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Lucas Melo – Medicina Ufes T103 Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) É uma doença com grande importância médico social, visto que é a doença orgânica mais frequente do aparelho digestivo com uma alta prevalência (15 a 28% no ocidente), que tem uma evolução benigna, mas causa um grande impacto na qualidade de vida dos pacientes, sendo que 53% dos pacientes apresentam distúrbio do sono, aumento da ansiedade e depressão, comprometimento da atividade diária em 40% dos pacientes, queda da produtividade no trabalho e perda econômica. É importante dizer que o aumento da prevalência da DRGE coincide com o aumento exponencial da obesidade no mundo (é um fator de risco para DRGE), além da obesidade, outras possíveis causas para o aumento da prevalência da DRGE são diminuição do H. pylori, aumento da longevidade e uso de fármacos. *Betabloqueadores e nitratos relaxam o esfíncter inferior do esôfago. Se considerarmos apenas os sintomas, homens e mulheres possuem a mesma incidência, mas as formas mais complicadas da doença são mais comuns nos homens (está relacionada com a obesidade central que o homem possui, a obesidade na mulher se distribui de uma forma diferente). Segundo o consenso de Montreal, a DRGE é uma condição que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas que incomodam ou complicações, por isso é importante a valorização dos sintomas e das complicações que o paciente pode vir a possuir. Segundo o consenso de Lyon, os critérios para o diagnóstico da DRGE são: 1. Esofagite avançada (grau C e D de Los Angeles). 2. Barret longo (mais de 3cm do epitélio metaplásico). 3. Estenose péptica. 4. pH ou pH + impedanciometria com tempo de exposição ácida > 6%. São critérios rigorosos e sem a consideração das manifestações clínicas, o que não foi muito bem aceito na comunidade científica. Endoscopia com esofagite erosiva com várias erosões confluentes, paciente entraria nos critérios de Lyon. Endoscopia mostrando erosões lineares ascendentes não confluentes, classificadas como esofagite grau B, o que não entraria como refluxo segundo o critério de Lyon. Por isso que é um critério que temos que ter uma visão crítica sobre ele, mas o que ainda continua valendo é o diagnóstico clínico da DRGE. - Fisiopatologia: Dentre os vários mecanismos envolvidos na gênese da doença do refluxo, o dominante é o relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago, não existe nenhuma alteração anatômica esofagogástrica, o ângulo de His está íntegro, a transição epitelial está abaixo do pinçamento do diafragma, além do esfíncter inferior e do esfíncter externo (diafragma) estão em posições anatomicas, portanto, está tudo no seu lugar, o que ocorre é um Lucas Melo – Medicina Ufes T103 relaxamento do EIE transitório e prolongado não relacionado com a deglutição, durante esse relaxamento, o ácido sobrenadante (que fica acima do conteúdo gástrico) que fica dentro do estômago no período pós-prandial reflui para a região do esôfago, dando os sintomas. Outra condição que, normalmente, está relacionada as formais mais graves do refluxo é a presença da hérnia antral por deslizamento, ocorre por um deslizamento da porção antral do estomago e o pinçamento diafragmático não está coincidindo com o EIE, sendo que a hérnia antral é um fator predisponente a DRGE, ela em si é uma alteração anatômica. Os mecanismos de defesa contra o refluxo são o bicarbonato salivar que neutraliza a acidez do material refluído e a peristalse esofagiana que devolve o material para o estomago, portanto, se houver alguma disfunção das glandulas salivares e/ou distúrbios motores primários do esofago, pode contribuir para a ocorrência e gravidade da DRGE. - Diagnóstico e investigação: O diagnóstico da DRGE é um diagnóstico clínico e o paciente pode apresentar sintomas típicos e atípicos, sendo que os sintomas típicos são pirose retroesternal e a regurgitação (sensação objetiva do refluxo, paciente sente o gosto de ácido na boca), os sintomas atípicos podem ser esofágicos (disfagia, odinofagia e dor torácica) e extra esofágicos (laringite, faringite, pigarro, tosse, asma, fibrose pulmonar e distúrbios do sono), sendo que esses sintomas ocorrem 2 ou mais vezes por semana em um período de 3 meses, portanto, o refluxo pós-prandial de um final de semana não é doença do refluxo. O diagnóstico deve ser complementado com a endoscopia digestiva alta, mas é sempre bom lembrar que o quadro clínico do paciente não vai estar diretamente ligado com a gravidade dos sintomas, é um exame inicial, padrão ouro para o diagnóstico da alteração da mucosa, faz a caracterização dos fenótipos, muito importante para definir o prognóstico da doença e “tranquiliza” o paciente. Paciente com uma endoscopia normal, padrão vascular do esôfago bem visível, sem alterações inflamatórias na mucosa, essa é uma endoscopia normal que ocorre em cerca de 50% dos portadores de DRGE, por isso que uma endoscopia normal não exclui o diagnóstico de refluxo. Nessa endoscopia não conseguimos ver o padrão vascular com mucosa do esôfago opacificada, há erosões lineares ascendentes, portanto, o paciente possui uma forma erosiva da DRGE. Lucas Melo – Medicina Ufes T103 Além disso, é importante a realização da endoscopia para o diagnóstico diferencial com outras doenças, como a esofagite eosinofílica, que tem uma prevalência cada vez maior no mundo moderno, há um infiltrado eosinofílico na mucosa do esôfago, com alterações da motilidade do esôfago, ocorre uma disfunção, e o paciente ainda pode apresentar pirose, o que vai confundir ainda mais com o refluxo. Após realizar a EDA, vamos classificar o fenótipo do paciente, a maioria apresenta o fenótipo não erosivo, uma menos parte apresenta a forma de esofagite erosiva e uma parte pequena apresenta a forma de esôfago de Barret. Outro exame utilizado para complementar o diagnóstico é a pHmetria associada ou não a impedanciometria, consiste em um cateter posicionado no esofago distal que possui um sensor de pH, qualquer trânsito de liquido ou gás é registrado, por isso avalia refluxo ácido e não-ácido líquido ou gasoso, e é uma boa indicação em resposta inadequada ao paciente com tratamento de IBP (inibidores de bomba de prótons). O grupo de pacientes com a DRGE não erosiva é bem heterogêneo, que possui sintomas típicos, mas ausência de lesões mucosas a endoscopia, por isso a pHmetria classifica eles em 3 grandes grupos: 1. DRGE não erosiva verdadeira: Isso ocorre com a pHmetria anormal com refluxo patológico em 46% dos pacientes. 2. Refluxo hipersensível: pHmetria normal, mas com índice de sintomas positivos, ou seja, um refluxo fisiológico com um limiar de sensibilidade mais baixo. 3. Pirose funcional: pHmetria normal com índice de sintomas negativos. - Tratamento: Existem 3 objetivos no tratamento da DRGE, aliviar os sintomas (melhorar a qualidade de vida), cicatrização (quando o paciente apresenta esofagite) e prevenir recorrência e complicações. Existem duas modalidades de tratamento, o não medicamentoso e o medicamentoso: Lucas Melo – Medicina Ufes T103 Tratamento não medicamentoso: Correções de hábitos alimentares e estilo de vida do paciente, orientar par a realização de uma dieta, evitar deitar após as refeições, refeições mais fracionadas e porcionadas, evitar alimentos que relaxem o EIE como chocolate e menta, evitar alimentos muito gordurosos que demoram o esvaziamento do estomago, elevação da cabeceira da cama (se o paciente possui sintomas noturnos) e perda de peso. Quanto maior o número de restrições, maior o comprometimento da qualidade de vida do paciente, a única medida com bom grau de evidencia de efetividade é a perda depeso ponderal, se formos muito rigorosos nessas adaptações, vai comprometer a qualidade de vida do paciente e reduzir a taxa de adesão ao tratamento. Tratamento medicamentoso: Os que são mais utilizados são os inibidores da bomba de prótons (IBP, grupo dos zol, omeprazol, pantoprazol, etc) são potentes anti secretores que diminuem a produção de ácido em 90%, elevam o pH > 4 por um período prolongado de 15 a 20 horas, cicatrização da esofagite > 90% (a cicatrização só é possível com o pH maior do que 4) e seguro para uso prolongado. Os IBP são pró-drogas que se ativam no meio ácido nos canalículos da célula parietal, possuem um alvo bem específico, são mais eficazes antes das refeições (30 a 60 minutos antes das refeições) e após jejum prolongado, efeito pleno começa após a 3ª dose (não tem um bom efeito imediato, existem outras medicações melhores), é importante evitar a associação concomitante com outros anti secretores e os efeitos colaterais estão relacionados com a hipergastrinemia, evolução para gastrite atrófica e hipocloridria prolongada. A administração é com uma dose plena/dia ou fracionar essa dose em duas, dando meia dose 2x/dia. O paciente que apresenta uma esofagite mais erosiva como C e D pode dobrar a dose, dando dose plena 2x/dia (pode usar quando o paciente apresenta manifestações atípicas e sintomas noturnos), geralmente o tratamento é feito por 8 semanas, se apresentar esofagite erosiva mais intensa o período tem que ser de 12 semanas para cicatrizar e a medicação deve ser ingerida 30 a 60 minutos antes das refeições. *Usar doses mais que dobradas não tem nenhum efeito terapêutico a mais, por isso não é recomendado. Também podem ser utilizados os bloqueadores H2, que bloqueiam os receptores H2 de histamina nas células parietais gástricas, inibindo, desse modo, uma das três vias de estímulo neuroendócrino à secreção ácida. A DRGE é uma doença crônico, portanto, o tratamento é crônico, é necessário fazer um tratamento de manutenção, que pode ser com mudança de hábitos depois do tratamento medicamentoso, mas quando o paciente precisa de fazer a manutenção com medicação, existem várias estratégias como manter a dose plena (casos de esofagites C e D e resposta insatisfatória de meia dose), manter meia dose (esofagites erosivas grau A e B e esofagites não erosivas) e o tratamento por demanda (após o ciclo de 8 a 12 semanas, fazer o tratamento quando houver recidiva dos sintomas). Outro tratamento é a cirurgia antirrefluxo ou fundoplicatura laparoscópica, mas comparando o tratamento medicamentoso com o cirúrgico, o efeito a longo prazo é equivalente. O melhor candidato para a cirurgia é o paciente que apresenta uma boa resposta para o tratamento clínico, como pacientes jovens que fazem uso de crônico de altas doses de IBP, mas podem ser pacientes com sintomas atípicos com refluxo comprovado de difícil controle, pacientes com regurgitação importante, intolerância ao IBP e desejo do paciente. *IBPs não tem um efeito bom sobre a regurgitação. Lucas Melo – Medicina Ufes T103 Esôfago de Barret É uma complicação da DRGE, ocorre me quase 2% da população geral, em 5% dos exames endoscópicos de qualquer indicação e de 10 a 15% nos pacientes com DRGE, é muito importante pois é o precursor conhecido do adenocarcinoma de esôfago, uma neoplasia que aumentou muito no mundo ocidental. A oncogênese ocorre pela seguinte ordem, o paciente tem um refluxo crônico, isso gera uma metaplasia, que evolui para uma displasia de baixo grau, que evolui para uma displasia de alto grau, e chega em um adenocarcinoma. Esse modelo é importante, pois podemos interferir em cada fase dessa para não chegar no adenocarcinoma. Os fatores de risco para o esôfago de Barret são: 1. Idade maior que 50 anos (6ª e 7ª década). 2. Sexo masculino. 3. Raça branca. 4. Refluxo crônico. 5. Obesidade. Quando o paciente apresenta vários desses riscos associados com o refluxo crônico é indicativo de Screening para afastar a possibilidade do esofago de barret. - Diagnóstico: O epitélio do esôfago é substituído pelo epitélio do tipo cilíndrico do intestino por conta de uma agressão continua na mucosa, esse epitélio metaplásico é identificado na endoscopia e é feita uma biópsia dirigida para a identificação e histologia desse epitélio, e a partir disso que é feito o diagnóstico do esôfago de Barret, ou seja, é um diagnóstico endoscópico e histológico. Histologia de um esofago normal comparada com a de um esofago com metaplasia intestinal. Esquema mostrando um esquema comparativo entre um epitélio normal e um epitélio metaplásico. Lucas Melo – Medicina Ufes T103 Paciente com esôfago de Barret do tipo longo (com mais de 3 cm de extensão do epitelio metaplásico), vemos o epitelio escamoso do esôfago e o epitelio do cilíndrico do intestino na cor de salmão. Pela sociedade americana, a presença de metaplasia intestinal incompleta é o diagnóstico de esofago de Barret. Pela sociedade britânica e japonesa a presença do epitelio metaplásico do tipo cárdia já é suficiente para o diagnóstico. *Quando há a presença de metaplasia intestinal o risco de câncer aumenta. Imagem endoscópica mostrando uma hérnia de hiato com projeção ascendente pequena de um epitélio metaplásico, não é esofago de Barret, só consideramos que é quando essa projeção é maior que 1 cm, portanto, pequenas projeções não devem ser biopsiadas. Paciente com um epitélio sugestivo metaplásico, mas com uma esofagite erosiva presente, nesse doente não deve ser feita a biópsia pois há muita esofagite em atividade e pode confundir o patologista com uma displasia de baixo grau, por isso é importante um exame de controle nos pacientes com esofagite erosiva após 8 a 12 semanas. Paciente com esofago de Barret e ulcerações, que a biopsia mostrou um adenocarcinoma. Tudo que a gente não quer é que o paciente chegue nesse estágio, com adenocarcinoma avançado do esôfago e o precursor dessa neoplasia é o esofago de Barret. Como faz o acompanhamento do paciente após o diagnóstico? O protocolo para o endoscopista é a biópsia dos 4 quadrantes a cada 1-2 cm, se essa biópsia mostra um epitélio sem displasia, devemos fazer o controlo com 3 a 5 anos, se mostra uma displasia de baixo grau, devemos fazer o controle de 6 a 12 meses (pode fazer uma ressecção cirúrgica se bem localizada), se mostra uma displasia de alto grau, devemos fazer um controle de 3 meses na ausência de erradicação terapêutica. O seguimento endoscópico deve ser associado ao IBP de forma contínua para o resto da vida, o que mostrou num trabalho que o uso de IBP reduz o risco de adenocarcinoma e displasia de alto grau em 50 a 71%. *Não há indicação de fazer AINE e estatinas como profilaxia para esôfago de Barret.
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