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1ª Edição |Fevereiro| 2014 Impressão em São Paulo/SP Dificuldades de aprendizagem e suas patologias Carla Virgínia Diegues Gomes Marquart e Luiz Carlos Ferro Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 Coordenação Geral Nelson Boni Professor Responsável Carla Virgínia Diegues Gomes Marquart Luiz Carlos Ferro Coordenação de Projetos Leandro Lousada Revisão Ortográfica Célia Ferreira Pinto Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Ana Flávia Marcheti 1º Edição: Fevereiro de 2014 Impressão em São Paulo/SP A553a Marquat, Carla Virgínia Diegues Gomer. Luiz Carlos Ferro Dificuldades de aprendizagem e suas patologias. / Carla Virgínia Die- gues Gomes Marquart, Luiz Carlos Ferro. – São Paulo : Know How, 2014. 168 p. : 21 cm. Inclui bibliografia ISBN : 978-85-8065-268-0 1.Dificuldades. 2. Aprendizagem. 3. Psicopedagogia. 4. Ensino. I. Título. Unidade 1 1.1. Apresentação do presente estudo 1.1.1. Por que se justifica esse esforço de viabilizar-se a experi- ência da aprendizagem? 1.1.2. Quais são os elementos que estão presentes nesse pro- cesso de aprendizagem? 1.1.3. Dentro dessa complexidade, qual é nosso grande desafio como psicopedagogos? 1.1.4. Segundo Morin, o que seriam esses paradigmas? 1.1.5. Quais são os pré-requisitos necessários para se quebrar os paradigmas? 1.1.6. Qual é a importância de se fazer essa transformação? 1.1.7. Como conduziremos este estudo para tornar a compre- ensão mais acessível? 1.1.8 Quais serão nossas fundamentações teórias? 1.2. Psicopedagogia : Uma ciência nova 1.2.1. Como se constrói essa ciência nova? 1.2.2. Como a Psicopedagogia começou no Brasil? 1.2.3. Como a Psicopedagogia vê o ser humano? 1.2.4. Como a comunicação e a aprendizagem estão relacionadas? 1.2.5. O que é esse fenômeno da aprendizagem humana? 1.2.6. A que se propõe a Psicopedagogia? 1.2.7. Por que acontecem essas dificuldades e os bloqueios de aprendizagem? ´ 19 1.2.8. O que são “forças do meio” e como o ser humano inte- rage com elas? 1.2.9. A Psicopedagogia traz que contribuições como uma ci- ência nova? 1.2.10. O psicopedagogo se depara com que desafios, e como vencê-los? 1.2.11. Qual a importância da parceria família e escola no tra- balho psicopedagógico? 1.2.12. A Psicopedagogia sempre busca identificar nas crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem um diagnóstico e uma forma de tratamento? 1.2.13. Como o psicopedagogo pode lidar com tantas variáveis em sua avaliação/abordagem terapêutica? 1.2.14. O que é preciso observar em relação às escolas? 1.3. O homem visto como ser cognoscente 1.3.1. Em que dimensões o ser cognoscente pode ser definido e analisado? 1.3.2. Qual é função do eu cognoscente e como seu processo de construção pode ser afetado? 1.3.3. Como a Psicopedagogia pode contribuir para restabelecer o equilíbrio desse processo de construção do ser cognoscente? Questões Unidade 2 2.1. O Pensamento complexo e a psicopedagogia 2.1.1. Como a sociedade retroage sobre os indivíduos? 47 69 2.2. Um pouco do pensamento de Edgar Morin 2.2.1. A noção de sujeito 2.2.2. Epistemologia da complexidade 2.2.3. O que significa esta complexidade humana proposta por Morin? 2.2.4. Qual é a importância da cultura nessa visão da comple- xidade humana? 2.2.5. A partir de qual momento a cultura passa a ter importân- cia na vida humana? 2.3. A busca da reintegração segundo Morin 2.3.1. Ainda que inseridos e manipulados pelo contexto cultu- ral, de que maneira os indivíduos podem conseguir construir sua autonomia? 2.3.2. Nesse aspecto, que contribuições podemos ter a partir de uma abordagem interdisciplinar? 2.3.3. Por que entender os seres humanos, os povos, as cultu- ras na sua diversidade é um caminho para a Educação na pós- -modernidade? 2.3.4. Qual pode ser a contribuição da educação do futuro para compreensão da complexidade humana? Questões Unidade 3 3.1. O aprender e o processo de escolarização: as bases biológicas da compreensão 3.1.1. O que Maturana apresenta-nos como perspectiva do de- senvolvimento humano? 3.1.2. Dentro dessa perspectiva, a plenitude da condição huma- na advém apenas do nascimento? 3.1.3. Qual é a importância, então, de diagnosticar-se o não-aprender? 3.1.4. Considerando-se que os jovens vivem maior parte do tempo dentro das escolas, qual é a missão dessa instituição? 3.1.5. Quais são as causas mais frequentes para as dificuldades de aprendizagem e problemas escolares? 3.1.6. Como se processa o desenvolvimento da aprendizagem escolar numa criança com DA? 3.1.7. O que se entende por escola? 3.2. Teoria da psicologia cognitiva com base em Piaget*, ampliada para abordagem psicopedagógica 3.2.1. Como se deu a Teoria de Piaget? 3.2.2. Como se dá o ato de assimilação? 3.2.3. E os processos de acomodação como são definidos por Piaget? 3.2.4. Qual a definição dada por Jean Piaget à noção de conservação? 3.2.5. Qual a importância do egocentrismo no processo de de- senvolvimento da criança? 3.2.6. O que é, e como ocorre a reversibilidade? 3.2.7. Como Piaget vê a vida afetiva no contexto cognitivo e pessoal- emocional? 3.3. Quadros das fases do desenvolvimento, segundo Piaget 3.4. Roteiros de aplicação das provas operatórias 3.4.1. Provas de conservação (antecipação e reversibilidade) 3.4.2. Provas de ordenação (prever o que vem depois) 3.4.3. Provas de classificação 3.4.4. Descrição das Provas: Conservação 3.4.4.a Quantidade descontínua – pequenos conjuntos de ele- mentos (6/7 anos) 3.4.4.b Quantidade contínua - quantidade de matéria (6/7 anos) 3.4.4.c Quantidade contínua - quantidade de líquido (7/8 anos) 3.4.4.d Peso (8/9 anos) 3.4.4.e Comprimento (8/9 anos) 3.4.4.f Descrição das Provas: Ordenação 3.4.4.g Provas de Classificação 3.5. Um olhar ampliado para a teoria de Piaget 3.5.1. Escutar e olhar 3.5.2. Deter-se nas fraturas do discurso e relacioná-las com o que aconteceu depois 3.5.3. Descobrir o “esquema de ação subjacente” 3.5.4. Buscar os esquemas de repetição de ação 3.5.5. Interpretar a operação, mais do que o conteúdo 3.6. Neurociência e o desenvolvimento cognitivo 3.6.1 Nesse sentido, qual é a importância de se entender o fun- cionamento do sistema nervoso de uma pessoa? 3.6.2. Quais são as principais funções do sistema nervoso? 3.6.3. Como a emoção interfere no processo de aprendizagem? 3.6.4. Por que precisamos de motivação para aprender? 3.6.5. Qual é a importância da atenção para que a aprendiza- gem ocorra? 3.6.6. Como favorecer a fixação de novos conhecimentos na memória dos alunos? 3.6.7. O que é plasticidade cerebral? Questões Unidade 4 4.1. Transtorno de défict de atenção e hiperatividade 4.1.1. Quais são suas principais manifestações? 4.1.2. Como essas características se apresentam? 4.1.3. Por que o TDAH é um dos transtornos mais estudados na atualidade? 4.1.4. Existem características positivas no TDAH? 4.1.5. Que estratégias positivas de intervenção podem ser ado- tadas pelos professores em sala de aula? 4.1.6. Que intervenções podem ser adotadas para auxiliá-los no cumprimento dos deveres de casa? 4.1.7. Que abordagens de tratamento podem ou devem ser adotadas para tratamento do TDAH? 4.2. Transtorno de aprendizagem : Processamento audi- tivo central (PAC) 4.2.1. Como o PAC interfere nesse conjunto de habilidades ne- cessárias para analisar e interpretar os padrões sonoros? 4.2.2. Quais são as principais manifestações que podem ser per- cebidas no comportamento escolar das crianças portadoras? 4.2.3. RETOMANDO: Quais são as principais consequências e manifestações relacionadas ao PAC, nas crianças dentro do ambiente escolar? 4.2.4. Como lidar com crianças com PAC e minimizar seus im- pactos no processo de aprendizagem? 4.2.5. O que é o Processamento Auditivo Central? 4.2.6. Quais são as habilidades auditivas centrais? 4.2.7. O que são transtornos auditivos? 113 4.2.8. Quando cabe avaliar oprocessamento auditivo central? 4.2.9. Quais são os pré-requisitos para avaliação do PAC? 4.2.10. Como é a avaliação do processamento auditivo central? 4.2.11. Qual é o principal objetivo da avaliação do PAC? 4.2.12. O que fazer nas alterações de processamento auditivo? 4.2.13. O que devemos considerar quando lidamos com distúr- bios da comunicação humana? 4.3. Transtorno de aprendizagem : Dislexaia 4.3.1. Quais são as habilidades básicas das crianças disléxicas? 4.3.2. Em síntese, qual é a principal dificuldade apresentada? 4.3.3. Como o professor pode auxiliar essas crianças a minimi- zar os impactos indesejáveis da Dislexia e acompanhar a aula? 4.3.4. Que intervenções o professor pode fazer para favorecer o aprendizado dessas crianças? 4.4. Discalculia e acalculia 4.4.1. O que é a Discalculia? 4.4.2. Qual é a diferença entre Acalculia e Discalculia? 4.4.3. Quais são os subtipos de Discalculias? 4.4.4. Quais são as falhas e sintomas relacionados à Discalculia? 4.4.5. Como esses transtornos aparecem nos processos cognitivos? 4.4.6. Quais são os aspectos neuropsicológicos? 4.4.7. Como a Discalculia afeta os aspectos acadêmicos? 4.4.8. Qual é o comprometimento do desenvolvimento escolar de forma global? 4.5. Sugestões para a estimulação dos processos cognitivos 4.5.1. Peso, Espessura, Comprimento, Largura, Muito-pouco, Grande-pequeno etc 4.5.2. Exercícios de maturação para a noção de Quantidade, Comparação, Classificação, Categorização. 4.5.3. Exercícios pré-operatórios de maturação gráfica-sequên- cia de grafismos Questões Gabarito Referências 147 161 13 Carla Virgínia Diegues Gomes Marquart Nasci em 1966. Tenho formação inicial em Comunicação (Pu- blicidade e Propaganda), Pedagogia, com pós-graduação em Psicopedagogia pela PUC de São Paulo, e Arteterapia no Ins- tituto Sedes Sapientie. Trabalho com Educação desde 1985. Inicialmente, como pro- fessora de Educação Infantil; diretora escolar e, atualmente, como Orientadora Educacional de Apoio à Aprendizagem (psicopedagoga) no Colégio Rio Branco. Ministro aulas como professora convidada no curso de Psicopedagogia da PUC de Barueri, e atendo como arteterapeuta e psicopedagoga em consultório particular também em Barueri. (carlamarquart@ uol.com.br) Luiz Carlos Ferro Nasci em 1961.Tenho formação inicial em Letras (Português e Inglês) e trabalho como professor desde 1982. Nessa linha, fiz Mestrado em Psicopedagogia Institucional (stricto sensu) pela UNISA, em 2002, passando a trabalhar como Orientador Educacional e Pedagógico do Colégio Rio Branco, de onde sou idealizador e organizador da Jornada Anual de Profissões, desde 2003. ~~ Tenho especialização em “Compreensão Psicodinâmica da Adolescência” (2005) e “Problema Escolar da Criança e do Adolescente na Visão Sistêmica” (2008) pelo Instituto Sedes Sapientiae; “Prevenção ao Uso Indevido de Drogas”, pela Uni- versidade Federal de Santa Catarina, 2010. Dou palestras sobre temas relacionados à Educação, orientação para o trabalho e ética. (soluferro@uol.com.br). Procuramos apresentar o estudo sobre o tema: “Dificuldades de Aprendizagem e suas Patologias”, buscando dar um embasamento teórico à nossa abordagem, enfocando as características e necessi- dades de aprendizagem dos alunos, apresentando a criança e o adolescente como seres cognoscentes, em pleno processo de formação e de construção, enquanto pessoas humanas. Nessa nossa busca por uma educação de qua- lidade apoiada em um trabalho diferenciado, com foco no objetivo de atender a dimensão da indivi- dualidade de cada aluno, sabemos que é necessário que os profissionais da área da Educação e a escola repensem seu papel e, consequentemente, assumam a responsabilidade que lhes cabe, tanto pela aprendi- zagem, quanto pela não aprendizagem. Com objetivo de facilitar ao leitor a compreen- são do presente estudo, organizamos este livro em quatro unidades e, em cada uma delas, elaboramos os subtópicos na forma de questões, que sintetizam os temas tratados, encadeadas por textos curtos, co- locados em forma de respostas. Ao término de cada uma dessas quatro unida- des, o leitor encontrará cinco perguntas dissertativas que deve responder como exercício de compreensão ~~ e fixação. Ainda, colocamos um gabarito para ser- vir, não como uma resposta única para cada questão, mas sim, como referência de possibilidade de res- posta. Convém consultá-lo, só depois de pesquisar e responder cada questão. Então, vamos começar a estudar a primeira unidade. Os autores 19 Nesta primeira unidade, temos os seguintes tópicos: 1.1. Apresentação do presente estudo 1.2. Psicopedagogia: uma ciência nova 1.3. O homem visto como ser cognoscente 20 1.1. Apresentação do presente estudo 1.1.1. Por que se justifica esse esforço de viabili- zar-se a experiência da aprendizagem? Todo esforço em tornar possível a experiência da aprendizagem, sempre se justifica porque é por meio dela que nós humanos nos tornamos humanos! O filhote humano faz-se humano através da apren- dizagem. Esse, portanto, é o nosso primeiro desafio: caminhar para humanizarmo-nos, pois, nesse trajeto, nós nos deparamos com caracteres antagônicos, em que nossa aparente condição de “fraqueza”, também é nossa “força” e potencial. Precisamos de outro hu- mano para ensinar-nos, que nos reconheça como seu semelhante, que acredite nessa realidade e queira aprender também. 1.1.2. Quais são os elementos que estão presentes nesse processo de aprendizagem? Todo apreender é complexo e inclui, no mí- nimo, intervenções advindas daquele que aprende, daquele que ensina e do contexto em que ambas as partes estão inseridas, interagindo uma sobre a outra continuamente, gerando e sofrendo transformações que são próprias e necessárias a esse processo de ~~ 21 aprendizagem humana. Pensar na complexidade desse processo implica em não revelar, apenas, a ordem e a certeza, ou afastar- -se da ambiguidade, em busca apenas da diferenciação, da hierarquização e certezas, mas consiste em pensar e enfrentar a incerteza, a desordem e a contradição. Olhar, portanto, o ser humano na sua comple- xidade significa pensar o desenvolvimento humano associado ao desenvolvimento conjunto das autono- mias individuais, das participações comunitárias, das influências do ambiente, em que acontece esse pro- cesso contínuo de interações e, ainda, do sentimento de pertencer à espécie humana. 1.2.3. Dentro dessa complexidade, qual é nosso grande desafio como psicopedagogos? 22 As questões, aqui, apresentadas permeiam um grande desafio, que é o trabalho com a diversidade e com as adversidades em que se incluem as difi- culdades de aprendizagem. Trabalhar a diversidade é respeitar a individualidade de cada aluno, na ten- tativa de compreendê-lo melhor e ajudá-lo no seu processo específico de aprendizagem. Desta forma, torna-se possível estabelecer um elo de relacionamento comprometido, que possibili- ta diferenciar o papel que cabe a cada um, com seus compromissos específicos. Para isso, é preciso considerar as forças atuantes no nível das ideias e da dinâmica social real. Morin1 ressalta que as forças do ideal e do social interagem- -se mutuamente. “O ideal e o social se invertem e se transmutam2 um no outro” (Morin, 1998, pág. 280). O autor ressalta que essas forças mobilizadoras estão presentes em todas as instâncias do aprender, do pensar e do viver. São paradigmas que atuam em 1 Morin nasceu em Paris, é pesquisador emérito do CNRS, formado em História, Geografia, Direito, Filosofia, Sociologia e Epistemologia e autor de muitas obras. 2 Transmutar é organizar-se por outro lado. (Ferreira, 1986, pág. 703) 23 sinergia não apenas na sociedade, na cultura, mas também no nível individual e interpessoal. 1.1.4. Segundo Morin, o que seriam es- ses paradigmas? “Os indivíduos conhecem, pensam e agem con- forme os paradigmas neles inscritos culturalmente.Os sistemas de ideias são radicalmente organizados em virtude dos paradigmas... O paradigma desempe- nha um papel subterrâneo/soberano em toda teoria, doutrina ou ideologia. É o princípio da coesão/coe- rência do núcleo que estabelece os conceitos intrín- secos do sistema de ideias, fornece-lhes a articulação lógica, determina a relação do sistema com o mundo exterior. O paradigma produz a verdade do sistema, legitimando as regras de interferência, que garantem a demonstração ou a verdade de uma proposição” (Morin, 2002, pág. 261). 1.1.5. Quais são os pré-requisitos necessários para se quebrar os paradigmas? 24 Diante dessas reflexões, percebe-se que, para conseguir uma mudança de comportamento, é ne- cessário que haja uma mudança de pensamento, que se conecta com emoções e crenças. Para um profes- sor buscar novas práticas educacionais que tornem sua aula mais produtiva, é preciso que acredite que a responsabilidade pela aprendizagem de seus alunos é, em grande parte sua, assim pode se capacitar e ter um olhar inclusivo para seus alunos com dificulda- des de aprendizagem, mas, para que tudo isso possa acontecer em sua sala de aula, é preciso que seja va- lor para o professor, que faça parte de suas crenças e que acredite na importância do seu protagonismo. Para mudar paradigmas, há necessidade de uma transformação do modo de pensar, “do mundo do pensamento e do mundo pensado” (Morin, 2002, pág. 283), que traz consigo uma forma de sentir e de acreditar. Uma mudança de paradigma não fica limitada, apenas, a ele mesmo, revoluciona outros paradigmas e afeta a dinâmica da organização da sociedade como um todo, da cultura e da civilização. Estas mudanças culturais e sociais profundas, que acontecem nas socie- dades geram caos momentâneo e, consequentemente, a busca de uma nova ordem, em que se apresentam novos valores e novos papéis. Isso requer viver mo- mentos de transição para um novo movimento. 25 1.1.6. Qual é a importância de se fazer essa transformação? Analisando este contexto, muitos pensadores falam sobre esse período em que vivemos, como de transição entre modernidade e o que irá suceder nes- te contexto: a pós-modernidade. Para Morin, os paradigmas individualistas da sociedade moderna afastaram-se das experiências de complementariedade e de parcerias. A dificuldade de parceria e suas consequências manifestam-se em dife- rentes contextos da nossa vida pessoal e institucional. Todas essas questões específicas da escola, que não alimenta o trabalho de ensino/aprendizagem em parceria com alunos e com suas famílias, dizem respeito a uma questão paradigmática, que remete a algo muito mais global da nossa cultura: a visão frag- mentada do mundo, o isolacionismo da própria es- cola, que impede a complementaridade (assunto que abrangeremos com mais profundidade na unidade II, a respeito de Morin). 1.1.7. Como conduziremos este estudo para tor- nar a compreensão mais acessível? O caminho que propomos, neste estudo, sobre as dificuldades de aprendizagem e suas patologias é de indagação e reflexão. Partimos de aspectos mais 26 globais para particulares e vice-versa, indo desde questões de parceria, que conduziram às indagações mais amplas dos paradigmas culturais, fundamen- tando uma maior compreensão das questões mais locais da escola, relacionadas à fragmentação do sa- ber e isolamento dos próprios profissionais educa- dores, que, muitas vezes, não conseguem encontrar sozinhos o caminho para resolver esses dilemas, e precisam do apoio de um profissional com forma- ção psicopedagógica, para atuar de maneira eficiente e inclusiva. 1.1.8. Quais serão nossas fundamentações teóricas? Em busca de oferecer ao leitor a fundamentação teórica necessária, no primeiro momento, buscamos suporte em Edgar Morin, com o objetivo de focalizar as questões da fragmentação e dos paradigmas que geram as dissociações, separações e isolamentos. No segundo momento, vamos buscar o enten- dimento das reflexões feitas por Humberto Matura- na e Francisco J. Varela, buscando oferecer deles as bases biológicas da compreensão humana. Na sequência, trataremos a teoria da Psicologia Cognitiva de Jean Piaget3, que será ampliada para a Psicopedagogia por Eloísa Fagali, focalizando espe- cificamente a dinâmica na escola. 3 Jean Piaget 27 Iremos tratar os transtornos de aprendizagem, mais especificamente do TDHA (Transtorno de Dé- ficit de Atenção e Hiperatividade), do PAC (Processa- mento Auditivo Central), da discalculia, da acalculia e da dislexia. Finalizaremos este estudo com o processo de aprendizagem na abordagem da neurociência. 1.2. PSICOPEDAGOGIA : UMA CIÊNCIA NOVA A Psicopedagogia, como toda e qualquer área da ciência, vive um processo contínuo de constru- ção, em que se somam as contribuições da Psicaná- lise, da Pedagogia, da Psicolinguística, da Neurolin- guística e da Biologia, entre outras disciplinas. A construção da Psicopedagogia é obra de um processo interdisciplinar, cujo resultado é uma ciên- cia nova, que tem, desde seu início, um objeto de estudo definido.4 “A Psicopedagogia surge no Brasil como uma das respostas ao grande problema do fracasso escolar e evolui de acordo com a natureza do seu objeto e dos seus objetivos.” 5 4 A Psicopedagogia ainda é vista apenas como uma área de estudo, contudo os es- tudiosos da Psicopedagogia querem vê-la transformada em ciência independente. 5 SILVA, Mª Cecília A.. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação te- órica, pág. 25. ^ 28 A Associação Brasileira de Psicopedagogia (1990), assim, define: “A Psicopedagogia é um campo de atuação em Edu- cação e Saúde que lida com o processo de aprendi- zagem humana, seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio – família, escola e sociedade – no seu desenvolvimento, utilizando pro- cedimentos próprios do Psicopedagogo.” 6 Nessa óptica, o objeto de interesse não é apenas a dificuldade, mas a aprendizagem humana, vista como um atributo da saúde e objetivando sua melhoria. Essa definição destaca a importância do meio e, nesse ponto, há de considerar-se que, em contrassenso, é na própria escola e, muitas vezes, por responsabilidade dela que acontecem os problemas escolares: muitos alunos passam a achar matemática difícil; português “chato” etc. Assim, a Psicopedagogia tem também, como parte de sua missão, contribuir para a “cura” da própria escola, para tornar possível, a escola estimular cada vez mais a aprendizagem. Essas definições mostram a Psicopedagogia como uma área de execução prática do conhecimen- 6 In: SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar, pág. 08. 29 to humano e de terapêutica, atuando no campo da aprendizagem e em suas dificuldades, estejam elas no meio ou no próprio ser cognoscente. 1.2.2. Como a Psicopedagogia começou no Brasil? Beatriz Scoz7 mostra o processo de evolução da associação de psicopedagogos do Brasil, denomina- da ao iniciar, em 1980, suas atividades como Asso- ciação de Psicopedagogos de São Paulo; e, em 1988, pela ampliação do número de núcleos associativos espalhados pelo Brasil, passou a denominar-se As- sociação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). O crescimento numérico e qualitativo dessa Associação, a organização de congressos relativos a temas psicopedagógicos que atraiam profissionais, tudo isso foi evidenciando a necessidade de um co- nhecimento multidisciplinar, que não ressalte essa ou aquela ciência, mas que, numa síntese de esforços e conquistas, una e alinhe esses conhecimentos na direção de seus objetivos específicos. 1.2.3. Como a Psicopedagogia vê o ser humano? Silva (1998) considera como definição do ob- 7 Opus cit. 30 jeto da Psicopedagogia o próprio homem, como ser em processo de construção do conhecimento, ou seja, ser cognoscente. “Assim, a Psicopedagogia poderia considerar o ser hu- mano como uma unidade de complexidades, ou seja, como um ser pluridimensional com uma dimensão racional,uma dimensão afetiva/desiderativa e uma di- mensão relacional, esta última implicando um aspec- to contextual e um interpessoal. Este seria sujeito na construção do conhecimento e de sua própria autono- mia e, ao mesmo tempo, determinado pelas dimensões racional, desiderativa e relacional que o constituem.” 8 1.2.4. Como a comunicação e a aprendizagem es- tão relacionadas? A vida é movimento e comunicação. O ser hu- mano se expressa e aprende o mundo pelo movimen- to, que são os gestos (linguagem não-verbal) e as pala- vras: meios através dos quais o indivíduo constrói na forma “interior” sua personalidade e na forma “exte- rior” as relações humanas, que constituem a cultura, a arte, a micro e a macrossociedade. Nas palavras de 8 SILVA, M.ª Cecília Almeida. Psicopedagogia: em busca de uma fun- damentação teórica, pág. 29 e 30. 31 9 POLITY, Elizabeth. Ensinando a ensinar, pág.04. Elizabeth Polity: “Ensinar é também comunicar. Aquilo que o homem tem de mais primitivo e característico é sua necessida- de de estar em permanente comunicação com outras pessoas. E o ensinar permite esta relação particular, vinculando os sujeitos nela envolvidos.” 9 1.2.5. O que é esse fenômeno da aprendiza- gem humana? Maturana (1996) nos fala que o fenômeno de aprender é “mudar com o mundo”. É um processo dinâmico e aberto em que ocorrem mútuas adap- tações entre os organismos vivos e o meio, entre sujeitos e ambientes. Essa concepção de aprender implica em um conceito de transformações nas tro- cas recíprocas entre sistemas-indivíduos - e ambien- te, em que entra em jogo, tanto a conservação das receptivas identidades dos organismos e do meio, quanto às suas alterações. É um processo de transformação em que o sujei- to aprendiz organiza-se com a cultura. Neste processo, as forças do meio não determinam as condutas deste sujeito, mas exercem suas influências nas suas criações, fechando ou abrindo possibilidades de construções. 32 1.2.6. A que se propõe a Psicopedagogia? Todos os dias, milhões de jovens vão às escolas para assistir às aulas, porém o melhor momento para os alunos é o intervalo, é quando a vida acontece. Para os professores não é muito diferente, pois (quem é, ou já foi do meio sabe) boa parte das conversas na sala dos professores, durante o intervalo gira em tor- no dos problemas de sala de aula. A Psicopedagogia é um meio para se buscar solucionar esses problemas que afligem, igualmente, alunos, professores e familiares. Considerando-se que o natural do ser humano, seja a aprendizagem, com- preender por que acontecem esses bloqueios e difi- culdades na vida escolar e auxiliar a resolvê-los, é a missão da Psicopedagogia. 1.2.7. Por que acontecem essas dificuldades e os bloqueios de aprendizagem? Uma primeira resposta poderia ser que as difi- culdades acontecem porque aprender ou ensinar dá trabalho, mas tudo dá trabalho, comer, respirar, assim como estudar. Só que o trabalho de estudar, ao que tudo indica, não é algo tão motivador para a maioria dos jovens. Se os bloqueios estão nos próprios alunos, que espécie de bloqueios são esses? Se as dificulda- des estão na convivência com os colegas, o que está 33 acontecendo nesses relacionamentos humanos? Será, ainda, que a própria escola não está encontrando ou, pior ainda, não está procurando formas de trabalhar as aulas e torná-las mais interessantes? Essas são questões e aspectos que precisam ser observados para poderem ser respondidos. A Psico- pedagogia vem se constituindo num caminho para prevenção, tratamento e cura desse problema que, por suas mega proporção, não pode ser ignorada, pois a vítima disso é o ser cognoscente, ou seja, o próprio homem em processo de construção do conhecimen- to, onde se dá a gênese da aprendizagem. 1.2.8. O que são “forças do meio” e como o ser humano interage com elas? A concepção sobre “forças do meio” leva em conta uma visão dinâmica do ambiente, numa abor- dagem ecossistêmica. Essa dinâmica do aprender, portanto, deve ser olhada numa perspectiva de desen- volvimento humano, como um “processo pelo qual o sujeito em mudança amplia suas perspectivas do meio ambiente, tornando-se mais capaz de interagir no mesmo, de reestruturá-lo ou de transpor as suas próprias condições”. Diagnosticar o não aprender como sintoma con- siste em encontrar sua funcionalidade, isto é, sua arti- culação na situação integrada pelo aluno, considerado 34 em suas características e necessidades individuais. Entre alguém que ensina e alguém que aprende, abre-se um espaço de imprevisibilidade, de surpresa, de questionamentos, de criação, de interação e trans- formação entre quem aprende, quem ensina e o pró- prio conhecimento, que, por sua vez, também passa por um processo de transformação. 1.2.9. A Psicopedagogia traz que contribuições como uma ciência nova? A Psicopedagogia, como uma ciência nova, es- tuda o processo humano de aprendizagem, seus pa- drões evolutivos normais e patológicos, bem como a influência da família, escola e sociedade no seu desen- volvimento, busca oferecer formas de lidar com os problemas de aprendizagem e minimizar seus impac- tos negativos na vida escolar das crianças e dos jovens. Há necessidade de buscar-se uma articulação en- tre o ser, o existir, o fazer e o conhecer. Olhar os prin- cípios que regem o processo de aprender e notar que eles não pertencem de forma exclusiva a nenhuma das áreas de conhecimento já estabelecidas, bem como a nenhuma ciência. São princípios que já se encontram na experiência do homem, na sua construção, em to- das as modalidades do seu viver e aprender. 35 1.2.10. O psicopedagogo depara-se com que de- safios, e como vencê-los? É de grande importância para o psicopedagogo dialogar com as polaridades, questionar as certezas e verdades absolutas, desapegar-se dos conteúdos psí- quicos que podem interferir e reproduzir posturas cristalizadas. Nesse sentido, para viabilizar o proces- so de aprendizagem, é preciso que psicopedagogos e demais profissionais que trabalham na área da edu- cação, ampliem seu campo de visão para abranger as diferenças entre as formas que cada criança e adolescente têm em aprender, para caber também as incertezas e conseguir lidar com o que é paradoxal. O êxito, portanto, do trabalho do psicopeda- gogo constrói-se em parceria e complementariedade com o dos demais profissionais da escola. Procura- mos buscar a compreensão das características e ne- cessidades de aprendizagem dos alunos, abrindo es- paço para que a escola viabilize recursos para atender a estas necessidades, repensando o papel da escola e assumindo a responsabilidade que lhes cabe tanto pela aprendizagem, como pela não aprendizagem, buscando uma educação de qualidade e um trabalho diferenciado, com foco principal na aprendizagem do aluno e menos nos conteúdos programáticos. 1.2.11. Qual a importância da parceria família e 36 escola no trabalho psicopedagógico? Diante do enfraquecimento, por motivos vá- rios, das instituições na sociedade moderna, inclusi- ve da família, a escola tornou-se uma instituição, que cresceu de importância para elaborar as dificuldades individuais, familiares e sociais. Buscar uma sintonia entre essas instituições é um caminho que contribui para o desenvolvimento do aprendiz e gera mudan- ças saudáveis na própria cultura da família, da escola e do contexto maior em que essas instituições estão inseridas: a sociedade. Os paradigmas individualistas da sociedade moderna afastaram-se das experiências de com- plementariedade e de parcerias. As dificuldades de parceria manifestam-se em diferentes contextos da nossa vida pessoal e institucional, mas, ainda assim, esse é o caminho mais indicado para lidar com os problemas de aprendizagem de tantas crianças e jovens, para as quais a vida escolar é uma fonte de sofrimentos e de frustrações, que por sua vez impac- tam de forma imediata nas famílias e, por extensão, na sociedade em que essesatores estão inseridos. 1.2.12. A Psicopedagogia sempre busca identificar nas crianças e jovens com dificuldades de aprendi- zagem um diagnóstico e uma forma de tratamento? 37 Não é correto estabelecer uma regra geral atribuindo todos os casos de DA – dificuldades de aprendizagem – a um mesmo diagnóstico focado de forma geral nos alunos. Muitas vezes, as tentativas de estabelecerem-se a qualquer custo diagnósticos para avaliar esses problemas, servem para encobrir possíveis incompetências pedagógicas, que aconte- cem por parte da escola, chamando de dificuldade de aprendizagem o que, na verdade, seriam proble- mas escolares. Outras vezes, não existem resultados clínicos que comprovem de forma incontestável as causas para DA. Infelizmente, é comum o diagnóstico pouco criterioso de "hiperatividade", "fobia escolar" etc, servir como “bode expiatório” para alguma incapa- cidade da escola em lidar com processos e métodos de eficazes de aprendizagem. Não é segredo que a maioria das escolas, notadamente as públicas, está longe de cumprir sua tarefa de instruir e educar, en- volvidas que estão por precariedades, ditames políti- co-demagógicos ou técnicos utilitaristas. Percebe-se, com certa facilidade, que algo está muito errado na Educação e que, nem sempre, o erro é exatamente das crianças. 1.2.13. Como o psicopedagogo pode lidar com tantas variáveis em sua avaliação/abordagem terapêutica? 38 Esse contexto tão complexo aumenta a respon- sabilidade do psicopedagogo. Cada caso deve ser avaliado de forma individual e criteriosa, incluindo na avaliação da criança ou do adolescente o entor- no familiar e, lógico, escolar. Se essas questões de DA estão presentes no ambiente escolar e, por outro lado, ausentes nos outros lugares, o problema bem provavelmente deve estar no ambiente de aprendi- zado e não em algum "distúrbio neurológico" miste- rioso e não-detectável (Jan Hunt). O psicopedagogo deve observar se essas di- ficuldades acontecem só no ambiente escolar, se a criança aprende bem em outros ambientes, tais como: cursos de língua estrangeira, aulas de músi- ca etc. Pode observar, ainda, se a criança sabe ma- nipular aparelhos eletroeletrônicos com facilidade, tem boa performance em atividades lúdicas, enfim, quando ela mostra fora da escola que pode aprender como as demais. 1.2.14. O que é preciso observar em relação às escolas? Excluindo-se a imensa maioria da população brasileira que não pode escolher, e é obrigada a acei- tar a escola pública, em que seu filho deve obriga- toriamente estudar. Algumas outras famílias podem escolher a escola, motivadas por razões sociais, pelo 39 renome (fama) da instituição de ensino, por ser mais próxima de sua residência, por ter uma mensalidade compatível com o orçamento familiar, enfim, nem sempre o critério é pedagógico. Diante disso, é preciso observar que, muitas vezes, as DA são reações compreensíveis de estu- dantes neurologicamente normais à obrigação de adequar-se a condições adversas a que são expos- tos, diariamente, em salas de aula. Podemos ver na clínica psicopedagógica, muitas crianças sensíveis e emocionalmente retraídas que passam a apresentar DA, depois de submetidas a alguma situação cons- trangedora vivida no grupo de colegas de classe, mas não percebida pelos professores e familiares. Quando o problema é da escola, de certo modo “contamina” a criança e pode favorecer um falso diagnóstico, se não houver um olhar atento. Se as aulas não são devidamente preparadas e carecem de atrativos pedagógicos, o diagnóstico pode ser de “Hiperatividade”, de “Déficit de Atenção"; se a criança é assediada, se sofre bullying, se apanha de grupos de “colegas” delinquentes, se é submetida a situações vexatórias frequentes, pode aparentar um diagnóstico de “Fobia Escolar”; e assim por diante. 40 1.3. O HOMEM VISTO COMO SER COGNOSCENTe Beatriz Scoz, em seu livro “Psicopedagogia e realidade escolar”, parte da definição da Psicopeda- gogia como uma área de interesse, voltada para o processo de aprendizagem humana, mostrando que esse processo de construção do conhecimento: “(...) está, de alguma forma, ancorado no sujeito, porque o trabalho do psicopedagogo não se dá entre o psicope- dagogo e o processo de construção do sujeito e, sim, en- tre o psicopedagogo e o ser em processo de construção do conhecimento, ou seja, o ser cognoscente.” 10 Colocando-se, dessa forma, o ser cognoscente como objeto de estudo da Psicopedagogia, identifica- -se na dimensão do sujeito uma relação dialética entre determinação e autonomia, em que se considera por autonomia a ação criadora do sujeito; enquanto a deter- minação está relacionada às dimensões constitutivas do ser cognoscente: a racional, a relacional e a desiderativa. 1.3.1. Em que dimensões o ser cognoscente pode ser definido e analisado? 10 In: SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar, pág. 28. 41 “A determinação do ser cognoscente está relacionada com as dimensões que o constituem. Assim sendo, esse ser é determinado por sua dimensão racional, por sua dimensão desiderativa e por sua dimensão relacional. Essas dimensões na medida em que de- terminam o ser cognoscente são constituintes no processo de construção do conhecimento, de formas e intensidades diferentes, é bem verdade, mas todas: racional, relacional, desiderativa – são constitutivas no processo.” 11 Na dimensão relacional, o ser cognoscente é social, contextualizado, ou seja, determinado pelas condições materiais da sua existência em sociedade. O grupo em que está inserido, sua classe social, sua estrutura familiar etc. Na dimensão racional, o ser cognoscente cons- trói seu conhecimento a partir da ação. Segundo Pia- get (1964), cada etapa é gênese da seguinte. A crian- ça que aprende a engatinhar engatinhando; depois, a andar, caindo e levantando; até chegar com ela à habilidade de correr e jogar bola. O sujeito constrói o conhecimento pela ação e pela estruturação, que faz dessas ações nas contradições do fracasso ou nas 11 Apud SILVA, M.ª Cecília A.. Psicopedagogia: em busca de uma fun- damentação teórica, pág. 31. 42 sínteses que representam os avanços. A dimensão desiderativa, não é meramente emocional, abarca um saber que o ser cognoscen- te, ainda, não conhece, que é, portanto, um saber na dimensão inconsciente. De acordo com Freud, o inconsciente é regido pelo princípio do desejo ou do prazer. É preciso observar que, esse mesmo prin- cípio, quando acionado às avessas, pode se trans- formar em aversão, afastando a criança do interesse pelo conhecimento. Essas dimensões estão relacionadas e intera- gem na constituição do ser cognoscente regidas pelo princípio de prazer ou pelo de realidade, na dialética da autonomia ou da determinação (heteronomia), num processo conflitivo e complementar. 1.3.2. Qual é a função do eu cognoscente e como seu processo de construção pode ser afetado? O eu cognoscente tem função organizadora do indivíduo, é intermediário entre desejo e razão, o res- ponsável pela síntese e pelas elaborações simbólicas. Por meio da linguagem, o eu cognoscente constrói- -se e mantém sua autonomia, enquanto sujeito. No sentido de compreender como se proces- sam essas dificuldades, podem ser observadas as dimensões humanas relacionadas à aprendizagem. Uma má articulação entre essas dimensões do eu 43 cognoscente, que é o núcleo organizador, levaria a uma falsa organização. Segundo Silva: “(...) os obstáculos à construção do eu cognos- cente surgem como sintomas, que por sua vez, emergem da forma como se articulam entre si as diferentes dimensões do ser, mas também da interação que elas, como um todo dinâmico, es- tabelecem com o objeto, e do prolongamento da inter-relação no eu cognoscente.”12 1.3.3. Como a Psicopedagogia pode contri- buir para restabelecer o equilíbrio desse pro- cesso de construção do ser cognoscente? 12 In: SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidadeescolar, pág. 33. 44 O processo terapêutico psicopedagógico busca, portanto, a reconstrução da capacidade de síntese do eu cognoscente, a cura dos sintomas de dificuldade de articulação das dimensões do entre si, bem como a arti- culação do conjunto delas e o objeto de aprendizagem. A terapia psicopedagógica dá-se pela ação diri- gida, através de situações que permitem desmontar os sintomas das dificuldades de aprendizagem e pela regressão, permitindo que o sujeito se ressignifique como, capaz, autônomo e criativo, no processo de aprendizagem. 45 1. Como trabalhar com a diversidade e respeitar as individualidades de cada aluno? 2. Quais os paradigmas da escola em relação às difi- culdades de aprendizagem? 3. Como uma ciência formada a partir da soma de sa- beres pode se constituir num caminho para auxiliar os alunos a superarem seus problemas de aprendizagem? 4. Que espécie de visão conduz aos paradigmas da sociedade moderna? 5. Em que contribui para uma abordagem psicope- dagógica a visão da criança e do jovem, como seres cognoscentes? Questões ~ 47 Unidade 2 Nesta segunda unidade, temos a busca do embasamen- to teórico em Edgar Morin, com os seguintes tópicos: 2.1. O pensamento complexo e a Psicopedagogia 2.2. Um pouco do pensamento de Edgar Morin 2.3. A busca da reintegração segundo Morin 48 2.1. O PENSAMENTO COMPLEXO E A PSICOPEDAGOGIA As leis e as fórmulas simples são cada vez mais insuficientes, estamos defrontando-nos cada vez mais com o desafio da complexidade. Pascal disse há três séculos: “Todas as coisas são ajudadas e ajudantes, todas as coisas são mediadas e imediatas, todas estão ligadas entre si por um laço que conecta uma às outras, in- clusive as mais distanciadas. Nestas condições, con- sidero impossível conhecer o todo se não conheço as partes.” (In MORIN, Edgar. Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade, pág. 274 e 275) Morin acrescenta, ainda: “Tudo está em tudo, reciprocamente” (5). Assim, não só o todo está nas partes, mas também a parte está no todo, cada parte conserva a sua singularidade, porém contém o todo. O pensamento tradicional é disjuntivo e redu- tor, buscamos a explicação do todo através da consti- tuição de suas partes. Quer-se, desse modo, eliminar o problema da complexidade. Observando a forma como a Educação está organizada desde o início do ensino fundamental, podemos notar que esse pen- samento reducionista predomina em todo processo 49 de formação escolar, construindo um mundo de ex- perts e especialistas, que deixa fora dele todo aluno que não se adequa a seus rígidos padrões. “Hegel dizia que o verdadeiro pensamento enfrenta a morte, olha de frente para a morte. O verdadeiro pensamento é o que olha de frente, enfrenta a de- sordem e a incerteza. Nessa linha, enfrentando o problema da complexidade, nascem novas ciências, diferentes das disciplinas clássicas (...)” (MORIN, Edgar. Novos Paradigmas, Cultura e Sub- jetividade, pág.277) Assim, nasce a Psicopedagogia como uma soma de saberes necessários para contemplar-se a comple- xidade e contribuir para superação das dificuldades de aprendizagem. 2.1.1. Como a sociedade retroage sobre os indivíduos? A sociedade é um todo, cujas qualidades retroa- gem sobre os indivíduos dando-lhes uma linguagem, cultura e educação. O todo, portanto, é mais que a soma das partes. Mas, é ao mesmo tempo menos que a soma das partes, pois a organização de um todo impõe constrições e inibições às partes que o for- 50 mam, que já não tem tal liberdade. Na realidade, a organização é o que liga um sistema, que é um todo constituído de partes dife- rentes, porém encaixadas e articuladas. A ideia que destrói toda tentativa reducionista de explicação é que o todo tem quantidade de propriedades e qua- lidades que não têm as partes, quando estão sepa- radas. Assim, podemos obter, através da integração de estudantes em torno da realização de uma pro- posta de trabalho, a desinibição, o desenvolvimento da habilidade de trabalhar em grupo, de descobrir soluções, de ler, interpretar, entender, gostar de ler, de aprender, vivenciar a aprendizagem e ter o que lembrar depois. 2.2. UM POUCO DO PENSAMENTO DE EDGAR MORIN 13 2.2.1. A noção de sujeito Palavras-chave: sujeito, autonomia e dependên- cia, o mundo científico e o intuitivo, disjunção e conjunção. Neste caso, estamos diante de uma das primei- ras questões paradigmáticas. Por isso, para refletir sobre elas, Morin diz que o séc.XXI deverá abando- nar a visão unilateral que define o ser humano, pois 51 este é complexo e traz em si, de modo bipolarizado, caracteres antagônicos. Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo. Por isso, a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura... Nas cidades, a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. (Alberto Caeiro, in: "O Guardador de Rebanhos - Po- ema VII"- Heterônimo de Fernando Pessoa) A noção de sujeito é extremamente controver- tida, é evidente e não-evidente, trata-se de uma evi- dência óbvia, pois em quase todas as línguas, existe uma primeira pessoa do singular; por outro lado não é evidente: onde se encontra o sujeito? O que ele é? Em que se baseia? Em muitas filosofias e metafísicas, o sujeito 13 MORIN, Edgar. “Epistemologia da Complexidade”. In: SCHNIT- MAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artmed, 1996. 52 confunde-se com a alma com a parte divina, em que se fixa o juízo, a liberdade, a vontade, a moral etc. Uma disjunção na cultura ocidental é considerar- mo-nos sujeito e vermos o outro como sujeito. Pelo paradigma de Descartes, há dois mundos: um relevan- te ao conhecimento científico, que é o mundo dos ob- jetos expressos pela técnica, pelas ciências e pela ma- temática; e outro, intuitivo, reflexivo, que é o mundo dos sujeitos, expresso pela filosofia e pela literatura. Uma maneira de ver as coisas é considerar que a espécie não existe, visto que nunca vemos a espécie, o que vemos é o indivíduo; porém no campo concei- tual, é o indivíduo que desaparece, e o que conside- ramos é a espécie. No ciclo rotativo da vida, somos produtos e produtores. A sociedade é produto de in- terações entre os indivíduos. Essas interações criam organizações que passam a ter vida própria: quali- dade, linguagem e cultura. Os indivíduos produzem a sociedade que, por sua vez, produz os indivíduos. Assim, contrariando a teoria determinista, podemos reconhecer a autonomia do indivíduo, mas, sendo essa, ao mesmo tempo, relativa e complexa. A noção de sujeito implica, ao mesmo tempo, em autonomia e dependência, mas não se esgota nisso. Um computador, por exemplo, é um compu- tante, ocupa-se de signo, dados e índices. Uma bac- téria também computa (elos entre proteínas DNA e RNA, e a autorreprodução dos organismos unice- 53 lulares), porém computa por conta própria, por si mesma e para si mesma, ou seja, está animada por autofinalidade. A bactéria poderia dizer “computo ergo sum”, “computo, logo existo”, pois se deixa de computar, deixa de existir. Somam-se à noção de sujeito, o computo, o egocentrismo e a autoconstituição de sua identida- de. Remetendo a si mesmo, que é a entidade corpo- ral. A autorreferência é a auto-exo-referência, para referir-se a si mesmo, é preciso referir-se ao mundo externo, esse processo é constitutivo da identidade subjetiva, distinguindo, entre o si e o não-si, entre o eu e os outros “eus”. Nosso sistema imunológico, conforme descoberta do final dos anos sessenta, re- conhece e ataca em si, todo não-si. Por meio do processo de transformação da criança em adulto, nós nos transformamos. O eu ocupa um lugar central, estabelecendo a permanên- cia da identidade. Temos a ilusão de ter uma identi- dade estável, apesar de todas as diferenças, segundo nossos humores e paixões. O eu realiza a unidade,esse é um segundo princípio de identidade. Há dois princípios associados: a inclusão e a ex- clusão. A inclusão faz com que possamos integrar em nossa subjetividade outros diferentes de nós, in- tegrando-a a uma subjetividade mais coletiva, o nós. O sujeito humano pode oscilar entre o egocentrismo absoluto, ou seja, o predomínio do princípio de ex- 54 clusão, e a abnegação, o sacrifício pessoal, a inclusão. O terceiro princípio é o da intercomunicação com o semelhante, esse deriva do princípio da in- clusão. O que torna mais complexo o problema da comunicação humana, é que podemos comunicar nossa incomunicabilidade. Como o indivíduo vive num universo em que existe o acaso, a incerteza, o perigo e a morte, o su- jeito tem, inevitavelmente, um caráter existencial. Nos mamíferos, a afetividade desenvolve-se ao mesmo tempo em que o sistema cerebral, tem um papel, para muitos, preponderante na constituição do sujeito. O indivíduo-sujeito pode tomar consci- ência de si mesmo, através da linguagem, nesse pro- cesso de autorreferência e de reflexividade. A liberdade é a possibilidade de escolha entre diversas alternativas. A liberdade supõe duas condi- ções, a condição interna para considerar uma situ- ação e suas escolhas, suas apostas, e as condições externas, nas quais essas escolhas são possíveis. Quando falo, ao mesmo tempo em que eu falo, falamos “nós”; no eu falo também está o “se fala”. Por “nós” pode se entender a comunidade cálida, da qual fazemos parte e, por “se fala”, indica-se a co- letividade fria. Pois, então, o eu não está puro e não está só, nem é o único. Se não existisse o “se” e se não existisse o “nós”, o eu não poderia falar. Assim, sempre temos incertezas: em que medida o que fala 55 “sou eu”. Na frase de Freud: “onde está o ele, o eu deve devir”. O que não significa que o ele deva desa- parecer, mas que o eu deve emergir. Pelo princípio do egocentrismo, o eu está no centro do mundo, mas objetivamente, não é nada no universo, é efêmero, sendo para si mesmo tudo, e para o mundo, nada, resulta-se o princípio da incerteza. Na visão de Mony Elkaïm: “devemos lutar con- tra a disjunção e a favor da conjunção”, ou seja, es- tabelecer ligações, entre coisas que estão separadas, criando macroconceitos como, por exemplo, a auto- -geno-feno-ego-eco-re-organização. E ainda, o pro- blema do sujeito é o problema da identificação com seus valores, sendo a tomada de consciência um ato de iluminação ética. 2.2.2. Epistemologia da complexidade Palavras-chave: globalização, sociedade da infor- mação, incerteza, cultura, identidade cultural. As leis e as fórmulas simples são cada vez mais insuficientes. Estamos defrontando cada vez mais com o desafio da complexidade. Pascal disse há três séculos: “Todas as coisas são ajudadas e ajudantes, todas as coisas são mediadas e imediatas, todas estão ligadas entre si por um laço que conecta uma às outras, inclusive as mais distanciadas. 56 Nestas condições, considero impossível conhecer o todo se não conheço as partes” e, ainda, “Tudo está em tudo reciprocamente”. Assim, não só o todo está nas partes, mas também, a parte está no todo, cada parte conserva a sua singularidade, porém contém o todo. O pensamento tradicional é disjuntivo e re- dutor, buscamos a explicação do todo através da constituição de suas partes. Quer-se, desse modo, eliminar o problema da complexidade. Essa forma de pensamento predomina em todo processo de for- mação escolar, construindo um mundo dos experts e dos especialistas. Hegel dizia que o verdadeiro pensamento en- frenta a morte, olha de frente para a morte. O verda- deiro pensamento é o que olha de frente, enfrenta a desordem e a incerteza. Nessa linha, enfrentando o problema da complexidade, nascem novas ciências, diferentes das disciplinas clássicas. Em realidade, a organização é o que liga um sistema, que é um todo constituído de partes dife- rentes, porém encaixadas e articuladas. A ideia que destrói toda tentativa reducionista de explicação é que o todo tem quantidade de propriedades e quali- dades que não têm as partes quando estão separadas. A sociedade é um todo cujas qualidades retroagem sobre os indivíduos dando-lhes uma linguagem, cul- tura e educação. O todo, portanto, é mais que a soma das partes. Mas, é ao mesmo tempo menos que a 57 soma das partes, pois a organização de um todo im- põe constrições e inibições às partes que o formam, que já não tem tal liberdade. Em cada organização, devemos observar suas vantagens e as constrições, posto que essa reflexão evite que se glorifiquem or- ganizações mais amplas, visto que essas limitam mais do que as menores. Uma diferença fundamental entre a máquina viva e a artificial, é que a artificial não tolera desordem, en- quanto que a máquina viva pode tolerar uma quanti- dade razoável de desordem. Nas sociedades humanas, essa desordem é o que chamamos de liberdade. O que chamamos de realidade, percebemos através de nossas estruturas mentais, sendo todo conhecimento uma tradução e uma reconstrução. Construímos nossa percepção de mundo com uma considerável ajuda de sua parte. É surpreendente que nosso cérebro está totalmente fechado em sua caixa craniana, que não se comunica diretamente com o mundo exterior, do qual recebe apenas estímulos que são transformados em mensagens, que se transfor- mam em informações e, por sua vez, em percepções. Os seguidores da Escola de Copenhague pensavam que o que conhecemos não é o mundo em si, é o mundo com nosso conhecimento. Não podemos se- parar o mundo que conhecemos das estruturas com o qual o conhecemos. Assim, há uma aderência inse- parável entre o mundo e nosso espírito. 58 É difícil estabelecer uma clara fronteira entre o que é sensato e o que é loucura. Cada ser humano carrega em si um verdadeiro cosmo. Não só por que a profusão de interações em seu cérebro seja maior do que todas as interações no cosmos, mas também porque leva em si um mundo fabuloso e desconheci- do dele mesmo. A singularidade, o concreto, a carne, o sofrimento, tudo isso é o que faz a força da novela. Assim, os grandes novelistas já ensinaram o cami- nho da complexidade. A política vem mostrando o caminho da comple- xidade à medida que governar implica na necessidade de outros conhecimentos, por exemplo o sociológico, o ecológico. Consequentemente, a política vem tor- nando-se, cada vez mais, tecnocrática e econocrática. A era planetária faz-se quanto mais se produzem in- terconexões entre os diferentes segmentos do planeta. A política deve enfrentar essa complexidade. Conclui-se colocando que o pensamento com- plexo não pretende se considerar completo, mas le- var em conta que sempre há a incerteza, aprender a lidar com ela, reconhecendo que o problema ver- dadeiro consiste em privilegiar a estratégia e não o programa. Hoje se inicia a construção desse novo paradigma: o pensamento complexo. 2.2.3. O que significa esta complexidade huma- na proposta por Morin? 59 A citação, abaixo, tenta explicar melhor a visão de ser humano, pois segundo Morin: “O ser humano não é somente um ser racional, pois, também é irracional; o homem da racionalidade é também o da afetividade; do mito e do delírio. O homem do empírico é também do imaginário. O homem de economia é também do consumismo. O homem prosaico é também da poesia, isto é, do fer- vor, da participação, do amor, do êxtase.” (Morin, 2004, pág. 58). Vive-se, atualmente, uma época de transição, de tomada de consciência, de mudanças paradigmáti- cas, na qual o homem atua de modo individualista e sente euforicamente a sensação de liberdade, de au- tonomia e responsabilidades. Mas, este sentimento não foi suficiente para aquietá-lo e preenchê-lo. Este modo individualista de viver não trouxe paz interior, ao contrário disto, trouxe solidão e angústia. “Desde o seu nascimento o ser humano conhece não só por si só, para si, em função de si, mas, também, pela sua família, pela suatribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas.” (Morin, 2002, pág. 21). 60 2.2.4. Qual é a importância da cultura, nessa visão da complexidade humana? Este pensamento traz a ideia de homem como um ser biológico, cultural e social e torna-os inse- paráveis, pois, sem o homem, não existiria cultura e o homem não teria capacidade de pensamento e consciência sem cultura. “É a cultura e a sociedade que garantem as realiza- ções dos indivíduos, e são estas interações que per- mitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade”. (Morin, 2002, pág. 54) Olhar o ser humano na sua complexidade signi- fica pensar o desenvolvimento humano associado ao desenvolvimento conjunto das autonomias individu- ais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana 2.2.5. A partir de qual momento a cultura passa a ter importância na vida humana? Todo conhecimento é adquirido por nós, desde o ventre materno, antes do nascimento com as influ- ências do meio ambiente, sons, músicas e alimentos. Percebe-se, então, que se a cultura está presente e 61 influencia-nos desde o período embrionário. Ela é “coprodutora da realidade que cada um percebe e concebe”. (Morin, 2002, pág. 25). A esta realidade chamamos conhecimento. 2.3. A BUSCA DA REINTEGRAÇÃO SEGUNDO MORIN Refletindo sobre as condições do homem e do conhecimento, é necessário abandonar a ilusão de que somos hiperconscientes14 e pensar no fato de que na mesma medida que manipulamos o conheci- mento, somos manipulados por nossos paradigmas, pois, segundo Morin: “Os indivíduos conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas neles inscritos culturalmente e que o nosso maior desafio é conseguir olhar para nós mes- mos e nos confrontarmos interiormente, pois o que é paradigmático está profundamente inscrito também na organização cognitiva, psíquica, intelectual e cultu- ral, em que nascem teorias e raciocínios no ser huma- no”. (Morin, 2002, pág. 261) 14 Hiperconsciente. Posição superior, além, excesso da consciência. (Ferreira, 1986, pág.1897). ~~ 62 Embora a sociedade imponha regras e limita- ções aos indivíduos, e estes se submetam e obede- çam na maior parte do tempo, isto não ocorre de maneira totalizadora. 2.3.1. Ainda que inseridos e manipulados pelo contexto cultural, de que maneira os indivíduos podem conseguir construir sua autonomia? Nós somos indivíduos com capacidade e auto- nomia para pensar, criar, modificar, desviar, inovar, e possuímos ideias que podem se projetar acima da cultura. Entender isto é mais uma proposta de mu- dança paradigmática a ser pensada por nós, pois so- mos corresponsáveis pelas mudanças e revoluções e não vítimas deste sistema. Ao falar em mudanças, não se trata de abando- nar um conhecimento em detrimento do outro, mas sim conjugá-los. Poder criticar sem querer dissolver, possibilitar a comunicação, o diálogo, não para criar uma verdade ou razão, mas para permitir duvidar, 63 criar incertezas, enfrentar imprevistos e apreender a lidar com o inesperado. 2.3.2. Nesse aspecto, que contribuições podemos ter a partir de uma abordagem interdisciplinar? “Entendemos que o homem é um ser físico e bioló- gico, individual, cultural e social, mas não estabele- cemos ligações entre os pontos de vista de cada um deles”. (Morin, 2002, pág. 288). Na Educação, este conceito de ser humano pode desintegrar-se por meio das disciplinas frag- mentadas, impedindo o estabelecimento de vínculos entre as partes e a totalidade. Morin propõe uma Educação dirigida: “à totali- dade aberta” do indivíduo, uma restauração no senti- do de ser humano “de modo que cada um tome co- nhecimento e consciência, ao mesmo tempo de sua identidade complexa e de sua identidade comum a to- dos os outros seres humanos”. (Morin, 1999, pág. 15) 2.3.3. Por que entender os seres humanos, os povos, as culturas na sua diversidade é um ca- minho para a Educação na pós-modernidade? 64 O trabalho com a diversidade será o ponto de partida rumo a uma revolução paradigmática, de uma nova geração de teorias abertas, críticas, refle- xivas, feitas com parcerias, em redes que se reverbe- rem a todos os seres humanos, como “cidadãos da terra”. (Morin, 2002, pág. 61) 2.3.4. Mas, o que significa o pensamento em rede que se reverbera tornando-nos cidadãos da Terra? 65 Para responder esta questão, Morin propõe um pensamento a partir da tríade: indivíduo, sociedade e espécie humana. “Os indivíduos são produto do processo reprodutor da espécie humana, mas este processo deve ser ele próprio realizado por dois indivíduos. As interações entre indivíduos produzem a sociedade, que testemu- nha o surgimento da cultura, e que retroage sobre os indivíduos pela cultura.” (Morin, 2004, pág. 54) A partir desse pensamento complexo, percebe- mos que a sociedade vive para o indivíduo, este por sua vez, vive para a sociedade e ambos vivem para a espécie humana, que vive tanto para o indivíduo como para a sociedade, tornando-se, assim, meio e fim. É a partir desta relação triádica – indivíduo/ espécie/sociedade - que Morin propõe um pensa- mento em rede, em que a complexidade humana não poderia ser compreendida se reduzida a uma visão tradicional e, portanto, dissociada dos elementos que a constituem. 66 Cabe à Educação do futuro: “cuidar para que a ideia de unidade da espécie humana não apague a ideia da diversidade, e que a da sua diversidade não apague a da unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade humana.” (Morin, 2002, pág. 55). Vê-se, nessa perspectiva do pensamento “mul- tifacetado do humano”15 (Morin, 2002, pág. 61), que o ser humano é situado no universo e não separado dele, nessa relação. Daí decorre a necessidade deste pensamento multifacetado à Educação do futuro, servindo como eixo, e ao mesmo tempo, como caminhos que se abrem a todos que pensam, pesquisam, fazem edu- cação e preocupam-se com o futuro da humanidade. 15 Multifacetada. Possui muitas facetas que se aplicam a vários assun- tos. (Ferreira, 1986, pág. 1169). 67 1. Compare pensamento tradicional e pensamen- to complexo? 2. Qual desses pensamentos identifica-se com a abordagem psicopedagógica dos problemas de aprendizagem? Por quê? 3. O que é o pensamento em rede? 4. A Educação do futuro baseia-se em que paradigmas? 5. Explique por que não somos hiperconscientes? Questões ~ 69 Unidade 3 Nesta terceira unidade, estudaremos o processo de aprendizagem sobre quatro aspectos: 3.1. O aprender e o processo de escolarização: as bases biológicas da compreensão humana 3.2. Teoria da Psicologia Cognitiva com base em Piaget, ampliada para a abordagem psicopedagógica 3.3. Quadros das fases do desenvolvimento segundo Piaget 3.4. Roteiros de aplicação das provas operatórias 3.5. Um olhar ampliado para a Teoria de Piaget 3.6. Neurociência e o desenvolvimento cognitivo 69 Unidade 3 Nesta terceira unidade, estudaremos o processo de aprendizagem sobre quatro aspectos: 3.1. O aprender e o processo de escolarização: as bases biológicas da compreensão humana 3.2. Teoria da Psicologia Cognitiva com base em Piaget, ampliada para a abordagem psicopedagógica 3.3. Quadros das fases do desenvolvimento segundo Piaget 3.4. Roteiros de aplicação das provas operatórias 3.5. Um olhar ampliado para a Teoria de Piaget 3.6. Neurociência e o desenvolvimento cognitivo 70 3.1. O APRENDER E O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO : AS BASES BIOLÓGICAS DA COMPREENSÃO HUMANA O fenômeno de aprender é “mudar com o mundo”. Trata-se de um processo dinâmico e aber- to, de mútuas adaptações entre organismos vivos e meio, sujeitos e ambientes. Essa concepção de aprender implica em trans- formações nas trocas recíprocas entre sistemas-indi- víduos - e ambiente - em que entra em jogo tanto a conservação das receptivas identidades dos organis- mos e do meio, quanto às suas alterações. É um processo de transformação em que o su- jeito aprendiz organiza-secom a cultura. Neste pro- cesso, as forças dos ambientes não determinam as condutas deste sujeito, mas exercem suas influências nas suas criações, fechando ou abrindo possibilida- des de construções. 3.1.1. O que Maturana nos apresenta como pers- pectiva do desenvolvimento humano? “Processo pelo qual o sujeito em mudança, amplia suas perspectivas do meio ambiente, tornando-se mais capaz de interagir no mesmo, de reestruturá-lo ou de transpor as suas próprias condições.” Maturana (1996) ~~ ~ 71 A concepção sobre “forças do meio”, leva em conta uma visão dinâmica do ambiente, numa abordagem ecossistêmica, em que o ato de ensinar e de aprender não são dois momentos recíprocos, como o dar e o receber, ou o educar e educar-se. Há, porém, coisas que não se podem ser ensinadas, mas, não obstante a essa impossibilidade, podem ser aprendidas. Temos, como alguns exemplos disso, ha- bilidades como jogar, pensar, sentir e humorizar. Entre alguém que ensina e alguém que aprende, abre-se um espaço de imprevisibilidade, de surpre- sa, de criação, de transformação e de construção de conhecimentos, porque os saberes, assim como os 72 indivíduos, vivem um processo contínuo de cons- trução, numa sociedade que ainda não está pronta. 3.1.2. Dentro dessa perspectiva, a plenitude da condição humana advém apenas do nascimento? É por meio da aprendizagem, que nós humanos nos tornamos humanos. O filhote de ser humano se faz humano através da aprendizagem humana e este, portanto, sendo um dos nossos atributos fundamen- tais, constitui-se em nosso primeiro desafio. 3.1.3. Qual é a importância, então, de diagnosti- car-se o não-aprender? Até a terceira década da vida, os jovens passam mais tempo na escola do que em qualquer outra institui- ção, na presença de professores, colegas de aula. Nossa missão torna-se determinante rumo a um trabalho de cidadania ativa e de apoio à construção da autonomia. Nesse sentido, diagnosticar o fenômeno do não aprender como sintoma, consiste em encontrar sua funcionalidade, sua articulação na situação integrada pelo aluno. 3.1.4. Considerando-se que os jovens vivem maior parte do tempo dentro das escolas, qual é a missão dessa instituição? 73 Consideremos que o papel da escola deveria ser o de desenvolver o potencial de cada um, respeitan- do as características individuais do aluno e sua forma de aprender, procurando reforçar os pontos fortes e auxiliando na superação dos pontos fracos. Evitaríamos, dessa forma, que as mais diversas mo- dalidades de dificuldades que as crianças apresentam em sua vida escolar, tornassem-nas excluídas no processo de aprendizagem, fazendo-as rotuladas e discriminadas. É preciso compreender que cada indivíduo cog- noscente tem um tempo e uma forma de aprender própria, mas, sem sombras de dúvida, chega-se à con- clusão que, independentemente, da via neurológica utilizada, o sucesso escolar de crianças com distúrbios de aprendizagem possa ser uma associação de fatores positivos que envolvam ambiente de estudo adequado + estímulo + motivação + organismo, possibilitando que o professor, na sua árdua tarefa de lidar com as mais diferentes adversidades, saiba que, antes de tudo, é necessário saber avaliar, distinguir e, principalmen- te, querer mudar suas estratégias de aula e adequá-las, respeitando cada criança e jovem estudante, em seu estado específico de desenvolvimento. 3.1.5. Quais são as causas mais frequentes para as di- ficuldades de aprendizagem e problemas escolares? 74 1. Escola 2. Fatores intelectuais ou cognitivos 3. Déficits físicos e ou sensoriais 4. Desenvolvimento da linguagem 5. Fatores afetivo-emocionais 6. Fatores ambientais (nutrição e saúde) 7. Diferenças culturais e ou sociais 8. Dislexia 9. Deficiência não verbal. 3.1.6. Como se processa o desenvolvimento da aprendizagem escolar numa criança com DA (Dificuldade de Aprendizagem)? Numa criança com DA, o desenvolvimento se processa mais lentamente do que em outra criança da mesma faixa etária e livre dessa condição dife- renciada, especialmente, na área da atenção seletiva. Não se deve, porém, considerar essas crianças de- feituosas, deficientes ou permanentemente inaptas. 75 Elas podem aprender! É preciso que o educador procure uma forma de ensino adequada a atender sua necessidade específica, e não procure ou aceite o caminho mais fácil: apontar algo que esteja errado na criança. É provável que seu método de ensino e a forma de aprendizagem da criança estejam em defasagem ou desencontro. Nem a criança, nem o professor de- vem ser responsabilizados por isso, mas o professor pode ser responsável se ele não tentar implementar uma estratégia, que ajude a contornar o impasse. 3.1.7. O que se entende por escola? Além da instituição escola, estão incluídos, nes- te item, os fatores intraescolares como inadequação de currículos, de programas, de sistemas de ava- liação, de métodos de ensino e de relacionamento professor-aluno. Vale salientar a necessidade de dife- renciar, com uma especial atenção, as crianças com dificuldades de aprendizagem das demais crianças com dificuldades escolares, que revelam a incompe- tência da instituição educacional, no desempenho de seu papel social. As dificuldades escolares, para serem solucio- nadas, não podem ser consideradas como problemas dos alunos. É comum vermos professores usando material de ensino desestimulante, desatualizado, 76 totalmente desprovido de significado para muitas crianças, sem levar em consideração suas diferenças individuais. O aluno não se envolve no processo de ensino-aprendizagem e fica mais difícil a assimilação de conhecimentos. 3.2. TEORIA DA PSICOLOGIA COGNITIVA COM BASE EM PIAGETs, AMPLIADA PARA A ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA Jean Piaget* (1896-1980) foi biólogo, psicólogo, filósofo, suíço, conhecido pelo seu trabalho pio- neiro no campo da inteligência infantil e uma das figuras mais notáveis no campo das ciências contemporânea do comportamento. Realizou pesquisas sobre o pensamento infantil. Uma de suas grandes preocupações era relacionada ao funcionamento das estruturas do pensamento lógico, intelectual da criança, em seu aspecto dinâmico e nos processos do conhecimento que a criança põe em ação. Para isto, desenvolveu um método clínico. Piaget queria evitar os inconvenientes da apli- cação de testes assim como as puras observações. Assim, emprega um método novo, clínico de con- versação livre com a criança, sobre um tema dirigido pelo interrogador que segue suas respostas pedindo 77 que justifique, explique, diga por que, enfim, fazen- do com que a criança fale mais livremente. Para dominar este método, é necessário reu- nir algumas qualidades fundamentais: saber obser- var, deixar que a criança fale sem interrompê-la e ao mesmo tempo ter em mente alguma hipótese de trabalho. No decurso da utilização do método, foi construindo-se novas perspectivas, uma nova to- mada de consciência que culmina na verificação de sua inadequação e, gradativamente, passa-se de um método inicialmente verbal para um material cons- tituído de experiências com intervenções para justi- ficar as ações concretas efetuadas; da lógica infantil da linguagem para a lógica infantil na ação, sem que a linguagem seja excluída. Assim, foi se construindo o método clínico. 3.2.1. Como se deu a Teoria de Piaget? Na Teoria de Piaget, a compreensão de um ob- jeto de conhecimento aparece estreitamente ligada à capacidade de o sujeito reconstruir este objeto, por ter compreendido suas leis de composição. Piaget fala de uma compreensão ligada à transformação do objeto. No processo de construção do pensamento, o funcionamento intelectual, em seu aspecto dinâmico, caracteriza-se também pelos processos invariantes de assimilação e acomodação cognitiva, onde como duas 78 faces da mesma moeda um completa o outro, gerando novas adaptações do indivíduo, no seu processo de construção de pensamento.Para Piaget “a cognição, assim como a digestão, é organizada. Todo ato inteligente pressupõe algum tipo de estrutura intelectual, algum tipo de organiza- ção dentro da qual ocorre. A apreensão da realida- de sempre envolve relações múltiplas entre as ações cognitivas, os conceitos e os significados que as expri- mem”. (Flavell John; A Psicologia de desenvolvimen- to de Jean Piaget, pág. 46) 79 3.2.2. Como se dá o ato de assimilação? “O ato de assimilação é o fato primeiro, que engloba toda a necessidade funcional, a repetição, e esta a coordenação entre o sujeito e o objeto que anuncia a implicação e o julgamento”. (O nascimen- to da inteligência da criança, pág. 44. in Batro A., Dicionário terminológico de Jean Piaget) “Assimilar, tanto psicologicamente, como biolo- gicamente é reproduzir-se a si mesmo por intermédio do mundo exterior, é, portanto, transformar as per- cepções até torná-las idênticas ao próprio pensamen- to, isto é, aos esquemas anteriores. O julgamento e o raciocínio da criança 14246 in Batro A., Dicionário terminológico de Jean Piaget, a assimilação explica o fato primitivo, geralmente admitido como o mais ele- mentar da vida psíquica: a repetição.” (O nascimento da inteligência da criança, pág. 44, in Batro A., Dicio- nário terminológico de Jean Piaget) O conceito de esquema para Piaget pressupõe algum tipo de organização ou sistema estrutural no organismo. Um objeto quando assimilado a alguma coisa e acomodado, possui uma estrutura cognitiva de ações sequenciadas que acabam por constituir. Estes esquemas são rotulados por Piaget de acordo com a sequência de ação a que se referem, quan- do a criança o executa. No decorrer deste exercício, repetido, da ação, os esquemas transformam-se se 80 modificando, continuadamente, ampliando, assim, o modo de assimilação dos objetos diferentes. 3.2.3. E os processos de acomodação, como são definidos por Piaget? A acomodação: “... refere-se a uma atividade: ainda que a modificação do esquema seja imposta pelas resistências do objeto, ela não é ditada apenas pelo objeto, mas antes pela reação do sujeito que tende a compor a resistência (seja pela reação ime- diata, ensaio e erro). Mas, em segundo lugar, se aco- modação é uma atividade em que consiste diferen- ciar um esquema de assimilação, com relação a está não é, senão uma atividade derivada ou secundária. As pressões das coisas tendem sempre, não a uma submissão passiva, mas a uma simples modificação da ação exercida sobre elas”. (A psicologia da inte- ligência pág. 14. In Batro, Dicionário terminológico, Jean Piaget, 1978) Os estudos de Jean Piaget, sobre os proces- sos cognitivos e o desenvolvimento da criança, têm como ponto de partida a noção de conservação, re- versibilidade e antecipação. 3.2.4. Qual a definição dada por Jean Piaget à noção de conservação? 81 Para Piaget, a noção de conservação significa uma condição necessária para toda a atividade racio- nal, que implica na apreensão do que se mantém cons- tante ou não na compreensão de qualquer fenômeno. Para que um conhecimento possa ser elaborado faz-se necessário que seja captado e compreendido, segundo os aspectos que se mantêm constantes e os que não se mantêm. Isto é identificar na transforma- ção o que não se altera (a constância) e ou resgatar o todo, sem deixar de aprender, simultaneamente, as partes articuladas a esse todo. Esta noção de conservação está implícita na formação de conceitos, buscando a compreensão sobre o objeto e o mundo, no desenvolvimento da noção de quantidade e de número e das relações afe- tivas, quando o indivíduo supera o egocentrismo. 3.2.5. Qual a importância do egocentrismo no processo de desenvolvimento da criança? Egocentrismo é o aspecto central do pensa- mento infantil, que consiste em reduzir tudo a si, ao passo que chamamos de egocentrismo a indiferen- ciação entre o próprio ponto de vista e o dos outros. Um fenômeno inconsciente de perspectiva. Segundo o psicólogo, todas as crianças são ego- cêntricas, uma vez que as suas habilidades mentais não lhes permitem compreender que as restantes 82 pessoas podem ter critérios e crenças diferentes dos delas, pois têm extrema dificuldade em colocar-se no lugar do outro, fato que as impede de estabelecer relações de reciprocidade. Tal pensamento, como in- dica seu nome, está “centrado no eu”. Uma criança começa a superar o egocentrismo, por volta dos 2, 3 anos aos 7, 8 anos. Para isso, é ne- cessário captar as variações e, simultaneamente, a per- manência, de um fenômeno e, assim, caracteriza-se a noção de conservação. A conservação desenvolve-se em função da reversibilidade e vice-versa. A noção de conservação garante o pensamento reversível e a re- versibilidade gera maior consistência à conservação. 3.2.6. O que é como ocorre a reversibilidade? Chamamos de reversibilidade a capacidade de executar uma mesma ação em dois sentidos, mas ten- do consciência de que se trata de uma, apenas. A reversibilidade ocorre quando a criança percebe o inverso, o contrário, o oposto e, simul- taneamente, as suas identidades no mesmo todo. A reversibilidade permite olhar e perceber a comple- mentaridade e identidade do todo, caracterizando o pensamento relativo. A partir desta evolução do pensamento lógico com a noção da conservação e da reversibilidade me- rece atenção, nesse processo, a noção de antecipação, 83 que acontece quando a pessoa que tem noção de con- servação, consegue a partir de um dado, objeto, ação ou fenômeno, prever o que veio antes, e o que vem depois, utilizando o raciocínio dedutivo, antecipando assim, as sensações ou sentimentos e evoluindo para previsões imaginárias, que podem culminar para de- duções de causa e efeito. A criança, à medida que evolui vai-se ajustando à realidade circundante, e superando de modo cada vez mais eficaz, as múltiplas situações com que se con- fronta, desde o nascimento até a maturidade. Em resumo, vemos que o objeto vai se cons- truindo aos poucos, e a criança necessita de estímu- los e motivação para superar o seu desenvolvimento, e desta forma, torna-se necessário que experiencie e tenha tempo suficiente para interiorizar a experiên- cia antes de prosseguir para o estágio seguinte, assim como uma estreita relação entre o afeto e a aprendiza- gem, que embora não tenha sido a principal preocu- pação de Piaget, não nega sua importância. 3.2.7. Como Piaget vê a vida afetiva no contexto cognitivo e pessoal- emocional? Piaget vê as reações cognitivas e pessoais/emo- cionais como interdependentes em seu funcionamen- to. A vida afetiva, assim, como a vida intelectual, é uma adaptação contínua, uma vez que “os sentimen- 84 tos expressam o interesse e o valor atribuídos às ações que têm sua estrutura proporcionada pela inteligên- cia”. (Flavell, John; A psicologia do desenvolvimento de Piaget; pág. 80). Como evolui o desenvolvimento do pensamento lógico, intelectual, desde o nascimento até a maturida- de, segundo estudos de Piaget? 3.3. QUADROS DAS FASES DO DESENVOLVIMENTO, SEGUNDO PIAGET Os quadros, abaixo, dão uma ideia das fases do desenvolvimento, segundo estudos de Piaget, com uma descrição do desenvolvimento intelectual, desde o nascimento até a maturidade. Apresentaremos, inicialmente, as características mais gerais e fundamentais dos primeiros anos de vida com as evoluções mais especializadas da fase sen- sória- motora, que termina com a descrição do pen- samento pré-operacional. Continuamos, abrangendo a construção das operações concretas nos anos inter- mediários da infância, até, finalmente, chegarmos à descrição das operações formais da adolescência. 85 Sensório–motor Sensorial e fisiológico ocorre através dos reflexos e dos esquemas como, por exemplo, sugar, sugar os mamilos, realizar o reconhecimento de vozes, figuras familiares, a percepção de objetos que desaparecem etc. 86 Pré-Operatório Surgimento da função simbólica que é a condição
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