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Apendicite ANATOMIA Apêndice cecal – Extensão tubular localizada na convergência das três tênias cólicas no ceco que termina em fundo cego. Situado próximo – à válvula ileocecal e é considerado um divertículo verdadeiro do ceco. Suprimento arterial – artéria apendicular, ramo da artéria ileocólica. Comprimento – 9 a 10 cm. Diâmetro – 0,5 a 1 cm Histologia – Tecido linfoide nas camadas mucosa e submucosa da lâmina própria. Hiperplasia pode causar obstrução da luz do órgão, provocando inflamação aguda. Sofre atrofia com o passar dos anos, acompanhando o declínio na incidência da apendicite com a idade. Posição no abdome – pode variar muito, complicando e retardando o diagnóstico em um eventual processo inflamatório. Pode estar na fossa ilíaca direita nos sentidos medial, lateral, anterior e posterior ao ceco (retrocecal). Também pode ocupar a região pélvica. Fonte: LEITE, Evandro Tolotti. Liga de Cirurgia Geral e Trauma – UNIOESTE. Apendicectomia. 2018. Disponível em: <https://lctunioeste.wordpress.com/2018/04/23/apendicectomia/>. – https://lctunioeste.wordpress.com/2018/04/23/apendicectomia/ FISIOPATOLOGIA Embora a causa da apendicite não seja conhecida, a invasão da parede apendicular por micro-organismos está presente. Obstrução da luz apendicular, seja por espessamento da parede, seja por corpo estranho que tenha penetrado em sua luz parece relacionar-se com sua etiopatogenia. A obstrução provoca inflamação, aumento da pressão intraluminar e isquemia. Subsequentemente, a luz apendicular alarga-se, piorando os fenômenos inflamatórios e isquêmicos de sua parede. Surgem ulcerações na mucosa e redução na barreira de defesa, permitindo a migração de bactérias e de substâncias produzidas pela isquemia através da circulação porta. As bactérias mais encontradas são gram-negativas, principalmente Escherichia coli (presente em 76% dos casos), seguida pelos Enterococcus (30%), Bacterioides (24%) e Pseudomonas (20%). Ocorre migração linfocitária local e leucocitose sistêmica, com aumento das formas jovens, principalmente neutrófilos. A inflamação estende-se aos tecidos vizinhos (omento, gordura pericecal, mesos, tuba uterina, entre outras) e atinge as fibras nociceptivas de T8 a T10, sendo responsável pela dor característica, de início no epigástrio e que migra para a região periumbilical. Em seguida, localiza-se na fossa ilíaca direita. Quando o processo inflamatório evolui, a dor atinge o peritônio parietal adjacente ao apêndice. Os pacientes com apendicite agudam tornam-se abatidos e preferem ficar deitados. Dentre os neuropeptídeos, a serotonina (5-hidroxitriptamina -5HT) é encontrada na mucosa do apêndice, onde essa amina está concentrada em células enterocromafins. Essas células contêm vesículas preenchidas com serotonina e cromografina A, bem como microvesículas, com sinaptofisina. Na apendicite aguda, por isquemia, há redução de serotonina dessas vesículas no epitélio. No início da apendicite, há liberação de 5HT para a lâmina própria e, em seguida, para circulação porta. Nas mitocôndrias dos hepatócitos, ela é metabolizada para ácido 5-hidroxi- indolacético (5HIAA), que é excretado na urina. A serotonina é um potente estimulador da excreção intestinal, que aumenta a quantidade de líquido e eletrólitos, por meio de receptores 5HT3. Esse mediador é vasoconstritor, por intermédio dos receptores 5HT1 e 5HT2b. Estimulando receptores 5HT4, localizados no plexo mioentérico liso, regula-se o peristaltismo intestinal. Durante fenômenos inflamatórios e isquêmicos do apêndice, além de provocar distúrbios evacuatórios. Os receptores 5HT3, medeiam também náuseas e vômitos. Há neuroproliferação no apêndice em associação com aumento de uma reação imunológica para substância P (SP) e polipeptídeo vasoativo intestinal (VIP). O aumento da substância P (SP) e do VIP no apêndice pode causar dor em fossa ilíaca direita, em presença da apendicite aguda e estão relacionados com doenças inflamatórias intestinais e fibrise apendicular, contendo células de Schwann, mastócitos e fibroblastos. Dessa maneira a substância P provocaria doenças inflamatórias do trato gastrointestinal, incluindo apendicite. Além disso, SP é um dos principais mediadores da inflamação neurogênica induzida por estímulos nociceptivos. Ela associa-se a fibras nervosas sensoriais envolvidas na vasodilatação antidrômica, e é liberada a partir de terminações periféricos de neurônios sensoriais durante a estimulação antidrômica. Após agressões químicas, mecânicas ou físicas há liberação de SP como parte da resposta inflamatória neurogênica. A injeção intra-arterial ou a aplicação tópica de substância P provoca vasodilatação, transudação e contração de músculo liso. Na mucosa basal, a vasodilatação neurogênica é mediada não somente por substância P, mas também pela liberação de VIP. A distribuição do polipeptídeo vasoativo intestinal e sua expressão altera-se na doença inflamatória intestinal. As mudanças na inervação peptidérgicas em apendicite aguda pode relacionar-se com dor localizada. Esses resultados indicam alterações dos nervos entéricos sem presença da inflamação apendicular. Neuroproliferação na lâmina própria e na muscular está presente em pacientes com dor abdominal em presença apêndices aparentemente normais, porém esse processo é interrompido quando os apêndices são removidos. A expressão do polipeptídeo vasoativo intestinal e da substância P nesses acientes é semelhante à observada em pacientes com inflamação aguda evidente. INTRODUÇÃO Novas evidências apontam que o apêndice funciona como uma safe house para a flora comensal, facilitando a recolonização intestinal no caso de um clareamento da flora, como ocorre, por exemplo, em diarreias aquosas importantes. O apêndice pode ser sede de uma série de afecções, neoplásicas e não neoplásicas (Quadro 74.1). A apendicite aguda é a mais frequente delas. Fonte: ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia da graduação à pós- graduação. 2ªed. São Paulo: Atheneu, 2016. EPIDEMIOLOGIA • Entre as afecções que acometem o apêndice, a apendicite aguda é a mais frequente. • A apendicite aguda é a causa mais comum de abdome agudo de tratamento cirúrgico. • Cerca de 9% dos homens e 7% das mulheres têm um episódio de apendicite durante sua vida. • Ocorre com mais frequência na faixa etária de 10 a 19 anos, embora a média de idade por ocasião do diagnóstico pareça estar aumentando gradativamente. • Em termos gerais, 70% dos pacientes têm menos de 30 anos, e a maioria é do sexo masculino. • É incomum em pacientes com idades <5 e >50. • O risco geral de apendicite é de 1/35 em homens e 1/50 em mulheres. A partir dos 70 anos, este risco é de 1/1009,10. • A apendicite aguda parece mais frequentemente em países industrializados com hábito alimentar pobre em fibras. FATORES DE RISCO • Fatores dietéticos como diminuição da ingestão de fibras. Maior incidência em: Adolescentes jovens (10 aos 19 anos) Homens (proporção de homens para mulheres de 1,4:1). Menor incidência: Idosos – pois esse tecido linfoide sofre atrofia com o passar dos anos, acompanhando o declínio na incidência da apendicite com a idade. FATORES PREDISPONENTES • Fatores familiares parecem estar implicados. ETIOLOGIA A obstrução da luz apendicular é considerada o principal fator etiológico na apendicite aguda. A obstrução pode ser causada por: • Fecalitos impactados. • Cálculos • Parasitas • Hiperplasia linfoide • Tumores benignos e malignos. Contudo, muitos pacientes com fecalitos intraluminais não desenvolvem apendicite, e a maioria dos pacientes não apresenta ofecalito no momento do diagnóstico. Os mecanismos de obstrução da luz apendicular variam com a idade. Jovens – predomina a hiperplasia linfoide secundária às causas infecciosas. Idosos – os fecalitos e as obstruções por tumores como carcinoide, adenocarcinoma e mucocele. O que acontece? ➔ Quando há obstrução, e o órgão é preenchida por muco, aumentando a pressão e distendendo o apêndice ➔ Isso leva a estase do fluxo linfático, oclusão de pequenas veias e, por conseguinte, trombose. ➔ Decorre, então, a isquemia da parede do apêndice, podendo progredir para necrose e perfuração. ➔ O processo inflamatório causa uma reação fibrinopurulenta na serosa do apêndice, formação de coleção periapendicular acarretando em irritação peritoneal. O tempo necessário para perfurar o apêndice é variável. Nas primeiras 24 horas dos sintomas, 90% das apendicites apresentam inflamação e até necrose, mas não perfuração. Naqueles com sintomatologia de mais de 48 horas, febre alta ou leucocitose acima de 15 mil, a possibilidade de perfuração é acima de 50%. A flora bacteriana varia com a fase da apendicite. Fase inicial – Bactérias aeróbias predominam. Fases avançadas (com necrose e perfuração) – a flora é mista. Nessa situação, são comuns a Escherichia coli, Bacteroides fragilis e Pseudomonas, o que torna mandatória a antibioticoterapia de amplo espectro, incluindo cobertura para anaeróbios. A apendicite pode ser dividida em: • Apendicite não complicada: processo inflamatório apendicular, sem gangrena, coleção ou necrose. • Apendicite complicada: presença de perfuração, necrose do apêndice ou abscesso periapendicular. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Os fenômenos inflamatórios iniciais produzem, a princípio: • Dor periumbilical não muito intensa. • Náusea. • Vômitos esporádicos (não são comuns vômitos repetidos). • Anorexia. • Febre não muito alta (febre mais alta está associada a complicações da apendicite). • Diarreia (não é frequente, embora possa aparecer). Sintomas inespecíficos como flatulência e alteração do hábito intestinal podem estar presentes. Após 6 a 8 horas de evolução: • Desloca-se para a FID no chamado ponto de McBurney. (em algumas ocasiões, ela tem início já na FID.) • Mostra sinais de comprometimento peritoneal. • Náusea pode diminuir. • Falta de apetite permanece. Fase de comprometimento peritoneal: • Dor aos movimentos bruscos e com o ato de tossir ou espirrar. • Apresentar dor à descompressão. • Certa rigidez da musculatura local e hipersensibilidade da pele. Uma contaminação por contiguidade do músculo psoas pode fazer que o paciente fique com o quadril e o membro inferior direito ligeiramente fletidos, buscando obter alívio da dor. De forma mais específica... Dor abdominal – difusa, periumbilical ou no epigastro, que em até 24 horas se localiza na fossa ilíaca direita, por vezes acompanhada de náuseas e vômitos. Anorexia – habitualmente acompanha o quadro e, apesar de ser um sintoma inespecífico, é o mais frequentemente observado. Deve-se ter cautela ao diagnosticar apendicite em um paciente sem anorexia. Febre – Pacientes com quadros iniciais podem não apresentar elevação da temperatura. A presença de febre alta (acima de 39°C) e taquicardia pode sugerir um quadro mais avançado, com perfuração. Variações da apresentação clínica Idade do paciente: Crianças e idosos frequentemente têm apresentação atípica, o que retarda o diagnóstico. Localização do órgão na cavidade abdominal: Retrocecal/retrocólico (75%), com dor típica na fossa ilíaca direita, porém, muitas vezes sem irritação peritoneal pelo bloqueio do cólon. Quando nessas localizações, o sinal do psoas – caracterizado pela dor na fossa ilíaca direita com a flexão do quadril do mesmo lado – é positivo. Subcecal ou pélvico (20%), com dor pélvica, diarreia e disúria pela irritação do reto e bexiga, respectivamente. Pré ou pós-ileal (5%) sintomatologia mais inespecífica e presença de vômito e diarreia. EVOLUÇÃO A apendicite evolui em 4 estádios, com base em seu aspecto morfológico: Inicial ou catarral: apêndice congesto, edemaciado, rígido, com aumento de volume; serosa brilhante e processo inflamatório restrito a mucosa e à submucosa. Os vasos subperitoneais dilatam-se e observam-se manchas amareladas em sua superfície. A mucosa é congesta e granulosa, com erosões superficiais ou úlceras, que penetram em direção à serosa. Ao exame microscópico, a mucosa e a submucosa são infiltradas por polimorfonucleares. Fibrinopurulenta ou supurativa: comprometimento até a serosa. O apêndice aumenta suas dimensões e é coberto por uma camada fibrinopurulenta, que se estende ao mesoapêndice e aos tecidos adjacentes. A serosa é opaca e apresenta pontilhados hemorrágicos. Ao exame microscópico, todas as camadas são congestas e infiltradas por polimorfonucleares. Podem ser vistos muitos eosinófilos e necrose da mucosa, com úlceras nos locais próximos à superfície. Gangrenosa: necrose focal ou extensa da parede, acompanhada de necrose e putrefação dos tecidos apendiculares. Microscopicamente, observam-se trombose de pequenos vasos e sangramentos. A ruptura de pequenos abscessos subserosos pode provocar peritonite, sem perfuração da parede apendicular. Perfurativa: rotura ou destruição da parede do apêndice, que se torna friável, em decorrência de necrose isquêmica. Associa-se a peritonite ou abscesso periapendicular. Em pacientes idosos e portadores de doenças imunodebilitantes a peritonite pode ser generalizada, por deficiência inflamatória, que restringiria o processo séptico à região periapendicular. PROGNÓSTICO • Mortalidade geral <1%. (Em idosos, 5- 15%.) • Perfuração: em geral 17-40%. (Em idosos 60-70%). • Risco de complicação aumentado: idosos, atraso na procura do serviço, sintomas iniciais inespecíficos, febre baixa ou ausente, exames laboratoriais normais. COMPLICAÇÕES A mortalidade e a morbidade são relacionadas com o estágio da doença e aumentam nos casos de perfuração. A taxa média de perfuração está entre 16 e 30%, mas há um aumento significativo em pacientes idosos e crianças mais novas, em que taxas de até 97% podem ser encontradas, se o diagnóstico for retardado. As complicações pós-operatórias incluem: Infecção da ferida operatória, abscessos intra-abdominais, obstrução intestinal e, raramente, hérnia. DÚVIDAS NA CONDUTA DIAGNÓSTICA Fonte: MARTINS, Mílton de Arruda et al. Manual do residente de clínica médica. 2ª ed. Barueri – SP: Manole, 2017. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS • Mulheres jovens – doenças ginecológicas. • Idosos – diverticulite, tumores ou obstrução. • Gastroenterocolite na fase inicial Fonte: ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia da graduação à pós-graduação. 2ªed. São Paulo: Atheneu, 2016. Fonte: MARTINS, Mílton de Arruda et al. Manual do residente de clínica médica. 2ª ed. Barueri – SP: Manole, 2017. CONDUTA DIAGNÓSTICA O diagnóstico pode ser feito de acordo com a história clínica do paciente, exame físico e alguns exames complementares: laboratoriais e de imagem. ANAMNESE Fazer a anamnese completa e após direcionar, para que o paciente descreva: 1. Localização – região em que o paciente sente a dor (apontar com um dedo), avaliação da sensibilidade na área de distribuição da dor e adjacências). Reconhecer o local inicial da dor e de sua irradiação. 2. Qualidade/Caráter – descrever como a dor parece ouque tipo de sensação e emoção que traz. Definir se é evocada ou espontânea. Alodínia (sensação desagradável por área desaferentada), hiperpatia (sensação mais dolorosa do que o usual), hiperalgesia (resposta exagerada aos estímulos; primária à ocorre em área lesada, secundária à ocorre ao redor da área lesada), dor constante, dor intermitente, dor fantasma (sensação de dor mesmo após a parte do corpo ter sido amputada). 3. Intensidade – interpretação global dos aspectos sensitivos. Prefere-se a utilização de uma escala analógica visual para avaliar a sua intensidade (escala de 0 a 10). 4. Duração – máxima precisão possível sobre a data de início da dor. No caso de: dor constante, é o tempo entre o início e a anamnese; dor cíclica, registro da data e duração de cada episódio; dor intermitente, início e duração médica, assim como o número médio de crises e de dias. 5. Evolução – revela a maneira como a dor evoluiu desde o início até a anamnese. Inicia-se a investigação pelo modo de instalação, se foi súbito ou insidioso. 6. Relação com Funções Orgânicas – localização da dor e órgãos localizados na mesma área. Dor é acentuada pelo excesso funcional da estrutura. 7. Fatores Agravantes e Atenuantes – aqueles que desencadeiam a dor e que a aliviam, respectivamente. 8. Manifestações Concomitantes – por exemplo, a dor aguda, nociceptiva, costuma acompanhar sudorese, palidez, taquicardia, hipertensão, etc (manifestações neurovegetativas). Lembrar!!! Perguntar sobre utilização de medicações, alergias medicamentosas e doenças prévias. EXAME FÍSICO Os sinais observados ao exame físico são clássicos: • Dor à palpação de fossa ilíaca direita com descompressão brusca positiva no ponto de McBurney (sensibilidade de 50 a 94% e especificidade de 75 a 86%). • Dor à percussão ou durante o esforço de tosse pode representar comprometimento peritoneal. Pacientes com história mais prolongada podem exibir massa (plastrão) quando se examina a fossa ilíaca direita. Sinal de Rovsing pacientes com apendicite (sensibilidade de 22 a 68% e especificidade de 58 a 96%). Como fazer: o examinador deve realizar um falso peristaltismo no intestino grosso, começando pelo sigmoide, retrogradamente, avançando em direção ao cólon descendente, transverso e ascendente. É positivo houver dor no quadrante inferior direito. Fonte: https://en.wikipedia.org/ Sinal do psoas – sugere apendicite retrocecal (sensibilidade de 13 a 42% e especificidade de 79 a 97%). Como fazer: O paciente está deitado do lado esquerdo. O examinador estende a coxa direita do paciente enquanto aplica contra- resistência ao quadril direito. É positivo se causar dor na extensão passiva da coxa direita. Fonte: HARDIN JR, D. Mike. Acute appendicitis: review and update. American family physician, v. 60, n. 7, p. 2027, 1999. Sinal do obturador sugere apendicite pélvica (sensibilidade de 8% e especificidade de 94%). Como fazer: O examinador move a perna lateralmente enquanto aplica resistência ao lado lateral do joelho (asterisco), resultando na rotação interna do fêmur. É positivo se houver dor na rotação interna passiva da coxa flexionada. Fonte: HARDIN JR, D. Mike. Acute appendicitis: review and update. American family physician, v. 60, n. 7, p. 2027, 1999. O exame ginecológico e o toque retal podem ser valiosos nos casos de dúvida diagnóstica. EXAMES COMPLEMENTARES ESCORES DIAGNÓSTICOS Muitos sistemas de pontuação com parâmetros clínicos e laboratoriais têm sido propostos para aumentar a acurácia do diagnóstico de apendicite aguda. O mais utilizado na prática é o escore de Alvarado, que já foi modificado desde sua descrição. Sensibilidade de 95% e acurácia de 83% em pacientes com escore de Alvarado ≥ 7. https://en.wikipedia.org/ Fonte: Adaptado de acordo com ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia da graduação à pós-graduação. 2ªed. São Paulo: Atheneu, 2016. Naqueles com escore entre 4 e 6, exames de imagem são recomendados – ultrassonografia (US) ou tomografia computadorizada (TC). Entretanto, o escore tem maior acurácia nos homens em comparação às mulheres. Dessa forma, pacientes do sexo feminino, não gestantes, devem ter preferência pela laparoscopia diagnóstica com apendicectomia, conforme os achados, dada a maior incerteza diagnóstica utilizando-se o escore de Alvarado. EXAMES LABORATORIAIS Podem ajudar nos casos em que o quadro clínico não é clássico. Não existe nenhum exame laboratorial específico para o diagnóstico da apendicite. Hemograma – tem padrão infeccioso em até 80% dos casos, Leucocitose não muito grande (10.000 a 16.000), com aumento de neutrófilos e desvio à esquerda. Contagem normal de leucócitos não exclui o diagnóstico. Pode ser normal nos quadros iniciais. Exame de urina – é importante no diagnóstico diferencial com a infecção urinária, porém, pode apresentar alterações em até 40% dos casos de apendicite aguda Beta-HCG (teste de gravidez) – é útil no diagnóstico diferencial das mulheres em idade fértil. Proteína C-reativa – está normalmente aumentada nos processos inflamatórios e infecciosos, mas também não é específica. EXAMES DE IMAGEM O diagnóstico da apendicite aguda é predominantemente clínico. Mas pode ser necessário em apresentações clínicas não habituais e nos grupos de maior dificuldade como: • Crianças • Idosos • Obesos • Pacientes imunocomprometidos. Isso tem relação direta na diminuição das taxas de apendicectomias “brancas” ou não terapêuticas. Ultrassonografia (US): pode confirmar a apendicite, mas também diagnósticos diferenciais em relação a doenças ginecológicas pélvicas ou mesmo doença de Crohn. Tem elevada sensibilidade, especificidade e acurácia no diagnóstico de apendicite. Pode mostrar: • O apêndice inflamado é visualizado como uma estrutura tubular espessado, não compressível e doloroso que termina em fundo cego no quadrante inferior direito. • Com mais de 6 mm de diâmetro (Figura 74.1). Vantagens em relação à TC: (1) rapidez na realização do exame (2) não exposição à radiação (3) não necessidade de uso do contraste. Fatores limitantes em relação à TC: (1) experiência do operador (2) índice de massa corpórea (3) condições clínicas do paciente como distensão abdominal, causando interposição gasosa. Fonte: ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia da graduação à pós- graduação. 2ªed. São Paulo: Atheneu, 2016. Radiografia simples do abdome (decúbito dorsal horizontal, ortostática e cúpulas) pode mostrar: • Distensão do ceco. • Formação de níveis líquidos em posição ortostática na fossa ilíaca direita. • Apagamento da linha do psoas. • Pneumoperitônio nos casos avançados. • Imagem radiopaca de fecalito na topografia do apêndice reforça o diagnóstico. Tomografia computadorizada (TC): é considerada o padrão de referência no diagnóstico de imagem das afecções do apêndice (Figura 74.2). Entretanto, a US não expõe o paciente à irradiação, o que deve ser considerado nas crianças e nos adultos jovens. Além disso o US, por não expor o paciente à radiação, é recomendado como exame de triagem nos pacientes do sexo feminino, jovens e de baixo índice de massa corpórea. Fonte: ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia da graduação à pós- graduação. 2ªed. São Paulo: Atheneu, 2016. Ressonância nuclear magnética (RNM): fica reservada aos casos em que o paciente não deva ser submetido à radiação, como na gestação, e queainda haja dúvida diagnóstica mesmo após realização do US. CONDUTA TERAPÊUTICA TRATAMENTO CIRÚRGICO O tratamento cirúrgico deve ser indicado diante do diagnóstico firmado. Se feito antes de 12 horas dos sintomas ou até 24 horas depois → Não existe diferença nas complicações no tratamento cirúrgico. Se feito após as primeiras 36 horas de início dos sintomas → A taxa de perfuração do apêndice chega a 36%. CUIDADOS PRÉ-OPERATÓRIOS Hidratação IV e pronta correção de eventuais distúrbios eletrolíticos. ANTIBIOTICOTERAPIA A antibioticoterapia, com cobertura para bactérias aeróbias e anaeróbias, é altamente recomendada e deve ser iniciada: Antes da operação: até 60 minutos antes. Diminuindo-se a incidência de infecção de ferida operatória e abscesso intracavitário. Casos de apendicite não complicada (sem perfuração ou coleção abdominal): • Podem ser prescritos de forma profilática em dose única ou mantidos até 24 horas após o procedimento. • A cefalosporina de 2ª geração (cefoxitina sódica) é uma opção válida. Casos de apendicite não complicada com perfuração do apêndice ou coleção intracavitária): • A antibioticoterapia deve ser terapêutica por pelo menos 7 dias. • Após o uso empírico com antibióticos de amplo espectro, o tratamento deve ser, sempre que possível, orientado por cultura da secreção abdominal. Os seguintes esquemas são sugeridos: • Cefalosporina de 3ª geração (ceftriaxona) ou fluoroquinolona (ciprofloxacino ou levofloxacino) + metronidazol. A associação de ampicilina deve ser feita quando bactérias Gram- positivas são identificadas nas culturas. Também aceitas: • Monoterapia com ampicilina/sulbactam ou piperacilina/tazobactam ou ticarcilina/clavulanato. • Monoterapia com carbapenêmicos, imipenem ou ertapenem. Atenção!!! - Solicitar teste de gravidez nas mulheres em idade fértil. - Definir via de acesso, com sondagem vesical de demora conforme a via ou preferência do cirurgião. CIRURGIA CONVENCIONAL (AC) OU LAPAROSCÓPICA (AL) A apendicectomia pode ser realizada através de uma incisão de McBurney ou transversa na fossa ilíaca direita ou por meio de laparoscopia (Figuras 74.3 e 74.4). A escolha da via de acesso deve levar em conta: • A dúvida ou não no diagnóstico. • História de cirurgias anteriores • Idade • Sexo • Índice de massa corpórea (IMC) dos pacientes. Fonte: ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia da graduação à pós- graduação. 2ªed. São Paulo: Atheneu, 2016. Laparoscopia vantagens: • Torna possível a melhor inspeção da cavidade. • Reconhece outros eventuais diagnósticos. • Permite a remoção do apêndice com segurança. • Adequada limpeza da cavidade abdominal. • Reduz as complicações de ferida operatória em 50%. • Pacientes apresentam menor dor pós- operatória • Pacientes permanecem menos tempo no hospital • Pacientes obtém um retorno mais precoce às atividades. Laparoscopia desvantagens: • Aumento de 3 vezes na incidência de abscessos intracavitários quando comparada à via laparotômica. • Maior tempo cirúrgico. • Custos da sala de cirurgia são superiores pela via laparoscópica. Apesar da segurança no tratamento cirúrgico da apendicite pela via laparoscópica, esta deve ser reservada para alguns grupos de pacientes. Pela qualidade superior do pós- operatório imediato, os grupos que apresentam maior benefício com a via de acesso são: • Mulheres em idade fértil. • Obesos. • Idosos (apendicite complicada ou não). POR QUE ESSES GRUPOS? IDOSOS A resposta inflamatória diminui a intensidade com o passar dos anos, o que resulta em um quadro clínico menos evidente e, em geral, mais prolongado. Assim: • O diagnóstico de apendicite aguda no idoso pode ser mais trabalhoso e tardio. • A incidência de perfuração é maior. • Maiores as taxas de morbidade e mortalidade, também relacionadas às possíveis comorbidades. Diagnósticos diferenciais: diverticulite aguda e a neoplasia de cólon – a TC de abdome útil nesses casos. GESTANTES A apendicite é a doença cirúrgica de urgência mais comum da gestação e a principal causa operatória não obstétrica de perda fetal. O risco de uma mulher gestante desenvolver apendicite é o mesmo de uma não gestante e ocorre a cada 1.500 a 2.000 gestações. Quadro clínico – é o mesmo, mas com algumas peculiaridades: ❖ Dor na fossa ilíaca direita é o sintoma mais comum. ❖ Alterações laboratoriais podem ser fisiológicas, uma vez que leucocitose (até 16 mil) é um achado comum. ❖ Alteração do hábito intestinal, náuseas e vômitos também são encontrados com frequência e podem confundir o quadro clínico. Casos não complicados de apendicite resultam em 5% de morte fetal. Esse número aumenta para 20 a 25% naqueles em que haja perfuração, com até 4% de mortalidade materna. Existindo a suspeita clínica: • US – é um método seguro e deve ser o 1º exame a ser solicitado. • Caso o exame seja positivo, um cirurgião deve ser chamado. • Caso negativo ou inconclusivo, o próximo passo é a RNM de abdome. A RNM é segura para o feto e a mãe. A TC, em virtude dos riscos da radiação ao feto, deve ser solicitada em casos complicados ou em que a história clínica é positiva, a US é inconclusiva e a RNM não está disponível. Gestantes com história clínica positiva e exames de imagem positivos: independentemente dos achados laboratoriais, devem ser prontamente assistidas por um cirurgião. Deve ser realizado, de preferência, pela via convencional após hidratação e início de antibioticoterapia. Se o diagnóstico é muito provável, a apendicectomia deve ser realizada por incisão transversa ou de McBurney. Se o diagnóstico é menos provável: a incisão de escolha é a mediana. A apendicectomia convencional parece ser uma opção mais segura para as gestantes com apendicite aguda. CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS Casos não complicados: • A dieta pode ser liberada logo no pós- operatório imediato (independentemente da via de acesso) • Os pacientes recebem alta hospitalar com 24 a 48 horas de internação. • A antibioticoterapia nesses casos é profilática. Casos complicados: • A dieta deve ser postergada até o retorno da atividade intestinal. • Os pacientes recebem alta, em média, entre o 5º e o 7º dia pós-operatório. • Antibioticoterapia intravenosa (IV). • A profilaxia de trombose venosa profunda (TVP) deve ser considerada de acordo com fatores de risco. • O íleo pós-operatório é frequente, especialmente nos idosos. • O uso de drenos não é recomendado na literatura, mesmo nos casos complicados. COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS Perfuração – ocorre em 16 a 30% dos casos, especialmente nos idosos e crianças, geralmente pelo retardo no diagnóstico. Principais complicações da apendicectomia são – as infecciosas, entre elas: • Infecções de parede abdominal • Abscessos intracavitários. Estas são minimizadas com uma adequada técnica operatória, devida limpeza da cavidade e parede abdominal, além do uso de antibioticoterapia IV. Taxa de infecção de ferida operatória -> diretamente proporcional ao estádio da apendicite. O abscesso intracavitário pode ter sintomatologia tardia, mas pode ser confirmado por exames de imagem. Muitas vezes, a drenagem percutânea guiada por US ou TC e o uso de antibióticos evita a reoperação. EXISTE ESPAÇO PARA TRATAMENTO CLÍNICO NA APENDICITE AGUDA? O tratamento não operatório da apendicite aguda tem sido motivo de controvérsia na literatura. Um estudo de apendicite aguda com antibióticos ou cirurgia concluiu que o tratamento clínico pode ser efetivo nos casos não complicados e iniciais. Outro estudo randomizado comparou os tratamentosclínico e cirúrgico em indivíduos adultos de ambos os sexos (369) com apendicite aguda. A eficácia foi de 90,8% para o tratamento com antibióticos e 89,2% nos casos cirúrgicos. Entretanto, as taxas de complicações maiores foram três vezes superiores no grupo tratado com cirurgia. Os pacientes tratados clinicamente receberam antibióticos de amplo espectro IV por 24 a 48 horas e completaram o tratamento VO por 10 dias. O tratamento clínico da apendicite aguda parece ser possível nos casos não complicados se for adotado como uma opção para centros de saúde distantes sem suporte para intervenções cirúrgicas. As taxas de complicações apresentadas até o momento são semelhantes às do tratamento cirúrgico, com recorrência dos sintomas em até 15% dos casos. Um número maior de estudos será necessário para mudar a conduta no tratamento dos pacientes com apendicite aguda. Até o momento, não existem evidências na literatura de que o tratamento clínico seja superior ao cirúrgico nesses pacientes. Situações especiais Apêndice normal. E agora? Apesar de toda a tecnologia disponível nos dias atuais, o diagnóstico da apendicite aguda pode gerar dúvidas em raras situações. Atualmente as taxas de apendicectomias brancas ou não terapêuticas são cerca de 5%. O cirurgião, ao se deparar com um apêndice cecal de características macroscópicas normais, deve procurar causas que expliquem os sintomas. Estas incluem: • Ileíte terminal • Diverticulite de Meckel ou do cólon (ceco e sigmoide) • Adenite mesentérica • Causas ginecológicas (moléstia inflamatória pélvica ou doenças ovarianas). Quadros iniciais de: Inflamação intramural ou da serosa podem revelar um apêndice de características normais. Na ausência de outras causas que justifiquem o quadro clínico, a apendicectomia deve ser realizada, seja pela via aberta ou laparoscópica. APENDICITE CRÔNICA OU RECORRENTE A apendicite crônica ou recidivante ocorre nos pacientes após um primeiro quadro de apendicite que regride espontaneamente: • Ocorrem crises mais leves ocorrem com dor localizada na FID. • O enema opaco pode revelar um fecalito no interior do apêndice. O diagnóstico é confirmado pela histopatologia, a qual mostrará: • Fibrose da parede • Redução do lúmen com ulceração • Área cicatricial com infiltrado de células inflamatórias. São critérios aceitos para definir a apendicite crônica: • Sintomas por pelo menos 4 semanas. • Confirmação histopatológica de inflamação apendicular. • Melhora dos sintomas após a apendicetomia. MASSA OU PLASTRÃO APENDICULAR Pacientes com sintomatologia prolongada podem apresentar-se com massa palpável na FID, que é confirmada com US ou TC de abdome. Aproximadamente 10% dos pacientes com apendicite aguda desenvolverão um plastrão apendicular. Tratamento inicial preconizado (pacientes clinicamente estáveis): é o conservador, com hidratação e antibióticos IV. • O processo inflamatório regride em dias • Há diminuição do plastrão apendicular. • Os casos recorrentes devem ser encaminhados para a cirurgia programada, por via laparoscópica ou laparotômica. Essa conduta é questionável nos pacientes assintomáticos. ATENÇÃO!!! Devem-se excluir doença de Crohn e as neoplasias nos idosos, com colonoscopia e acompanhamento clínico. CONDUTA EDUCACIONAL • Manter uma alimentação balanceada, com ingesta de fibras, e evitando alimentos industrializados. RESUMO E PONTOS DE INTERESSE A apendicite aguda é a principal causa de urgência cirúrgica abdominal não traumática. O diagnóstico precoce e a cirurgia sem retardo são fundamentais no sucesso do tratamento. Nem todos os pacientes apresentam sintomatologia típica, por diversos fatores, entre eles a posição variável do apêndice no abdome. Os sintomas clássicos são dor na fossa ilíaca direita, anorexia, febre, náuseas e vômitos. Exames de imagem devem ser solicitados quando o quadro clínico não é conclusivo. A TC com contraste VO e IV ou somente IV apresenta maiores sensibilidade e especificidade que a US para o diagnóstico da apendicite aguda. Pacientes nos extremos de idade ou imunossuprimidos têm índices de morbidade e mortalidade maiores pela apresentação mais tardia e não habitual. Os cuidados pré-operatórios com hidratação, correção de distúrbios eletrolíticos e uso imediato de antibióticos não devem protelar o tratamento cirúrgico. A cirurgia aberta e a laparoscópica são apropriadas. A via laparoscópica está ocupando um espaço cada vez maior e tem ótima indicação nos pacientes obesos, idosos e naqueles com dúvida diagnóstica, especialmente mulheres em idade fértil. O tratamento do plastrão apendicular é inicialmente conservador, com cirurgia programada dependendo da sintomatologia futura. Se durante o ato cirúrgico o apêndice for considerado normal, é mandatória a inspeção da cavidade na busca de outras causas que expliquem a sintomatologia do paciente (ileíte terminal, diverticulite de ceco ou sigmoide, diverticulite de Meckel, adenite mesentérica e causas ginecológicas). Nessa situação, a remoção do apêndice é altamente recomendada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • DE FREITAS, Roberto Garcia et al. Apendicite aguda. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, v. 8, n. 1, 2009. • ZATERKA, Schlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia da graduação à pós-graduação. 2ªed. São Paulo: Atheneu, 2016. • MARTINS, Mílton de Arruda et al. Manual do residente de clínica médica. 2ª ed. Barueri – SP: Manole, 2017.
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