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INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL CONCEITO DE DIREITO PENAL - É o conjunto de normas (regras e princípios) destinados a punir e a prevenir a prática de crimes e de contravenções penais mediante a imposição de uma sanção penal. POSIÇÃO NA TEORIA GERAL DO DIREITO - O Direito Penal é um ramo do Direito Público. Desde que a sociedade aboliu a auto-tutela (justiça privada) como forma principal de resolução de conflitos e a substituiu por soluções institucionalizadas, como é o caso da Jurisdição Penal, o ius puniendi (direito de punir) passou a ser monopólio do Estado. - As normas de Direito Penal são normas indisponíveis e genéricas. Indisponíveis porque o Estado não pode abrir mão do seu dever-poder de punir. Genéricas porque são dirigidas a todos os cidadãos, indistintamente. Por óbvio, estes dois atributos da norma penal (indisponibilidade e generalidade) comportam exceções que serão estudadas no decorrer do curso. - No Direito Penal, o Estado funciona como sujeito passivo de todas as infrações penais (crimes e contravenções). Ele é sujeito passivo imediato nos casos em que um interesse seu é atingido de modo direto, como no crime de peculato, e sujeito passivo mediato em virtude da sua responsabilidade em garantir a ordem pública e a paz social, de modo que qualquer infração penal sempre contrariará algum destes interesses, ainda que indiretamente. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL - Segundo Magalhães Noronha, “o Direito Penal é uma ciência cultural, normativa, valorativa e finalista”. É CIÊNCIA, porque tem base cientifica e o conjunto de análises produzidas pelos estudiosos sobre suas normas confere os contornos da chamada “dogmática penal.” É uma ciência CULTURAL, porque estuda o “dever-ser”, e, mais especificamente, a resposta do Estado a determinados comportamentos, diferindo-se, assim, das ciências naturais, que se preocupam apenas em definir e descrever os fenômenos que se passam no plano do “ser”. É uma ciência NORMATIVA, porque o seu objeto de estudo é a norma jurídica penal (regras e princípios). É uma ciência VALORATIVA, porque apresenta a sua própria escala de valores para os fatos que lhe são submetidos, de tal sorte que o mesmo fato pode ser valorado de modo distinto ao longo do tempo. É uma ciência FINALISTA, na medida em que o Direito Penal tem uma finalidade prática, que é a proteção de bens jurídicos. NOTA: A palavra norma tem sua origem no mesmo radical que compõe a palavra “normal”, motivo pelo qual denota a expectativa por determinadas formas de comportamento, previsíveis dentro dos critérios e regras de experiência. • O Direito Penal é constitutivo (cria algo novo) ou sancionador? - Para Zaffaroni, “o direito penal é predominantemente sancionador e excepcionalmente constitutivo”. Isso significa que, na maioria das vezes, o Direito Penal reprime condutas que ofendem bens e interesses jurídicos constituídos em outros ramos do Direito, como é o caso dos crimes de furto (que tutela o direito a propriedade, típico do Direito Civil); sonegação (que tutela o dever do contribuinte de honrar as suas obrigações fiscais para com o Estado, típico do Direito Tributário) e homicídio (que tutela o direito a vida, constitucionalmente assegurado). Por outro lado, exemplo do caráter constitutivo do Direito Penal é a figura do sursis, caracterizada pela suspensão condicional da execução da pena privativa de liberdade mediante o atendimento de determinados requisitos. FUNÇÕES DO DIREITO PENAL Proteção de bens jurídicos - Destacada por Claus Roxin, a proteção de bens jurídicos é a principal função do Direito Penal. É da proteção de bens jurídicos que o Direito Penal retira o seu fundamento de existência e legitimidade. • O que é um bem jurídico? Os bens jurídicos são os valores e interesses relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. Nem todo bem jurídico é passível de tutela penal. Apenas os mais importantes é que são selecionados pelo legislador, mediante um juízo de valoração positivo, pautado em diretrizes oferecidas pela Constituição Federal. É precisamente aqui que nasce o debate sobre a Teoria Constitucional do Direito Penal, a partir da qual pode-se dizer que o Direito Penal só é legítimo quando tutela valores consagrados na Constituição Federal. Prova Oral do MP-SP: Por que matar alguém é crime? Resposta: Para além da previsão legal do Art. 121 do CP, o fato típico “matar alguém” tutela o direito à vida, garantido constitucionalmente pelo Art. 5º, caput da CF-88. Instrumento de controle social - Ao criar crimes, cominar e aplicar penas; o Direito Penal funciona como instrumento de controle social, pois busca a manutenção da paz pública. Garantia - Franz Von Liszt dizia que o Código Penal é a Magna Carta do delinquente. Isso significa que as leis penais, muito mais do que punir, visão proteger as pessoas do arbítrio estatal. O Direito Penal funciona como um escudo do cidadão contra o arbítrio do Estado. Função ético-social do Direito Penal - A função ético-social também é chamada de função criadora ou de função configuradora dos costumes, pois coloca em destaque a estreita relação mantida entre o Direito Penal e os valores éticos reinantes em uma sociedade. Exemplos marcantes são as pautas de Direito Penal que dominaram as últimas eleições (ex.: combate a corrupção e ao crime organizado), bem como a crescente tutela do meio ambiente por meio da responsabilização penal, enquanto fruto da paulatina tomada de consciência acerca da necessidade de preservação dos recursos naturais. A incorporação de determinados valores éticos, assim, tem impacto quase que imediato no plano do Direito Penal, fazendo com que a norma penal assuma um papel educativo, voltado a produzir um suposto efeito moralizador. Função simbólica - A função simbólica é aquela que traduz a produção de efeitos internos na mente dos governantes e dos governados. Não possui, portanto, efeitos concretos/práticos. - Exemplo atual é a inclusão da qualificadora do feminicídio no crime de homicídio, que além de atender a uma necessidade concreta, confere a impressão de que o legislador se preocupa com o problema da violência contra a mulher, criando nos cidadãos a expectativa de que o índice de crimes de homicídio contra a mulher, praticados em virtude de sua condição de pessoa do sexo feminino, diminuiriam. Isso, porém, distancia-se do que ocorre na prática, onde o índice cresce cada vez mais. Mesmo assim, a criação da qualificadora é suficiente para estabilizar as expectativas dos cidadãos no que tange a postura esperada do legislador diante da problemática social. - A função simbólica contribui para a chamada hipertrofia do Direito Penal, criando um Direito Penal do medo e do terror. O fenômeno da hipertrofia está compreendido dentro de uma produção legislativa descontrolada (inflação legislativa), voltada a conferir soluções aos problemas sociais com recurso ao reforço punitivo do Direito Penal e não por meio da implementação de políticas públicas efetivas, que tratem a raiz do problema. É o chamado Direito Penal de Emergência, que, ao propor soluções imediatistas para os problemas sociais, conduz a uma situação de descrédito do Direito Penal no médio e no longo prazo. Função motivadora - A ameaça de uma sanção motiva as pessoas a não violar as normas penais. Função de redução da violência estatal - Proposta por Jesus Maria Silva Sanches, a função de redução da violência estatal visa fazer da aplicação da pena (que é uma violência do Estado para com o cidadão) algo menos violento possível. Essa função pode ser traduzida na expressão: “quanto menos Direito Penal, melhor.” - Chamada intervenção mínima do direito penal. Função promocional - O Direito Penal deve auxiliar no desenvolvimento de uma sociedade ao promoverdeterminados valores como a preservação dos recursos ambientais. “ Instrumento de transformação social”. A CIÊNCIA DO DIREITO PENAL - Considerando que o Direito Penal estuda não só a figura do crime, mas também as figuras do criminoso, da sanção penal e da vítima, é preciso que ele realize um constante dialogo com outras ciências. Nesse sentido, é a lição de José Cerezo Mir e outros. Dogmática Penal - Dogmática não é sinônimo de dogmatismo, isto é, da aceitação absoluta e incontestável de uma verdade. O dogmatismo é incompatível com a visão do Direito Penal como ciência. - A dogmática tem como objeto o estudo da norma jurídica, que é o ponto de partida para a compreensão do Direito Penal. Dizer que a norma é o ponto de partida é reconhecer que o estudo empreendido pela dogmática não se resume ao sistema normativo, o que requer do jurista a capacidade de realizar uma leitura sistemática das normas e dos valores jurídicos e sociais. - A dogmática auxilia na construção dos sentidos e significados que estão por trás da norma. Um bom exemplo pode ser visto nos casos em que a pessoa com deficiência maior de idade mantém relações afetivas e sexuais com outra pessoa maior e capaz. O olhar voltado para a letra fria da lei penal enquadra a conduta, de plano, no tipo do estupro de vulnerável. Art. 217-A, CP. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) - Entretanto, um outro olhar mais atento ao caso concreto e, sobretudo, a Lei Brasileira de Inclusão, conduz a uma reflexão sobre o direito das pessoas com deficiência de preservarem os seus direitos de ordem afetiva e sexual. Além disso, leva-nos a rememorar que a função da norma penal é proteger o vulnerável, e não o contrário. Política criminal - A Política Criminal é o filtro entre a letra fria da lei e os valores e interesses de uma determinada sociedade. A funcionalidade desempenhada pela política criminal dentro do nosso sistema jurídico fica clara quando paramos e refletimos que o significado, alcance e finalidade da lei penal no ano de edição do Código Penal (1940) era uma, e agora certamente é outra. É por meio da política criminal que o Direito Penal consegue garantir a eficácia social das normas penais (“a lei pegou”). No entanto, é preciso ter atenção para que a política criminal não seja utilizada como artificio retorico apto a justificar qualquer tipo de decisão em matéria penal, como nos casos de indulto concedido pelo Presidente da República ou outras questões de grande espectro social, apreciadas pelos Tribunais Superiores nos últimos tempos. Criminologia - Nas palavras de Antônio Garcia Pablus de Molina, a criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar. É empírica, pois pode ser provada no caso concreto. É interdisciplinar, pois dialoga com outras áreas do saber. - A criminologia estuda as causas do crime (= a pessoa do agente, a formação, o seu desenvolvimento no local onde cresceu, etc.…). Em outras palavras: por que o crime aconteceu? Vitimologia - A vitimologia se dedica ao estudo do papel da vítima no Direito Penal. O exemplo da torpeza bilateral no estelionato, por exemplo, ilustra uma das formas em que a vítima, intencionalmente, pode ter contribuído para a prática do crime. - O Código Penal em sua concepção tradicional não se preocupa com o papel reservado a vítima dentro da situação criminosa, isto é, qual o seu papel para a ocorrência do delito e como ela deve ser tratada. Isto porque a preocupação do CP é, majoritariamente, centrada na figura do agente, o que se dá por razões de ordem histórica, ligadas ao desenvolvimento da Teoria do Delito. DIVISÕES DO DIREITO PENAL Direito Penal fundamental versus Direito Penal complementar - O Direito Penal Fundamental, também chamado de Direito Penal Primário, designa o conjunto das normas gerais do Direito Penal, sendo aplicáveis inclusive aos crimes previstos em leis especiais, desde que estas não contenham disposições especificas em sentido contrário. O Direito Penal Fundamental pode ser encontrado nas regras contidas na parte geral do Código Penal (CP), mas também em alguns dispositivos da parte especial, como acontece com o conceito de funcionário público para fins penais, previsto no Art. 327 do CP. - O Direito Penal Complementar, também chamado de secundário, designa as normas que integram a legislação penal especial (Ex.: lei de drogas, sonegação fiscal, lavagem de capitais, lei dos crimes hediondos, etc.…) Direito Penal comum versus Direito Penal especial - O Direito Penal Comum é aquele aplicável, indistintamente, a todas as pessoas, como, por exemplo, o Código Penal. - O Direito Penal Especial diz respeito às normas aplicáveis somete a um grupo restrito de pessoas, que preencham os requisitos previstos em lei. Exemplo disso é o Código Penal Militar, aplicável, via de regra, apenas aos militares. Direito Penal geral versus Direito Penal local - O Direito Penal Geral é aquele que se aplica em todo o território nacional por ser produzido pela União no uso de sua competência privativa. - O Direito Penal local é aquele aplicado somente em um dado estado federado, nos termos do Art. 22, parágrafo único da CF. Art. 22, CF-88. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...] Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. Direito Penal objetivo versus Direito Penal subjetivo - Direito Penal Objetivo é o conjunto de leis penais em vigor. Ou seja, são todas as leis penais que já foram produzidas e ainda não forma revogadas. - Direito Penal Subjetivo é o direito de punir (ius puniendi). Direito Penal material versus Direito Penal formal - Direito Penal Material, também chamado de substantivo, é o Direito Penal propriamente dito, isto é, as leis penais em vigor. - Direito Penal Formal, também chamado de adjetivo, designa o conjunto de leis processuais penais em vigor. É o Direito Processual Penal. FONTES DO DIREITO PENAL - As fontes do Direito Penal dizem respeito às formas pelas quais o Direito Penal é criado e os modos pelos quais ele se manifesta. Fontes materiais, substanciais ou de produção - Dizem respeito à criação do Direito Penal pela União (Art. 22, I, CP). LEMBRE-SE: Os estados federados também podem legislar sobre Direito Penal, desde que preenchidos dois requisitos: (i) deve se tratar de questão específica de interesse local do estado e (ii) autorização da União mediante Lei Complementar (LC). Fontes formais, cognitivas ou de conhecimento - Dizem respeito à aplicação do Direito Penal, como ele se revela e se manifesta. As fontes formais se subdividem em: (i) Fontes formais imediatas: é a lei, pois é ela, lei ordinária, a responsável por criar crimes e cominar penas: Art. 1º, CP. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 5º, XXXIX, CF-88. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. ATENÇÃO: Alguns autores sustentam que a Constituição é fonte imediata do Direito Penal. No entanto, embora seja possível a Constituição criar crimes e cominar penas, como ela de fato faz, essa não é a sua funçãoprecípua. (ii) Fontes formais mediatas: São as que auxiliam na aplicação do Direito Penal, tais como a Constituição Federal, a jurisprudência (conjunto de decisões reiteradas sobre um mesmo assunto), a doutrina, o costume (repetição de um comportamento em face da crença na sua obrigatoriedade), os tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos, os atos administrativos e os princípios gerais do Direito. NOTA: Além de abarcar diversos princípios penais importantes como a irretroatividade da lei penal, a Constituição prevê também “mandados de criminalização”, motivo pelo qual alguns chegam a dizer que dentro dela há uma “Constituição Penal.” LEMBRE-SE: Em razão da polêmica que circunda o conceito de “jurisprudência”, é prudente admitir como equiparado ao termo às hipóteses previstas no Art. 927, CPC-2015. LEMBRE-SE: O costume possui um elemento objetivo (reiteração do comportamento) e outro subjetivo (crença na obrigatoriedade). É esse elemento subjetivo que diferencia o costume jurídico do mero hábito. • Quais as modalidades de costume jurídico? a) Interpretativo (secundum legem): auxilia o interprete no momento da aplicação, ao sugerir a avaliação de elementos como a condição do agente, o local onde vive, o local onde o crime foi praticado etc... Exemplos interessantes são os conceitos de mulher honesta (previsto antes das reformas legislativas) e o conceito de ato obsceno (Art. 233, CP). b) Negativo (contra legem): também chamado de desuetudo, o costume negativo é aquele que contraria a lei, mas não a revoga. É o que acontece com o jogo do bicho em alguns pequenos municípios que, embora amplamente arraigado como prática costumeira, continua sendo infração penal. c) Integrativo (praeter legem): é aquele que supre a lacuna da lei, podendo ser utilizado apenas no campo das normas penais não incriminadoras, sempre para favorecer o réu e nunca para prejudicá-lo. Nesse sentido, veja-se, por exemplo, a tradição judaica da circuncisão e a questão da lesão corporal. LEMBRE-SE: Os atos administrativos exercem o papel de complementar as normas penais em branco heterogêneas.