ação penal, é de suma importância a análise da jurisprudência das cortes superiores acerca da matéria, uma vez que é tema que traz divergências entre as correntes doutrinárias. O STJ divulgou, em 8 de junho de 2018, a edição nº. 105 de Jurisprudência em teses, com o tema provas no processo penal. Assim, deverá prevalecer na fase de oferecimento da denúncia o princípio in dubio pro societate (quando há dúvida, decide-se em prol da sociedade). Fica determinado que a Ação penal14 propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos de materialidade e de autoria, de modo que a certeza deverá ser comprovada durante a instrução probatória. No tocante à questão dos honorários advocatícios, o STJ já decidiu pela sua incidência na ação penal privada: É possível haver condenação em honorários advocatícios em ação penal pri- vada. Conclusão que se extrai da incidência dos princípios da sucumbência e da causalidade, o que permite a aplicação analógica do art. 20 do Código de Processo Civil, conforme previsão constante no art. 3º do Código de Processo Penal (BRASIL, 2013, documento on-line). Sobre o prazo decadencial, caso tenha sido proposta a ação penal privada perante juízo incompetente, existe divergência, como expõe Norberto Avena (2010, p. 177): Entendemos, porém, que deverá haver a interrupção do prazo decaden- cial, tal qual tivesse a ação penal sido deduzida no juízo competente, pois, apesar do equívoco no ajuizamento, é certo que o ofendido não se manteve inerte no prazo legal. E a inércia é o fundamento da decadência do direito na ação penal privada. Assim, constatando não ser competente, deverá o magistrado encaminhar a inicial acusatória ao juízo que o seja, para que lá seja recebida e processada a queixa-crime, independente da circunstância eventual de, ao aportar naquele juízo a ação penal, já se ter esgotado o prazo de seis meses. Pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal (STF): Decadência. Queixa oferecida dentro do prazo, mas perante juízo incom- petente ratione loci. Irrelevante tal circunstância para o efeito de contagem do prazo decadencial. O que importa é a data do início da ação penal, ou seja, do oferecimento da queixa-crime em juízo e não a do seu recebimento. Nulidade por incompetência do juízo só atinge os atos decisórios (art. 567, do Código de Processo Penal) e não os atos de instrução e seguimento. In casu, não se configurou a decadência. Recurso improvido (BRASIL, 1986, documento on-line). Justa causa na ação penal A justa causa, como condição genérica da ação penal, não é um ponto pacífi co entre a doutrina. 15Ação penal Duas teses foram destacadas. A primeira estabelece que a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos de materiali- dade e de autoria, de modo que a certeza deverá ser comprovada durante a instrução probatória. Deve prevalecer na fase de oferecimento da denúncia o princípio in dubio pro societate (quando há dúvida, decide-se em prol da sociedade). Verificando o posicionamento da jurisprudência sobre o significado do termo justa causa, também não há consenso no Judiciário sobre o real sig- nificado desse termo. O STF entende que a justa causa diz respeito à existência de um suporte probatório mínimo, como se observa no acórdão exarado pela Rel.Min. Rosa Weber em Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) nº. 129.774, a saber: EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR. DANO QUALIFICADO. ARTIGO 259, PARÁ- GRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO EXISTENTE. 1. Não se exigem, quando do recebimento da denúncia, a cognição e a avaliação exaustiva da prova ou a apreciação exauriente dos argumentos das partes, bastando o exame da validade formal da peça e a verificação da presença de indícios suficientes de autoria e de materialidade. 2. A denúncia, na hipótese, revela ocorrência de fato típico com prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, de modo a possibilitar o pleno exercício da defesa. 3. Inviável a análise do liame entre a conduta do paciente e o fato criminoso, porquanto demandaria o reexame e a valoração de fatos e provas, para o que não se presta a via eleita. Precedente. 4. O trancamento da ação penal na via do habeas corpus só se mostra cabível em casos excepciona- líssimos de manifestas (i) atipicidade da conduta, (ii) presença de causa extintiva de punibilidade ou (iii) ausência de suporte probatório mínimo de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre no presente caso. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento (BRASIL, 2015, documento on-line). Assim, de acordo com o entendimento do STF, a justa causa é o fundamento suficiente de provas que autorizem o início de uma ação penal. Da expressão que autorizem, denotamos a aplicação da proporcionalidade, uma influência dos princípios constitucionais sob a conotação processual penal. Ação penal16 Podemos identificar que, nos julgados do STJ, a justa causa é mais abran- gente e está relacionada com a tipicidade da conduta, e não na incidência de causa de extinção de punibilidade e na presença de indícios de autoria ou de prova de materialidade. Para saber mais sobre o significado do termo justa causa para o exercício da ação penal, leia o texto de William Batista e Jânio Oliveira em: https://goo.gl/p6EhZq Princípio da indivisibilidade Um dos princípios que regem a ação penal é o princípio da indivisibilidade, que signifi ca que a ação penal deve ser proposta contra todos os autores e partícipes do delito. Por exemplo, se o crime foi cometido por A e por B, a ação penal deve ser ajuizada contra os dois, não podendo, em regra, ser proposta apenas contra um deles, salvo se houver algum motivo jurídico que autorize (um deles já morreu, é doente mental, é menor de 18 anos, não há provas contra ele, entre outros). O princípio da indivisibilidade tem previsão legal no art. 48 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: “Art. 48 A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade” (BRASIL, 1941, documento on-line). Sobre esse tema, o questionamento divergente é se o princípio da indivisibilidade se aplica também à ação penal pública. 17Ação penal https://goo.gl/p6EhZq AVENA, N. C. P. Processo penal: esquematizado. São Paulo: Método, 2010. BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 3 set. 2018. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1218726/RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Junior. Julgado em: 5 fev. 2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus. br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=267243 25&num_registro=201001882472&data=20130222&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 3 set. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 129774/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber. Julgado em: 10 nov. 2015. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurispru- dencia/310787420/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-129774-rj-rio-de-janeiro>. Acesso em: 3 set. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 63665/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Djaci Falcão. Jul- gado em: 01 abr. 1986. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. jsp?docTP=AC&docID=100572>. Acesso em: 3 set. 2018. CARNELUTTI, F. Lecciones sobre el proceso penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa- -América/Bosch, 1950. v. 2. CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: JusPodivm, 2018. GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte geral. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2015. v. 1. GRECO FILHO, V. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991. LIEBMAN, E. T. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984. v. 1 MARQUES, J. F. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: BookSeller, 1997. v. 1. NUCCI, G. S. Código Penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. SOUZA, J. B. Direito Processual Civil e Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1995. THEODORO JÚNIOR, H. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. v. 1. THORNAGHI, H. Compêndio de processo penal. Rio de Janeiro: José Konfino,1967. v. 2. TOURINHO FILHO, F. C. Processo penal. São Paulo: Saraiva. 2009. Leitura recomendada CARVALHO FILHO, A. Comentários ao Código Penal. Rio de janeiro: Forense, 1958. v. 4. Ação penal18 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm https://ww2.stj.jus/ https://stf.jusbrasil.com.br/jurispru- http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Compartilhar