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A N E S T E S I A L O C A L Por Amanda Reis Viol 1 – INTRODUÇÃO A anestesia é um procedimento médico que evita que o paciente reconheça um estímulo doloroso, permitindo assim a realização de procedimentos e cirurgias de modo indolor ao paciente. Para produzir a anestesia, são utilizados medicamentos chamados anestésicos. Esses medicamentos podem ter ação geral, regional ou local e, dependendo do tipo de alívio da dor necessário, podem ser administrados por diferentes vias, como injeção, inalação, loção tópica, spray, colírio ou adesivo cutâneo. O bloqueio da sensação dolorosa pode acontecer de três maneiras diferentes: a) no cérebro, impossibilitando-o que reconheça a dor (ação geral); b) na medula espinhal, impedindo que o estímulo doloroso percorra do nervo periférico ao cérebro (ação regional); e c) no local específico onde há injúria, ao bloquear os receptores da dor na pele (ação local). A decisão de qual anestesia utilizar depende do objetivo do procedimento em si. Se o efeito esperado é apenas o cessar da dor, a anestesia local é o mais indicado. Entretanto, se for necessário que o paciente não mexa, tenha amnésia do procedimento ou que será realizado cortes em diferentes camadas e tecidos, o anestésico local já não é suficiente. 2 – DESENVOLVIMENTO (ANESTESIA LOCAL) 2.1 – MECANISMO DE AÇÃO A anestesia local é um método anestésico que tem como intuito bloquear reversivelmente as terminações nervosas de determinada região do corpo, mantendo o indivíduo em pleno estado de consciência. A metodologia bloqueia os receptores para dor localizados na pele e os nervos mais superficiais, impedindo o envio dos sinais dolorosos para o cérebro, possibilitando a anestesia como também a analgesia no pós-operatório imediato. 2.1.1 – CONDUÇÃO NERVOSA O processo de condução de fenômenos excitatórios através do nervo é resultado de fenômenos eletroquímicos. A condutibilidade se dá através de uma diferença de potencial da membrana, que tem seu interior mais negativo que o exterior, estabelecido principalmente pela bomba de sódio e potássio, transportando sódio para o meio extracelular e potássio para o meio intracelular. Os anestésicos locais impedem a geração e condução de impulsos nervosos ao interferir na permeabilidade da membrana ao sódio, bloqueando esses canais e impedindo a condução de estímulo na fibra nervosa. A gradação de bloqueio nervoso é afetada pelo diâmetro do nervo. Quanto maior o diâmetro da fibra nervosa, maiores as concentrações de fármaco para atingir um bloqueio eficiente. De um ponto de vista eletrofisiológico, os anestésicos locais bloqueiam a condução da transmissão neural diminuindo a taxa de despolarização em resposta à excitação, impedindo a obtenção do potencial limiar. Eles não alteram o potencial transmembrana de repouso e têm pouco efeito no potencial limiar. 2.2 – PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS 2.2.1 – ESTRUTURA QUÍMICA A estrutura molecular básica dos anestésicos locais mais utilizados atualmente é constituída de 3 partes: a) um componente hidrofóbico e lipofílico; b) uma região de ligação (cadeira intermediária), sendo geralmente um éster ou uma amida; e c) um componente hidrofílico, em geral uma amina terciária. A ligação entre a cadeia intermediária e o grupo aromático pode ser do tipo éster ou do tipo amida. Esse tipo de ligação permite uma das classificações dos anestésicos locais em aminoésteres e aminoamidas, com diferente biotransformação e potencial alergênico. Os AL são bases fracas, devido à presença da porção hidrofílica de amina terciária que atua como aceptora de prótons, que são pouco solúveis na água, mas muito nos lipídios. O anestésico local destinado a ser empregado na prática clínica é preparado na forma de sal (cloridrato) pela adição de ácido clorídrico, o que melhora a hidrossolubilidade, aumenta a estabilidade em meio aquoso e impede que a solução sofra precipitação antes de ser administrada. A atividade dos anestésicos locais é fortemente dependente do pH, aumentando em pH extracelular alcalino (i. e., quando a proporção de moléculas ionizadas é baixa) e reduzindo-se em pH ácido. Essa dependência do pH pode ser clinicamente importante, uma vez que o líquido extracelular dos tecidos inflamados é, muitas vezes, relativamente ácido e tais tecidos são, portanto, de algum modo resistentes aos anestésicos locais. O que determina um maior efeito do anestésico local é a sua lipossolubilidade, que proporciona uma maior entrada do fármaco pela membrana, que é rica em lipídeos, e uma maior quantidade da droga acessa os receptores. O grau de ligação proteica determina a atividade do AL e a forma livre é a que possui atividade farmacológica. O AL sofre metabolização por sua porção livre de ligação à proteína e liga-se, no plasma, principalmente à alfa-1-glicoproteína e à albumina. Assim, quanto maior a ligação proteica, maior a duração do AL. 2.2.2 – ABSORÇÃO A absorção dos AL pela circulação sistêmica depende do local da injeção, da dose total administrada, da associação ou não de vasoconstritor e das propriedades específicas da droga. Com exceção da cocaína e da ropivacaína, que, por dificultarem a recaptação de noradrenalina, apresentam vasoconstrição, os demais anestésicos locais produzem paralisia vasomotora, que leva ao aumento do fluxo sanguíneo na região injetada. Injeções múltiplas, vascularização intensa e presença ou não de tecido adiposo na região do bloqueio podem explicar as diferentes concentrações sanguíneas de uma mesma droga segundo a técnica empregada. 2.2.3 – DISTRIBUIÇÃO Quando os anestésicos locais são depositados ao redor de um nervo periférico, eles se propagam da superficie externa (manto) em direção ao centro (núcleo) do nervo ao longo do gradiente de concentração.' Como resultado, as fibras nervosas localizadas no manto de nervos mistos são bloqueadas primeiro. Essas f1bras do manto em geral são distribuídas para estruturas anatômicas proximais, enquanto estruturas distais são inervadas por fibras mais próximas do núcleo. Esta disposição anatômica explica o desenvolviment o inicial da anestesia proximal com envolvimento distal subsequente conforme o anestésico local se difunde para alcançar as fibras nervosas mais centrais do núcleo. 2.2.4 – BIOTRANSFORMAÇÃO A biotransformação dos anestésicos locais tipo éster é hidrolisada de forma rápida no plasma, possivelmente pela pseudocolinesterase plasmática, e possui tempo de meia-vida muito curto. O metabolismo dos AL que contêm grupamento amida ocorre principalmente no retículo endoplasmático liso hepático, com reações iniciais que envolvem N-desalquilação e hidrólise subsequente. Assim, deve-se evitar o uso extensivo de anestésicos locais amídicos em pacientes com grave lesão hepática. 2.2.5 – EXCREÇÃO Os rins são os órgãos excretores primários tanto para os anestésicos locais quanto para seus metabólitos. Uma percentagem da dose do anestésico local é excretada inalterada na urina. Essa percentagem varia de acordo com a substância. Apenas pequenas quantidades dos ésteres se apresentam na urina na forma original do composto, pois são quase totalmente hidrolisados no plasma. As amidas são geralmente encontradas na urina como o composto primário em uma maior percentagem do que os ésteres, principalmente em razão de seu processo de biotransformação mais complexo. 2.3 – APLICAÇÃO A anestesia local é o procedimento anestésico mais comum. Os anestésicos locais, ao contrário das anestesias geral e regional que devem ser administrados somente por anestesiologistas, podem ser aplicadas por médicos de diversas especialidades como também odontologistas. 2.3.1 – VASOCONSTRITORES A adição de um vasoconstritor (p. ex., I:200.000 ou 5 J.Lg/ml de epinefrina) em soluções de anestésicos locais utilizadaspara infiltração, bloqueio periférico e procedimentos anestésicos pendurais ou espinhais produz vasoconstrição local, que limita a absorção sistêmica do anestésico local e prolonga a duração da ação, embora tenha pouco efeito no início de ação da anestesia. A diminuição da absorção s istêmica de anestésicos locais aumenta a probabilidade de que a taxa de metabolismo irá se equiparar à taxa de absorção, diminuindo a possibilidade de toxicidade sistêmica. 2.4 –ADMINISTRAÇÃO As velocidades em que os anestésicos locais são absorvidos para a corrente sanguínea e alcançam seu nível sanguíneo máximo variam de acordo com a via de administração. Via Oral: com exceção da cocaína, os anestésicos locais são absorvidos pelo trato gastrointestinal após a administração oral de maneira insuficiente, quando o são em algum grau. Além disso, muitos anestésicos locais (especialmente a lidocaína) sofrem um significativo efeito da primeira passagem hepática após a administração oral. Via tópica: anestesia das mucosas com lidocaína, com efeito anestésico máximo dentro de 2 a 5 minutos e a anestesia dura cerca de 30 a 45 minutos. É uma anestesia superficial sem extensão para estruturas mais profundas. O uso de anestésicos nas mucosas tem o risco de reações tóxicas sistêmicas, pela rápida absorção na circulação. É utilizada para a realização de endoscopias digestivas, cirurgias oculares, etc. Anestesia por infiltração: anestesia que atua na pele e tegumentos. É importante a observação das doses clínicas seguras preconizadas para não haver risco de neuro e cardiotoxicidade. A velocidade de absorção dos anestésicos locais após a administração parenteral (subcutânea, intramuscular ou IV) está relacionada tanto com a vascularização do local da injeção quanto com a vasoatividade da substância. É utilizada em uma variedades de procedimentos, como biópsias, punções de veias profundas, suturas de pele, punção de derrame pleural, etc. Também é utilizada clinicamente no tratamento primário das arritmias ventriculares. Anestesia para bloqueio regional: o anestésico é injetado para atuar em um ponto distal ao local da aplicação, como no bloqueio axilar para cirurgia de mão. Anestesia para bloqueio nervoso: anestésico dentro ou nas proximidades do nervo. Bloqueio de plexo braquial, supraclavicular, interescalenico, nervo femoral, obturador, ileohipogástrico, ileoinguinal por exemplo. A anestesia local é utilizada também no tratamento da dor (analgesia), como dos casos de contraturas de músculos periféricos estriados, síndrome dolorosa complexa regional e dores resistente a AINES e opióides fortes. 2.5 – DISPONIBILIDADE Além da classificação em aminoésteres e aminoamidas, os anestésicos locais também podem ser agrupados de acordo com sua duração de efeito em agentes de: (a) curta duração, como procaína e cloroprocaína; (b) duração média, abrangendo lidocaína, prilocaína, mepivacaína e articaína; (c) longa duração, como bupivacaína, tetracaína, etidocaína e ropivacaína. Exemplos: Lidocaína (xilocaína, dalcaína, octocaína): permanece sendo o agente mais versátil e comumente utilizado, pelo rápido início de ação, moderadas duração e toxicidade e adequada atividade tópica. Garante importante bloqueio motor e sensorial e baixa toxicidade cardíaca. As ligações com os canais de sódios são feitas com uma maior velocidade, assim como a dissociação do fármaco com esses canais, dessa forma, a período de latência é menor. Além de ser usada no tratamento de arritmias cardíacas em urgência, também é utilizada como coadjuvante em anestesia geral por seu efeito supressor do reflexo da tosse, em analgesia pós-operatória e tratamento da dor crônica. Absorção pela pele intacta é usualmente lenta, e altas concentrações são necessárias (lidocaína a 40%). Em forma de gel penetra bem nas mucosas. A aplicação intraoral tópica pode ser usada para reduzir desconforto de injeção anestésica, prover alívio sintomático de dor relacionada a lesões superficiais de mucosa (como úlceras) ou tratar dor dentária depois de exodontia28. Para reparação de pequenas lacerações, lidocaína a 1% pode ser usada por infiltração intradérmica ou topicamente. Soluções puras em concentrações a 1% e 2% podem ser usadas em anestesia local infiltrativa, anestesia regional e em nervos periféricos, além de anestesia intravenosa regional (ou bloqueio de Bier). Bupivacaína (marcaína, sensorcaína, carbosterina): é um agente potente (concentrações de preparações comerciais 0,1-0,75%) de início lento, mas, apesar disso, é uma escolha popular devido à sua longa duração de ação. É empregado em procedimentos de maior duração ou quando se deseja analgesia pós- operatória mais prolongada. Produz maior bloqueio sensorial do que motor. Maior cardiotoxicidade, por retardar a condução dos impulsos cardíacos e pode levar a uma parada cardíaca irreversível. As ligações com os canais de sódio são rápidas, mas a dissociação é lenta, garantindo um efeito mais duradouro da anestesia. Ropivacaína: tem início e duração de ação semelhantes aos da bupivacaína, mas é menos potente, exigindo concentrações de até 1%. Em baixas concentrações, a ropivacaína parece ter um bloqueio sensorial/motor diferencial com um grau de economia motora, embora isso desapareça com as concentrações mais altas que são capazes de fornecer um bloqueio motor denso. Levobupivacaína: anestésico enantiomero da bupivacaina, apresenta menor toxicidade, mas com efeito similar a ropivacaína. Prilocaína: É anestésico local de tipo amida, de ação média. É recomendada especialmente para casos em que aminas simpaticomiméticas estão contraindicadas. Mepivacaína (carbocaína, polocaína, escandicaína, meaverina): tem início de ação rápido, semelhante ao da lidocaína, mas com maior duração devido à falta de atividade vasodilatadora. A toxicidade sistêmica é muito baixa. O registro de segurança confiável garantiu que a mepivacaína em concentrações de 0,5-2% é uma escolha popular para uma ampla gama de procedimentos anestésicos regionais, incluindo anestesia regional intravenosa. Etidocaína: possui estrutura semelhante à da lidocaína. Clinicamente, tem início de ação igualmente rápido, mas duração muito mais prolongada. Produz um bloqueio motor muito intenso, provavelmente devido à alta solubilidade lipídica. Previsivelmente, isso confere alta potência e concentrações de 0,25-1,5% são usadas. O bloqueio motor profundo evitou que a etidocaína ganhasse popularidade na analgesia obstétrica, onde a manutenção da deambulação é atualmente desejável. Articaína: ao contrário de outros anestésicos locais de amida, a articaína tem um anel tiofeno. Isso aumenta sua lipossolubilidade para um valor próximo ao da prilocaína e, não surpreendentemente, é usado em concentrações semelhantes (2- 4%). Tem um baixo pKa e estudos clínicos confirmaram um rápido início de ação. A ligação às proteínas é elevada e pode ser esperada uma duração prolongada. No entanto, ao contrário de outros anestésicos locais de amida, o metabolismo da articaína ocorre no plasma por colinesterases não específicas, bem como no fígado. Provocaína: foi o primeiro anestésico local sintético. Ë um agente fraco com um início relativamente lento e curta duração de ação, Foram utilizadas concentrações de 0,25% para infiltração, aumentando para 5% para anestesia peridural. 2-cloroprocaína (Nesacaína); a baixa potência da procaína levou ao desenvolvimento da 2-cloroprocaína. Esse agente era mais lipossolúvel, mais potente e, portanto, exigia concentrações mais baixas (2-3%). Clinicamente, tem início de ação rápido e duração de ação relativamente curta. Tetracaína (Ametocaína, Pontocaína): tem início de ação moderado e duração prolongada. No entanto, descobriu-se que é significativamente mais tóxico do que a procaína e, embora usado para raquianestesia em algumas áreas,na prática moderna seu uso é restrito à anestesia tópica para procedimentos oftálmicos, pastilhas de ametocaína para condições dolorosas da orofaringe e como Ametop (4%) para problemas tópicos anestesia da pele. Benzocaína (Americaína): é um derivado de procaína sem terminal amino. É muito pouco solúvel em água, por isso é usado topicamente onde é absorvido muito lentamente. É formulado em forma de gel ou pastilhas e é usado em odontologia ou para irritação das mucosas. 2.6 – TOXICIDADE Os anestésicos locais são drogas seguras, mas têm o potencial de causar danos graves se usados sem cautela. A magnitude do efeito dependerá da toxicidade do medicamento, da dose administrada, da velocidade e do local de administração, bem como do estado físico do paciente em termos de idade, condições médicas e gravidez. Os sintomas são geralmente excitatórios, possivelmente devido à inibição de neurônios inibitórios por meio de receptores GABA. Dentre os sinais clínicos de intoxicação estão a parestesia de lábios e língua, gosto metálico, zumbidos, diplopia, convulsões, depressão cardiovascular, inconsciência, coma e parada cardio respiratória. A toxicidade cardíaca se dá em doses maiores que as que causam efeito tóxico no sistema nervoso central(SNC), gerando diminuição da força contrátil e depressão da condução do estímulo no coração. Os canais rápidos de sódio são bloqueados, afetando a despolarização do miocárdio, diminuindo a velocidade de condução. REFERÊNCIAS 1. Amaral JLG, Geretto P, Tardelli MA, Machado FR, Yamashita AM. Anestesiologia e Medicina Intensiva. 1st ed. São Paulo: Manole; 2011. 2. American Society of Anesthesiologists. Local Anesthesia. Available from: https://www.asahq.org/madeforthismoment/anesthesia-101/types-of- anesthesia/local-anesthesia/. Acessed July 4th, 2021. 3. Manica, J. Anestesiologia: princípios e técnicas. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2004. 4. McLure HA, Rubin AP. Review of local anaesthetic agentes. Minerva Anesteosiol 2005; 71: 59-74. 5. Miller RD, Pardo Junior MC. Bases da Anestesia. 6th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012. 6. Ministério da Saúde. Formulário Terapêutico Nacional 2010: Rename 2010. 2nd ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. 7. National Institute of General Medical Sciences. Anesthesia. Available from: https://www.nigms.nih.gov/education/fact-sheets/Pages/anesthesia.aspx. Acessed July 4th, 2021. 8. Sgarabotto AR; Krebes JM; Pezzin LS; Hoyos JL; Aquino RB. Anestésicos locais e suas aplicações nas diferentes áreas da medicina. Acta med 2013; 34(5): 20130.
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