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Apostila Leitura e Produção de texto

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LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO
 
Créditos e Copyright	
OLIVEIRA, Maria Tereza Ginde de.
Leitura e produção de texto. Maria Tereza Ginde de Oliveira: Núcleo de Educação a Distância da UNIMES. Santos,2007. 144p. (Material didático. Curso de Licenciatura em Letras).
Modo de acesso: www.unimes.br 
1. Pedagogia 2. Língua Portuguesa  3.Leitura e Produção de Texto             
CDD 370
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO
 
CURSO: Licenciaturas / Bacharelados / Tecnológicos
COMPONENTE CURRICULAR: Leitura e Produção de Texto*
ANO/SEMESTRE: 1º
CARGA HORÁRIA TOTAL: 80h
(*) Disciplina que contempla transversalidade.
EMENTA: 
O texto como um espaço privilegiado de encontro de dois sujeitos: o autor e o leitor. Desenvolvimento de um instrumental teórico-analítico no que concerne à linguagem (à verbal em particular). A construção de sentido tanto na recepção quanto na produção de textos: tipos de texto, coerência, coesão. Revisão de tópicos essenciais para o adequado uso da língua materna. Relação entre textos que tratam de temas transversais, diversidade, direitos humanos e relações étnico-raciais.
 
OBJETIVO GERAL:
Refletir acerca da leitura e da produção de textos e refletir sobre a matéria prima dos textos. Reconhecer os diferentes tipos de textos; fazer uma leitura produtiva reconhecendo temas, objetivos, raciocínios e recursos neles trabalhados. Planejar, estruturar e redigir adequadamente.
 
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Unidade I: Leitura e Produção de Texto: pressupostos
Refletir acerca da leitura e da produção de textos; entender e reconhecer os principais fatores que garantem a unidade textual; compreender as circunstâncias da produção e da recepção de textos; reconhecer e analisar as relações intertextuais; conhecer os procedimentos mais comuns para uma “leitura significativa”; elaborar textos decorrentes dessas leituras. Ética, cidadania se presentificam nos textos e nas disciplinas do currículo, já que  o conhecimento não é neutro, nem impermeável a valores de todo tipo. Refletir sobre as diversas faces das condutas humanas deve fazer parte dos objetivos maiores da escola comprometida com a formação de uma sociedade mais justa, ética e que visa à cidadania.
 
Unidade II: O Trabalho com a Linguagem
Refletir acerca da matéria-prima dos textos: as palavras; entender a necessidade e os fatores de adequação da linguagem; identificar e utilizar, de forma adequada, os fatores que garantem a clareza, a concisão e a objetividade da linguagem, evitando ambiguidades e prolixidade; identificar e analisar as informações explícitas e implícitas. Refletir sobre as influências que emergem nos textos e nos discursos: as diferentes culturas, povos, formações, diversidade que os atravessam.
Unidade III: Tipologia e Estrutura Textual
Reconhecer os diferentes tipos de textos; fazer uma leitura produtiva reconhecendo temas, objetivos, raciocínios e recursos neles trabalhados; utilizar adequadamente os diferentes tipos de textos e seus recursos; planejar, estruturar e redigir adequadamente, em especial os textos dissertativos, utilizando os recursos próprios das modalidades.
 
Unidade IV: Macro e Microestrutura Textuais
(Re)conhecer e utilizar adequadamente os recursos linguísticos que garantem a coesão referencial e sequencial dos textos; (re)conhecer a coerência (interna e externa) e os fatores que a garantem, nos diferentes tipos de texto; elaborar textos coerentes e coesos.
 
CONTEÚDO  PROGRAMÁTICO:
Unidade I: Leitura e Produção de Texto: pressupostos
A noção de texto
O texto e sua unidade
O texto e seu caráter histórico- relações sociais, éticas e culturais no processo de produção.
Intertextualidade
 
Unidade II: O Trabalho com a Linguagem
Linguagem: níveis e adequação
Clareza, concisão e objetividade
Ambiguidade: defeito ou recurso expressivo?
Informações explícitas e implícitas
 
Unidade III: Tipologia e Estrutura Textual
Narração
Descrição
Dissertação
Argumentação
 
Unidade IV: Macro e Microestrutura Textuais
Coesão referencial e sequencial
Coerência interna e externa
 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA:
GOLD, Miriam. Redação empresarial. 4ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009. (Pearson-19-02-19)
MARQUESI, Sueli e outros. Linguística Textual e Ensino. São Paulo: Contexto,2017. (Pearson-19-02-19)
SAVIOLI, Francisco Platão; FIORIN, José Luiz. Para entender o texto: leitura e redação. 17ed. São Paulo: Ática, 2007. (Pearson-19-02-19)
  
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
CAVALCANTE, Mônica M. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2012. (Pearson-19-02-19)
GOLDSTEIN, Norma S.; LOUZADA, Maria S.; IVAMOTO, Regina. O texto sem mistério: leitura e escrita na universidade. São Paulo: Ática, 2009. (Pearson-19-02-19)
KOCK, Ingedore V.; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2010. (Pearson-19-02-19)
SAVIOLI, Francisco P.;  FIORIN, José Luiz. Lições de Texto-leitura e redação. São Paulo,Ática, 2006. (Pearson-19-02-19)
SILVA, Laine de Andrade e. Redação: qualidade na comunicação escrita. Curitiba: Intersaberes, 2012. (Pearson-19-02-19)
 
METODOLOGIA:
A disciplina está dividida em unidades temáticas que serão desenvolvidas por meio de recursos didáticos, como: material em formato de texto, vídeo aulas, fóruns e atividades individuais. O trabalho educativo se dará por sugestão de leitura de textos, indicação de pensadores, de sites, de atividades diversificadas, reflexivas, envolvendo o universo da relação dos estudantes, do professor e do processo ensino/aprendizagem.
 
AVALIAÇÃO:
A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações a distância e Prova Presencial, de acordo com a Portaria de Avaliação vigente.
Sumário
Aula 01_Leitura	9
Aula 02_Produção de texto	13
Aula 03_A noção de texto: o texto e sua unidade	16
Aula 04_A noção de texto: o texto e seu caráter histórico	20
Aula 05_As relações intertextuais	22
Aula 06_A leitura e a produção de texto no curso universitário	26
Aula 07_Um resumo por esquema	31
Resumo - Unidade I	35
Aula 08_Dicionário, “o pai dos inteligentes”	37
Aula 09_As palavras e suas famílias	42
Aula 10_ As palavras e seus sentidos	47
Aula 11_ As palavras e seus níveis	50
Aula 12_Linguagem: níveis e adequação	52
Aula 13_Preconceito linguístico	56
Aula 14_Linguagem: clareza, concisão e objetividade	65
Aula 15_ Ambiguidade: defeito ou recurso expressivo?	72
Aula 16_ Informações explícitas e implícitas	76
Aula 17_" A política como deve ser”	82
Resumo - Unidade II	86
Aula 18_Tipos de texto	90
Aula 19_ A narração e a narratividade	95
Aula 20_A descrição e a descritividade	98
Aula 21_ A dissertação	101
Aula 22_O texto dissertativo: exposição e argumentação	104
Aula 23_ Recursos argumentativos	107
Aula 24_O texto dissertativo e sua macroestrutura	113
Aula 25_O planejamento do texto dissertativo	115
Aula 26_ Leitura de textos dissertativos	118
Aula 27_Da leitura à redação	126
Resumo - Unidade III	131
Aula 28_Coesão textual: a referência	134
Aula 29_Coesão textual: a sequência	140
Aula 30_O paralelismo de construção	144
Aula 31_Coerência textual	147
Aula 32_Coerência narrativa	152
Resumo - Unidade IV	156
Núcleo de Educação a Distância
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
Aula 01_Leitura
 
Quando o assunto é “leitura”, o que lhe vem à mente? Provavelmente, uma porção de livros, uma profusão de papéis (ou – por que não? – uma tela de computador) lotados de palavras, e você pode imaginar que a leitura seja, então, a simples – ou árdua? – decifração dos signos linguísticos. No entanto, quero aqui registrar uma visão mais ampla de leitura, sugerida por Alberto Manguel na passagem abaixo transcrita:
Ler as letras de uma página é apenas um de seus (da leitura) muitos disfarces. O astrônomolendo um mapa de estrelas que não existem mais; o arquiteto japonês lendo a terra sobre a qual será erguida uma casa, de modo a protegê-la das forças malignas; o zoólogo lendo os rastros de animais na floresta; o jogador lendo os gestos do parceiro antes de jogar a carta vencedora; a dançarina lendo as notações do coreógrafo e o público lendo os movimentos da dançarina no palco; o tecelão lendo o desenho intrincado de um tapete sendo tecido; o organista lendo várias linhas musicais simultâneas orquestradas na página; os pais lendo no rosto do bebê sinais de alegria, medo ou admiração; o adivinho chinês lendo as marcas antigas na carapaça de uma tartaruga; o amante lendo cegamente o corpo amado à noite, sob os lençóis; o psiquiatra ajudando os pacientes a ler seus sonhos perturbadores; o pescador havaiano lendo as correntes do oceano ao mergulhar a mão na água; o agricultor lendo o tempo no céu – todos eles compartilham com os leitores de livros a arte de decifrar e traduzir signos. [1]
            “... a arte de decifrar e traduzir signos”. É desse ponto que gostaria de partir para que possamos, juntos, refletir um pouco acerca de leitura e de produção de textos – na verdade (e ao final), da noção de texto. Se, como diz Manguel, conseguimos ler os rastros de animais, o casco das tartarugas, o olhar do parceiro, o corpo do ser amado, é porque vivemos em um mundo repleto de textos que podem – e esperam – ser lidos: não só decifração, mas sobretudo tradução.
Paulo Freire, em conferência proferida no 3º Congresso de Leitura (Campinas, 1981) [2], contou que, ao preparar sua fala, foi se distanciando no tempo, voltando à infância, retomando os “diferentes momentos em que o ato de ler se veio colocando” em sua vida: ”Primeiramente, a leitura do mundo, do pequeno mundo em que me envolvia. /.../ Retomo a infância distante, buscando a compreensão do meu ato de ler, em um mundo particular em que me movia e que, até onde não sou traído pela memória, me é absolutamente significativo”. E continuou, enumerando os “textos” que ia lendo: a casa em que nasceu, o quintal, as árvores, os pássaros, a chuva, o vento – e o seu medo –, para mostrar que “o primeiro ato de leitura do mundo, é a leitura do real, é a leitura do concreto, para depois ser, ou começar a ser, a leitura da palavra”[3].
Portanto, antes mesmo de lermos as palavras, já praticamos atos de leitura, pois conseguimos atribuir significados a outros “textos” que não os verbais. É a conhecida e tão citada constatação enunciada por Paulo Freire nessa palestra em Campinas: “a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica na continuidade da leitura daquele”[4].
Ora, quando aprendemos a ler e a escrever, não ficamos restritos ao mundo das palavras: o mundo “real”, “concreto” não deixa de existir, e continuamos tentando entendê-lo. Mas, agora, nós mudamos, pois conseguimos decifrar um outro signo: o signo linguístico. Com isso, passamos a ter acesso a outras leituras do mundo, feitas por outros leitores e por eles registradas em textos verbais. Ao lermos, não só deciframos o signo linguístico, mas também atribuímos a ele significados, incorporamos novas informações, ideias, valores e, portanto, podemos ir refazendo, incessantemente, nossa leitura do mundo. E Paulo Freire vai mais longe (não podemos esquecer, aqui, que o conferencista falava para uma plateia de professores): “a leitura do mundo é a maneira de transformá-lo através de nossa prática consciente”[5].
 
No cotidiano de cada um de nós, essa prática é extremamente variada:
· o bolo feito a partir da leitura da receita;
· a montagem da estante depois da leitura do manual;
· a decisão de seguir viagem por tal estrada após a consulta ao mapa;
· a diminuição da velocidade do carro mediante placa indicativa de área escolar;
· a adesão a uma luta sindical;
· a assinatura de um abaixo-assinado;
· a opção por votar em determinado candidato;
· a elaboração de um relatório de estágio;
· a compra de um livro após a leitura de uma resenha publicada no jornal;
· a resposta dada no prova de Psicologia;
· a conversa com os amigos na saída do cinema ou do teatro;
· a carta de protesto contra a posição adotada no editorial de um jornal;
· a redação da dissertação do Trabalho de Conclusão do curso de Pedagogia.
 
Nessas e em inumeráveis outras situações, está implícita a leitura: “... a arte de decifrar e traduzir signos”, segundo Manguel, ou, como quer Paulo Freire, a leitura da “palavramundo”. Daí o porquê de serem plurais, diferentes, e até divergentes, as leituras que fazemos dos textos.
Para que fique clara essa ideia, pense, agora, em um texto qualquer, um conto, por exemplo: alguém, criado num determinado lugar, com certos valores individuais e/ou culturais, pertencente a uma determinada classe social, com alguns objetivos e expectativas, produz um texto que, ao longo do tempo, é lido por vários leitores, criados em lugares e com valores culturais diferentes dos do autor, de determinadas classes sociais e econômicas, cada qual com objetivos e expectativas às vezes até opostos. Diante disso, podemos aventar a hipótese de que, na verdade, a cada leitura, esse texto, embora seja linguisticamente “decifrado” da mesma forma, vai sendo “traduzido” de modos diferentes, a partir das visões de mundo de seus leitores (ou de seus grupos de leitores).
Visto sob esse ângulo, o texto é um lugar de encontro. Sim, um lugar de encontro entre um autor – com suas circunstâncias socioeconômicas, culturais, emocionais, com seu estilo, sua história de leituras etc. – e um leitor, também com todas essas circunstâncias e características, diferentes ou semelhantes, mas nunca totalmente iguais. Dessa forma, o texto se multiplica em muitos outros textos (as suas várias “traduções”), e a leitura passa a ser um diálogo entre sujeitos social, econômica, cultural e emocionalmente singulares, que participam, nesse momento, de uma troca. [6]
Nesta altura, você deve estar se perguntando a que conceito de texto estamos nos referindo e querendo chegar.  Isso é o que veremos nas próximas aulas.
 
[1]  Alberto Manguel. Uma história da leitura. SP: Companhia das Letras, 1997, p. 19.
[2] A íntegra dessa conferência, intitulada A importância do ato de ler, vem transcrita no livro Leituras do Brasil: antologia comemorativa do 10º COLE. (org. Márcia Abreu) Campinas: Mercado das Letras, 1995, p.29-46. Antes desse registro, havia sido publicada sob forma de artigo em A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Ed. Autores Associados e Cortez Editora, 1982.
[3] Leituras do Brasil: antologia comemorativa do 10º COLE. (org. Márcia Abreu) Campinas: Mercado das Letras, 1995, p. 36.
[4] Ibidem, p. 44.
[5] Ibidem, p. 44.
[6] Há um famoso poema de João Cabral de Melo Neto, intitulado Tecendo a manhã, que tem sido visto como uma metáfora dessa inter-relação entre o escritor (galo) e seus leitores (galos), que culminaria em um texto (manhã) prenhe de significado (luz balão). 
Aula 02_Produção de texto
 
Produção de texto não é uma atividade exclusiva dos “profissionais da escrita” (escritores, jornalistas, publicitários, professores, estudantes) – ela faz parte do cotidiano de todos aqueles que aprenderam a “ler e escrever”.  Em situações informais ou formais, precisamos sempre redigir algum texto: um bilhete, um abaixo-assinado, uma carta, um trabalho escolar, a ata de uma reunião, a lista de compras do supermercado.
Na vida acadêmica, como já lembrei na apresentação deste curso, a todo momento você será chamado a produzir um texto – e esse texto, muitas vezes, será lido por alguém. Por isso, é necessário estar sempre preparado para desenvolver esse tipo de atividade com desenvoltura. 
Gosto de dizer aos meus alunos que escrever é como andar de bicicleta. Quando somos pequenos, alguém nos diz o que devemos fazer para andar de bicicleta: como nos equilibrar, como olhar para a frente e para os lados, como brecar, como desviar – enfim, apresentam-nos a “teoria”. Mas nós só aprendemos mesmo quando montamosna bicicleta e, persistentemente, conseguimos fazer, ao mesmo tempo, tudo aquilo que nos foi ensinado.  Depois de alguns sustos e tombos, podemos dizer que sabemos andar de bicicleta. E nunca esquecemos como fazer isso! Mas se ficarmos muito tempo sem andar de bicicleta, quando formos fazê-lo novamente, demoramos um pouco para “pegar o jeito”.
Na minha prática como professora de Redação, tenho percebido que o mesmo acontece com o ato de escrever. Procuro orientar meus alunos quanto ao desenvolvimento do tema e do tipo de texto pedido, mostro-lhes a necessidade da clareza e da objetividade na apresentação das ideias, ensino-os a organizar as frases e a usar os elementos de ligação, recordo com eles, quando necessário, as “regras gramaticais” – em suma, apresento-lhes a “teoria”.  Mas, obviamente, eles só produzem textos realmente quando “põem a mão na massa”, isto é, quando escrevem, quando conseguem fazer, ao mesmo tempo, tudo aquilo que lhes foi ensinado. É como andar de bicicleta: mais competentes ficam quanto mais escrevem; mais dificuldades aparecem quanto maior é o tempo que ficam sem escrever!
Portanto, produzir textos é uma atividade que se aprende, que se desenvolve, não é um “dom” que só alguns “iniciados” possuem, nem uma “inspiração” soprada por uma musa benevolente. Exige empenho, trabalho, preparação, concentração, pois muitas são as habilidades que acionamos, muitos são os conhecimentos que precisamos articular no momento da escritura, tudo ao mesmo tempo, para que um texto seja bem sucedido.
 Muitos estudantes ficam frustrados com professores de redação que não dão “dicas”. Na verdade, não é disso que precisamos se quisermos redigir bem.
Escrever bem é o resultado de um percurso constituído de muita prática, muita reflexão e de muita leitura. É uma ação em que o sujeito se envolve de forma total, com sua bagagem de conhecimentos e experiências sobre o mundo e sobre a linguagem. [1]
 Dessa forma, a leitura atenta de bons textos aliada a uma postura reflexiva e crítica diante deles e da realidade que nos cerca são muito importantes para a produção de textos competentes. Quanto mais variada for a leitura, mais nos aproximamos dos vários ramos do saber, das várias áreas de conhecimento e podemos, então, ir aumentando nosso repertório, fator fundamental para a produção textual: só é possível escrever se tivermos “o que” dizer. 
Redigir é, também, fazer escolhas pessoais dentro das possibilidades que a língua e o tipo de texto a ser produzido nos oferecem. A prática da leitura faz com que nos defrontemos com os mais variados recursos linguísticos utilizados por autores de diferentes áreas, tendências e estilos, o que significa a ampliação do nosso conhecimento linguístico, ou seja, de nossas possibilidades de escolha.
Diante disso, “dicas” isoladas não são nada produtivas, já que o trabalho é muito mais árduo: o estudante deve agenciar todas essas habilidades ao desenvolver uma redação. Então, o que faz com que alguém progrida na produção de textos, elabore-os a cada dia com mais facilidade, clareza e coerência, é mesmo a prática intensa: escrever muito e sempre, sobre os mais variados temas, com diferentes objetivos. Somente depois disso as “dicas” farão algum sentido, pois estarão objetivamente dirigidas para as dificuldades que a prática apontou.
Outro aspecto fundamental que não posso deixar de abordar aqui é o do texto como uma forma de autoconhecimento. Tratando do mesmo tema, discutindo a mesma questão, cada um de nós tem um ponto de vista, defende determinada tese. Embora, muitas vezes, essas visões sejam coincidentes, elas não são expressas da mesma forma, nem têm as mesmas nuances. Assim, mesmo a serviço do mesmo ponto de vista, cada texto revela a organização do pensamento do redator, seu universo interior, suas escolhas linguísticas: o ato de escrever nos revela a nós mesmos. Quando produzimos um texto, além de mostrarmos o que sabemos e o que pensamos sobre o tema, acabamos por mostrar a nós mesmos (e o nosso leitor nem suspeita, em geral, dessa nossa “descoberta”) o que somos, como pensamos, em que acreditamos. 
O pensador e escritor francês Roland Barthes disse, certa vez, que “os temas do mundo são pouco numerosos, mas os arranjos são infinitos”.
Espero que estas reflexões tenham ajudado você a entender a importância do ato de escrever: conhecimento e autoconhecimento. Para que seus textos não sejam simples “redações escolares”, procure registrar, sempre que possível, em um “caderno de anotações”, a sua produção textual – assim, um dia, você poderá rever a sua trajetória.
[1] Técnica de Redação: o que é preciso saber para bem escrever. S.P.: Martins Fontes, 2001, p.6. 
Aula 03_A noção de texto: o texto e sua unidade
 
Muitos são os estudiosos que já se debruçaram sobre esse tema, variadas são as teorias já elaboradas sobre ele. Mas como encerrei nossa primeira aula tratando do texto como um lugar, um espaço de encontro entre um autor e um leitor, começo por visualizá-lo materialmente. Codificado por meio de palavras ou por signos não verbais (o traço, as cores, as notas musicais, as imagens fotográficas ou cinematográficas etc.), o texto tem uma delimitação física: o branco do papel nas margens, antes do início e depois do fim do texto verbal; a moldura que restringe nosso campo de visão ao observarmos uma pintura; o silêncio que antecede e encerra a fala do conferencista ou a performance de uma orquestra; os limites do palco onde se desenrola uma peça teatral.
Observando esse suporte físico, percebo, em seguida, que o texto é formado por partes que estão articuladas de um modo lógico, compondo um todo único, ou seja, uma unidade a que atribuímos algum sentido.
Às vezes, analisamos um texto em linguagem não verbal e percebemos que ele é composto de planos, e que, se tentarmos fazer um recorte nele, teremos ideias diferentes das que tivemos considerando a sua totalidade.
Em Jacarta, Sebastião Salgado fotografou, certa vez, um homem agachado, tratando de uma horta plantada numa pequena área poluída que parece ser a margem de um rio canalizado. Ao fundo, aparecem edifícios modernos. Se fizermos um corte horizontal nessa foto e separarmos as duas partes (superior e inferior), podemos ver, isoladamente, duas “cenas” distintas, dois espaços diferentes: um espaço urbano e um espaço rural. No entanto, eles fazem parte da mesma fotografia, isto é, são o registro de um mesmo espaço. O contexto em que se inserem só é percebido natotalidade da fotografia: o contraste entre a minoria rica (representada por arranha-céus de Jacarta) e a maioria pobre (representada pela plantação de alimento em pequenas áreas poluídas). O flagrante do fotógrafo brasileiro, ao mesmo tempo em que registra a realidade, faz o leitor refletir acerca das desigualdades entre os homens ao redor do mundo.[1]
Vamos ler, agora, um pequeno texto em linguagem verbal:
A crise na agricultura brasileira será discutida pelos ministros porque hoje está muito calor em Brasília. Juscelino, que não viu nem viveu crise econômica alguma, morreu a fim de enviar um telegrama a suas filhas que, por sinal, moravam em Paris, onde se estuda muito. Porém, o mundo ficou chocado, já que o bailarino tropeçou e o avião caiu assim mesmo. Em suma, toda crise é salutar.
Nós “lemos” esse texto, conseguimos decifrar os signos e suas relações gramaticais (todas as palavras que o compõem existem, as concordâncias verbais e nominais estão corretas, assim como as construções das frases), mas não foi possível atribuir nenhum significado a ele, pois não há nenhuma relação lógica entre as ideias.
Vamos analisá-lo para podermos entender a importância do uso correto das palavras e expressões que estabelecem relações entre as ideias.
Comecemos pelo conector porque, o qual introduz uma causa ou uma explicação: não percebemos qual a relação entre a discussão sobre a crise na agricultura e as condições meteorológicas de Brasília.
Em seguida, depara-nos com a fim de, que introduz uma ideia de finalidade: no trecho, não aceitamos que Juscelino tenhamorrido com a finalidade de enviar um telegrama para suas filhas!
Quando lemos o período iniciado pelo conector porém, que indica contradição, não vemos nenhuma oposição entre as duas ideias (qual é a oposição entre o fato de o presidente enviar um telegrama para suas filhas ou de elas morarem em Paris e o de o mundo ficar chocado seja lá com o que for?).
Logo depois, aparece o conector já que, indicando que, em seguida, encontraremos a causa do que foi dito anteriormente, mas não podemos aceitar que o mundo tenha entrado em um estado de choque por causa do tropeção do bailarino e da queda do avião. Esta, aliás, não era prevista, conforme indica a expressão assim mesmo.
No último período do texto, encontramos a expressão em suma, mostrando que, a seguir, encontraremos uma síntese ou uma conclusão das ideias ou fatos anteriormente apresentados. No trecho, entretanto, não se percebe como foi possível concluir pelo caráter salutar de uma crise.
Feita essa análise, podemos perceber que o trecho acima transcrito e analisado não é um texto, pois a cada segmento encontramos ideias ou fatos diferentes que não estão relacionados entre si. Com isso, não conseguimos atribuir um sentido ao trecho como um todo: na verdade, não podemos afirmar que se trata de um texto.
Deduzimos, portanto, que um texto é qualquer escrito cujas diferentes partes estão logicamente interligadas. Sua característica fundamental é, então, a unidade: o significado de uma parte não é autônomo, pois depende das outras com que se relaciona. Além disso, o significado do texto como um todo não se resume a uma simples soma de suas partes, mas é o resultado de determinada combinação dessas partes.
Leia agora, o que dizem os professores Francisco Platão Savioli e José Luiz Fiorin acerca dessa característica básica do texto:
Um texto é, pois, um todo organizado de sentido. Dizer que ele é um todo organizado de sentido implica afirmar que o texto é um conjunto formado de partes solidárias, ou seja, que o sentido de uma depende das outras. [2]
Com o que apresentei até aqui, você deve ter percebido que um dos aspectos  responsáveis pela unidade textual é acoerência: um texto é coerente quando trata, do começo ao fim, do mesmo assunto.
O assunto é aquilo a que o texto se refere, aquilo de que trata de modo mais geral, mais abrangente. No entanto, qualquer assunto pode ser enfocado sob vários ângulos. Ao escolhermos o enfoque que daremos ao assunto, estamos delimitando-o, estamos escolhendo nosso tema. Assim, a manutenção do assunto e do tema, desde o início até o fim de um texto, garantirá sua unidade.
A esses conceitos, voltaremos em uma próxima aula.
 
 
[1] Disponível em http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado/e1/e_africa_fs.html.
[2] José Luiz Fiorin e Francisco Platão Savioli. Lições de texto: leitura e redação. S. Paulo: Ed. Ática, 1996, p.16.
Aula 04_A noção de texto: o texto e seu caráter histórico
Outra característica importante do texto é o seu caráter histórico, ou seja, o fato de ele ter sido produzido por um indivíduo que pertence a determinado grupo social, vivendo num certo tempo e num dado espaço. O caráter histórico do texto deve ser entendido como o reflexo das visões de mundo, das circunstâncias econômicas, sociais e políticas, dos ideais compartilhados pelos indivíduos de determinado grupo, numa determinada época.
Exemplificarei esse aspecto com as matérias de capa das edições da semana de 27 de agosto a 1º de setembro de 2006 das três principais revistas semanais brasileiras: ÉPOCA, ISTOÉ e VEJA. Os títulos são, respectivamente:Por que elas querem ser tão magras?, O corpo da mulher está mudando e Açúcar: novas razões para ter medo dele.
Não se trata de pura coincidência: a valorização do corpo é, sem dúvida, uma característica da contemporaneidade. Quando essas três revistas, na mesma semana, trazem tal tema como matéria de capa, elas testemunham a visão de mundo, os ideais de um grupo social em determinado momento histórico. 
Atentar para o contexto histórico da produção de um texto não é só tomá-lo como fonte de informação. Às vezes acontece o contrário – nós precisamos de algumas informações para entendê-lo plenamente. Transcrevo abaixo a carta de um leitor do jornal O Estado de S. Paulo (omiti o “título” que foi dado à carta e o nome do remetente – no lugar deste, usei somente as iniciais). Leia-a e observe que ela só terá sentido para nós se conhecermos os fatos que a motivaram: as justificativas dadas por alguns artistas que haviam manifestado, na semana anterior, seu apoio à reeleição do presidente Lula.
Certos artistas endossaram, em alto e bom som, o que o governo vinha afirmando veladamente: que os fins justificam os meios, quanto aos seus métodos utilizados para governar o País. Será que os referidos artistas e o governo conseguiriam explicar à população quais seriam estes fins? S.P.[1]  
Percebe-se, nessa carta, que existem duas visões diferentes com relação à ideia de que “os fins justificam os meios”. Da mesma forma que os artistas apoiaram o ponto de vista de um candidato, há pessoas que o refutam veementemente. Chamo sua atenção para isso a fim de lembrar que, obviamente, sobre o mesmo fato, sobre o mesmo tema, existem posições diferentes e até opostas, ainda que dentro de uma mesma sociedade, pois ela é composta de grupos que têm pontos de vista e interesses divergentes.
Não há dúvida de que existem preocupações e ideias que são características de uma época, de uma sociedade, e que se tornam concepções dominantes – é só retornarmos às capas das três revistas. Procurar entender essas concepções garante uma leitura adequada dos textos produzidos por uma sociedade numa determinada época.
Ora, essas concepções, essas ideias estão registradas nos textos, sejam eles em linguagem verbal ou não verbal. Portanto, como dizem Platão e Fiorin, “analisar a relação do texto com sua época é estudar as relações de um texto com outros”.[2] (Grifos meus)
Essas relações serão oportunamente tratadas em outras aulas (as que tratam de intertextualidade).
 
 
 
[1] O Estado de S.Paulo. 1º/9/2006, p.A2.
[2] Op. cit. p. 18.
Aula 05_As relações intertextuais
 
Vimos, nas aulas anteriores, que a leitura e a compreensão de textos não se restringem ao conhecimento do vocabulário e das estruturas frasais de nossa língua materna – são vários os fatores de que elas dependem.
Dentre esses fatores, podemos distinguir a correlação existente entre o texto que estamos lendo e outros anteriormente produzidos, sejam eles em linguagem verbal ou não verbal. Quando lemos ou ouvimos alguém dizer, por exemplo, que determinada pessoa está “deitada eternamente em berço esplêndido”, percebemos que há, na frase, uma referência a um outro texto, que conseguimos facilmente identificar: o Hino Nacional Brasileiro. Isso significa que, para entender alguns textos e suas intenções, é necessário um pré-requisito: conhecer outros textos e identificá-los em outros contextos. Pode-se dizer que um “pega carona” com o outro, de modo que seu significado e/ou sua intenção dependem do conhecimento que temos daquele a que se refere.
Portanto, muitas são as “vozes” registradas em um texto, além da do próprio autor, e muitos, também, os modos de um texto referir-se a outro. Nos textos em linguagem verbal, o mais óbvio é a transcrição fiel do texto alheio, em que o emissor declara de modo explícito o procedimento, por meio de aspas e, algumas vezes, da citação da fonte. É o caso, por exemplo, de textos jornalísticos informativos, em que os autores utilizam falas de autoridades ou de pessoas envolvidas no fato narrado para enriquecer, comprovar e ilustrar suas matérias. Isso acontece, ainda, em textos científicos, dissertações acadêmicas, artigos de opinião, em que a transcrição rigorosa de autoridades no assunto apresentado reforça a estratégia argumentativa do texto. E é o que vem acontecendo, também, nestas nossas aulas, nas quais, muitas vezes, recorro – e recorrerei – a outros autores para respaldar os conceitos que desejo passar para você, ou mesmo para exemplificá-los.A esse procedimento de recuperar um texto por meio de outro, tirando proveito dele, seja de seu conteúdo, seja de sua estrutura formal, dá-se o nome de intertextualidade ou relações intertextuais.
Em seu livro Pós-escrito  O nome da rosa, Umberto Eco descreve o processo de criação de seu romance, ambientado na Idade Média: relendo os cronistas medievais, o autor foi se apropriando do ritmo e do estilo deles para, ao narrar, fazê-lo “pela boca de um cronista da época”. Com isso, segundo ele, teria redescoberto “aquilo que os escritores sempre souberam (e tantas vezes disseram): os livros falam sempre de outros livros e toda história conta uma história já contada”.[1]
O procedimento de Umberto Eco não é, então, uma citação literal – nesse caso, ela pode ser identificada pela semelhança de estilo. É, também, o que vem acontecendo com as inúmeras e já famosas “retomadas“ da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias.
	Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias
	Minha terra tem macieiras da Califórnia
Onde cantam gaturamos de Veneza. 
Murilo Mendes
	Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Oswald de Andrade
	Minha terra tem palmeiras 
Onde canta o tico-tico 
Enquanto isso o sabiá 
Vive comendo o meu fubá
Cacaso
	Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
Ferreira Gullar
	Um sabiá 
na palmeira, longe
Carlos Drummond de Andrade
	Minha terra tem Palmeiras
Corinthians e outros times
Eduardo Alves da Costa
	Minha Dinda tem cascatas
Onde canta o curió. 
Não permita Deus que tenha 
De voltar pra Maceió.
Jô Soares
	Canção do Exílio
lá? 
ah!
sabiá... 
papá... 
maná... 
sofá... 
sinhá... 
cá? 
bah!
José Paulo Paes
	Minha terra tem palmeiras? 
Não. Minha terra tem engenhocas de rapadura, 
cachaça e açúcar (...) 
Tem cana caiana e cana crioula, 
cana pitu, cana rajada, cana-de-governo 
e muitas outras canas e garapas (...)
Carlos Drumond de Andrade
	Minha Dinda tem cascatas 
Onde canta o curió. 
Não permita Deus que tenha 
De voltar pra Maceió.
Jô Soares
	Minha terra tem palmeiras 
onde sopra o vento forte 
da fome com medo muito 
principalmente da morte
Gilberto Gil e Torquato Neto
	Minha terra não tem palmeiras... 
E em vez de um mero sabiá, 
Cantam aves invisíveis 
Nas palmeiras que não há.
Mario Quintana
	Vou voltar, sei que ainda 
Vou voltar para o meu lugar 
Foi lá e é ainda lá 
Que eu hei de ouvir cantar 
Uma sabiá, cantar uma sabiá
Tom Jobim e Chico Buarque
As relações intertextuais não são exclusivas da literatura nem dos textos em linguagem verbal, já que aparecem em várias áreas e esferas da produção humana.
A famosa Mona Lisa (1506), de Leonardo da Vinci, por exemplo, é uma das obras de arte mais parodiadas do mundo. São famosas as versões de Marcel Duchamp (1919), que “presenteou” a Mona Lisa com um bigode, e do pintor colombiano Fernando Botero (1978), que a fez muito gorda, como, aliás, a maioria de suas “personagens”. Até Maurício de Sousa tem uma Mônica-Mona Lisa!
Na área da publicidade, já nos acostumamos, também, com a presença da intertextualidade, inclusive com o aproveitamento de obras de arte famosas. Um dos casos mais conhecidos é justamente uma recriação da Mona Lisa: a propaganda do produto Mon Bijou em que Carlos Moreno foi fotografado com roupas semelhantes às da Mona Lisa, numa postura também semelhante à dela (inclusive a posição das mãos), contra um fundo idêntico ao do famoso quadro. Essa intertextualidade é reforçada pela frase, que vem na parte inferior da foto: “Mon Bijou deixa sua roupa uma perfeita obra-prima”.
O que você achou desta aula?  Na próxima, trataremos da leitura e da produção de texto no curso universitário.
 
 
[1] Umberto Eco. Pós-escrito a O nome da rosa. RJ: Nova Fronteira, 1993, p.14.
Aula 06_A leitura e a produção de texto no curso universitário
  
Como vimos em nossa primeira aula, a leitura é um processo que envolve decodificação de signos e atribuição de sentidos. Quando nos aproximamos de um texto, não vamos até ele “em estado puro”, pois já carregamos conosco outras experiências de leitura e de mundo. E ao nos afastarmos dele, após a leitura, também não somos mais os mesmos, já que adquirimos novas e variadas experiências (de informativas a simbólicas, por exemplo).
Os objetivos de nossas leituras variam muito: lemos por puro prazer, por “obrigação”, por necessidade. E, de acordo com o objetivo dessa atividade, será nosso procedimento de leitura. Considerarei, aqui, que o objetivo da leitura em um curso universitário é a aquisição de conhecimento, isto é, mesmo que se trate de uma leitura prazerosa, supõe-se que ela seja, acima de tudo, produtiva. Para isso, há alguns procedimentos recomendáveis, dos mais simples aos mais complexos, que listo abaixo:
  
· observação cuidadosa do material: capa, orelha, folha de rosto, ficha catalográfica, sumário ou índice, divisão (partes, capítulos, títulos, subtítulos), ilustrações, referências bibliográficas, presença de gráficos, de anexos e de glossários;
· consultas, se necessário, a dicionários ou a outras obras que esclareçam passagens ou termos específicos de difícil compreensão;
· releitura de trechos mais complexos ou mais importantes para o objetivo específico da leitura;
· reconhecimento de palavras-chave, ideias principais, exemplificações esclarecedoras, passagens mais importantes;
· relacionamento e integração do que foi reconhecido como importante para alcançar o objetivo da leitura;
· relacionamento do conhecimento recém-adquirido com o conhecimento anterior;
· elaboração (por meio das palavras-chave e das ideias principais) de esquemas, frases esquemáticas, paráfrases e/ou de resumos.
 
Após a leitura atenta de um texto, percebemos que há, nele, algumas palavras em torno das quais as outras se organizam para que ele tenha sentido e o leitor perceba as informações mais importantes que o autor quis registrar e transmitir.
A essas palavras, dá-se o nome de palavras-chave. Elas constituem o alicerce do texto e podem aparecer de formas diversas: repetidas, modificadas, retomadas por sinônimos.
 Depois de encontrá-las, é sempre produtivo tentar usá-las, seja em esquemas, em pequenas frases ou em resumos. Com isso, podemos perceber o nosso entendimento do que foi lido e a nossa capacidade de registrar e transmitir o conhecimento adquirido por meio da leitura. Esse procedimento traz outra vantagem: o enriquecimento de nosso vocabulário. E é bom lembrar que, na universidade, é necessário, realmente, sentirmo-nos à vontade com o vocabulário específico da área que estamos cursando.
O esquema é uma anotação de leitura feita por meio das palavras-chave, com o auxílio de flechas, chaves e outros sinais, usando-se, às vezes, cores variadas; enfim, cada leitor tem um modo muito particular de elaborar esquemas, tanto que, em geral, outras pessoas não conseguem decifrá-los. Eles são úteis, também, para anotações de aulas.
O resumo nada mais é do que um esquema estruturado em orações completas, com sujeito, verbo e complemento, isto é, essas orações devem ter sentido completo. É, portanto, uma síntese organizada, com o máximo de objetividade possível, a partir das ideias principais contidas no texto ou daquelas que mais nos interessam no momento. O resultado é um texto conciso e seletivo.
No resumo, muitas vezes chegamos a copiar expressões e pequenos trechos, anotando a página em que aparecem. Tais cuidados são necessários especialmente quando pretendemos fazer, mais tarde, algum trabalho escrito a partir dessa leitura – poderemos usar, então, trechos selecionados como uma citação que abone ou justifique algo que dissermos. Creio que nem preciso dizer da honestidade de registrarmos a fonte. Após a elaboração do resumo, o leitor pode – e deve – redigir, sinteticamente, suas impressões sobre o texto lido, a importância dele para futuros estudos.
Outro procedimento interessante é a elaboração de uma paráfrase do texto lido. Esse tipo de anotação consiste em registrarmos as principais ideias do texto de um modo mais simples, usando o nosso próprio vocabulário. A paráfrase é uma boa estratégianas seguintes situações: o texto é o primeiro contato com um assunto totalmente novo para nós; o texto lido é muito complexo; a linguagem do autor é prolixa. Como no resumo, podemos, ao final, redigir nossa avaliação do material.
Os procedimentos acima são muito comuns quando estudamos e devem fazer parte da rotina dos universitários. Mas há, ainda, outros tipos de texto que produzimos a partir de uma ou várias leituras. O principal e mais comum é a resenha crítica.
De certa forma, a resenha crítica pressupõe, assim como o resumo, uma etapa de anotações e de sínteses para que, em seguida, seu autor possa apresentar, como diz o professor Salvatore D`Onofrio: “considerações críticas sobre o trabalho científico ou artístico, analisando sua estrutura e sua importância, não fugindo da responsabilidade de apontar também defeitos graves, se for o caso”
Podemos perceber, por essas explicações, que a resenha requer um trabalho analíticocrítico mais apurado. Assim, uma resenha crítica costuma conter:
  
· referências bibliográficas (título, subtítulo, edição, editora, data, número de páginas);
· apresentação do(s) autor(es) (dados biográficos relevantes, formação, atividades);
· apresentação e discussão das principais ideias presentes na obra (tema, opiniões, teorias, conhecimentos prévios necessários, conclusões, metodologia utilizada);
· informações acerca da estrutura (partes, capítulos, tópicos);
· considerações sobre a linguagem (precisão, clareza, concisão, prolixidade, vocabulário);
· indicações sobre o público a que se destina.
  
Percebe-se, portanto, que esse tipo de trabalho prevê uma leitura atenta e minuciosa da obra a ser resenhada, a elaboração de um resumo que apresente realmente as ideias mais importantes do livro, sua abrangência, assim como os objetivos do autor, para que o leitor da resenha possa ter uma ideia clara do que pode encontrar nessa obra se resolver lê-la.
 Salvatore D`Onofrio. Metodologia do trabalho intelectual. 2ª ed. S.P.: Atlas, 2000, p.75.
Como trabalho acadêmico, a resenha é um exercício de compreensão e de crítica, servindo, ainda, para desenvolver a capacidade de expressão dos estudantes, já que ela, além de bem estruturada, segundo as normas do trabalho científico e acadêmico, deve ser bem redigida, evitando-se construções da oralidade e empregando-se um vocabulário adequado e preciso.
Como já disse anteriormente, os procedimentos e tipos de textos acima comentados fazem parte da rotina dos estudantes universitários. Há outros, entretanto, que são de maior fôlego, como as monografias apresentadas ao final de “cursos monográficos”, isto é, que fazem um recorte bastante específico dentro de determinada disciplina, e os trabalhos de conclusão de curso, para os quais converge todo o conhecimento adquirido ao longo de um bacharelado ou de uma licenciatura. No entanto, não irei comentá-los aqui, pois costumam ser tratados pormenorizadamente, e com muito mais propriedade pelos professores de Metodologia do Trabalho Científico (ou qualquer outro título que se dê à disciplina que trata deles).
 De qualquer forma, vale lembrar que, da leitura à redação, há todo um trabalho de reflexão e de trato com as palavras ao qual precisamos nos dedicar a fim de que possamos desenvolver, cada vez mais, nossas habilidades de leitura e de redação.  
Só mais um, e importante, lembrete: todos esses procedimentos revelam o que vimos na aula anterior: a intertextualidade está presente em vários tipos de texto, inclusive nos acadêmicos, dos mais simples aos mais trabalhados. Que você saiba fazer dela uma estratégia de enriquecimento!
 
Aula 07_Um resumo por esquema
   
Nesta aula, apresento a vocês um esquema que fiz quando estudei o primeiro capítulo de uma obra sobre produção de texto. Observe que não usei recursos como chaves, setas, e sim cores diferentes para destacar os tópicos. Como, para mim, o conceito de autoria é importante, registrei-o em negrito. Este esquema não deve ser visto como um “modelo”, mas como um exemplo.
  
Lucília Helena do Carmo Garcez. Técnica de Redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo, Martins Fontes, 2002, pp.1-10.
 
 Capítulo 1 – Os mitos que cercam o ato de escrever
1- Verdades e mentiras
 - produção de textos: crenças inadequadas:
a) Texto péssimo;
b) Não é possível melhorar.
  
- produção de textos: tarefa complexa:
a) Exige envolvimento pessoal;
b) Revela características do sujeito.
  
- produção de textos: mitos (mentiras): escrever é
a) Um dom;
b) Um ato espontâneo;
c) Resolvido com “dicas”;
d) Um ato desligado da leitura;
e) Algo desnecessário;
f) Um ato desvinculado das práticas sociais.
  
- produção de textos : verdades: escrever
a) é uma habilidade
- escrita: construção social, coletiva,
- familiaridade com a escrita é determinada por: modo como aprendemos a escrever, importância que damos ao texto escrito, nosso grupo social, intensidade do convívio do texto escrito.
- é preciso:
· compreender que todas as pessoas podem produzir bons textos,
· identificar bloqueios,
· tentar eliminar os bloqueios.
  
 b) é um ato que exige empenho e trabalho
-  escrever exige: memória; raciocínio; agilidade mental; conhecimento do assunto, do gênero, da situação, dos futuros leitores e da língua,
 - “escrever é incompatível com a preguiça.” (p.4)
  
 c) exige estudo sério
- “truques” tornam o texto defeituoso, truncado, artificial: fórmulas pré-fabricadas, “dicas” isoladas, clichês, chavões, frases feitas e pensamentos alheios,
-  autoria: escolhas pessoais, que vêm de muita prática, reflexão, leitura, envolvimento total do sujeito, conhecimentos e experiências sobre o mundo e sobre a linguagem,
-  é preciso: escrever sempre, todos os dias, com diversos objetivos, em diversas situações.
  
 d) articula-se com a prática da leitura
- leitura: assimilação das estruturas próprias da língua escrita; desenvolvimento das habilidades cognitivas, dos procedimentos intelectuais, das operações mentais (agilidade de raciocínio); eficiente forma de acesso à informação; promoção da análise e da reflexão sobre fenômenos e acontecimentos, da capacidade crítica e da resistência à dominação ideológica.
  
e) é necessário ao mundo moderno
- complexidade do mundo contemporâneo exige documentos escritos,
-  exigência da habilidade de escrever: processos seletivos, informática (fax, e-mail),
- máquinas = trabalhos primários,
- homem = produção de textos.
  
f) é um ato vinculado a práticas sociais
- escrita (sentido e função): atua no mundo, estabelece relações entre as pessoas, permite que as pessoas se constituam como autores, sujeitos de uma voz,
- produção de textos: reorganização do pensamento e do universo interior do homem; compartilhamento de práticas sociais.
  
 2- Reconsiderando crenças
-retomada dos itens analisados no tópico anterior.
 
Encerramos esta unidade.
Envie suas dúvidas e comentários.
Resumo - Unidade I
 
Nesta primeira unidade, vimos que já praticamos atos de leitura antes mesmo de ler as primeiras palavras, atribuindo significados a outros textos que não os verbais. E, quando aprendemos a ler e a escrever, passamos a decodificar o signo linguístico refazendo, incessantemente, a nossa leitura de mundo.
Percebemos, também, que em várias situações do nosso dia a dia somos chamados a produzir textos, atividade essa que se aprende, se desenvolve e se aprimora com a prática. Escrever bem é o resultado de muita prática, de muita leitura de bons textos e de muita reflexão e crítica diante deles e da realidade que nos cerca.
Um aspecto importante é o do texto como forma de autoconhecimento, pois o ato de escrever nos revela a nós mesmos: cada texto revela a organização do pensamento do redator, seu universo interior, suas escolhas linguísticas.
A característica fundamental do texto é a unidade: o texto é formado por partes que estão articuladas de um modo lógico, compondo um todo único. E um dos aspectos responsáveis pela unidade textual é a coerência – um texto é coerente quando trata do mesmo assunto, do começo ao fim.
Outra característicaimportante é o caráter histórico do texto, ou seja, é entendido como o reflexo das visões de mundo, das circunstâncias econômicas, sociais e políticas, dos ideais compartilhados pelos indivíduos de determinado grupo, numa determinada época.
Ainda, nesta unidade, vimos a intertextualidade ou relações textuais, que é o procedimento de recuperar um texto por meio de outro, tirando proveito dele.
Considerando que os objetivos de nossa leitura são muito variados, em um curso universitário a leitura visa à aquisição de conhecimento e, para isso, alguns procedimentos recomendáveis foram listados na aula 06.
Entendemos que, após a leitura de um texto, há nele algumas palavras em torno das quais as outras se organizam para que o texto tenha sentido e o leitor perceba as informações mais importantes que o autor quis transmitir. São as palavras-chave.
 
Esta unidade é finalizada relacionando alguns tipos de textos que fazem parte da rotina dos universitários:
· esquema: uma anotação de leitura feita por meio de palavras-chave, com o auxílio de flechas, chaves e outros sinais e cores;
· resumo: uma síntese organizada, objetivamente, a partir da ideias principais do texto;
· paráfrase: um tipo de anotação que registra as principais ideias do texto, de um modo mais simples, usando o próprio vocabulário;
· resenha crítica, uma apresentação analítico-crítica de trabalho científico ou artístico mais apurado,
· monografia, trabalho de apresentação de conclusão de curso.
 
Referências Bibliográficas
D’ONOFRIO, Salvatore. Metodologia do trabalho intelectual. 2ª ed. S.P.: Atlas, 2000.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua.
FIORIN, José Luiz, PLATÃO SAVIOLI, Francisco. Para Entender o texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 1997.
GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Técnica de Redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo, Martins Fontes, 2002.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. SP: Companhia das Letras, 1997.
Leituras do Brasil: antologia comemorativa do 10º COLE. (org. Márcia Abreu) Campinas: Mercado das Letras, 1995.
Aula 08_Dicionário, “o pai dos inteligentes”
   
Você já deve ter ouvido dizer que o dicionário é o “pai dos burros”. Mas, diferentemente do que dizem as más línguas, ele é “o pai dos inteligentes”. Todos nós temos várias dúvidas acerca de muitos assuntos, atitudes, comportamentos. Que bom! Isso quer dizer que estamos sempre questionando o que nos cerca. E, dentre as “coisas” que nos cercam, está a língua materna, estão as palavras e seus usos. Portanto, nada mais natural do que nossa necessidade de consultar um dicionário para confirmar o sentido ou a ortografia de uma palavra, o uso correto de uma conjunção, a regência de um verbo.
 Porém, é preciso, para isso, saber “ler” um dicionário: cada dicionarista informa, antes da relação das palavras propriamente dita, os critérios, as abreviaturas e os símbolos utilizados ao longo da obra. Por isso, ao encontrarmos a palavra desejada, muitas vezes acabamos por voltar a essas informações iniciais como garantia de uma leitura adequada do verbete pesquisado.
 O professor Pasquale Cipro Neto, em um de seus textos publicados no jornal Folha de S.Paulo, trata exatamente desse assunto, lembrando o leitor da necessidade de conhecermos o “código” dos dicionários. Ao fim de suas explicações, ele faz referência ao fato de, ao pesquisarmos uma palavra, acabarmos por descobrir uma nova que, por sua vez, nos leva a outra e assim por diante – e nisso estaria o fascínio dos dicionários!
 Já aconteceu isso com você? Creio que sim, pois é bastante comum que as informações de um verbete nos levem a outro que nem sabíamos que existia. Realmente é uma viagem! Em depoimento para o jornal O Estado de S.Paulo (na seção Antologia Pessoal, publicada aos domingos no Caderno 2 – Cultura), o poeta Régis Bonvicino, ao ser indagado sobre “que livro mais o fez pensar”, respondeu, sem preâmbulos: “Os dicionários”.
O manuseio do dicionário é comumente visto como uma atividade auxiliar da leitura. Às vezes, ao lermos um texto, deparamo-nos com uma palavra que nunca havíamos ouvido ou lido. Nossa primeira reação é perguntar a alguém se conhece a palavra, se sabe seu significado; outras vezes, recorremos ao dicionário.
 O Estado de S.Paulo. 4/6/2006, p.D14. 
Tais atitudes são naturais e compreensíveis, mas podem ser dispensadas se estabelecermos relações entre a palavra que desconhecemos e outras que já nos são familiares. 
Imagine, por exemplo, que você se depare com a seguinte frase:
“Se hoje os Estados Unidos são o centro mais importante da tecnologia de todo o mundo /.../ é que a tendência ao concreto e a imaginação convertida em inventividade aumentaram de modo considerável a herança recebida da revolução industrial inglesa”.
 Imagine também que, ao lê-la, fique em dúvida com relação ao sentido de “inventividade”. Certamente você conhece as palavras “invenção”, “inventar”, “inventor” com as quais relacionará – de modo lógico e natural 
– o vocábulo “inventividade” e concluirá que ele se refere à capacidade de inventar, de criar.
Além disso, podemos resolver nossa dúvida com relação ao(s) significado(s) de algumas palavras se observarmos o contexto em que elas aparecem. Descontextualizadas, ou em “estado de dicionário”, como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, as palavras pouco ou nada comunicam – seu significado é determinado pela frase, pelo texto em que aparecem.
 
 A palavra imagem, por exemplo, tem sentidos diferentes nas frases abaixo – é só prestarmos um pouco de atenção e, sem consultar o dicionário, perceberemos com que intenção o autor a usou.
 
· A imagem da televisão estava tremida e não consegui ver muito bem o gol que tanto esperei.
· Pendurada na parede, ao lado da estante, havia uma imagem de Nossa Senhora.
· Sorriu ao ver a própria imagem no espelho.
· A imagem que guardei dela não é nada boa.
 
Alceu Amoroso Lima. A realidade americana, apud Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª ed. RJ: Nova Fronteira, s.d., p. 786 
Na leitura do trecho de Alceu Amoroso Lima pode aparecer outra dúvida: “revolução industrial inglesa”. Se isso acontecer, será muito proveitosa a consulta a uma enciclopédia ou a um livro de História. Portanto, como o dicionário, há outras obras de referência que podem nos ajudar a compreender de modo mais integral um texto que estamos lendo. 
· Seus sonhos eram povoados de imagens aterradoras.
· À imagem do pai, vestia-se elegantemente.
· Comparar a mulher a uma flor já é uma imagem gasta.
· Esta passagem de “Memórias Póstumas...” nos dá uma boa imagem da ironia de Machado de Assis.
 
Agora, imagine-se escrevendo um texto. Mais ainda: escrevendo um texto que alguém irá ler. Será que, nele, você empregou corretamente as palavras? Não há nenhum engano com relação ao sentido ou à ortografia delas? A pessoa que for ler seu texto conseguirá entender em que sentido você empregou determinada palavra? O que eu gostaria de deixar claro, aqui, é que, mais do que uma atividade auxiliar da leitura, a consulta ao dicionário é imprescindível quando se produz um texto.
 Nesse momento, sim, é preciso ir ao dicionário para:
 
 certificar-se da existência de uma palavra
· confirmar o(s) sentido(s) da palavra procurada
· verificar sua ortografia
· buscar um sinônimo para ela
· observar seus usos mais frequentes
 
Em dicionários especializados, podemos encontrar sinônimos e antônimos, regência verbal e nominal, conjugação de verbos regulares e irregulares, etimologia das palavras, significados de nomes e sobrenomes, de termos técnicos, explicações de símbolos, biografias e obras de escritores, cineastas, músicos, pintores, fotógrafos, cientistas e muito, muito mais.
Em suma, os dicionários são obras de consulta que devem estar sempre à mão para qualquer eventualidade. Obviamente, não precisamos ter todos em casa, sobre nossa mesa de trabalho, mas é bom saber que eles existem e que podem ser consultados em uma biblioteca pública, por exemplo.
Há muitas outras considerações quepodemos fazer acerca das palavras (e de seus usos e sentidos). Nas próximas aulas, vamos conversar um pouco mais sobre elas. Afinal, Leitura e Produção de Texto pressupõe certa familiaridade com as palavras.
Para isso, é muito útil uma consulta ao site da Academia Brasileira de Letras: http:// www.academia.org.br/. Nele estão registradas todas as palavras do léxico português.
 
Para acessá-lo, basta clicar no link “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”.
Em alguns dicionários, como o Minidicionário Sacconi da Língua Portuguesa (Atual Editora), pode-se confirmar, inclusive, a separação das sílabas da palavra pesquisada.
 
 
Aula 09_As palavras e suas famílias
   
Nós pensamos com palavras. E quando queremos ou precisamos expressar verbalmente nossos pensamentos, transmiti-los para outras pessoas, procuramos encontrar as palavras certas, adequadas, para deixá-los claros, e conseguirmos, assim, a comunicação desejada.
Eu, você e a maioria dos falantes de uma língua sabemos que, para isso, devemos ter um bom domínio do vocabulário. Em nossa comunicação diária, seja ela oral ou escrita, empregamos um número x de palavras com as quais nos sentimos confortáveis, já que dominamos seus sentidos e empregos. Ao conjunto dessas palavras dá-se o nome de vocabulário ativo.
Por outro lado, há outras palavras que não costumamos usar, nem quando falamos nem quando escrevemos. No entanto, se as ouvimos ou lemos, conseguimos entendê-las, pois ou conhecemos seus sentidos ou temos uma noção deles, embora não os saibamos com precisão. Ao conjunto dessas palavras dá-se o nome de vocabulário passivo.
Portanto, a consulta ao dicionário não é o único caminho para a ampliação do nosso vocabulário. Para isso, é necessário ler jornais, revistas, livros, assistir a filmes, palestras, debates, prestar atenção às letras de músicas de bons autores. Num primeiro momento, vamo-nos familiarizando com novas palavras e construções de frases, que passam, então, a fazer parte de nosso vocabulário passivo. Aos poucos, começamos a nos sentir mais à vontade com elas, mais seguros para usá-las em nossos textos (orais ou escritos), sinal de que ampliamos nosso vocabulário ativo.
Com isso, você deve ter percebido que não só a leitura mas também a produção de textos são os meios mais eficazes para o enriquecimento do vocabulário. Aliás, nossa competência textual está intimamente relacionada com nosso domínio do léxico.
Dá-se o nome de léxico ao conjunto das palavras de uma língua. Esse conjunto é aberto, isto é, novas palavras estão sempre sendo agregadas a ele, enquanto outras tantas vão caindo em desuso e chegam a desaparecer. Atualmente, com o acelerado desenvolvimento das novas tecnologias, temos notado a rápida incorporação de muitos termos que, a princípio utilizados na nossa fala do dia a dia, passaram (ou passarão, daqui a alguns anos) a fazer parte do nosso léxico.
Mas as palavras, também, se transformam. Como você deve saber, o Português (assim como o Espanhol, o Italiano...) é uma língua neolatina, isto é, derivada do Latim. Ao longo do tempo, por vários motivos, o Latim foi passando por transformações, dando origem às novas línguas (creio que você sabe, também, que o Latim é uma “língua morta”, isto é, ele não é mais falado por nenhum povo, em nenhuma região do mundo). Isso significa que as palavras sofreram várias transformações ao longo do tempo até chegarem a ser o que são hoje, seja do ponto vista fonético (som), ortográfico (o modo como são escritas) ou semântico (significado). Transcreverei abaixo uma passagem do texto “Qualidade na educação: as armadilhas do óbvio”, do professor Nilson José Machado, na qual, ao tratar da valorização dos programas de qualidade das empresas, o autor explica a etimologia e o uso da palavra cliente ao longo do tempo.
...vamos procurar entender os estranhos desígnios etimológicos que contemplaram a palavra cliente no léxico dos teóricos da qualidade. Pelo menos nas línguas de origem latina, como a nossa, cliente origina-se de cliens, clientis, que significa “vassalo, protegido de alguém, de um senhor”, este sim, detentor do poder. Depois a palavra foi associada aos protegidos dos senadores romanos, dando origem à variante do costume político comum e frequentemente criticado, denominado “clientelismo”. Mais tarde ainda, o uso foi estendido para designar os que consultavam determinados profissionais, como os advogados ou os médicos. Hoje, no discurso da qualidade, uma fantástica torção semântica transformou o vassalo no senhor.
Como você pôde notar, a palavra cliente sofreu tantas mudanças que, hoje, pelo menos na área dos programas de qualidade das empresas, ela quer dizer o oposto do que originariamente significava. Esse exemplo também evidencia o caráter “aberto” do léxico de uma língua ao qual me referi anteriormente.
Já que mencionei as mudanças pelas quais passam as palavras ao longo do tempo, aproveito para retomar um aspecto a que já me referi na aula anterior (Dicionário, “o pai dos inteligentes”) quando disse que é possível chegarmos ao sentido de uma palavra desconhecida comparando-a com outras já conhecidas.
Pensando e fazendo educação de qualidade. (org. Maria Teresa Eglér Mantoan). São Paulo: Moderna, 2001, p.33-34.
 
Na verdade, nós não “adivinhamos” nada. O que fizemos foi relacionar “inventividade” (palavra cujo significado presumi que nós não conhecíamos) com “inventar”, “invenção”, “inventor” porque percebemos que essas palavras têm algo em comum: invent-, cujo ttransformou-se em c em alguns vocábulos (como “invenção”, “invencionice”). Ao conjunto das palavras que têm um mesmo radical (parte invariável de uma palavra, em torno da qual gira o seu sentido principal) dá-se o nome de famílias etimológicas.
 
Segundo Antonio Geraldo da Cunha, em seu Dicionário Eti-mológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, étimo é o “vocábulo que é origem de outro”. Portanto, as famílias etimológicas constituem-se de palavras que têm o mesmo étimo, como:
-  andar, andarilho, andante, desandar (cujo étimo é and-: relativo a dar passos, caminhar); 
- bélico, belicoso, beligerante (cujo étimo é bel-: relativo à guerra); 
-  concordar, cordial, discordar, recordar (cujo étimo é cord-: relativo ao coração); 
- década, dezena, decalitro, decímetro (cujo étimo é dec-: relativo a dez); 
- etnia, etnocentrismo, etnogracia, etnografia (cujo étimo é etno-: relativo a raça, nação); e assim por diante.
  
Para encerrar esta nossa primeira reflexão sobre as palavras, vamos considerar, agora, um outro subgrupo do léxico de uma língua: as famílias ideológicas (alguns estudiosos chamam as “famílias ideológicas” de campo semântico). Nelas, as palavras se agrupam por sua afinidade de sentido. Podemos dizer, por exemplo, que os verbos circular, cercar, rodear, rodar pertencem ao mesmo campo semântico, pois reconhecemos, neles, um núcleo de sentido comum.
O campo semântico, na verdade, é determinado pelo contexto em que as palavras aparecem.
 
Compare as frases:
- Na esquina, o guarda apitava, fazendo sinal para que os carros circulassem mais rapidamente. 
-  Na aula de hoje, o professor pediu que os alunos circulassem os substantivos do texto.
  
Antonio Geraldo da Cunha. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2ª ed., 8ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p.336.
 
- Na cidade amedrontada, nada impediu que circulassem os boatos de um novo atentado.
 
Você deve ter notado que, no contexto da primeira frase, o verbo circular pertence ao mesmo campo semântico de transitar, brecar, correr, acidentar-se, trafegar, multar – para listarmos apenas verbos. Se pensarmos em outra classe de palavra – o substantivo, por exemplo –, poderíamos relacioná-lo também a carro, automóvel, congestionamento, moto, farol e até a transeunte, asfalto, rua, poste, ou mesmo a acidente, estresse, violência.
  
Já na segunda frase, o mesmo verbo pertence ao campo semântico de anotar, marcar, registrar, sublinhar, ou ainda ao de estudar, ler, observar, treinar, exercitar.
Na terceira, o verbo circular,pelo contexto, insere-se no campo semântico de propagar, difundir, alardear, divulgar.
  
E agora: você diria que casa, residência, mansão, domicílio, moradia, lar têm o mesmo sentido, ou seja, são sinônimos, ou participam da mesma família ideológica?
Aula 10_ As palavras e seus sentidos
   
Nesta aula, encerramos nosso estudo sobre as palavras (se é que isso é possível!) tratando de seus sentidos. Para isso - antes tarde do que nunca - vou revelar-lhe um segredo, minha idade: 58 anos!
O parágrafo acima contém informações objetivas, e, acredito, você teve uma compreensão exata e única delas. Quando soube qual é a minha idade, deve ter pensado que eu já estou (um pouco?) “velhinha”, que já está na hora de eu providenciar minha aposentadoria, de descansar; enfim, de “pendurar as chuteiras”. No entanto, recentemente, quando fui ao cardiologista, no meio de nossa conversa, ele me disse que eu ainda sou “muito nova” para isso.
Mas veja que coisa interessante: nesse mesmo dia, ele me afirmou que, “para a minha idade”, a melhor atividade física é a hidroginástica.
Conto esse caso com o objetivo de lembrá-lo da importância do contexto para atribuirmos sentidos às palavras.
O contexto pode ser extratextual, isto é, estar fora do texto: em algumas situações, para voltar ao exemplo dado, “58 anos” pode ser sinônimo de “idade avançada”, em outras, pode ser o contrário. Esse contexto (que alguns estudiosos chamam de contexto situacional) costuma estar, também, relacionado com a época em que determinado texto foi produzido (o que já vimos na aula intitulada A noção de texto: o texto e seu caráter histórico): no começo do século passado, com certeza seria remotíssimaa possibilidade de um médico ter-me dito que eu era ainda “muito nova”.
Na atribuição de sentidos às palavras, há ainda um outro,  e fundamental, contexto: o próprio texto em que elas estão inseridas (que poderíamos chamar de contexto intratextual). Assim, o significado de uma mesma palavra está na dependência das outras com que se relaciona em determinada frase. Ao fato de as palavras poderem assumir vários significados dá-se o nome de polissemia.
Essa possibilidade sempre foi explorada pelos falantes das diferentes línguas (nas piadas, por exemplo), pelos poetas e escritores em geral, pelos autores do cancioneiro popular, pelos cartunistas e, de um tempo para cá, pelos publicitários e mesmo pelos redatores de jornais e revistas (nos títulos, principalmente).
  
Veja, por exemplo, a piada abaixo, citada pelo professor Sírio Possenti, em seu livro Os humores da língua:
- Escuta, Godói! Não é melhor a gente tomar um táxi? 
- Não, obrigado (hic!). Hoje eu não misturo mais nada.
 
A graça da piada está exatamente na confusão que Godói faz (provavelmente devido ao seu estado de embriaguez) entre dois sentidos possíveis do verbo “tomar”: “beber” e “utilizar-se de, pegar”.
  
No final dos anos 1990, circulou, em vários periódicos, uma propaganda da revista Ponto Cruz na qual foi explorada, de forma bastante criativa, a polissemia da palavra “ponto”. A ilustração da peça publicitária eram duas galinhas bordadas em ponto cruz, sobre as quais apareciam os seguintes dizeres: “Como fazer uma galinha no ponto”. O entrecruzamento da figura e das palavras permite-nos perceber que a palavra “ponto” pode ser entendida tanto como “tipo de bordado” quanto como “grau de consistência de um alimento”. Voltaremos a trabalhar esses tipos de textos quando virmos ambiguidade (Aula 15).
  
Nos dois casos acima, com intenções diferentes, os autores exploraram a polissemia das palavras e nós, receptores, pudemos percebê-la a partir do contexto em que foi usada. No nosso dia a dia de usuários da língua, conseguimos dar a melhor e mais adequada interpretação para as palavras que lemos, ouvimos ou utilizamos para nos expressar.
De modo geral, sabemos o sentido “básico” de uma palavra ou expressão, aquele que pode ser apreendido mesmo sem a ajuda de um contexto – é o sentido literal. As palavras “ouro”, “prata”, por exemplo, mesmo descontextualizadas, não nos trazem nenhuma dificuldade de entendimento.
No entanto, há situações particulares de uso (o contexto) em que as palavras adquirem um outro significado a partir de uma extensão de seu sentido literal – é o sentido figurado. Num provérbio como “A palavra é de prata, o silêncio é de ouro”, percebemos que as palavras “prata” e “ouro” não foram usadas no sentido próprio, literal, mas no figurado, por extensão de sentido: a prata é um metal cujo valor é menor que o do ouro.
Quando uma palavra é usada em seu sentido literal, dizemos que ela tem valor denotativo; quando usada em sentido figurado, dizemos que ela tem valor conotativo.
Sírio Possenti. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p.83.Assim, adenotação costuma predominar nos textos científicos, informativos, pois é uma referência estável, que tenta representar, objetivamente, a realidade. A conotação, por ser uma referência instável, isto é, dependente do contexto, predomina nos textos literários em geral ou em quaisquer outros que tentem registrar, subjetivamente (ou expressivamente), uma maneira de ver a realidade.
Nesse sentido, quando falamos ou escrevemos, devemos ter em mente nossa intenção, nosso objetivo, nosso receptor, para que possamos escolher as palavras e expressões mais adequadas – para que possamos, enfim, combiná-las de modo a construir um contexto em que adquiram o sentido desejado.
Aula 11_ As palavras e seus níveis
   
Inicio a aula As palavras e suas famílias, afirmando que nós pensamos com palavras. Procuro deixar claro que é por meio delas que organizamos nossos pensamentos, que nos expressamos. Por isso, seria muito bom se lembrássemos as várias circunstâncias em que as utilizamos.
 Imagino que, agora, você esteja em algum lugar tranquilo, lendo, estudando, discutindo algum conteúdo de seu curso: por exemplo, o do nosso livro texto. Mas, antes (ou depois) dessa atividade, você passou (ou passará) por outras situações em que utilizou (ou utilizará) as palavras com outras finalidades e, provavelmente, de modos totalmente diferentes: o recado preso na geladeira para o seu filho, a conversa no portão ou no elevador com o vizinho, as palavras trocadas com o passageiro ao seu lado no ônibus, o bate-papo com os colegas de serviço, as informações passadas ao seu chefe, os conselhos amigáveis para sua amiga que brigou com o namorado, a conversa sobre futebol ou sobre o último capítulo da novela, as impressões trocadas com seus familiares sobre os acontecimentos do dia, as combinações com seus pais ou filhos para o dia seguinte. 
Talvez você não tenha prestado muita atenção, mas em cada uma dessas situações predominou um nível de linguagem.
Sem muitos problemas ou angústias, conseguimos adequar tanto nosso comportamento quanto nossa linguagem às diferentes circunstâncias que vivenciamos ao longo de um dia.
Com um pouco mais de rigor, no momento da escrita, não podemos esquecer que existem vários níveis de linguagem e, portanto, de vocabulário. Dentre esses níveis, destacarei três: o coloquial, o culto e o técnico.
 
O vocabulário de nível coloquial é aquele que utilizamos no dia a dia, com nossos familiares e amigos, em conversas, bilhetes, e mesmo em cartas pessoais, isto é, em situações que não exigem formalidade. Portanto, descuidamos, por exemplo, da pronúncia de certas palavras (como num em vez de não, tá no lugar de está), das concordâncias verbais e nominais (as casa por as casas), da uniformidade das pessoas gramaticais (Você quer que eu te ligue?), das flexões verbais (Se ele trazer em lugar de Se ele trouxer) – e usamos gírias de montão!
O vocabulário de nível culto é o “oficial”, prescrito pela Nomenclatura Gramatical Brasileira, que utilizamos em situações mais formais, em textos acadêmicos, oficiais, profissionais. Nesse nível, tomamos cuidado com a pronúncia correta das palavras, com as concordâncias verbais e nominais, com a uniformidade das pessoas gramaticais, com as flexões verbais – e evitamosas gírias.
Já o vocabulário técnico agrupa os termos específicos de uma área do conhecimento, como a Medicina, a Linguística, o Direito, a Pedagogia, e está, em geral, intimamente integrado ao de nível culto. Esses termos específicos compõem subgrupos dentro do léxico da língua – são os campos lexicais.
Quando você trabalha, por exemplo, com o livro texto de  '' “Comunicação, Educação e Tecnologias”, da professora Cláudia Coelho Hardagh, defronta-se com palavras e expressões como “mídias”, “sociedade da informação”, “inclusão digital”, “ciberespaço” – e eu só as selecionei do índice desse material! Essas e muitas outras palavras e expressões foram criadas e incorporadas à língua a partir de exigências que as transformações sociais, culturais, tecnológicas nos impõem. Com isso, elas passaram a ter sentido e função para nós.
 
Neste momento, você pode estar se perguntando por que insisto em chamar sua atenção para os aspectos acima tratados. A resposta é: além da necessidade de ampliação do vocabulário, todos nós precisamos saber adequá-lo às diferentes situações tanto de fala como de escrita. Assim, o conhecimento e o uso dos diferentes níveis atestam nossa competência como usuários de uma língua.
Aula 12_Linguagem: níveis e adequação
   
Suponha que, um dia, em nossa vídeo aula, eu me dirija aos alunos nestes termos:
- Moçada, hoje nosso papo é mó barato: vamos trocar umas ideias sobre o jeitão da gente falar!
  
Você e seus colegas, com certeza, estranhariam muito, pois essa linguagem não está nem um pouco adequada à minha função de, por exemplo, ajudá-los a melhorar o modo de se expressarem.
 No entanto, se eu estivesse em minha casa, conversando com meus filhos, ninguém estranharia se dissesse a eles algo como:
- Moçada, hoje nosso papo foi mó barato! Adorei conversar sobre o trampo da escola!  
As duas situações são totalmente diferentes: na primeira, por mais que me sinta à vontade com os alunos, meu “papel” é o de uma professora da qual se espera um mínimo de rigor com relação ao modo de se expressar; na segunda, estou em uma situação familiar, tentando entender meus filhos adolescentes e participar de uma situação do cotidiano deles.
Creio que, a partir desses dois exemplos, podemos concluir  que, de um modo espontâneo e natural, conseguimos variar nossonível de linguagem de acordo com os interlocutores e com as diferentes situações em que vivemos no nosso dia a dia – é muito parecido com as roupas que usamos quando vamos à praia ou a uma festa, ao trabalho ou à colação de grau de nosso primo.
Podemos dizer, então, que adequação é o ajustamento de uma coisa a outra: aquilo que está adequado à situação A e/ou ao interlocutor B pode não estar adequado à situação C ou ao interlocutor D.
Você deve ter percebido que, muitas vezes, é necessário, e até conveniente, tomarmos cuidado com a adequação de nossa linguagem. Para se adequar à situação de comunicação, o falante pode variar o vocabulário, a maneira de construir as frases, a forma de tratamento, o volume da voz etc. 
Vários fatores, sozinhos ou combinados, nos levam a adequar nossa linguagem quando nos dirigimos a alguém, oralmente ou por escrito. Entre eles, destacam-se:
 
· o receptor (você falaria do mesmo modo com o diretor de sua escola e com uma criança?)
· o assunto (você comentaria a doença de uma pessoa amiga da mesma maneira que comentaria – ou blasfemaria contra - o péssimo desempenho da nossa seleção?)
· o ambiente (você usaria as mesmas palavras e o mesmo tom de voz num velório e num bar, tomando chope com amigos?)
  
Em um ato de comunicação, a presença desses fatores resulta num maior ou menor grau de formalidade ou de informalidadena linguagem.  
Um texto que ilustra muito bem o que estou dizendo é o de um vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo, com o objetivo de ensinar os detentos a se prevenirem contra a Aids. Transcrevo, abaixo, alguns trechos dele:  
Aqui é bandido: Plínio Marcos. Atenção, malandrage! Eu num vô pedir nada, vô te dá um alô! Te liga aí: Aids é uma praga que rói até os mais fortes, e rói devagarinho. Deixa o corpo sem defesa contra a doença. Quem pega essa praga está ralado de verde e amarelo, de primeiro ao quinto, e sem vaselina. Num tem doto que dê jeito, nem reza brava, nem choro, nem vela, nem ai, Jesus. Pegou Aids, foi pro brejo! Agora, sente o aroma da perpétua: Aids pega pelo esperma e pelo sangue, entendeu? Pelo esperma e pelo sangue! (Pausa)
Eu num tô te dando esse alô pra te assombrá, então se toca! Não é porque tu tá na tranca que virou anjo. Muito pelo contrário, cana dura deixa o cara ruim! Mas é preciso que cada um se cuide, ninguém pode valê pra ninguém nesse negócio de Aids. Então, já viu: transá, só de acordo com o parceiro, e de camisinha! (Pausa) /.../
Quanto a tu, mais chegado ao pico, eu tô sabendo que ninguém corta o vício só por ordem da chefia. Mas escuta bem, vago mestre, a seringa
é o canal pra Aids. /.../ E a farinha que tu cheira, e a erva que tu barrufa enfraquece o corpo e deixa tu chué da cabeça e dos peitos. E aí tu fica moleza pro Aids! Mas o pico é o canal direto pra essa praga que está aí. Então, malandro, se cobre. Quem gosta de tu é tu mesmo. A saúde é como a liberdade. A gente dá valor pra ela quando já era!
Vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo. Agência: Adag, realização: TV Cultura, 1998. Apud Platão e Fiorin. Op.Cit., p. 281-282.
  
O texto, falado pelo dramaturgo e ator Plínio Marcos, quer  convencer os presidiários a não usarem drogas injetáveis, a terem relações sexuais somente com o consentimento do parceiro e a usarem camisinha nas relações sexuais. Para alcançar esse objetivo, o autor valeu-se do nível coloquial, adequando sua linguagem à do receptor (vocabulário, construções de frases, pronúncia). Com isso, deve ter conseguido, mais facilmente, a adesão de seus “ouvintes”. Portanto, foi um recurso argumentativo totalmente válido o uso de uma linguagem extremamente coloquial.
Observe, agora, um caso interessante de inadequação de linguagem ironizado por Elio Gaspari. Por meio de uma “personagem” criada por ele (Madame Natasha), o jornalista costuma brincar com frases inadequadas ditas por personalidades, principalmente do mundo político.
  
Curso Madame Natasha de piano e português
Madame Natasha tem horror a música, mas gosta de Gilberto Gil, porque ele dança enquanto os outros ministros discursam. Ela cuida do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao ilustre baiano pela seguinte observação a respeito de seu colaborador Roberto Pinho:
“Houve uma tendência à insubordinação aos procedimentos regulamentais por parte do Roberto. Não vejo como uma coisa grave. Era uma tendência bem intencionada em apressar o processo diante da lentidão da máquina governamental”.
 A senhora acredita que Gil não quis repetir as palavras de seu antecessor, Francisco Weffort, numa entrevista de fevereiro de 2000:
“Mijou fora do penico, sai da sala”. Natasha entende que Gil fez muito bem.
 
Você deve ter notado, na transcrição da fala de Francisco Weffort, uma gíria totalmente inadequada à posição ocupada por ele - ministro da Cultura -, especialmente em uma entrevista.
Nos textos escritos, em geral, o nível culto ou formal é o mais utilizado. Mas, mesmo neles, continua havendo a necessidade de adequação, já que existem diferentes graus de formalidade, que podem ir do “rigorosamente formal” (um trabalho acadêmico, uma carta para um ministro de estado) ao “pouco formal” (anotações de aula, carta para um jornal) e mesmo ao “totalmente informal” (diário pessoal, carta a um amigo), dependendo dos fatores acima citados.
Folha de S.Paulo. 22/2/04, p.A12.
  
Outro aspecto importante na adequação da linguagem é a uniformidade no nível de linguagem – é uma falha grave iniciar um texto empregando um nível rigorosamente formal e depois passar para um nível pouco formal (ou mesmo informal), ou vice-versa.
Pode-se dizer, em suma, que a “língua falada” e a “língua escrita”, a informalidade e a formalidade são somente diferentes modalidades que empregamos em contextos

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