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1 2 Sumário 1 EDUCAÇÃO PERMANENTE E EDUCAÇÃO CONTINUADA NA SAÚDE . 3 2 EDUCAÇÃO DE ADULTOS PRESSUPÕE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA .......................................................................................................... 4 3 EDUCAÇÃO PERMANENTE NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL ............... 7 4 MARCO CONCEITUAL DE REFERÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE ......................................................................................................... 10 5 ESTRATÉGIAS DE ARTICULAÇÃO ADOTADAS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA ASSEGURAR A EDUCAÇÃO PERMANENTE NO SUS ................... 11 6 O COMPROMISSO DA SOCIEDADE E DAS AGÊNCIAS FORMADORAS DE RECURSOS HUMANOS PARA A SAÚDE ......................................................... 12 7 ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA ......................................................... 14 8 FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS ............................................... 15 9 O PROCESSO DE TRABALHO ................................................................ 16 10 A GESTÃO DE PESSOAL E A QUALIDADE ........................................ 18 11 A CONSTRUÇÃO DE PROJETOS DE EDUCAÇÃO PERMANENTE NOS SERVIÇOS 26 12 PROJETO COLETIVO PARA UM TRABALHO SOLIDÁRIO ................. 27 13 A QUALIDADE: IDEIA E ESFORÇO DE TODOS .................................. 28 14 DESENVOLVIMENTO E MONITORAÇÃO PERMANENTE (DE QUALIDADE, DE TRABALHO E DE EDUCAÇÃO) ................................................... 30 15 QUADRILÁTERO DA FORMAÇÃO: ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO, GESTÃO, ATENÇÃO E PARTICIPAÇÃO .......................................... 30 16 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 33 3 1 EDUCAÇÃO PERMANENTE E EDUCAÇÃO CONTINUADA NA SAÚDE Fonte: www.suvisa.ba.gov.br No modelo convencional de educação continuada, geralmente, o trabalho é compreendido como aplicação do conhecimento teórico especializado e é possível encontramos elementos para avaliar que, o grande investimento na capacitação de recursos humanos, não tem se traduzido em mudanças na prestação de serviços de saúde. “Em outras palavras, a atualização é útil, mas não necessariamente tem o potencial de transformar as práticas nos serviços”. Na Educação Permanente em Saúde, as necessidades de conhecimento e a organização de demandas educativas são geradas no processo de trabalho apontando caminhos e fornecendo pistas ao processo de formação. Sob este enfoque, o trabalho não é concebido como uma aplicação do conhecimento, mas entendido em seu contexto sócio- organizacional e resultante da própria cultura do trabalho. “Diferencia-se, assim, das listas de demandas individuais por treinamento, resultantes da avaliação de cada um sobre o que lhe falta ou deseja conhecer e que, muito frequentemente, orienta as iniciativas de capacitação”. Educação Permanente, em contrapartida, é apresentada, por representantes do Ministério da Saúde, como “estratégia de reestruturação dos serviços, a partir da análise dos determinantes sociais e econômicos, mas, sobretudo, de valores e conceitos dos profissionais. Propõe transformar o profissional em sujeito, colocando- o no centro do processo ensino-aprendizagem”. 4 A definição da Portaria 198/GM/MS, apresenta a Educação Permanente como aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao quotidiano das organizações e ao trabalho. Deve-se ter como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações, da gestão setorial e do controle social em saúde. Percebe-se que estes conceitos, embora não opostos, conferem especificidades ao processo ensino-aprendizagem. E, mesmo assim, ainda constituem temas para debates e reflexões tanto nas estâncias federais do Ministério da Saúde, como também e principalmente, nos Polos de Educação Permanente já estruturados, nas secretarias estaduais e municipais de saúde e nas universidades, uma vez que a terminologia vem sendo, há muito tempo, utilizada com significados similares. 2 EDUCAÇÃO DE ADULTOS PRESSUPÕE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA Fonte: cursos.atencaobasica.org.br O adulto, entendido como “o ser histórico que, herdeiro da sua infância, saído da adolescência, a caminho da velhice, continua o processo de socialização do seu ser e da sua personalidade” e que “procura se acabar, completar-se a cada dia, exatamente por ser o homem, um ser inacabado”. Neste sentido, busca a sua adultez, fruto de uma conquista progressiva de autonomia individual em seu trânsito pela vida. 5 A Andragogia, implementada por Knowles (6) em 1968, é colocada como “a arte e ciência de auxiliar os adultos no aprendizado”, sendo uma estrutura conceptual útil na organização do aprendizado no ambiente de trabalho. Este modelo apresenta pressupostos diferentes do modelo pedagógico tradicional, pois os adultos diferem dos jovens em alguns pontos considerados fundamentais para esta teoria, tais como: querem saber porque precisam aprender determinado assunto antes de começar o trabalho; têm opinião própria e se responsabilizam por seus próprios atos e decisões; possuem diferentes experiências de vida, quantitativa e qualitativamente acumuladas; tornam-se prontos para o aprendizado quando julgam que está na hora de aprender, isto para que possam encarar os desafios reais do dia-a-dia; orientam-se para o aprendizado utilizando a informação para fazer suas vidas mais fáceis ou mais produtivas, direcionando seu foco ao problema ou à tarefa; a motivação para o aprendizado deriva, primariamente, das forças internas, necessárias para a melhoria da qualidade de vida e reforço da auto- estima. Fonte: ciaderesultados.com.br Os adultos são pessoas independentes; portanto, as experiências de aprendizagem necessitam ser estruturadas cuidadosamente de modo a estimular diálogos abertos, troca de ideias e respeito à heterogeneidade do grupo e dos seus indivíduos; os professores têm de ser facilitadores ou fonte de recursos para os aprendizes; o conteúdo deve ser baseado em experiências reais e a verificação da aprendizagem baseada em componentes de auto- avaliação. 6 A educação de adultos deve ser, portanto, uma resposta organizada a desejos e necessidades educativas, profissionais e culturais da sociedade em que estamos e vamos nos inserir. Assim, a Andragogia é caracterizada pela capacidade de trabalho criativo, onde a essência reside no conhecimento alicerçado por uma estrutura crítico/inovadora. “O aprendizado adulto é pessoal; é ter a vida como educação, pois é um processo que dura toda a vida, que todos nós temos em comum e que alimenta o ciclo da mudança de comportamento; é, portanto, um processo de evolução”.Com pressupostos semelhantes aos da Andragogia, destacamos os princípios e práticas do método de Paulo Freire, os quais são entendidos muito mais como uma teoria do conhecimento do que como uma metodologia de ensino, muito mais como um método de aprender que um método de ensinar. A proposta de Freire, utilizada inicialmente na alfabetização de adultos, parte do estudo da realidade (experiência do educando) e da organização dos dados (experiência do educador). Nesse processo surgem os Temas Geradores, extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Para ele, o ato educativo deve ser sempre um ato de recriação, de re- significação de significados. Seu projeto educacional contemplou uma prática libertadora, construindo sua teoria do conhecimento com base no respeito pelo educando, na conquista da autonomiae na dialogicidade enquanto princípios metodológicos. A proposta de Freire é diferente das metodologias convencionais por possibilitar uma aprendizagem libertadora, não mecânica, uma aprendizagem que requer uma tomada de posição frente aos problemas com que vivemos. Uma aprendizagem integradora, abrangente, não compartimentalizada, não fragmentada, com forte teor ideológico. Destacamos a andragogia e a pedagogia libertadora de Freire como possibilidades para a implementação da proposta de educação permanente, que está embasada na aprendizagem significativa, ou seja, pressupõe uma pedagogia diferenciada, que considere cada aprendiz com seus potenciais e dificuldades e destaca que educadores e estudantes têm papéis diferentes dos tradicionais. 7 Fonte: www.infosaj.com.br 3 EDUCAÇÃO PERMANENTE NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL Uma vez implantada a política de educação permanente em saúde, o Ministério da Saúde, através da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), pretende “apoiar e financiar as iniciativas e ações apresentadas e pactuadas nos Polos para formação, capacitação e mudanças nos currículos de formação. A partir desta afirmação, o MS estendeu os incentivos às mudanças curriculares dos cursos de graduação, primeiramente, para as escolas de medicina, enfermagem, odontologia e psicologia, mas com possibilidade de inclusão de escolas de todas as carreiras da área da saúde interessadas e em condições de aderir à proposta de mudança, destacando a necessidade de desenvolvimento da abordagem sobre saúde e sociedade, planificação e administração, epidemiologia social e saúde das populações. Os incentivos objetivam oferecer cooperação técnica e/ ou operacional para as escolas de graduação em saúde cujas reformas curriculares enfoquem as necessidades de saúde da população e do SUS; estimular a adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, bem como, oferecer formação geral, crítica e humanística e oportunidade de capacitação em clínica ampliada de saúde e, trabalho em equipes multiprofissionais e transdisciplinares. 8 Fonte: www.eduvaleavare.com.br Assim, ao interferir no processo de formação dos profissionais da saúde, o MS pretende provocar mudanças no perfil do profissional para que sejam adequadas a abordagem pedagógica e a articulação dos conhecimentos; sejam promovidas atividades práticas em todos os tipos de unidades de saúde e ao longo de todo o curso, bem como do trabalho em equipes multiprofissionais; para que sejam formados com competência geral e capacidade de resolutividade, com garantia de atenção integral e de qualidade à saúde da população. As Universidades receberão recursos financeiros do MS ao apresentarem projetos de mudanças curriculares, desde que articulados com os serviços e apresentarem atividades intercursos. Em relação ao ensino de nível médio, o MS tem voltado sua atenção para a escolarização e profissionalização dos trabalhadores de enfermagem, buscando melhorar a qualidade do atendimento à população e aumentar as oportunidades desses trabalhadores para “dedicar-se ao exercício consciente e responsável da profissão nos diferentes níveis de atuação: promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde”. Para desenvolver esta proposta, foi criado o PROFAE, que objetiva promover a qualificação profissional do auxiliar e do técnico em enfermagem; promover a escolarização dos trabalhadores de enfermagem que não concluíram o ensino fundamental e apoiar a reformulação do currículo da área de enfermagem. 9 O Projeto, que é anterior à legislação de Educação Permanente, funciona através de instituições de apoio (Agências Regionais) nos estados, as quais acompanham e supervisionam o trabalho das Operadoras, responsáveis pela organização, acompanhamento e desenvolvimento dos cursos, bem como das Executoras, que são as escolas contratadas pelas Operadoras para a execução dos cursos de Auxiliar e Técnico de Enfermagem e de Complementação do Ensino Fundamental. O Ensino Fundamental é uma pré-condição para se matricular no curso de Auxiliar de Enfermagem, oferecido aos atendentes; tem duração máxima de 18 meses e se desenvolve através de cursos supletivos, com avaliação no processo. O Curso de Qualificação Profissional de Auxiliar de Enfermagem, neste projeto, inclui aulas teóricas e práticas, tem duração de 12 meses e carga horária de 1100 horas, com práticas supervisionadas por enfermeiros de várias áreas. No final, através de um certificado, o aluno é habilitado nessa profissão em qualquer lugar do Brasil. Quanto a Qualificação Profissional do Técnico em Enfermagem, este se destina aos trabalhadores da área da saúde, que já são Auxiliares de Enfermagem e que já possuem o ensino médio completo, desde que estejam atuando em serviços de saúde de média ou alta complexidade. Fonte: biblioteca.cofen.gov.br 10 4 MARCO CONCEITUAL DE REFERÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO PERMANENTE A criação de um setor voltado, especificamente à educação e formação de recursos humanos, dentro do MS, emergiu a partir da constatação de que os modelos de capacitação, até então desenvolvidos, se limitavam a introduzir mudanças pontuais nas instituições, relacionadas a problemas locais. Isto porque se percebeu, que o modelo de educação continuada com enfoque em temas, praticado de forma fragmentada, voltado, apenas, para a atualização técnico científica, utilizando-se de pedagogia da transmissão e memorização de conhecimentos, acabava por reproduzir todos os vieses negativos da formação tradicional, contribuindo para a reprodução dos modelos hegemônicos, ao invés de favorecer mudanças significativas das práticas, da gestão e do controle social. A proposta para a política de educação permanente parte do pressuposto da Aprendizagem Significativa, ou seja, educadores e estudantes têm papéis diferentes dos tradicionais. O professor não é mais a fonte principal da informação (conteúdos), mas facilitador do processo ensino aprendizagem, que deve estimular o aprendiz a ter postura ativa, crítica e reflexiva durante o processo de construção do conhecimento. A educação continuada, pensada nesta perspectiva, também propõe mudanças, transformações, ou seja, que os processos de capacitação dos profissionais da saúde sejam estruturados a partir da problematização do seu processo de trabalho e que objetivem a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho, tendo como referência as necessidades de saúde e promoção da saúde das pessoas para que a atenção prestada seja relevante e de qualidade. A lógica da educação permanente é descentralizada, ascendente, multiprofissional e transdisciplinar. Envolve mudanças nas relações, nos processos, nos produtos e, principalmente, nas pessoas. Desse modo, a formação e a gestão do trabalho em saúde, passam a ser consideradas questões técnico-políticas e não apenas técnicas, requerendo ações no âmbito da formação, na graduação, na pós- graduação, na organização do trabalho, na interação com as redes de gestão e de serviços e no controle social. 11 5 ESTRATÉGIAS DE ARTICULAÇÃO ADOTADAS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA ASSEGURAR A EDUCAÇÃO PERMANENTE NO SUS - Interlocução com o Conselho Nacional da Saúde (CNS) e a Comissão Intersetorial de Recursos Humanos do CNS; - Interlocução com o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS); - Interlocução com o MEC; - Interlocução com as universidades; - Interlocuçãocom as escolas técnicas de saúde: a construção da política de qualificação e formação dos profissionais de nível técnico; - Interlocução com a Organização Pan-Americana da Saúde. Fonte: www.ad.com.br Dentre estes setores destacamos as Universidades, onde as perspectivas de transformação envolvem os seguintes campos: a produção de conhecimentos, a prestação de serviços e a formação profissional. No campo da formação, o compromisso com a educação permanente dos profissionais (na atenção e na gestão), com as mudanças na formação de graduação e com a formação de docentes. 12 6 O COMPROMISSO DA SOCIEDADE E DAS AGÊNCIAS FORMADORAS DE RECURSOS HUMANOS PARA A SAÚDE O papel dos estados: - Como gestores, podem mediar a aproximação loco-regional e os processos de articulação entre os distintos atores; - Como coordenadores das áreas técnicas, podem contribuir para que se produzam práticas inovadoras: cooperação técnica para enfrentamento dos distintos contextos no lugar de programas e pacotes de capacitação; - Podem utilizar a educação permanente como estratégia de gestão, instituindo fluxo de profissionais e conhecimentos, facilitando a constituição regional de equipes matriciais de apoio. O papel dos municípios: - Como lócus da prática, são os que melhor conhecem os problemas e podem indicar prioridades; - Como “vítimas” das “ações de capacitação” são os que melhor identificam as limitações das estratégias tradicionais; - Podem utilizar a educação permanente como estratégia de gestão; - Podem construir cooperação com as instituições formadoras no terreno das práticas; - Podem tensionar soluções tradicionais propostas pela academia. O papel das instituições formadoras: - Como lócus de produção de conhecimento, podem mobilizar recursos para a construção de novas alternativas para os problemas críticos do SUS; - Como formadores de profissionais, podem contribuir para a instituição de espaços pedagógicos em toda a rede de serviços; - Podem utilizar a educação permanente como estratégia de transformação das práticas de ensino-aprendizagem e de produção de conhecimento; - Podem construir cooperação com os serviços de saúde no terreno das práticas, mobilizando docentes e estudantes para o trabalho em terreno. O papel dos movimentos sociais: - Como lócus da vida, são os que melhor conhecem as necessidades de saúde e podem indicar prioridades; 13 - Como “vítimas” das “ações de assistência” são os que melhor identificam as limitações das estratégias tradicionais de organização dos serviços e das práticas; - Podem trazer o olhar da integralidade para as ações de atenção e formação; - Podem contribuir para a articulação de estratégias intersetoriais. Se por um lado a proposta governamental aponta para mudanças no contexto da saúde e da educação profissional, de outro o convencimento da sociedade é fator essencial para a concretização deste novo modelo. Novo, no sentido de que está propiciando a discussão entre todos os sujeitos envolvidos com educação em saúde, bem como jogando na roda de gestão a responsabilidade pela criação de propostas para serem implementadas nos Polos. Assim, acreditamos que a participação ampla dos envolvidos no processo redundará em projetos mais adequados à realidade/necessidades de cada comunidade. Isto porque, no contexto em que se insere, a política de educação permanente em saúde poderá ser deturpada com ações politiqueiras e setoriais, cabendo aos seus agentes estabelecer um processo educativo que possibilite aos indivíduos pensar por si mesmos, enfrentar as contradições da sociedade e utilizar as novas tecnologias para compreendê-la e transformá-la. Para a área da saúde a interferência e o apoio financeiro, logístico e metodológico de um ministério que não seja o da educação, amplia os horizontes para a formação de seus profissionais e aponta para a maior qualificação profissional e melhoria da qualidade do atendimento em saúde. Por outro lado, podemos vislumbrar, a manutenção, ou retorno, das propostas educacionais voltadas exclusivamente para um melhor desempenho no trabalho em atenção as exigências do mercado de trabalho, tanto para os que pretendem ingressar, quanto para aqueles que buscam nele manter-se. A política adotada pelo MS comprova a situação de descompasso entre a educação formal e o crescente desenvolvimento do conhecimento em vários campos do saber, que tem apontado para um mercado de trabalho cada vez mais exigente quanto a qualificação dos trabalhadores e para uma carga de informações impossível de ser assimilada apenas durante os anos escolares. Ao interferir e propor diretrizes curriculares para os cursos de graduação da área da saúde (em 2001), com enfoque na “pedagogia das competências”, o MS lançou um desafio às escolas, quanto a necessidade de formar recursos humanos para o SUS. Assim, parece-nos coerente a proposta de educação permanente em 14 saúde, que daria continuidade ao processo educativo formal dos profissionais da saúde, trazendo para os Polos ou rodas de gestão loco-regionais a responsabilidade de propiciar aos trabalhadores da saúde um processo permanente de desenvolvimento de competências 7 ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Na década de 90, tem início a implantação do Programa Saúde da Família, que deveria contribuir para a construção e consolidação do SUS, a partir da atenção básica. O alcance e os limites desta proposta têm alimentado discussões na área da formação e gestão de Recursos Humanos em Saúde, face os desafios para a transformação das práticas profissionais e a efetivação do Sistema Único de Saúde. Entender a Estratégia Saúde da Família como estratégia de mudança, significa repensar práticas, valores e conhecimentos de todas as pessoas envolvidas no processo de produção social da saúde. Amplia-se a complexidade das ações a serem desenvolvidas pelos profissionais de saúde e aumentam seus limites e suas possibilidades de atuação, requerendo dessas profissionais novas habilidades. Além das atividades de assistência desenvolvidas pela Estratégia Saúde da Família, igualmente importantes são as de planejamento como: identificar, conhecer e analisar a realidade local e propor ações capazes de nela interferir. Fonte: www.cruzazulsp.com.br 15 Os profissionais das Equipes Saúde da Família, convivendo com a comunidade em que atuam, podem desencadear mudanças significativas em sua área de abrangência se observarem o cotidiano dessas pessoas, com base nas teorias e conceitos do Sistema Único de Saúde. O Ministério da Saúde afirma que a Estratégia Saúde da Família pode garantir assistência integral, contínua, com resolutividade e boa qualidade às necessidades da população adscrita, intervindo sobre os fatores de risco aos quais a população está exposta; humanizando as práticas de saúde através dos vínculos entre profissionais e a população; contribuindo para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença e, principalmente, garantindo os princípios do Sistema Único de Saúde. 8 FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS A formação em saúde, baseada na organização disciplinar e nas especialidades, conduz ao estudo fragmentado dos problemas de saúde das pessoas e das sociedades, levando a formação de especialistas que não conseguem lidar com totalidades ou realidades complexas. Formam-se profissionais que dominam diversos tipos de tecnologias, cada vez mais incapazes de lidar com a subjetividade das pessoas em questões complexas como a dificuldade de adesão ao tratamento; o autocuidado; a educaçãoem saúde; o enfrentamento da dor; da perda; da morte; o direito das pessoas a saúde; ou a necessidade de ampliar a autonomia dos pacientes. Vivemos hoje um processo de esgotamento do modelo tradicional de formação e em busca de caminhos que possam nos levar a uma transformação da assistência à saúde. São muitos os movimentos, processos de mudança e experiências em andamento na área da saúde e educação. Nessa perspectiva, torna-se necessário o redirecionamento do processo de trabalho devido às novas competências exigidas do trabalhador de saúde. Inicia-se, então, a discussão sobre a resolução 335, de 27 de novembro de 2003 do Conselho Nacional de Saúde, que institui a Política Nacional de Formação e Desenvolvimento para o Sistema Único de Saúde: Caminho para Educação Permanente em Saúde. Os conceitos fundamentais veiculados nesse processo de mudança são os de Educação Permanente, integração ensino-prática, mudança curricular, que vêm exigindo mecanismos de educação condizentes com tais transformações. 16 9 O PROCESSO DE TRABALHO Fonte: www.cedepe.com.br O trabalho que se realiza nas instituições de saúde (seja de atenção médica ou de saúde integral) caracteriza-se por sua grande complexidade, heterogeneidade e fragmentação. Afirma-se, com razão, que um hospital é uma das instituições de maior complexidade em razão da diversidade de profissões, profissionais, usuários, tecnologias, relações sociais e interpessoais, formas de organização, espaços e ambientes que comporta. Mas, essa complexidade existe principalmente em razão da natureza dos processos que compõem sua finalidade: os processos de saúde, enfermidade, morte; como também em razão das variáveis que entram em jogo nas decisões e ações que esses processos acarretam. O processo de trabalho pode ser caracterizado como modalidade de organização que conjuga uma gama de fatores, como a tecnologia, os recursos (materiais econômico e financeiro) e o pessoal, para sua transformação em determinado produto ou resultado (neste caso, atenção médica ou atenção integral), capaz de satisfazer uma necessidade socialmente determinada, como finalidade desse processo. Em saúde esse processo é bastante heterogêneo, engloba muitos outros processos de trabalho, alguns dos quais aparentemente sem relação entre si. Embora 17 tenham uma finalidade em comum, esta muitas vezes não aparece claramente ou é alterada, em razão da forma de organização do processo e sua articulação com outros (semelhantes ou diferentes) Sem dúvida, se existe uma característica da atual ordem de trabalho nas instituições de saúde que defina o técnico e o social, esta característica é a fragmentação; está baseada no princípio de Taylor da separação entre concepção e execução da atividade, como condição de produtividade. Trata-se de uma fragmentação que encerra várias dimensões: conceitual (entre pensar e fazer), técnica (definida pela aplicação de diversos conhecimentos e tecnologias por diversos trabalhadores cada vez mais especializados) e social (estabelecem-se relações de hierarquia e subordinação – divisão social – internamente e entre diversas categorias profissionais). Essa forma de organizar o trabalho (técnica, social e espacialmente) em um ambiente cultural, ou hábitos, que tende a entender as coisas da vida em termos biológicos e mecânicos, com uma estrutura de poder compartilhado, tem gerado locus diversos para diversas modalidades de processos de trabalho. Esta condição se reflete na tipologia de serviços normalmente aceita para os hospitais: serviços finais ou de atenção direta, de apoio técnico de diagnóstico e tratamento, de apoio geral ou logístico e de apoio administrativo. O curioso é que a condição ou qualidade de apoio se refere sempre ao serviço final que brinda a atenção médica direta e não precisamente à finalidade da instituição como um todo. Essa forma de organizar o trabalho (técnica, social e espacialmente) em um ambiente cultural, ou hábitos, que tende a entender as coisas da vida em termos biológicos e mecânicos, com uma estrutura de poder compartilhado, tem gerado locus diversos para diversas modalidades de processos de trabalho. Esta condição se reflete na tipologia de serviços normalmente aceita para os hospitais: serviços finais ou de atenção direta, de apoio técnico de diagnóstico e tratamento, de apoio geral ou logístico e de apoio administrativo. O curioso é que a condição ou qualidade de apoio se refere sempre ao serviço final que brinda a atenção médica direta e não precisamente à finalidade da instituição como um todo. O papel da tecnologia no trabalho em saúde é de grande importância. É o fator mais dinâmico de desenvolvimento da atenção médica no período recente e uma das razões do crescimento dos custos. A tecnologia organiza e reorganiza o trabalho: gera 18 novas competências, especialidades e novas relações técnicas que logo se incorporam em novas relações sociais. Mas a tecnologia não é somente um fator de produção e organização do trabalho, é também um elemento estruturador de formas de atenção e de modalidades de prática, portanto, é um fator ideológico e cultural de práticas futuras (nos serviços) e de pautas de consumo ou demanda de atenção. 10 A GESTÃO DE PESSOAL E A QUALIDADE A proposta de educação permanente assume como objetivo a melhoria de qualidade do serviço que se oferece à população, constituindo-se em um instrumento pedagógico da transformação do trabalho e do desenvolvimento permanente dos trabalhadores nos planos individual e coletivo. Aqui é necessário estabelecer do que se fala quando se faz referência à qualidade do serviço em saúde. A primeira observação a se levar em conta é que a maior parte da bibliografia existente a esse respeito se refere à qualidade da atenção médica, grande parte da qual se deriva dos postulados da “boa medicina”, formulados por Lee e Jones a década de 30, baseados no paradigma flexneriano de qualidade. Esta concepção baseia o critério de qualidade nas possibilidades absolutas da aplicação do conhecimento científico e na incorporação da tecnologia médica, e se constitui em condição essencial pressuposta na ação dos agentes de atenção, principalmente da ação do médico. A ideia de qualidade que se expressa e se promove nesta obra está mais próxima das linhas de pensamento de Deming e de Duran; por isso, ressalta-se a ideia de qualidade como resultado integral ligado a determinados processos de trabalho, no quadro da produção de serviços sociais, de fatores de satisfação de certas necessidades sociais. Significa dizer que a qualidade não é algo intrínseco, pressuposto nos agentes, “uma coisa em si” derivada de seu alto nível de formação ou de qualificação, mas, sim, uma condição complexa em razão da qual os diferentes componentes dos agentes produtores de serviços (ações de saúde) alcançam esse resultado. Por isso, esses agentes estão constantemente preocupados em obter ou aperfeiçoar qualidade, para dar maior satisfação aos que necessitam desses serviços. 19 A qualidade é, então, uma resultante das formas pelas quais acontece o processo de produção de serviços. Fonte: setelagoas.com.br Na atual condição crítica da prestação e entrega de serviços públicos a necessidade e o desafio de se elevar a qualidade da atenção é um objetivo maior (junto com a universalidade do acesso) ligado à construção desse contrato social rompido, mencionado anteriormente. Não se pode falar em qualidade sem se considerar o princípio da igualdade:Não existe qualidade de um serviço sem igualdade. De certa forma pode-se dizer que a qualidade da atenção é um critério ou requisito do estatuto de cidadania no que se refere à saúde. Outros autores se referem também a esta dimensão ética e política como o componente humano da qualidade do serviço de saúde. Entende-se o trabalho em saúde como uma prática complexa que tem como consequência uma dimensão técnica (que supõe a aplicação de conhecimento e tecnologia para satisfazer necessidades relevantes da sociedade) e uma dimensão social (que se refere às relações sociais por ela mobilizadas e aos intercâmbios simbólicos que isso supõe). Esse trabalho complexo, heterogêneo, desigual e combinado segue sendo em essência organizado sob cânones tayloristas, mas com características de indefinição 20 de funções e de ausência de uma função intencional de gestão de trabalho. Chama atenção esta carência, considerando-se que os hospitais estão entre as instituições sociais mais complexas, conflituosas e numerosas de pessoal que existem. Essas condições fazem com que os projetos que articulam estratégias de educação permanente e objetivos de melhoria de qualidade de trabalho e o serviço sejam enormes desafios técnicos e políticos. Nesse desafio, o papel desempenhado por uma gestão de pessoal centrada no trabalho é de grande importância. É certo que as instituições de saúde como as que existem agora na América Latina, com as características já anotadas e na situação crítica já descrita, são muito reticentes para gerar e aceitar processos de educação permanente com os objetivos enunciados. Mas isto não significa, como se pensa frequentemente, que nestas organizações autoritárias e em crise seja impossível iniciar e manter uma experiência de transformação. Em tal circunstância, quais seriam as condições básicas (políticas e técnicas) para se iniciar ou apoiar programas de educação permanente caso existam grupos e iniciativas com tal potencial? A resposta a esta pergunta é difícil. Para responder, talvez não haja outra possibilidade que não seja a de realizar tal intento. Mas, assim colocada, essa questão apresenta uma intenção reflexiva e provocativa, e ao se pensar nela também se pensará sobre o papel efetivo que a educação permanente pode desempenhar em um contexto específico, e esta é uma questão estratégica central. É importante tornar evidente essa questão em razão da facilidade com que se pode cair na tentação de atribuir maior potencial à educação permanente quando se pensa de forma abstrata, sem (considerar) o substrato efetivo do serviço, ou então, ao contrário, considerar que nessas organizações não há nada a fazer. 21 Fonte: www.multipla.net.br Tem sido frequente que se proclame a importância do pessoal nas organizações de saúde, sem que esse discurso se faça acompanhar de ações correspondentes, em razão da falta de compreensão do papel do pessoal, da inoperância dos modelos de gestão vigentes ou do temor por um possível custo político. Em muitos países, pensar em recursos humanos significa pensar em capacitação, e essa atividade é a principal, ou até mesmo a única resposta que se oferece para os problemas do pessoal. Conforme foi dito, deseja-se ressaltar duas condições: a primeira é que, ainda que as estratégias educativas possam desempenhar um importante papel na mudança, o “capacitacionismo” isolado não é o caminho. Nem todos os problemas do pessoal se deve à falta de conhecimentos, habilidades ou destreza. A segunda condição é de índole estratégica: a importância de aproveitar com critério estratégico as oportunidades que podem se apresentar em razão da pressão do meio social por mudanças nos serviços. O momento crítico atual dos serviços públicos caracteriza-se pela conjunção de maiores demandas por qualidade dos serviços (em confronto com as prioridades oferecidas pelos serviços) e a fragilidade dos paradigmas administrativos para poder atendê-las. Queira- se ou não, essas exigências induzem a mudanças de diferentes orientação e alcance, algumas das quais podem oferecer caminhos para o avanço de estratégias de mudança do trabalho para a qualidade. É um erro pensar que essas mudanças acontecerão de um dia para outro e que serão normalmente positivas, 22 como também é um erro pensar que somente em instituições democráticas e participativas (que no momento são exceções) existem condições para uma mudança como essa que se propõe. Ao contrário, pode-se dizer que o caminho para se construir essas novas instituições passa pelas fases das mudanças no trabalho e das possibilidades da educação permanente no serviço. Essas demandas por capacidade gerencial e qualidade obrigam a buscar, além de um novo perfil gerencial e implementação de estratégias adequadas de capacitação, novos paradigmas e modos de organização, ou seja, novas práticas de gestão, principalmente no que se refere à gestão do trabalho. Esta é uma condição necessária para um projeto de educação permanente para a qualidade do trabalho e do serviço A gestão de pessoal tem sido sempre uma área relegada a um plano de mínima importância nos modelos de gestão agora questionados. Em muitos casos a gestão de pessoal não é considerada um componente da gestão de serviços global. Sendo um setor cujas características institucionais, já mencionadas, são de alta complexidade técnica e social, cuja função esteve reduzida (e ainda está) a uma oficina ad hoc encarregada do registro administrativo de eventos de um pessoal considerado como objeto. Uma nova gestão de pessoal que tenha por eixo o trabalhador e seu trabalho (que é um atributo de sujeitos históricos) e não o expediente do trabalhador deve considerar: O reconhecimento do papel central dos profissionais na vida da instituição; isto supõe uma prática de administração participativa, e no trabalho, a abertura de espaços e oportunidades para a criatividade e a iniciativa do trabalhador, substituindo o controle do desempenho de tarefas pensadas lá fora (externamente?) e por outros, pela responsabilidade com a finalidade e os resultados de seu trabalho. A atualização de mecanismos reguladores da autonomia e do corporativismo dos trabalhadores, o que demanda iniciativas dos responsáveis pela gestão de trabalho no âmbito da negociação. Trata-se de respeitar o contrato de trabalho (por ambas as partes) para cumprir com o contrato social. Uma análise dos conflitos trabalhistas no setor de Saúde no Peru, nos dez anos que vão de 1980 a 1989, mostrou que aconteceram 117 conflitos, isto significa 23 quase uma média de 12 por ano ou um por mês. ‘Dos 14 conflitos ocorridos entre 1900 e 1991, 78 % eram por questões salariais, e os 37 ocorridos entre 1987 e 1990 ocasionaram 315 dias de ausências no trabalho Uma gestão de pessoal distinta tenderia a/teria que gerar respostas a perguntas substantivas como as seguintes Quais são as formas de intervenção para enfrentar as consequências deletérias da divisão do trabalho em saúde, que se expressam de forma desumana, risco no atendimento, alienação do trabalhador e ineficiência? Que soluções requerem os conflitos laborais nos serviços de saúde resultantes da contradição entre os interesses dos usuários, trabalhadores e dirigentes? Como responder à influência corporativa no trabalho cotidiano dos serviços quando esses interesses interferem no êxito da finalidade do serviço? Como estabelecer, consolidar e aperfeiçoar mecanismos e instrumentos que assegurem a relação entre o contrato de trabalho e a efetiva produção de serviços no setor público? Que medidas podem-se promover para estimular os trabalhadores a alcançar maior e melhor desempenho, buscando integrar produtividade com qualidade? As ações dirigidas à geração de novas metas políticas de ingresso, o melhoramento das condições e o meio ambiente de trabalho, a busca de sistemas e incentivos para elevar a produtividade, a avaliação do desempenho individual e de equipe, a vigência de critérios reguladores do trabalho, etc. podem ser ações importantes para elevar a qualidade de trabalho e do serviço, quando se realizam em função de objetivos que refletem a identidade de finalidade do serviço, qualidade e cidadania. Esses objetivos são: Reconstruir e/ou melhorar uma relação respeitosa, responsável e tecnicamente eficaz entre a população e o pessoal, tanto individual quanto coletivamente. Assegurar condições institucionais para a negociação e resolução de conflitos de interesse que ocorram no serviço, em nível de equipes, das corporações e com a população. 24 Contribuir para melhorar e monitorar de forma permanente a produção dos serviços e a qualidade da atenção. Fonte: aaapucrio.com.br Ao contrário, trata-se da gestão de trabalho coletivo requerido para o desempenho adequado das ações necessárias para alcançar resultados acordes com a missão institucional, que envolve diferentes categorias profissionais e momentos distintos da produção do serviço. Este exemplo trata da divisão do trabalho em um ambulatório. Poder-se-ia perguntar: Que visão tem o funcionário administrativo do seu trabalho e de sua missão instituição? Ele tem consciência de que o cuidado da saúde dos usuários também depende dele, ou cumpre mecanicamente sua tarefa de preencher fichas de identificação? Como está sendo avaliado seu desempenho e em relação a qual resultado? Quais oportunidades recebe e busca para valorizar seu trabalho e encontrar gratificação no que faz? A perspectiva de gestão de trabalho coletivo traz uma nova visão sobre a pergunta: “Quem deve estar envolvido com as mudanças? ”. Nessa visão se assume a participação de todos os trabalhadores envolvidos em cada um dos problemas em estudo na instituição, com uma nova lógica que define a equipe de trabalho não mais por categorias profissionais ou serviços e programas formalmente definidos, mas, sim, por participação efetiva no processo de trabalho em análise. 25 A conexão entre o trabalho do laboratório de patologia clínica e do consultório externo de ginecologia, neste caso, se deu em razão da discussão de um problema vivido por uma categoria profissional insatisfeita com seu trabalho. A interação dos profissionais desse serviço, até então isolados e desconhecidos uns dos outros, redefiniu o processo de trabalho e as condutas no consultório externo e no laboratório, com benefício para os usuários e aumento da produtividade, da eficiência desses serviços. Essas mudanças estavam ao alcance dos profissionais e os aproximam, como sujeitos, do sentido e da orientação da missão institucional. Nem todas as discussões da equipe de trabalho requerem consulta ou discussão coletiva: a especificidade do trabalho profissional deve assegurar autonomia em sua ação. Não obstante, isso não significa que um trabalhador específico não se aproprie e conheça o conjunto das etapas do processo que conduz a um determinado resultado. A ação profissional nesse sentido é autônoma, mas também é dependente de outras intervenções para alcançar a qualidade desejada para o usuário. Por influência do modelo predominante de formação de profissionais de saúde, há uma tendência a privilegiar a abordagem da dimensão técnica do cuidado quando se enfrenta um problema e, particularmente, a valorizar mais o domínio do conhecimento científico em si que a pertinência de sua aplicação. Sob uma perspectiva de trabalho para a qualidade, o conhecimento não é o único atributo da competência profissional. Seu valor está na possibilidade de que seu uso se oriente em assegurar a satisfação das necessidades do usuário. Considerando-se que essas necessidades são complexas, diversas e variáveis, e considerando-se também que o processo e a divisão do trabalho também se modificam, a criatividade, o encontro com outros conhecimentos, a flexibilidade e a abertura para a busca permanente de novos conhecimentos passam a ser atributos também valorizados. E são justamente os processos de reflexão sobre os problemas da prática do trabalho e da busca das intervenções necessárias para alcançar a imagem de qualidade que permitem o exercício e a construção desses atributos. Muitas vezes os profissionais se veem inclinados a buscar cursos de reciclagem e atualização para obter novos conhecimentos, com a expectativa, geralmente frustradas, de que nesses cursos encontrarão os caminhos e as receitas para a transformação de sua prática 26 A situação reproduz o que tem ocorrido frequentemente nos serviços de saúde. Diante dos problemas identificados na assistência, a primeira suposição, e às vezes a única, é que eles resultam do desconhecimento dos profissionais, que deveriam ter sido capacitados. O exemplo, ao contrário, trata de pôr em evidência que a situação em cada uma das maternidades era consequência de problemas distintos, o que, logicamente, deveria levar a intervenções diferentes para sua efetiva resolução. Fica mais uma vez a ideia da predominância do valor do atributo conhecimento em detrimento do exercício de análise das condições concretas do processo do trabalho, que aponta à necessidade de intervenções múltiplas e criativas. Nesse contexto a gestão redefine o espaço, o papel e a orientação do componente de educação permanente para a construção do trabalho coletivo orientado à qualidade. 11 A CONSTRUÇÃO DE PROJETOS DE EDUCAÇÃO PERMANENTE NOS SERVIÇOS Propõe-se à consideração dos grupos de trabalho interessados algumas premissas teórico-metodológicas para desenvolver em nível local (do hospital, policlínico, área programática ou sistema local) um projeto de educação permanente. Deseja-se promover a reflexão acerca dessas e de outras áreas que o grupo possa identificar, analisá-las com ânimo de problematização, para adaptá-las definitivamente no operacional ao seu próprio serviço e realidade. O esquema seguinte sintetiza os elementos conceituais, estratégicos, de gestão e de operação de um projeto de educação permanente baseado na qualidade do trabalho. Nele se mostram, simplificando, muitas das considerações conceituais prévias sobre a “lógica” (do “porquê” e do “onde”) e sobre a dinâmica institucional (essa conjunção de estratégias de gestão pessoal centrada no trabalho, e de estratégias educativas baseadas na pedagogia da problematização), para melhorar o serviço reorganizando-o. 27 12 PROJETO COLETIVO PARA UM TRABALHO SOLIDÁRIO Fonte: euqueroajudarcuritiba.com Esta premissa se compõe de um princípio e uma aposta. O princípio se refere à natureza social do trabalho em saúde e do processo de produção de serviços de saúde, e na aposta sustenta-se que é possível transformar o trabalho atual (fragmentado, desumano, conflituoso, alienante por efeitos da lógica tayloriana imperante) por meio de estratégias de educação permanente orientadas para a melhoria da qualidade. Foram revisadas sucintamente as principais características do processo laboral nos serviços de saúde e definidos os traços essenciais de sua problemática. Aqui se considera importante ressaltar a condição coletiva da produção de ações de saúde: o trabalho nos serviços é um trabalho de grupo. Deste traço derivaa premissa de que a proposta educativa permanente tem como protagonista principal a equipe de saúde. A equipe se define por sua interação técnica e social para dar conta, em conjunto, de um determinado objeto de trabalho: para resolver um determinado problema de saúde, segundo a função que se realize nesse complexo institucional chamado serviço (hospital, ambulatório ou centro de saúde). Essa equipe possui uma missão e uma prática. A ordem laboral vigente define a ordem institucional ao separar 28 a concepção da execução e a redistribui aos membros do grupo segundo esse critério. Essa ordem, intervindo sobre os componentes da prática, define pautas de divisão técnica do trabalho e chega a interferir no alcance da missão grupal. Perde-se a aderência ao objeto, perde-se o controle dos meios de trabalho, fragmenta-se o objeto, diferenciam-se ideologicamente, profissional e economicamente os componentes da equipe e se gera uma condição conflituosa que impede o trabalho solidário e o sucesso da missão. O projeto de educação permanente para o melhoramento da qualidade do trabalho é um projeto institucional, o que supõe mudanças na cultura institucional e no estilo de gestão, mas também é, em todos os casos, um projeto grupal, das equipes de saúde. É um trabalho de grupo a análise estratégica da situação institucional, a problematização da missão (revisão ou reencontro), a construção da imagem objetiva de qualidade e o momento essencial do processo: a definição dos problemas de qualidade sobre os quais se vai intervir. Do mesmo modo, tanto o componente programático educacional como as diversas estratégias de gestão pessoal se caracterizam por sua orientação aos grupos e por sua definição conjunta, coletiva, participativa. O objetivo estratégico de todo o processo é o reencontro com o trabalho solidário, com a reconstrução das equipes, com a satisfação do pessoal como condição básica de um serviço de saúde com equidade e qualidade. 13 A QUALIDADE: IDEIA E ESFORÇO DE TODOS Fonte: www.google.com.br 29 Esta premissa consiste na definição coletiva (por equipe ou equipes de trabalho) da imagem ou imagens-objetivo de qualidade do serviço que fornecem e de seu próprio trabalho, assim como dos problemas que impedem o êxito dessa imagem. É uma atividade que combina elementos técnicos (critérios de qualidade fornecidos pela gestão) e elementos axiológicos derivados da missão institucional. É o momento em que se escuta dos usuários sua apreciação do serviço que recebem e as propostas que podem fazer para melhorá-lo. É o momento em que se escuta dos usuários sua apreciação do serviço que recebem e as propostas que podem fazer para melhorá-lo. Esta primeira aproximação da interface serviço/população deve ser completada com a análise das relações internas de cliente/provedor que foram estabelecidas no serviço (recorde-se da relação consultório/laboratório, por exemplo). O resultado desse momento é um conjunto de imagens-objetivo para as equipes e que funcionam também como critério de gestão. O momento seguinte é a definição dos problemas de qualidade, que segundo os peritos de gestão de qualidade é o aspecto mais delicado e requer mais tempo. O propósito explícito é identificar aqueles problemas que impedem que o serviço alcance sua imagem de qualidade, ou seja, aqueles problemas de trabalho de pessoal que contribuem para essa dificuldade. A identificação dos problemas se faz sempre “contra” essa imagem ou imagens de qualidade que antes foram construídas. Diz-se que são imagens porque precisamente “ajudam a enxergar” os problemas de qualidade. Nem todos os problemas existentes são problemas de qualidade, somente aqueles que contrastam com as imagens. Para a identificação dos problemas se faz uso de diversas possibilidades: experiências individuais ou grupais, revisão de informação existente (estatística ou não, quantitativa ou qualitativa) nos diversos ambientes ou unidades comprometidas. Pode-se usar também metodologias para se estabelecer categorias, hierarquias ou prioridades dos problemas tais como folhas de verificação, tempestade cerebral e diagramas de Pareto, entre outras. Um breve parágrafo para insistir e recordar que nem todos os problemas de qualidade são problemas educacionais, mesmo em um projeto de educação permanente. 30 14 DESENVOLVIMENTO E MONITORAÇÃO PERMANENTE (DE QUALIDADE, DE TRABALHO E DE EDUCAÇÃO) O processo de melhoria de qualidade de trabalho com base na educação permanente não termina com a aplicação de estratégias paliativas. A razão é a mesma que gerou as dificuldades: trata-se de processos sociais complexos, que tendem a se reverter e voltar aos níveis prévios de desempenho, ainda quando tenham sido introduzidas mudanças efetivas, a menos que se tomem medidas para incrementar o nível da melhoria alcançada, e a menos que se possa acompanhar e registrar as mudanças produzidas. Portanto, é necessário estabelecer sistemas de monitoração e de avaliação permanente dos avanços e retrocessos que podem ocorrer. Supõe-se identificar um reduzido, mas indispensável número de fontes de informação, indicadores e métodos de registro dos diversos eventos e processos em desenvolvimento. Novamente aparecem como importantes as imagens de qualidade construídas pelas equipes e os padrões e critérios que a gestão haja definido. 15 QUADRILÁTERO DA FORMAÇÃO: ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO, GESTÃO, ATENÇÃO E PARTICIPAÇÃO Encontramos enormes dificuldades para transformar as práticas de saúde. A integralidade e a intersetorialidade têm enorme dificuldade de sair do papel, envolvem pensamento, saberes e práticas no ensino, na gestão, no controle social e na atuação profissional. Os gestores do SUS que querem transformar as práticas reclamam que os profissionais vêm para o SUS com formação inadequada, que os estudantes não são expostos às melhores aprendizagens e que as universidades não têm compromisso com o SUS. Os docentes e as escolas que querem mudar a formação reclamam que as unidades de saúde não praticam a integralidade, não trabalham com equipes multiprofissionais, são difíceis campos de prática e que os gestores são hostis em produção de pactos de reciprocidade. As duas reclamações são verdadeiras: por isso é que a transformação das práticas de saúde e a transformação da formação 31 profissional em saúde têm de ser produzidas de conjunto. Por mais trabalhoso que isto seja. Fonte: www.brasil.gov.br A interação entre os segmentos da formação, da atenção, da gestão e do controle social em saúde deveria permitir dignificar as características locais, valorizar as capacidades instaladas, desenvolver as potencialidades existentes em cada realidade, estabelecer a aprendizagem significativa e a efetiva e criativa capacidade de crítica, bem como produzir sentidos, auto- análise e autogestão. Dentre os elementos analisadores para pensar/providenciar a Educação Permanente em Saúde estão os componentes do Quadrilátero da Formação: Análise da educação dos profissionais de saúde, buscando mudar a concepção hegemônica tradicional e mudar a concepção lógico-racionalista, elitista e concentradora da produção de conhecimento; Análise das práticas de atenção à saúde, buscando a integralidade e a inclusão da participação dos usuários no projeto terapêutico como nova prática de saúde; Análise da gestão setorial, buscando modos criativos e originais de organizar a rede de serviços, segundo a acessibilidade e satisfação dos usuários; 32 Análise da organização social,buscando o efetivo contato e permeabilidade às redes sociais que tornam os atos de saúde mais humanos e de promoção da cidadania. A mudança na formação e no desenvolvimento por si só ajuda, mas essa mudança como política se instaura em mais lugares, todos os do Quadrilátero, pois todos esses lugares estão conformados em acoplamento. Como em um jogo de vasos comunicantes, cada interferência ou bloqueio afeta ou produz efeito de um sobre todos. Tanto a incorporação sem crítica de tecnologias materiais, como a eficácia dos cuidados ofertados, os padrões de escuta, as relações estabelecidas com os usuários e entre os profissionais representam a interferência ou bloqueio da educação permanente em saúde. Assim, afetam ou produzem efeito sobre os processos de mudança. Para o setor da saúde, a estética pedagógica da Educação Permanente em Saúde é a de introduzir a experiência da problematização e da invenção de problemas. Esta estética é condição para o desenvolvimento de uma inteligência proveniente de escutas, de práticas cuidadoras, de conhecimentos engajados e de permeabilidade aos usuários, isto é, uma produção em ato das aprendizagens relativas à intervenção/interferência do setor no andar da vida individual e coletiva. O convite que foi feito aos Polos foi o de trabalhar com a seguinte pergunta: Quais são os problemas que afastam a loco região da atenção integral à saúde? A partir daí, deveriam identificar, em oficinas de trabalho, quais os nós críticos que poderiam ser abordados e que viriam fazer diferença nesse encontro e somente, então, organizar as práticas educativas. 33 16 BIBLIOGRAFIA BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt; GONDIM, Sônia Maria Guedes; LOIOLA, Elizabeth. Aprendizagem organizacional versus organizações que aprendem: características e desafios que cercam essas duas abordagens de pesquisa. Rev Adm, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 220-230, jul-set. 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. 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