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18 RESUMO DE ORTOPEDIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Osteomielite e Artrite Séptica Aula ministrada pelo professor José Ribeiro. Introdução As condições aqui discutidas são muito comuns em crianças (importante na área pediátrica), para as quais é muito importante o diagnóstico precoce. As infecções musculoesqueléticas podem ser: - Osteomielite: infecção do osso - Artrite séptica/pioartrite: infecção da articulação - Celulites/abcesso: tecidos moles. Osteomielite A osteomielite é um processo inflamatório do tecido ósseo causado por bactérias, com incidência de 1:5000 crianças abaixo de 13 anos, com prevalência maior no sexo masculino (M 2,5:1 F). Está associada muitas vezes ao trauma. Preferencialmente ocorre em ossos longos, com predomínio nos membros inferiores. O mais comum é no fêmur, depois na tíbia, e seguidos pelo úmero. Acomete apenas 1 osso em 90% dos casos. O diagnóstico precoce é essencial para evitar cronificação e sequelas. A etiologia mais frequente é por S. aureus (grande maioria), seguido por estreptococo do grupo A. Em pacientes com anemia falciforme deve-se pensar em Salmonella, enquanto em imunodeprimidos, grandes queimados e traumas de calcâneo é importante pensar em pseudomonas. Em recém-nascidos, importante pensar em gram negativos e estreptococo do grupo B Na fisiopatogenia, a bactéria pode atingir o osso por 3 vias: hematogênica (pelo sangue – extremamente frequente), direta (trauma puntiforme, fratura exposta) ou por contiguidade (infecção próxima que se espalha para o osso). A via hematogênica é a mais comum, e a osteomielite nesse caso ocorre principalmente na região metafisária. Isso ocorre pois de 1 a 16 anos a vascularização da epífise e da metáfise é separada, sendo a placa de crescimento atuando como uma espécie de “barreira”. O vaso chega então na região metafisária e forma uma alça para fazer o retorno, passando nessa volta de capilares retos e estreitos para veias de melhor calibre, com isso diminuindo a pressão e o fluxo sanguíneo (Trueta). Até os 8 meses/1 ano, há vasos que cruzam a cartilagem, mas a partir dessa idade começam a não ocorrer mais e sim formar essas alças dos capilares que chegam. O menor fluxo sanguíneo propicia a proliferação bacteriana nessa região, se implantando e podendo formar abcesso nessa parte do osso longo. A proliferação bacteriana provoca acúmulo de exsudatos e produtos bacterianos aumentando a pressão, que começa a causar um descolamento do periósteo (criança tem periósteo menos aderido). O exsudato sob pressão é drenado pelos canais de Havers até a medula ou pelos canais de Volkmann para dentro do córtex ósseo, atingindo periósteo e fistulizando. Pode ocorrer, então, uma necrose óssea maciça da região de descolamento do periósteo. 19 RESUMO DE ORTOPEDIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 A matriz óssea é destruída por enzimas proteolíticas, necrosada pela obliteração vascular, assim descalcificando pela inflamação e desuso. Depois vai sendo absorvida pela osteoclastos e reconstruída pelos osteoblastos. Se a metáfise for intra-articular, como no fêmur, úmero, quadril, a bactéria pode chegar no interior da articulação, fazendo uma artrite séptica. O pus dentro da cavidade articular é condrolítico, podendo causar lesões na cartilagem às vezes irreversíveis. Por isso, é extremamente importante evitar que sejam formados os abcessos, tanto ósseos quanto intra-articulares. Quadro Clínico----------------------------------------------------------- Geralmente a criança já tem um antecedente de infecção (infecção de pele, garganta etc.), normalmente acometendo apenas um osso. O paciente tem febre de intensidade e duração variável. Muitas vezes não há correlação entre clínica e gravidade, dificultando pois o paciente pode não ficar prostado e avançar na infecção. Pode ocorrer em ossos chatos, embora menos comum, como vértebras e na calota craniana (bem associado a punção de couro cabeludo). Os recém-nascidos demonstram intensa irritabilidade, com dor à palpação e pseudoparalisia (não mexe o membro acometido). O periósteo é muito fino e pouco aderido nessa idade, permitindo um grande descolamento periosteal. É importante estar atento à artrite séptica do quadril. No quadro clínico de lactentes (1 ano até pré-escolar), há dor e impotência funcional, com edema e abcesso subperiostal (às vezes calor e rubor). Nessa idade o córtex é mais grosso e o periósteo é mais denso, atuando como barreira à infecção, sendo uma placa epifisária um espécie de barreira que impede a disseminação. Em crianças na fase escolar e adolescentes, há sinais e sintomas focais na região do osso, com um ponto doloroso bem circunscrito. A lesão raramente ultrapassa o córtex. Diagnóstico-------------------------------------------------------------- Para o diagnóstico, pede-se o hemograma (desvio à esquerda = apontando para mais bastões/células imaturas), VHS e PCR elevadas; pode pedir-se hemocultura, mas só positiva em 40-50% dos casos (mesmo negativa, o ideal é intervir à suspeita clínica, ou uma punção óssea, que tem cultura positiva em 70-80% dos casos. Essas culturas devem ser feitas antes do uso prévio de antibiótico. O raio X não é bom para o diagnóstico, pois só começa a alterar após 7 a 10 dias, apenas quando começa a ter mudança de densidade óssea ou levantamento de periósteo. Após 2 semanas aparece lesão periosteal e lítica. Por isso, não se deve esperar por resultado de raio x para diagnosticar e intervir. 20 RESUMO DE ORTOPEDIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Pode ser feita a cintilografia com tecnécio ou gálio, que é um exame com baixo custo e sem necessidade de sedação. Tem grande sensibilidade e especificidade que varia de 70-96%, permitindo ver as lesões ósseas bem antes do sétimo dia. Vê-se uma hipercaptação localizada correspondente à área de osteomielite aguda, que, no entanto, pode também estar presente em outras lesões. A RNM também pode ser feita, sendo capaz de delinear a localização e extensão do comprometimento ósseo. É útil quando a cintilografia é inconclusiva ou quando são locais mais difíceis como coluna e pelve. A principal vantagem é que esse exame identifica com precisão coleções subperiosteais ou de tecidos moles. Os pontos ruins são a dificuldade de manter a criança dentro do aparelho e o alto custo. A TC mostra a presença de gás intraósseo (muitas vezes o abcesso da absorção intraóssea), tendo a sua realização menor duração que a RNM e mais fácil de manter a criança no aparelho. No entanto, irradia-se muita radiação na criança. Em casos de osteomielite crônica é superior à RNM na identificação de anormalidade dos ossos. Diagnósticos Diferenciais--------------------------------------------- Diagnósticos diferenciais podem ser: febre reumática, artrite séptica, celulite, sarcoma de Ewing e infarto ósseo em pacientes com anemia falciforme. Tratamento--------------------------------------------------------------- Para o tratamento, faz-se cuidados gerais (melhorar status imunológico da criança) como: hidratação, correção da anemia, manutenção do equilíbrio proteico, analgesia, repouso, imobilização (evitar fraturas), antibioticoterapia por 4 a 6 semanas. Para a antibioticoterapia, prescreve-se de acordo com a maior possibilidade de bactéria em questão: Às vezes é necessário fazer intervenção cirúrgica-ortopédica. Após 48h de antibiótico sem melhora, é necessário abrir a região, drenar e lavar a região para evitar que continue a expansão do periósteo, retirando-se a pressão do abcesso. Nesse momento, colhe-se também material para antibiograma. Osteomielite Crônica--------------------------------------------------- A osteomielite crônica se dá quando há sinais e sintomas presentes por mais de 2 semanas antes do início do antibiótico (pode não ser efetivo). Nesses casos pode haver osteomieliteprévia, com a presença de fístula, que drena para fora do osso e pode haver evidência de desvitalização óssea. Muitas vezes esse quadro está associado À duração inadequada de antibioticoterapia. O tratamento se dá com cirurgia ortopédica, realizando-se o debridamento ósseo da parte necrótica, enxerto ósseo e antibioticoterapia por período prolongado, Pode ser usado cimento ósseo com antibiótico (às vezes 4 a 6 meses). 21 RESUMO DE ORTOPEDIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 Muitas vezes se diz que as osteomielites não têm cura, tem melhora e resolve-se no momento. Pode ocorrer na mesma área uma osteomielite anos depois após algum evento que abaixe a imunidade do paciente. Artrite Séptica A artrite séptica é quando se tem uma infecção dentro da articulação (espaço articular – inflamação sinovial e derrame purulento), com aumento de volume, calor rubor e imobilização dessa articulação. 65% dos casos ocorre em pacientes menores de 20 anos, com predomínio 2:1 no sexo masculino. Fatores de risco são: cateterismo umbilical, cateter central, osteomielite, cirurgias. Os agentes etiológicos são muito semelhantes aos da osteomielite. A fisiopatogenia pode ser dar pela chegada da bactéria por três vias: inoculação direta, contiguidade (pouco comum na pediatria) e hematogênica (a mais comum – preferencialmente em membros inferiores, principalmente em joelho seguido de articulação coxofemoral). Na região intra-articular existe a ausência de membrana basal, o que facilita para a bactéria atingir a sinóvia durante a bacteremia. A degradação da cartilagem ocorre, sendo causada pela liberação de enzimas proteolíticas, migração de leucócitos e derrame sinovial. OBS.: A cartilagem não consegue se regenerar completamente quando é destruída por inteiro, havendo uma substituição por tecido conjuntivo, deixando sequelas na criança. Quadro Clínico----------------------------------------------------------- O paciente tem febre e queda de estado geral. Há edema, calor, rubor e dor à movimentação (esta última é uma grande diferença da osteomielite). Geralmente há um acometimento monoarticular. Em RN e lactentes jovens é bem como acometer o quadril. O paciente fica em posição antálgica de flexionar o quadril e abduzir, tendo dor ao estender o quadril. Sinais flogísticos podem estar ausentes (pode estar profundo). Normalmente a criança abduz e roda externamente o MI. Diagnóstico-------------------------------------------------------------- Para o diagnóstico, pede-se o hemograma (desvio à esquerda = apontando para mais bastões/células imaturas), VHS e PCR elevadas; pode pedir-se hemocultura. Toda suspeita de artrite séptica deve ser puncionada, fazendo-se um exame com diagnóstico imediato. 22 RESUMO DE ORTOPEDIA JOÃO VITOR FALEIROS - 103 A punção articular deve aspirar o exsudato, que mostra geralmente 80% de polimorfonucleares e a cultura é positiva em 80% dos casos. Tratamento--------------------------------------------------------------- Para o tratamento, faz-se cuidados gerais, analgesia, repouso da articulação acometida, drenagem cirúrgica, antibioticoterapia por 4 a 6 semanas (mesma da osteomielite) e fisioterapia (pós-tratamento). OBS.: Lembrar que o pus é condrolítico e, por isso, deve sempre ser drenado.
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