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ERGONOMIA E CONFORTO AMBIENTAL Fernando Pinheiro Weber Análise ergonômica do trabalho (AET) Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o processo de análise ergonômica do trabalho. Discutir a sequência lógica da análise ergonômica do trabalho para resolver problemas no ambiente de trabalho. Resolver problemas ergonômicos utilizando a análise ergonômica do trabalho. Introdução Em cenários cada vez mais competitivos, detalhes são fundamentais. No processo de produção, não é diferente. Executar as tarefas com máxima eficiência não é uma tarefa simples. As equipes de trabalho espelham a eficiência da empresa e, portanto, devem receber treinamento e monito- ramento constantes, já que podem ser peças-chave no sistema produtivo. Neste capítulo, você vai verificar a importância da análise ergonômica do trabalho (AET) nos processos produtivos e identificar os processos que fazem parte dessa análise, bem como a sua sequência lógica. Por fim, vai reconhecer as situações em que a análise pode ser aplicada. Processo de análise ergonômica do trabalho Cada vez mais os homens e as máquinas trabalham em conjunto — são estas as situações de trabalho mais produtivas. Esse sistema necessita de equilíbrio: os homens, quando desempenham funções de forma mais satisfatória do que as máquinas, não devem ter o seu trabalho transferido para elas; o contrário também é verdadeiro. Tornar o sistema de trabalho mais produtivo envolve uma série de fatores. A organização do trabalho é um processo de interações sociais com rela- ções interpessoais, teorias de poder, cultura e dinâmicas de grupo. Assim, as mudanças solicitadas pelo ergonomista em uma análise ergonômica devem levar em consideração esses fatores. De acordo com Corrêa (2015), a AET é uma das formas de intervir no processo de produção e contempla os aspectos físicos, psicológicos e fisiológi- cos do trabalhador no ambiente produtivo. Deve, portanto, encontrar soluções dentro do ambiente de trabalho com o objetivo de sanar problemas que afetam a saúde do trabalhador. A EAT não envolve somente as questões físicas dos funcionários, mas também soluções de cunho cultural na forma da organização do trabalho. Abrange desde as instalações físicas até a organização e a cultura do trabalho na empresa, fato este corroborado pela Norma Reguladora (NR) nº. 17, item 17.6 (SÃO PAULO, 2007). Para se ter uma análise, primeiro é necessário existir uma demanda, uma situação a ser resolvida. A demanda pode ser gerada pela equipe de gestão em segurança e medicina do trabalho, pela comissão interna de prevenção de acidentes, ou mesmo pela diretoria. Enfim, não existe apenas uma pessoa ou um departamento responsável por indicar algum problema. Reconhecida a demanda, a AET vai resultar em ações ergonômicas com o objetivo de definir a origem do problema, sendo a base para a elaboração de um diagnóstico. Como premissas para a execução da AET, de modo a se obter resultados de relevância dentro da empresa, cabe ressaltar os seguintes requisitos, de acordo com Másculo e Vidal (2011): verificar a relação entre nível de produção, alto ou baixo, e a real ca- pacidade produtiva instalada; ter como objetivo a eficiência produtiva; Análise ergonômica do trabalho (AET)2 atentar-se para o fato de que a busca incessante pela redução da força de trabalho pode ocasionar aumento excessivo na carga de trabalho; analisar a capacidade de gestão da empresa sobre os fatores da orga- nização do trabalho. Para implementar os itens citados, a AET é dividida em três partes: 1. análise da demanda, responsável pelo entendimento geral da situação; 2. análise da tarefa, na qual se analisa o trabalho prescrito e as condições físicas da organização da tarefa; 3. análise da atividade, que está relacionada com a forma de execução do trabalho propriamente dito. Para analisar melhor o trabalho humano, a ergonomia tem como base várias técnicas e diversos métodos científicos, os quais observam a postura, a exploração visual e o deslocamento do usuário. De acordo com a NR nº. 17, a AET deve ser um método participativo e multidisciplinar, tendo como objetivo resolver problemas complexos na execução das atividades, alcançando, dessa forma, um nível de produtividade adequado e mantendo o trabalhador apto a trabalhar de forma eficiente por todo o período previsto (SÃO PAULO, 2007). Com relação ao método de AET, a NR nº. 17 solicita que sejam executados, no mínimo, os seguintes processos (SÃO PAULO, 2007): 1. Análise da demanda e do contexto — situa o problema a ser analisado. 2. Análise global da empresa — grau de evolução técnica, posição no mercado, situação econômico-financeira. 3. Análise da população de trabalhadores — política de pessoal, faixa etária, evolução da pirâmide de idades. 4. Definição das situações de trabalho a serem estudadas: demanda de trabalho, situações a serem estudadas. 5. Descrição das tarefas prescritas, das tarefas reais e das atividades desen- volvidas para executá-las — dados referentes ao homem, às máquinas, aos operadores e ao meio ambiente de trabalho. 6. Estabelecimento de um pré-diagnóstico — deve ser explicitado às várias partes envolvidas e definido o que será validado ou abandonado como hipótese explicativa para o problema. 7. Observação sistemática da atividade e dos meios disponíveis para rea- lizar a tarefa — é a constatação da posição de trabalho do colaborador. 3Análise ergonômica do trabalho (AET) 8. Diagnóstico — em virtude das situações analisadas em detalhe, esse item tem como objetivo o conhecimento da situação de trabalho. 9. Validação do diagnóstico — a apresentação deve abranger todos os autores envolvidos que podem confirmar a hipótese, rejeitar ou sugerir alterações no diagnóstico apresentado. Somente os envolvidos no processo de trabalho possuem a experiência e o conhecimento da reali- dade. Além disso, estes são os maiores interessados nas modificações. 10. Projeto das modificações ou alterações — o profissional deve propor soluções e melhorias das condições de trabalho no aspecto produtivo e na saúde do trabalhador. Esse item é fundamental, pois a intervenção ergo- nômica só vai ser completa quando o local de trabalho for transformado. 11. Cronograma de implementação das modificações ou alterações — o cro- nograma é importante porque, dependendo do nível de modificação na linha de produção ou no fluxo de trabalho, pode demandar reforma de unidades ou compra de equipamentos. Caso a solicitação seja de alguma autoridade competente (auditor fiscal do trabalho) ou de sindicato, este deve ser informado sobre os prazos para serem regularizadas as inconformidades. 12. Acompanhamento das modificações/alterações — o acompanhamento do profissional contratado vai depender da forma de contratação. Para fechar o ciclo de transformação ergonômica após a implementação das mudanças, é preciso avaliar o impacto das modificações sobre os trabalhadores. Etapas da análise ergonômica do trabalho A intervenção ergonômica promove mudanças nos meios físico e organiza- cional e no ambiente de trabalho. Conforme citado no tópico anterior, são realizados três tipos de análises: análise da demanda, análise da tarefa e análise da atividade, todas amplamente consagradas na literatura. Somente assim podem ser estabelecidos programas de treinamento e aperfeiçoamento e pode-se obter dados de produtividade fundamentados. Aqui, vamos abordar as etapas da AET, as quais devem estar presentes em todos os estudos de caso. Análise da demanda O processo de AET, de acordo com a NR nº. 17, inicia-se pela demanda (SÃO PAULO, 2007). Essa etapa deve contextualizar e expor o problema proposto e os entraves encontrados. Existem algumas hipóteses fundamentais que devem ser propostas para que a intervenção ergonômica ocorra. Se realizada corretamente, Análise ergonômica do trabalho (AET)4 as informações geradas na análiseda demanda serão de qualidade, o que é fundamental para o processo de intervenção ergonômica. Por outro lado, as falhas nessa etapa podem resultar em intervenções nulas ou até negativas na organização do trabalho. Portanto, essa fase é considerada a mais expressiva da AET, devendo ser considerados os seguintes itens no seu desdobramento, de acordo com Wisner (1987 apud CORRÊA, 2015): representatividade do autor da demanda; origem da demanda; problemas aparentes e fundamentais; perspectivas de ação; meios disponíveis. Em síntese, a análise da demanda, quando elaborada corretamente, torna possível verificar se os problemas ocorrem por falta de treinamento, por exemplo. Assim, o objetivo a ser atingido é compreender os reais motivos da origem dos erros, buscando soluções para intervir de forma adequada na organização do trabalho. Análise da atividade Na análise da atividade, é verifi cada a real condição de trabalho, questionando-se o motivo da atividade e como as tarefas estão sendo cumpridas. É realizada por meio da observação das atividades físicas e mentais exercidas pelo trabalhador. A análise das atividades mentais está relacionada ao nível de discrimina- ção e interpretação das informações. Já a análise das atividades físicas está relacionada à postura e aos deslocamentos necessários para a execução das tarefas. Ao avaliar a atividade, é possível verificar se existe procedência no questionamento da demanda. A pesquisa da análise da atividade deve analisar as características do trabalhador, os fatores do ambiente que influenciam o tra- balho e a forma como os colaboradores recebem as informações e as assimilam. Portanto, a análise é resultado desse conjunto de fatores, sendo possível inserir o trabalhador no centro do processo e torná-lo um princípio ativo, para atender a novas demandas de produção. Análise da tarefa Nessa etapa, devem ser compreendidos e identifi cados dois pontos: a prescrição (instrução de trabalho) e os requisitos físicos envolvidos na execução da tarefa. Na prescrição da tarefa estão envolvidos os elementos do ambiente no qual 5Análise ergonômica do trabalho (AET) a tarefa está inserida, o que compreende o leiaute, o mobiliário, os níveis de ruído, a iluminação, os equipamentos, entre outros elementos presentes no local de trabalho. Os requisitos físicos da tarefa estão associados com o trabalho muscular propriamente dito (estático/dinâmico), a postura requerida para a execução do trabalho e o acesso às informações e aos dispositivos de controle, por exemplo. A análise da tarefa também pode ser interpretada como uma forma de apre- ensão real do trabalho, visando a diminuir o trabalho improdutivo e a aumentar o trabalho produtivo. Essa interpretação amplia a importância da análise em questão, pois esse pode ser o meio de aumentar o nível de eficiência da produção. Diagnóstico e recomendações A qualidade do trabalho e do trabalhador depende muito da organização do trabalho. Nesse sentido, as empresas investem em inúmeras ferramentas para corrigir falhas e antecipar problemas — a AET é uma delas. O diagnóstico da AET é um importante dispositivo para a empresa e o trabalhador, possibilitando a ambos se protegerem. O diagnóstico deve apontar os problemas encontrados nos postos de trabalho e sugerir mudanças para a melhoria do processo. As melhorias têm vários enfoques: pode signifi car o aumento do conforto do trabalhador, a adaptação do posto de trabalho para obter maior segurança ou o aperfeiçoamento do conforto ambiental (ruídos, vibrações, temperatura e luminosidade), por exemplo. Enfi m, podem ser propostas várias sugestões de melhorias. No diagnóstico, devem ser registradas as diferenças e adaptações necessá- rias para a atividade em questão. O caderno de encargos e recomendações ergonômicas é o documento no qual devem ser inseridas as sugestões de mudanças e indicadas as adequações da atividade e/ou da tarefa. Por fim, o diagnóstico deve representar um resumo da AET, citando todas as fases da análise e identificando a origem do problema. Resolução de problemas com a AET Conforme mencionado nos tópicos anteriores, a intervenção no trabalho pode ocorrer de diversas formas. As empresas se preocupam em manter um nível de produção constante e, para isso, a organização do trabalho com o objetivo de antecipar os problemas e corrigir falhas iniciais no processo é fundamental. A AET pode ser aplicada em uma orquestra sinfônica, por exemplo. O trabalho dos violinistas provoca uma série de dores devido à quantidade de Análise ergonômica do trabalho (AET)6 horas envolvidas na execução da atividade e ao grande número de movimentos executados. De acordo com Costa (2003), em um estudo realizado na orquestra sinfônica vinculada ao governo do Distrito Federal, foram estudadas as dores relatadas pelos violinistas: dos seis integrantes que participaram do estudo, cinco apresentavam queixas de dores e já haviam procurado ajuda médica em diferentes momentos da carreira. Para explicar e evidenciar os motivos das queixas, foi aplicada a AET com foco na atividade. Realizada a AET, foi possível evidenciar a necessidade que os músicos têm de gerenciar a dor para continuar no exercício da profissão, caracterizando uma condição “normal” da profissão. A organização do trabalho avaliada deixa pouca margem para minimizar a ocorrência das dores, pois picos de demanda associados com alto grau de perfeição e períodos reduzidos de descanso após as intensas solicitações impedem a recuperação dos pro- fissionais, forçando-os, dessa forma, a ultrapassar os seus próprios limites, e fazendo-os conviver continuamente com dores e desconforto. Esses fatores corroboram com a literatura indicada no estudo, evidenciando que a organização do trabalho tem uma provável interferência nas doenças dos trabalhadores. A Figura 1 é apenas um exemplo de postura dos violinistas. Figura 1. Exemplo de postura do violinista. Fonte: Elnur/Shutterstock.com. 7Análise ergonômica do trabalho (AET) Já Maia (1999) realizou um estudo analisando a AET no trabalho de en- fermeiros lotados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). De acordo com a pesquisa, os maiores fatos geradores de estresse são o conteúdo do trabalho, as condições de trabalho e os fatores organizacionais. Como uma das con- clusões da pesquisa, vale destacar a necessidade de mudança dos fatores organizacionais: a concepção da unidade ainda usava conceitos de Taylor, o qual acreditava na divisão absoluta da tarefa. O estudo ainda apontou a neces- sidade de implementar um dos objetivos da ergonomia na unidade: trazer o ser humano para dentro do processo, torná-lo integrante do sistema de produção. Nota-se, portanto, a relevância e os inúmeros lugares de aplicação da AET, bem como as diferentes conclusões retiradas de cada estudo. Os estudos corroboram também a necessidade de se estudar os problemas de maneira aprofundada. Conforme já citado, as análises simples e as respostas fáceis possivelmente vão induzir a análises erradas ou superficiais. Análise ergonômica do trabalho (AET)8 CORRÊA, V. M. Ergonomia: fundamentos e aplicações. Porto Alegre: Bookman, 2015. COSTA, C. P. Quando tocar dói: Análise ergonômica do trabalho de violistas de orquestra. 2003. 147 f. Dissertação (Mestrado) — Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia. Brasília: UNB, 2003. MAIA, S. C. Análise ergonômica do trabalho do enfermeiro na unidade de terapia intensiva: proposta para a minimização do estresse e melhoria da a qualidade de vida no trabalho. 1999. 167 f. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico. Florianópolis: UFSC, 1999. MÁSCULO, F. S.; VIDAL, M. C. Ergonomia: trabalho adequado e eficiente. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Norma Regulamentadora NR nº. 17 — Er- gonomia (117.000-7). 2007. Disponível em: <http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/ LEGIS/CLT/NRs/NR_17.html>. Acessoem: 31 jul. 2018. Análise ergonômica do trabalho (AET)10
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