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TCC-Marília-Puerari-Marques-Sociedade-de-Consumo-e-o-Superendividamento-do-Consumidor-de-Crédito

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1
85
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE SOCIAIS E APLICADAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO
mARÍLIA pUERARI MARQUES
SOCIEDADE DE CONSUMO E O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR DE CRÉDITO
Maringá
2014
MARÍLIA PUERARI MARQUES
SOCIEDADE DE CONSUMO E O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR DE CRÉDITO
	
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Direito Privado da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para a obtenção de grau de bacharel em Direito.
Orientadora: Profa. Ma. Fabia dos Santos Sacco 
Maringá
2014
marília puerari marques
sociedade de consumo e o superendividamento do consumidor de crédito
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Direito Privado da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para a obtenção de grau de bacharel em Direito.
Aprovado em: 
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Professora Mestra Fabia dos Santos Sacco
Orientadora
____________________________________
Professor Mestre Silvio Alexandre Fazolli
____________________________________
Professora Mestra Rosilene Terezinha de Paiva Dias
AGRaDECIMENTOS
Por todo amor incondicional e suporte, agradeço a meus pais e meus irmãos;
Por toda amizade verdadeira e apoio, agradeço aos meus amigos – em especial à Isabela Sabo, Luana Aran e Ana Carolina Schneider;
Por todo o conhecimento transmitido, aos excelentes profissionais que me guiaram durante toda a graduação;
Pela orientação e pelo exemplo a ser seguido, agradeço à Professora Mestre Fabia dos Santos Sacco;
Por toda a colaboração com o presente trabalho, à Dierli Peron;
RESUMO
No cenário contemporâneo em que se insere a sociedade de consumo, caracterizada pelo consumismo excessivo por parte de seus cidadãos, pelo forte apelo publicitário e pela oferta maciça de crédito, houve a eclosão superendividamento, um fenômeno jurídico e social presente na realidade brasileira. Através do método de pesquisa dedutivo comparativo, objetiva o presente trabalho demonstrar a relação existente entre os padrões de consumo impostos por este tipo de sociedade e o oferecimento desmedido de crédito ao consumo, que resultam na assunção de compromissos financeiros de maneira irrefletida pelo consumidor. Este, alheio aos riscos inerentes ao contrato que lhe viabiliza o crédito, tem sua situação financeira comprometida, de modo que acaba por se vislumbrar em estado de endividamento, ou pior, de superendividamento. Dentro deste contexto, ao contrário do que ocorre na França, observa-se que não existe legislação específica no direito brasileiro que tutele os interesses do consumidor superendividado, muito menos medidas preventivas e reparativas ao fenômeno. Assim, busca-se demonstrar as características essenciais do superendividamento, suas causas e classificação. Ademais, busca-se elucidar formas justas de prevenção e tratamento ao fenômeno, tendo como parâmetro a experiência do direito comparado. A partir deste contexto, faz-se a análise do Projeto de Lei do Senado Federal n.º 283 de 2012, que dispõe sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento, concluindo pela necessidade de uma legislação específica que regule o crédito aos consumidores, reflita o conceito de boa-fé e institua medidas capazes de prevenir e tratar os consumidores do superendividamento. 
Palavras-chave: Sociedade de Consumo. Crédito ao consumo. Superendividamento. Direito do Consumidor. Prevenção e tratamento.
abstract
In the contemporary scenario that fits the consumer society, characterized by excessive consumerism by the part of its citizens, of strong advertising appeal and the massive supply of credit, happens the overindebtedness, a legal and social phenomenon present in the Brazilian reality. Through deductive and compartive method research, this study aims to demonstrate the relationship between patterns of consumption taxes for this kind of society and the rampant offering consumer credit, resulting in the assumption of financial commitments unthinkingly by the consumer. This, oblivious to the risks inherent by the contract that enables credit, has compromised their financial situation, so that ends up glimpse into the state of overindebtedness, or worst of it. Within this context, contrary to what happens in France, it is observed that there is no specific legislation in Brazilian law tutelages overindebtedness consumer interests, much less preventive and restorative measures to the phenomenon. Thus, attempt to demonstrate the essential characteristics of indebtedness, its causes and classification. Furthermore, attempt to elucidate fair ways of preventing and treating the phenomenon, having as parameter the experience of comparative law. From this context, analysis the Federal Senate Project of Law No. 283 of 2012, which discuss the prevention and treatment of overindebtedness, concluding the need for specific legislation regulating consumer credit, reflecting the concept of good faith and institute measures to prevent and treat consumers for overindebtedness.
Key words: Consumer Society. Consumer Credit. Overindebtedness. Consumer law. Prevetion and treatment.
sumário
	1
	INTRODUÇÃO ...........................................................................................9
	2
	SOCIEDADE DE CONSUMO...................................................................13
	2.1
2.2
	ORIGEM DE CONCEITO DA SOCIEDADE DE CONSUMO...................13 EXTERNALIDADES DA SOCIEDADE DE CONSUMO.............................16
	2.2.1
2.2.2
2.2.3
2.2.4
2.2.5
2.3
2.4
3
3.1
3.2
3.3
4
4.1
4.2
4.2.1
4.2.2
4.2.3
4.3
4.3.1
4.3.1.1
4.3.1.2
4.3.2
5
5.1
5.1.1
5.2
5.3
5.3.1
5.3.1.1
5.3.1.2
5.3.2
5.4
	Produção em série de produtos............................................................16
Distribuição em massa de produtos e serviços..................................17
Fornalização da aquisição de produtos e serviços por meio dos contratos de adesão...............................................................................17
Publicidade em larga escala..................................................................19
 Oferecimento de crédito generalizado ao consumidor......................21
A DIMENSÃO SOCIAL DO CONSUMO...................................................23
CONSUMO, PRAZER E INSACIABILIDADE............................................26
CRÉDITO AO CONSUMO........................................................................28
A EXPANSÃO DO CRÉDITO NO BRASIL...............................................28
A CONCESSÃO DE CRÉDITO AO CONSUMO E OS PERIGOS A QUE ESTÃO SUBMETIDOS OS CONSUMIDORES........................................31
OS CARTÕES DE CRÉDITO E SUA UTILIZAÇÃO DESCOMEDIDA....34
O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR...................................38
CONCEITO E NOÇÕES GERAIS DE SUPERENDIVIDAMENTO..........39
AS CAUSAS DO SUPERENDIVIDAMENTO...........................................43
A ausência de informações...................................................................44
A oferta maciça de crédito.....................................................................49
A contribuição do credor para a situação de superendividamento..50
A CLASSIFICAÇÃO DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO............52
O superendividado Ativo.......................................................................53
O superendividado Ativo Consciente.......................................................53
O superendividado Ativo Inconsciente.....................................................54
O superendividado Passivo..................................................................56
MEIOS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO.....59
RELAÇÃO DE CONSUMO E AS FIGURAS DO FORNECEDOR E CONSUMIDOR DE CRÉDITO.................................................................59
A vulnerabilidade do consumidor de crédito......................................61
A PROTEÇÃO DO CONSUMIDORSUPERENDIVIDADO FRENTE AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.............................................62
O SUPERENDIVIDAMENTO NO DIREITO COMPARADO.....................64
Medidas preventivas contra o superendividamento...........................66
Forma escrita............................................................................................67
Publicidade...............................................................................................67
Medidas curativas contra o superendividamento...............................69
PROJETO DE LEI N. 283 DE 2012 DO SENADO FEDERAL.................71
	6
	CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................80
	
	REFERÊNCIAS .......................................................................................82
	
	
1 INTRODUÇÃO 
O presente estudo visa abordar o fenômeno do superendividamento do consumidor no ordenamento consumerista brasileiro, bem como sua proteção jurídica e as possíveis soluções para esta problemática, tendo em vista o caráter contemporâneo de tal fenômeno, fruto da atual sociedade de consumo.
Esta sociedade está inserida em um contexto de forte industrialização, com a consequente produção massiva bens e serviços, que faz eclodir um perfil tipicamente consumista por parte de seus integrantes. Assim, os indivíduos, persuadidos pelo forte apelo publicitário, enxergam no ato de consumir uma forma de identificação social, associam o consumo à ideia de prazer e felicidade, tornando-se sujeitos insaciáveis, diante da constante “necessidade” de compra de mercadorias. 
Aliado a este contexto, o crédito assume papel fundamental na manutenção deste estilo de vida, possibilitando o acesso de grande parcela da população aos bens de consumo, na medida em que não é necessário que se possua recursos imediatos para consumir, bastando que se comprometa a realizar o pagamento no futuro. Funciona o crédito, portanto, como um financiador do consumo, um propulsor do sistema capitalista.
Assim, o acesso ao crédito surgiu como condição basilar para a vida na sociedade de consumo. Com efeito, só é capaz de atuar no mercado de consumo quem dispõe de recursos financeiros. Desta feita, o crédito torna-se condição indispensável para a aquisição de produtos e fruição de serviços.
Diante deste contexto, o crédito sofreu uma grande popularização, na medida em que passou a ser concedido de forma facilitada a todas as camadas da população, que desprovida de informações claras e precisas acerca do crédito contratado, acabou por banalizar a sua utilização. 
O problema consiste no fato de que, “se o crédito é fácil, o endividamento também o será” [footnoteRef:1]. Assim, a faculdade que tem o consumidor de adiar o pagamento ou, até mesmo, de fracioná-lo “conduz ao consentimento precipitado, ao consumo irrefletido, desnecessário e muitas vezes incompatível com a capacidade econômica do consumidor” [footnoteRef:2], podendo torná-lo excessivamente endividado, ainda mais quando não recebe informações suficientes e claras acerca do crédito contratado. [1: CARPENA, Heloísa; CAVALAZZI, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta para um estudo empírico e perspectiva de regulação. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 328.] [2: CARPENA, Heloísa; CAVALAZZI, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta para um estudo empírico e perspectiva de regulação. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 328.] 
Em meio a este cenário de massificação do crédito, onde reina a inobservância ao Código de Defesa do Consumidor e suas normas sistemáticas por parte dos fornecedores/credores, o superendividamento eclodiu na sociedade brasileira, ganhando uma enorme dimensão. 
Ademais, este fenômeno está inserido em um ordenamento cuja legislação apresenta-se escassa de recursos capazes de responder à sua problemática. Diante desta insuficiência normativa, o superendividamento se propaga pela realidade socieconômica brasileira, sendo que o operador do direito não possui norma adequada à tutela do fenômeno; e o consumidor ainda não recebe a proteção necessária para evitar e, tampouco, remediar o estado de insolvência que pode atingir. 
Neste contexto, por meio de iniciativa legislativa, foi criado o Projeto de Lei n. 283 de 2012 do Senado Federal, que visa alterar a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor, além de dispor sobre a prevenção do superendividamento.
Tecidas estas considerações, este trabalho de conclusão de curso objetiva a análise acerca dos aspectos sociais e jurídicos do superendividamento, de modo a compreender o fenômeno e os impactos que traz na sociedade, avaliando a necessidade de elaboração de lei específica que regule o tema e proteja efetivamente os consumidores.
Logo, a problematização diz respeito à proteção ao consumidor superendividado mostrar-se eficaz ou não pelo ordenamento consumerista brasileiro. Indaga-se, portanto, se a política de defesa prevista no Código de Defesa do Consumidor revela-se como um instrumento eficaz de proteção do consumidor superendividado. 
Para solver tal questão, o presente estudo analisa a disciplina do fenômeno no direito comparado e a iniciativa legislativa brasileira, que criou o Projeto de Lei n. 283 de 2012 do Senado Federal, em trâmite no Congresso Nacional, como base teórica o princípio da boa-fé objetiva que impõe o dever de lealdade e correção das partes no contrato e os princípios da dignidade humana e do mínimo existencial.
Para tanto, utiliza-se o método de pesquisa dedutivo e comparativo, por meio de levantamento bibliográfico de doutrina, pesquisa de jurisprudência e demais dados relevantes ao tratamento e prevenção ao superendividamento em todos os seus aspectos. Divide-se, assim, o presente estudo em quatro partes.
No primeiro capítulo, foi realizada a análise acerca das características da sociedade de consumo. Foram abordadas a sua origem e conceito, os elementos que a caracterizam, bem como a dimensão que o consumo exerce nas relações sociais e a sua associação com os ideais de prazer e felicidade, na busca por um melhor entendimento acerca do tema e do comportamento insaciável por parte dos consumidores na contemporaneidade,
Sob tal enfoque, no segundo capítulo, buscou-se proceder ao exame acerca da expansão do crédito no Brasil e as conseqüências que a sua liberalização são capazes de trazer para a economia e para a sociedade. O acesso facilitado ao crédito aliado a cultura de consumo, a uma ausência de informações por partes dos fornecedores/credores, bem como a utilização desmedida dos cartões de crédito, tornam-se meios hábeis de resultarem em uma situação de endividamento excessivo por parte dos consumidores. 
No terceiro capítulo buscou-se entender as características essenciais ao superendividamento, tais como o seu conceito, as suas causas, bem como as suas classificações, colocando em destaque o papel essencial da boa-fé por parte do consumidor no momento da contratação do crédito, para que seja digno de receber o amparo estatal.
No quarto e último capítulo, abordou-se os aspectos jurídicos do superendividamento, de forma a proceder a uma análise acerca da suficiência ou não do Código de Defesa do Consumidor para tutelar os superendividados. Como fonte normativa comparativa, foram analisados os institutos responsáveis pela prevenção e tratamento do superendividamento no Direito Francês, pelo levantamento dos dispositivos pertinentes do Code de la Consommation. A partir dessa análise, realizou-se o exame do Projeto de Lei n.º 283 de 2012 do Senado Federal.
Assim, o presente estudo visa a um exame acerca do superendividamento, na tentativa de entender o contexto sob o qual está inserido, visando alcançar soluções mais justase eficazes para o fenômeno no ordenamento consumerista brasileiro, eis que se trata de uma realidade presente e crescente no cotidiano dos consumidores brasileiros.
2 SOCIEDADE DE CONSUMO 
2.1 CONCEITO E ORIGEM DA SOCIEDADE DE CONSUMO
A expressão “Sociedade de Consumo”, nascida em 1920, popularizou-se entre 1940 e 1950. Faz referência a um tipo de consumo tipicamente materialista que coloca o apoderamento do dinheiro em um plano superior da vida dos indivíduos[footnoteRef:3]. [3: LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo, Companhia das Letras. 2007.] 
A expressão “sociedade de consumo” se trata de um dos inúmeros rótulos para designar a época contemporânea, a “era das massas”. Tal expressão (sociedade de consumo) se presta para conceituar uma sociedade que se encontra em uma etapa avançada de desenvolvimento industrial capitalista, em que a oferta de bens geralmente excede a sua procura, e que se caracteriza pelo consumo massivo de produtos e serviços, disponíveis graças a elevada produção dos mesmos[footnoteRef:4]. [4: Ibid., p. 53.] 
Sua formação deu-se ao longo de vários séculos, contudo o início de sua consolidação remonta à Inglaterra do Século XVIII, época esta da ocorrência da chamada “revolução de consumo”, que precedeu a Revolução Industrial, e que teve seu surgimento ligado a três elementos preponderantes, conforme destaca Campbell:
...o surgimento de uma classe média trabalhadora, responsável pela compra de artigos da vida diária, que estabeleceu as base para a Revolução Industrial; o surgimento da procura por bens “surpéfluos”, tais como brinquedos, cadarços, botões e espelhos, entre outros; e a própria mudança cultural, originada por uma série de fenômenos como o aumento do lazer, a leitura de romances românticos e a ascensão da moda.[footnoteRef:5] [5: CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do consumismo Moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001, p 93.] 
O surgimento da sociedade de consumo tem ligação direta, portanto, com desenvolvimento industrial que, em um certo ponto, e pela primeira vez na história, levou a que se tornasse mais difícil vender os produtos e serviços do que fabricá-los. Esse excesso de oferta, conjuntamente com o enorme número de mercadorias colocadas nos mercado, levou ao desenvolvimento de estratégias de marketing extremamente agressivas e sedutoras e às facilidades de crédito quer das empresas industriais e de distribuição, quer do sistema financeiro.
Nesta seara, tem-se, portanto, que a Revolução Industrial teve enorme influência na modificação dos hábitos de consumo da sociedade, haja vista que houve aumento vultuoso na oferta de bens e serviços, em decorrência da produção em larga escala das indústrias. 
Aliada a esta crescente oferta de bens e serviços,o surgimento da publicidade combativa, que ocorreu em meados do século XIX, logo após o início Revolução Industrial,teve papel de enorme relevância para o escoamento da grande produção advinda das indústrias, posto se tratar de mecanismo apto a despertar o interesse para o consumo desses bens,caracterizando-se como um convite à oferta[footnoteRef:6]. [6: SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: R. dos Tribunais, 2007, p. 37.] 
Outrossim, a consubstanciação do denominado capitalismo de consumo se deu também ao longo do século XX, marcando ainda os dias atuais, sob a forma do que Lipovestsky chama de “hiperconsumo”[footnoteRef:7]. [7: LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 24.] 
Com a Segunda Guerra Mundial, houve enorme expansão econômica mundial, conhecida como “Boom Econômico do Pós-Guerra” ou “Era de Ouro do Capitalismo”, marcando um período de grande prosperidade econômica, ocorrido principalmente nos países ocidentais. A “sociedade de consumo”, neste contexto, vê os precedentes abertos para a sua consolidação, em decorrência da enorme expansão do consumo jamais antes vista na história do capitalismo, primeiramente nos Estados Unidos, e posteriormente nas demais sociedades capitalistas.[footnoteRef:8] [8: SODRÉ, Marcelo Gomes, op. cit., p. 41.] 
Acerca da consumação da economia de consumo, Lipovetsky assevera que:
É por volta de 1950 que se estabelece o novo ciclo histórico das economias de consumo; ele se constrói ao longo das três décadas do pós-guerra (...) Consumando o “milagre do consumo”, ... fez parecer um poder de compra discricionário em camadas sociais cada vez mais vastas, que podem encarar com confiança a melhoria permanente de seu meio de existência; ele difundiu o crédito e permitiu que a maioria se libertasse da urgência da necessidade estrita. Pela primeira vez, as massas têm acesso a uma demanda material mais psicologizada e mais individualizada, a um modo de vida (bens duráveis, lazeres, férias, moda) antigamente associado às elites sociais.[footnoteRef:9] [9: LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 32.] 
Em relação ao Brasil, a formação de uma sociedade de consumo pode ser analisada segundo as etapas de desenvolvimento econômico do país: (i) 1885 a 1939 – Primórdios da Industrialização – início da urbanização e ausência de uma sociedade de consumo; (ii) 1930 a 1980 – substituição das importações à exportação de manufaturas – a formação de uma sociedade de consumo; (iii) 1930 a 1955 – industrialização extensiva à constituição da indústria de base – lançamento das bases para um futuro novo estilo de vida; (iv) 1956 a 1967 – expansão do capital monopolista multinacional e estatal – um novo estilo de vida, a sociedade de consumo; (v) 1968 a 1980 – consolidação das transformações estruturais – a ampliação do acesso aos bens de consumo; e, por fim, (vi) 1980 aos dias de hoje – o mercado global – a internacionalização da sociedade de consumo no Brasil.[footnoteRef:10] [10: SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 27.] 
Assim, diante do contexto de desenvolvimento econômico e crescimento industrial e de conseqüente urbanização das cidades, os hábitos de consumo da sociedade brasileira sofreram sensível modificação ao longo dos anos: bens antes considerados como supérfluos ou desnecessários, tais como televisores e geladeiras, passaram a integrar obrigatoriamente os lares das famílias brasileiras. 
Em meio a este cenário,o desenvolvimento e a proliferação dos meios de comunicação de massa tiveram papel fundamental naquele momento de franca expansão do consumo, eis que a publicidade massiva de bens e serviços foi capaz de impulsionar ainda mais as aquisições por parte dos novos consumidores.[footnoteRef:11] [11: Ibid., p. 37.] 
Assim é que o Brasil ingressa, a partir do final da década de 50, no universo da chamada “sociedade de consumo”, a qual pode ser definida, segundo José Reinaldo de Lima Lopes:
...como uma sociedade de massas e de classes: de massas porque suas relações definem-se pelo mercado, que ao mesmo tempo permite interações anônimas e despersonalizadas entre grandes números de pessoas; de classes porque determina sua posição respectiva no processo produtivo[footnoteRef:12]. [12: LOPES, José Reinaldo de Lima. Prefácio de MARQUES, Claúdia Lima et CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 6. ] 
Deste modo, um novo padrão de valor do indivíduo nasce a partir da sociedade de consumo de massa, que traz consigo o signo do excesso e do extremo.
2.2 EXTERNALIDADES DA SOCIEDADE DE CONSUMO
Segundo lição de Marcelo Gomes Sodré[footnoteRef:13], para que haja a configuração de uma sociedade de consumo, se faz necessária a coexistência de cinco externalidades, quais sejam: a produção em série de produtos; a distribuição em massa de produtos e serviços; a formalização da aquisição dessesprodutos e serviços por meio de contratos de adesão; a publicidade em larga escala na oferta dos mesmos; e, por fim, o oferecimento generalizado de crédito ao consumidor. Tais elementos passarão a ser analisados em apartado a seguir: [13: SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: R. dos Tribunais, 2007, p. 67.] 
2.2.1 Produção em série de produtos
A produção em massa e em série dos produtos viabilizou-se, conforme anteriormente explanado, em decorrência da industrialização dos países do globo. Ademais, a introdução de novas tecnologias nas indústrias proporcionou a produção de enormes quantidades de bens padronizados a baixos custos, em substituição a antiga produção artesanal, que era voltada apenas aos mercados locais, conforme assevera Ronaldo Macedo Júnior[footnoteRef:14]. [14: MACEDO JUNIOR., Ronaldo. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: R. dos Tribunais, 2007, p. 95.] 
	Os novos métodos taylorista e fordista, métodos inovadores de produção em larga escala através da introdução de linhas de produção e de novas formas de gerenciamento do processo produtivo,tiveram o condão impulsionar a produção, gerando, como conseqüência, uma forte expansão do capitalismo e, por conseguinte, do consumo[footnoteRef:15]. [15: FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.] 
	
2.2.2 Distribuição em massa de produtos e serviços
Seguindo a lógica de produção em série, a distribuição em massa de produtos e serviços se fez imprescindível e pôde ser viabilizada através da criação de espaços de consumo para o escoamento das mercadorias produzidas. 
As formas de comercialização, antes realizadas em pontos esparsos de distribuição, desassociados entre si, sofreram drástica modificação, ao que passou a predominar nos dias atuais os grandes aglomerados como as lojas de departamentos, os supermercados, os hipermercados e os shopping centers, espaços estes capazes de reunir em um só lugar uma gama infinita de opções de compra para os consumidores.
Conforme pondera Valquíria Padilha a despeito do surgimento do shopping center:
O surgimento e o desenvolvimento do shopping center acompanha uma nova forma de industrialização da oferta e da demanda, além do próprio desenvolvimento industrial e tecnológico típico do século XX. Esses centros comerciais aparecem como uma última etapa do desenvolvimento da sociedade de massas (que nasce nos anos de 1930) e participam de forma decisiva na construção de uma nova “cultura urbana”[footnoteRef:16]. [16: PADILHA, Valquíria. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 22.] 
Assim, a partir da segunda metade do século XX, instaurou-se no Brasil uma crescente rede de distribuição como causa e consequência do processo de industrialização dos produtos em série[footnoteRef:17]. [17: SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: R. dos Tribunais, 2007, p. 76.] 
2.2.3 Formalização da aquisição de produtos e serviços por meio de contratos de adesão
Diante de todas essas transformações nas formas de produção e de comercialização dos produtos, se fez imperiosa a criação de um instrumento hábil a formalizar as relações firmadas entre fornecedores e entre consumidores. Assim, surge a figura dos contratos de adesão, que é um fenômeno típico das sociedades de consumo. 
Os contratos de adesão seguem os “movimentos de massa” característicos desta nova fase de produção e fornecimento de bens e serviços a um vasto número de consumidores, posto tratar-se de instrumentos contratuais uniformes, idênticos, com cláusulas pré-estabelecidas, possuindo o escopo de gerar uma maior facilidade e rapidez no instante da contratação. É o que afirma Marcelo Gomes Sodré:
Se os bens de consumo são fabricados em série, comercializados em massa, oferecidos a todos por meio da publicidade universal e comprados mesmo por quem não tem dinheiro para tal, não é de se estranhar que os contratos utilizados sejam idênticos em sua forma e que a possibilidade real de negociação de suas cláusulas seja praticamente nula. A utilização de contratos de adesão é o último passo desta cadeia econômica. E uma peça essencial[footnoteRef:18]. [18: SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: R. dos Tribunais, 2007, p. 82.] 
Destarte, o que se observa com a utilização quase absoluta dos contratos de adesão no âmbito das relações de consumo, é que houve uma despersonalização destas relações, haja vista que foram deixadas de lado as características pessoais de cada indivíduo em isolado, passando este contrato a adotar um caráter padronizado, uma forma de contratação em massa. É o que destacam Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:
O homem contratante acabou, no final do século passado e início do presente, por se deparar com uma situação inusitada, qual seja a da despersonalização das relações contratuais em função de uma preponderante manifestação voltada ao escoamento em larga escala do que se produzia nas recém-criadas indústrias[footnoteRef:19]. [19: GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume IV. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 75.] 
Outrossim, é de se observar que as características da bilateralidade negocial e da autonomia nos acordos de vontade são relativizadas, na medida em que, neste tipo de contratação, cabe a uma parte (consumidor) aderir ou não à vontade já estabelecida pela outra parte (fornecedor), não havendo qualquer possibilidade de discussão do conteúdo contratual.
Este tipo de contrato se faz lógico em uma sociedade que contrata em grandes números, eis que se fazem necessárias respostas imediatas, padronizadas, longe das dúvidas e das dubiedades, para demandas repetidas[footnoteRef:20]. [20: GOMES, Orlando. Contratos, 10 edição. Rio de Janeiro: Forense, 1984.] 
2.2.4 Publicidade em larga escala na oferta dos produtos e serviços
Segundo Valquíria Padilha, “a publicidade é mais uma ferramenta de criar necessidade nas pessoas para que a circulação de mercadorias tenha um bom fluxo”[footnoteRef:21], possuindo, assim, o papel essencial na sociedade de consumo de “modelar as necessidades e os desejos das pessoas em relação a uma demanda puramente econômica.”[footnoteRef:22] Logo, a economia de mercado, definida pela produção e pelo consumo de massas,encontra na publicidade uma grande aliada, tendo em vista que sua atuação é fundamental para o funcionamento da engrenagem consumista. [21: PADILHA, Valquíria. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 108.] [22: Ibid., p. 106.] 
A publicidade começa a ganhar relevo na fase pós revolução industrial, posto que foi a partir de então que a produção em larga escala de bens e serviços e o consumo massificado se fez presente e crescente, em contraposição ao que ocorria na fase pré-industrial, onde o esquema de produção vigente era o de manufatura em pequena escala, não havendo, pois, a necessidade de esforços do fornecedor para a colocação dos produtos no mercado.
Neste novo cenário, onde ocorreu uma despersonalização das relações entre fornecedor e consumidor, a publicidade adquiriu grande importância, na medida em que passou a ser utilizada para alcançar um número indeterminado de potenciais consumidores, integrantes do público que passa a ser guiado pelas informações ali contidas, muitas vezes destinadas a criar novos hábitos e costumes. Ela passa, desde então, a funcionar como uma fomentadora de desejos e da falsa necessidade de que se deve consumir com uma freqüência cada vez maior. 
A publicidade exerce uma enorme influência nos hábitos de consumo da população, possuindo a capacidade de fixar determinados “padrões de consumo”nos indivíduos, conforme pondera Zygmunt Bauman, levando-os mesmo a crer que o ato de consumir tem o poder de determinar a sua “ascensão” dentro da sociedade a qual estão inseridos, qual seja, uma sociedade cada vez mais materialista[footnoteRef:23].[23: BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p. 91.] 
O ato de consumir, neste contexto, funciona como a exteriorização de um determinado estivo de vida. Assim, conforme asseveram Catarina Frade e Sara Magalhães “Os indivíduos fazem, possuem e adquirem aquilo que é entendido como adequado fazer, ter ou comprar pelos outros com os quais cada indivíduo se identifica” [footnoteRef:24]. [24: FRADE, Catarina, MAGALHÃES, Sara. Sobreendividamento, a outra face do crédito. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 32.] 
Neste sentido também se inclina Mike Featherstone ao discorrer acerca da chamada “cultura de consumo”:
No âmbito da cultura de consumo, o indivíduo moderno tem consciência de que se comunica não apenas por meio de suas roupas, mas também através de sua casa, mobiliários, decoração, carro e outras atividades, que serão interpretadas e classificadas em termos da presença ou falta de gosto. A preocupação em convencionar um estilo de vida e uma consciência de si estilizada não se encontra apenas entre os jovens e os abastados; a publicidade da cultura de consumo sugere que cada um de nós tem a oportunidade de aperfeiçoar e exprimir a si próprio, seja qual for a idade ou a origem de classe[footnoteRef:25]. [25: FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p. 32.] 
Outrossim, Mike Featherstone entende a cultura do consumidor como uma conseqüência da expansão capitalista e do grande estímulo que o método fordista exerceu sobre a produção, sendo que a necessidade de criar novos mercados e “educar” as pessoas para serem consumidores fez com que surgissem recursos de sedução e manipulação ideológicas das pessoas através do marketing e da propaganda:
Se, da perspectiva da economia clássica, o objetivo de toda produção é o consumo, com os indivíduos maximizando suas satisfações mediante a aquisição de um elenco de mercadorias em constante expansão, nesse caso, da perspectiva de alguns neomarxistas do século XX, esse desenvolvimento produz maiores oportunidades de consumo controlado e manipulado. Afirma-se que a expansão científica do “fordismo”, por volta da virada do século, necessitou da construção de novos mercados e da “educação” de novos públicos consumidores por meio da publicidade e da mídia.[footnoteRef:26] [26: FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p. 32.] 
Assim, tem-se que a publicidade ocupa um papel de enorme relevância para a sociedade de consumo, na medida em que possui a nítida função de estimular a aquisição por parte dos consumidores de uma gama cada vez maior de produtos e serviços, criando desejos e necessidades. Ela busca comunicar algo aos consumidores, com a intenção de persuadir-los a um comportamento determinado e preestabelecido, qual seja, o de consumir.
Em relação ao Brasil, Marcelo Gomes Sodré sustenta que nos últimos anos houve grande crescimento da atividade publicitária, sendo que os produtos e serviços passaram a ser ofertados ao público em geral por todos os meios possíveis, merecendo especial relevância a televisão, tendo em vista que o maior investimento ocorre na mídia televisão, “fato este que demonstra que a publicidade passa a ser acessível a quase todos, mesmo àqueles que não podem comprar os produtos anunciados” [footnoteRef:27]. [27: SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: R. dos Tribunais, 2007, p. 81.] 
Neste contexto, onde a publicidade exerce enorme incitação dos desejos e das falsas necessidades de toda a população, mesmo daqueles que não possuem condições de adquirir os produtos ofertados, merece destaque o crédito de consumo, que surge com uma forma de proporcionar ao consumidor a realização de seus sonhos de consumo, eis que se trata de um meio de viabilizar o acesso ao mercado de consumo por parte daqueles que não dispõem de recursos imediatos para tal. 
Portanto, como bem assevera Lívia Barbosa, “propaganda e marketing são, portanto, mecanismos menos de ‘vender produtos do que de comprar consumidores’” [footnoteRef:28]. [28: BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004, p. 30. ] 
2.2.5 Oferecimento generalizado de crédito ao consumidor
A concessão de crédito tem papel de suma importância na tipificação da sociedade de consumo, haja vista que é por meio dela que é possibilitada aos indivíduos a participação na cultura de consumo, sendo, inclusive, a única forma de acesso ao mercado de consumo para grande parte dos consumidores.
Marcelo Gomes Sodré discorre acerca do papel do crédito na sociedade de consumo, em que o consumidor passa a ter a possibilidade de consumir mesmo que não disponha de recursos para tal. Seria o crédito, na sua visão, a roda que permite o andamento do sistema capitalista:
O capitalismo, e a sociedade de consumo em especial, tem suas mágicas: uma delas é fazer o sistema econômico rodar sem que o consumidor tenha recursos para dar o pontapé inicial. O crédito é a forma de comprometer o consumidor a pagar no futuro por um bem de consumo para o qual ele não tinha dinheiro inicialmente. Por isso mesmo, o crédito é uma das externalidades da existência de uma sociedade de consumo. Ele é a roda, o que permite o andamento do sistema.[footnoteRef:29] [29: SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: R. dos Tribunais, 2007, p. 81.] 
Neste sentido, não possuindo todos os membros da sociedade a capacidade de reproduzir o comportamento típico da sociedade de consumo, muitos deles acabam por recorrer às instituições financeiras[footnoteRef:30] e suas representantes para contrair empréstimos que viabilizem a manutenção de seus comportamentos de consumidores. [30: O art. 17 da Lei 4.595/1964 (Lei da Reforma Bancária) determina que: “Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.] 
Como bem anota Márcio Mello Casado, “se o consumidor assiste ao anúncio de um produto e não tem como comprá-lo, fica feliz ao saber que poderá adquiri-lo com as facilidades que os anúncios dos bancos expõem o crédito”[footnoteRef:31]. [31: CASADO, Marcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro, 2 edição. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 146.] 
	Zygmunt Bauman postula que o “circuito crédito-consumo-renovação de crédito” é um dos principais mecanismos reguladores da sociedade de consumidores, aduzindo que a lógica de seu funcionamento inclui, sem sombras de dúvidas, a finalidade de um aumento cada vez maior dos ganhos alcançados tanto pelo setor industrial e comercial, assim como pelos bancos privados ou estatais incumbidos de fornecer crédito. Para tal, um enorme aparato de instituições com determinadas funções se dispõe em torno da compra e do descarte de mercadorias, por parte dos indivíduos, e dos recursos financeiros que deverão estar acessíveis para possa haver a efetivação do comportamento de consumidores.[footnoteRef:32] [32: BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos, 1 edição. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2010.] 
	Ademais, Zygmunt Bauman também disserta acerca da “vida a crédito”, um estilo de vida em que as pessoas são educadas desde cedo para serem consumidoras de crédito, devedoras habituais, capazes de manter em movimento a engrenagem da economia de consumo:
Não é de surpreender que a tarefa de tornar os membros da sociedade de consumidores dignos de crédito e dispostos a usar até o limite o crédito que lhes foi oferecido está caminhando para o topo da listas dos deveres patrióticos e dos esforços de socialização.Na Grã-Bretanha, viver de crédito e em dívida agora se tornou parte do currículo nacional, planejado, endossado e subsidiado pelo governo. Alunos de universidades, a esperada “elite consumidora” do futuro, e portanto a parcela da nação que promete os maiores benefícios à economia de consumo nos anos vindouros, passam por um período de três a seis anos de treinamento, compulsório em tudo menos no nome, nos usos e habilidades de pegar dinheiro emprestado e viver a crédito. Espera-se que essa obrigatória vida baseada em empréstimos dure o suficiente para se tornar um hábito, varrendoda instituição do crédito ao consumidor os últimos vestígios do opróbrio (trazidos da sociedade de produtores e caracterizados pela caderneta de poupança). E o bastante para que a crença de que jamais pagar uma dívida é uma estratégia de vida inteligente e consistente seja elevada à categoria de “escolha racional” e de “bom senso”, e transformada num axioma não mais questionável da sabedoria de vida. Na verdade, o suficiente para transformar a “vida a crédito” numa segunda natureza.[footnoteRef:33] [33: BAUMAN, Zygmunt,. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, 1 edição. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008, p. 103. ] 
Assim, tem-se que o crédito exerce um papel de suma importância na sociedade contemporânea, na medida em que proporciona o acesso de grande parte da população no mercado de consumo, funcionando como um financiador do consumo, um propulsor do sistema capitalista.
2.3 A DIMENSÃO DO CONSUMO NA VIDA SOCIAL
O ato de consumir aparenta ser algo banal e até mesmo trivial. Trata-seum exercício diário, realizado por todos, muitas vezes desempenhado de modo festivo, em comemoração a um evento importante, em razão de um encontro com os amigos ou até mesmo efetuado como forma de recompensa por uma realização particularmente significante, mas na maioria das vezes é realizado de forma costumeira, sem muita preparação ou reconsiderações.[footnoteRef:34] [34: BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos, 1ª edição. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2010.] 
Pode-se dizer que o ato de consumir é tão antigo quanto a própria existência da humanidade. Contudo, na sociedade contemporânea, assume uma dimensão diferenciada de outras épocas. Se antes o consumo era realizado de modo a suprir as necessidades reais dos indivíduos, hoje essa prática assume outras facetas, não estando tão somente limitado “à compra, descarte e fruição de um bem ou serviço”, mas, também, se instituindo como “um sentido de experiência” ou uma “identificação com determinado grupo”.[footnoteRef:35] [35: PEREIRA, Bill; AYROSA, Eduardo A. T. A identidade homossexual masculina: o consumo como forma de enfrentamento e resistência. In: XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA. Recife, 2007.] 
Portanto, o consumo assume, na atualidade, um papel central na vida dos indivíduos, em que o ato de consumir é percebido além de sua dimensão utilitária na aquisição de bens e serviços e de meio de sobrevivência, preenchendo, entre os indivíduos, “uma função acima e além daquela satisfação de necessidades materiais e de reprodução social comum a todos os grupos sociais.[footnoteRef:36]”.O consumo, portanto, passa a ser compreendido não somente como consumo de valores de uso, de utilidades materiais, mas primordialmente como o consumo de signos, de demonstração de um estilo de vida. Conforme bem anota Lívia Barbosa e Campbell: [36: BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004, p. 14.] 
...na sociedade contemporânea... consumo é ao mesmo tempo um processo social que diz respeito a múltiplas formas de provisão de bens e serviços e a diferentes formas de acesso a esses mesmos bens e serviços; um mecanismo social percebido pelas ciências sociais como produtor de sentido e de identidades, independentemente da aquisição de um bem; uma estratégia utilizada no cotidiano pelos mais diferentes grupos sociais para definir diversas situações em termos de direitos, estilos de vida e identidades; e uma categoria central na definição da sociedade contemporânea.
Nesta seara, é indiscutível a centralidade que o consumo exerce no sistema de reprodução social das sociedades, haja vista que cultura e consumo são aspectos elementarmente sociais, eis que todo ato de consumo é essencialmente cultural.
Os variados modos de consumo estruturam a vida social por serem formas de interação entre o indivíduo e a sociedade: o que vestir, o que comer, quais objetos comprar, quais repudiar, os locais a freqüentar, o que presentear – condutas estas impostas pelos modos arquitetados de usar bens para estabelecer relações sociais. O consumo é, neste sentido, um elemento gerador de vínculos entre indivíduos na sociedade. Conforme assevera Zygmunt Bauman:
Para entrar na sociedade de consumidores e receber um visto de residência permanente, homens e mulheres devem atender às condições de elegibilidade definidas pelos padrões do mercado. Espera-se que se tornem disponíveis no mercado e que busquem, em competição com o restante dos membros, seu “valor de mercado” mais favorável. Ao explorarem o mercado à procura de bens de consumo (o propósito ostensivo de sua presença ali), são atraídos para as lojas pela perspectiva de encontrar ferramentas e matérias-primas que podem (e devem) usar para se fazerem “aptos a serem consumidos” – e, assim, valiosos para o mercado.[footnoteRef:37] [37: BAUMAN, Zygmunt,. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, 1ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 82. ] 
Desta feita, os bens adquirem a função de intermediadores das interações sociais, ao que reafirmam o papel comunicador de classes culturais e valores sociais,que assumem ao tornarem palpáveis e visíveis significados sociais importantes para a configuração e para a identidade dos grupos. Os bens, por conseguinte, seriam necessários não somente para a sobrevivência e outras funções utilitárias, mas também para gerar e auxiliar na manutenção das relações sociais.[footnoteRef:38] Assim, tem-se o ato de consumir se tornou uma espécie de código cultural, na medida em que o consumo é capaz de criar “pontes” e “muros”. [38: DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron C. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004.] 
Portanto, o sujeito que possui uma imagem que não se ajusta com o arquétipo consumista, que não é capaz de transmitir através de sua aparência seu valor e sofisticação, torna-se um sujeito antiquado, restando a ele a marginalização de seu potencial ou a necessidade de percorrer o caminho da criação de uma imagem de sucesso, apta a ser vendida como mão de obra e a reintegrar seu papel na produção econômica. Assim, nos dizeres de Zygmunt Bauman “Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria”[footnoteRef:39]. [39: BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008, p. 20.] 
2.4 CONSUMISMO, PRAZER E INSACIABILIDADE
Ao descrever o consumismo, Zygmunt Bauman[footnoteRef:40]conceitua-o como sendo uma forma de arranjo social que resulta da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos cotidianos, que visa a transformação destes na principal força motriz e operativa da sociedade. Assinala, ainda, que para compreender o consumismo se faz necessário descobrir o que querem, desejam e almejam os consumidores e identificar a natureza peculiar dessas vontades, desejos e anseios. [40: Ibid.] 
Segundo o autor, tal descoberta se dará com base na concepção do consumo contemporâneo não decorrente de um anseio por estabilidade e satisfação, como o era no que chama de sociedade de produtores, mas como proveniente de uma multiplicação de desejos em volume sempre crescente, o que resulta um imediatismo tanto no uso quanto na substituição dos objetos desse desejo:
...Dificilmente poderia ser de outro jeito, já que o consumismo, em aguda oposição às formas de vida precedentes, associa felicidade não tantoà satisfação das necessidades (como suas “versões oficiais” tendem a deixar implícito), mas um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la. Ele combina, como Don Salater identificou com precisão, a insaciabilidade dos desejos com a urgência e o imperativo de “sempre procurar mercadorias para se satisfazer”. Novas necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas necessidades e desejos; o advento do consumismo augura uma era de “obsolescência embutida” dos bens oferecidos no mercado e assinala um aumento espetacular na indústria da remoção do lixo.[footnoteRef:41] [41: BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: J. Zahar, p. 44 e 45.] 
       
Conclui-se, portanto, que a sociedade contemporânea tem suas condutas de consumo caracterizadas pela insaciabilidade das necessidades e pela inconsistência dos desejos dos consumidores, indivíduos descontentes e insatisfeitos com seus cotidianos e acostumados à eterna compra e descarte subseqüente de mercadorias, tão logo ocorra a perda da importância destas para novos produtos,que tragam consigo promessas de solucionar a intencional obsolescência dos objetos anteriormente tidos como ideais.[footnoteRef:42] [42: BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008,] 
Nesta toada, os objetos passaram a ser enxergados de forma distinta de como eram vistos no passado: se antes a compra determinado bem estava associada a confiança de sua durabilidade e segurança, na atualidade sua obtenção tem ligação, em grande parte dos casos, com a experiência imediatista da obtenção do prazer.
Outrossim, o poder do consumo, na contemporaneidade, tornou-se referência de felicidade. Ser feliz, portanto, requer uma disciplina orientada para as atividades de compra e a freqüência em locais de lazer.[footnoteRef:43] [43: Ibid.] 
Diante destas perspectivas, é possível afirmar que houve a condução a uma cultura projetada para deixar seus cidadãos com uma sensação constante de insatisfação, a ponto de continuar querendo coisas que não têm, fazendo com que estejam sempre dispostos a pagar muito por conveniência e entretenimento. As pessoas compram tanto porque sempre parece que tem alguma coisa faltando em suas vidas.
Por conseguinte, conclui-se que as pessoas compram para que se sintam mais alegres, para que não tenham a sensação de permanecerem atrás de seus semelhantes, para comunicarem o seu status ao mundo, e por diversas razões psicológicas que quase ou que não guardam relação alguma com o fato do produtor ser útil ou não.
3 CRÉDITO AO CONSUMO
3.1 A EXPANSÃO DO CRÉDITO NO BRASIL
A palavra “crédito” surgiu do latim credere, que significa ter confiança. Assim, a noção de crédito está atrelada a qualquer relação ou transação que se assenta na confiança. Lima e Bertoncello apresentam a seguinte definição para crédito:
Define-se como a faculdade de inspirar confiança por uma duração mais ou menos longa. Desse modo, o crédito é caracterizado pela decorrência de um prazo entre a prestação do credor e aquela do devedor, o que somente é possível porque o credor acredita que o devedor cumprirá sua obrigação nos prazos convencionados.[footnoteRef:44] [44: BERTONCELLO, Karen Rick Danilevicz; LIMA, Clarissa Costa de. Conciliação aplicada ao superendividamento: estudo de casos. Revista do Direito do Consumidor, São Paulo, v. 18, n. 71, p. 106-141, jul./set. 2009.] 
O crédito de consumo, portanto, consiste em um sistema de financiamento, no qual o crédito direto é fornecido pelo comerciante, sobretudo pelas financeiras, bancos e cartões de crédito. Em todas as situações, é comum a transformação do consumidor em cliente, haja vista que estabelece relações continuadas, permanentes, muitas vezes.[footnoteRef:45] [45: LOPES, José Reinaldo de Lima. Crédito ao consumidor e superendividamento – uma problemática geral. Revista de Direito do Consumidor, n. 17. São Paulo: R. dos Tribunais, janeiro/março. 1996, p. 58.] 
Neste sentido, a concessão do crédito financeiro, em geral, implica na colocação de dinheiro ao creditado sob a confiança de que a sua restituição se dará em determinado prazo.[footnoteRef:46] [46: CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 36.] 
O crédito possui relevante função na economia, vez que é fundamental ao financiamento do consumo das famílias e do investimento dos setores produtivos. Trata-se de um instrumento utilizado para aumentar lucros, criar riquezas, propiciar a acumulação de ativos e favorecer investimentos.
Sobre o a democratização do crédito e sua função, assim se manifestam Catarina Magalhães e Sara Frade: 
A democratização do crédito remonta aos EUA, país que,antes dos países europeus ocidentais, deixou de interpretar o crédito como sinônimo de pobreza ou de prodigalidade,para o encarar simplesmente como um meio de adquirir uma máquina de costura ou um automóvel, transformando-o num mecanismo fundamental para dinamizar a economia nacional(...) Quando contratado em situação de estabilidade financeira e laboral, o crédito permite melhorar a acessibilidade a determinados bens e serviços, contribuindo para o aumento do bem-estar dos indivíduos e das famílias.[footnoteRef:47] [47: FRADE, Catarina; MAGALHÃES, Sara. Sobreendividamento, a outra face do crédito. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 22/23..] 
No Brasil, um dos motivos que explica o avanço da economia no período recente é, justamente, a ampliação do mercado de crédito. Em dezembro de 2002, a relação crédito/PIB era de 23,8%, passando a 55,8% em fevereiro de 2014[footnoteRef:48]. [48: DIEESE. Departamento intersindical de estatística e estudos socioeconômicos: nota técnica. Disponível em: < http://www.dieese.org.br/notatecnica/2014/notaTec135Credito.pdf>, acesso em 10 de setembro de 2014.] 
Uma série modalidades de crédito teve surgimento,recebeu aperfeiçoamento e ampliação durante período, como o crédito consignado em folha de pagamento, os cartões de crédito, o crédito para aquisição da casa própria e o crédito rural, entre outros. Contudo, a ação das instituições financeiras brasileiras no decurso recente de ampliação do crédito não se deu de forma uniforme. Após a eclosão da crise econômica internacional, os bancos públicos tiveram um papel de grande destaque, assim como a partir de abril de 2012, quando governo federal os acionou para reduzir o spread bancário[footnoteRef:49]. [49: Ibid.] 
Segundo a série histórica de crédito produzida pelo Banco Central Brasil, há apontamentos de que entre 1995 a março de 2003 o aumento do crédito foi de apenas 1,6%, sendo que de 1995 até dezembro de 2012, houve crescimento real do crédito no patamar 209,9%. O saldo de empréstimos concedidos cresceu em 2012, principalmente na modalidade de pessoa física, que representou o maior componente de crédito no país, com 30% do total[footnoteRef:50]. [50: SBICCA, Adriana; FLORIANI, Vinícius; JUK, Yohanna. Expansão do crédito no Brasil e a vulnerabilidade do consumidor. Revista Economia e Tecnologia (RET), São Paulo, vol. 8, p. 5, out/dez, 2012] 
Desde 2004 o crédito na economia brasileira havia começado a se expandir fortemente, em razão de uma enorme gama de fatores, como as perspectivas positivas com relação à retomada do emprego e da renda, a criação do crédito consignado com desconto em folha de pagamento e a aceleração dos investimentos produtivos a partir de 2006[footnoteRef:51]. [51: DIEESE. Departamento intersindical de estatística e estudos socioeconômicos: nota técnica. Disponível em: < http://www.dieese.org.br/notatecnica/2014/notaTec135Credito.pdf>, acesso em 10 de setembro de 2014.] 
A expansão do crédito era mais enérgica nos bancos privadosaté o ano de 2007. Contudo, em 2008,com o começo da crise financeira mundial, os bancos privados diminuíram o oferecimento de crédito, que passou a ser sustentado pelos bancos públicos, relevantemente nos financiamentos aos setores industrial, agrícola e habitacional, constituindo uma forma de estratégia do governo federal para enfrentar a crise econômica internacional.[footnoteRef:52] [52: Ibid.] 
A rapidez com que a expansão do crédito ocorreu no Brasil recentemente, contudo, traz questionamentos quanto às eventuais conseqüências econômicas que pode ocasionar. Assim conclui Adriana Sbicca:
A expansão do crédito no Brasil se deu de forma excepcionalmenterápida nos últimos 10 anos. De maneira concomitante ao aumento expressivo na demanda por crédito tem ocorrido o endividamento das classes de renda mais modestas, com crescimento significativo da participação do cartão de crédito, modalidade que apresenta o maior indicador de inadimplência.[footnoteRef:53] [53: SBICCA, Adriana; FLORIANI, Vinícius; JUK, Yohanna. Expansão do crédito no Brasil e a vulnerabilidade do consumidor. Revista Economia e Tecnologia (RET), São Paulo, vol. 8, p. 5, out/dez, 2012.] 
Através de análise mais detalhada em relação ao ocorrido no Brasil, abusca por crédito pelo consumidor sofreu elevação, sendo que teve elevação de38,97% no período entre janeiro de 2007 a maio de 2012,conforme dados extraídos do Serasa Experian. O crescimento relativo à faixa de renda inferior, de até R$ 500,00 individuais mensais, foi de 112,72%. A partir do início de 2010 a demanda de crédito por esta faixa de renda tornou-se mais elevada que as demais, e apresentou taxa de crescimento superior à média[footnoteRef:54]. [54: Ibid., p. 5.
] 
A partir dos dados apresentados, fácil concluir que houve robusto crescimento na demanda por crédito pelos brasileiros nos últimos anos, em razão do incentivo cada vez maior por parte dos bancos aos empréstimos, tendo em vista a expansão do crédito no período. Esta situação aliada ao modo de vida consumista da sociedade pós-moderna, acarretam, indubitavelmente,numa grande probabilidade de inadimplência e de sobreendividamente por parte dos seus consumidores.
3.2 A CONCESSÃO DE CRÉDITO AO CONSUMO E OS PERIGOS A QUE ESTÃO SUBMETIDOS OS CONSUMIDORES
Tendo em vista a imprescindibilidade que assume o crédito na sociedade de Consumo, os contratos firmados com as instituições financeiras podem ser concebidos como “verdadeiros atos existenciais, totalmente necessários à vida humana”[footnoteRef:55]. [55: CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 145.] 
É incontestável o fato de que a cada dia mais as pessoas consomem. A par desta tendência, a necessidade de crédito se faz fundamental. Por meio da concessão de crédito ao consumo, as pessoas se vêem possibilitadas a adquirir bens e serviços que satisfaçam suas necessidades imediatas (mesmo que aparentes), sem que tenham, no momento da compra, o valor necessário para a aquisição de tais bens ou serviços. Conforme assevera Cláudia Lima Marques:
A possibilidade do consumidor obter imediatamente uma prestação, um bem, um serviço, seja sob a base contratual de um mútuo, uma venda ou mesmo leasing, enquanto que o fornecedor de crédito aceita esperar até um certo termo para só então exigir o seu pagamento, em outras palavras, o fornecimento de crédito ao consumo, considera-se hoje um dos fatores mais importantes da atual sociedade de consumo de massa. [footnoteRef:56] [56: MARQUES, Claudia Lima. Os contratos de crédito na legislação brasileira de proteção ao consumidor. Revista de Direito do Consumidor, n 17, p. 36, São Paulo, janeiro/março. 1996,] 
Destarte, a concessão de crédito assume fundamental importância para o mercado de consumo, na medida em que fez surgir nova prática por parte dos Bancos e instituições financeiras, tendo em vista que outrora o crédito tinha sua destinação basicamente às empresas, com vistas ao incentivo das atividades produtivas, passando, hodiernamente, também a ser destinado ao consumidor pessoa física.
A liberalização do crédito ao consumo no Brasil nunca se deu de forma tão acentuada como nos últimos anos, recebendo forte apoio por parte da publicidade veiculada aos Bancos. Neste sentido, são os ensinamentos de Márcio Mello Casado[footnoteRef:57]: [57: CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 146.] 
O aprofundamento da crise econômica no país fez com que a publicidade dos bancos mudasse. É fato incontroverso que, cada vez mais as pessoas consomem. Ao par desta tendência, a necessidade de crédito é elementar. 
Os bancos deram-se conta deste paradoxo e começaram a anunciar crédito, notavelmente nos intervalos de programas populares e mesmo através de práticas como o merchandising. Se o consumidor assiste ao anúncio de um produto e não tem como comprá-lo, fica feliz em saber que poderá adquiri-lo com as facilidades que os anúncios dos bancos expõem crédito.
Com efeito, os anúncios dos Bancos, no passado, possuíam tão somente o objetivo de demonstrar a solidez e a segurança destas instituições, tendo um caráter meramente institucional. Em contrapartida, na fase atual, com a necessidade crescente do crédito em decorrência do aumento vertiginoso do consumo, tais instituições passaram a anunciá-lo através dos meios de comunicação em massa, atingindo parcelas cada vez mais significantes da população[footnoteRef:58]. [58: Ibid., p. 145.] 
Efetivamente, por meio da democratização do crédito é que foi possível o acesso de grande parcela da população aos bens de consumo, independentemente de suas origens ou de seu potencial econômico-financeiro. Neste contexto, o direito ao crédito tem sido avaliado sobre várias perspectivas, sendo, inclusive, considerado como um novo direito fundamental, na medida em que possibilita ao pobre uma melhora nas suas condições de vida, ajudando-o a um melhor desenvolvimento de suas habilidades pessoais, a reintegrar-se à sociedade e a recuperar sua dignidade humana[footnoteRef:59]. [59: PEREIRA, Wellerson Miranda. Sugestões para a harmonização das soluções jurídicas sobre crédito ao consumidor no MERCOSUL. Revista de Direito do Consumidor, n. 66, p. 198, São Paulo, abril/junho, 2008.] 
Assim, o crédito teve sua utilidade ligada, em um primeiro momento, ao financiamento da casa própria e ao acesso aos bens de consumo duráveis, tendo se democratizado, expandindo-se, de forma a possibilitar acesso generalizado por parte da população aos mais variados tipos de aquisições, desde roupas, a eletrodomésticos, viagens etc. Neste sentido, não há que se demonizar a concessão ilimitada do crédito, eis que é importante ressaltar os benefícios que é capaz de proporcionar às famílias, concedendo-lhes uma melhora na qualidade de vida, que seria impossível de ser alcançada por uma considerável parcela da população caso não lhes fosse possibilitado este acesso. 
Ademais, o estímulo ao consumo ocasionado pela concessão do crédito (e aumento da demanda) impulsiona o desenvolvimento da atividade industrial, acarretando, por conseguinte, o fomento do emprego. Assim, o crédito assume o papel de verdadeiro elemento de dinamização da atividade econômica como um todo, o que leva à conclusão de que, se utilizado em condições propícias, de forma consciente, é capaz de proporcionar uma série de benefícios, contribuindo para o aumento do bem-estar das famílias.
Porém, no mesmo instante em que o crédito favorece e alimenta o mercado, é capaz de produzir, em contrapartida, eventos supervenientes desastrosos para o indivíduo, para o cidadão, para o trabalhador, situações que não devem ser minimizadas, mormente pelo Judiciário, haja vista que acabam por reduzi-los a meros devedores, inadimplentes, “sujos” mediante a ocorrência de negativação junto ao SPC.
A publicidade em grande escala no oferecimento de crédito, produtos e serviços, acompanhada das constantes “necessidades”, desejose imposições do modo de vida da sociedade de consumo, aliadas à utilização desmedida do crédito, são fatores que, em conjunto, têm grandes chances de culminar em uma situação de sobreendividamento dos indivíduos.
Neste sentido, o estímulo e a facilidade do fornecimento do crédito alcançam a todas as classes sociais, desde aquelas com maior poder aquisitivo até as de baixa renda, configurando, por conseguinte, o estado de endividamento como "democrático”, atingindo a todos, até porque, como leciona Cláudia Lima Marques, há uma significativa diferença entre pobreza e endividamento:
"(...) o direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa, principalmente se devemos distinguir superendividamento de pobreza em nosso País. A massificação do acesso ao crédito, que se observa nos últimos 5 anos – basta citar os novos 50 milhões de clientes bancários! -, a forte privatização dos serviços essenciais e públicos, agora acessíveis a todos, com qualquer orçamento, mas dentro das duras regras do mercado, a nova publicidade agressiva sobre o crédito popular, a nova força dos meios de comunicação de massa e a tendência de abuso impensado do crédito facilitado e ilimitado no tempo e nos valores, inclusive com descontos em folha de aposentados, pode levar o consumidor e sua família a um estado de superendividamento."[footnoteRef:60]
 [60: MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. Edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 123.] 
O crédito, portanto, concretiza a chamada “venda da felicidade instantânea”, a realização dos desejos de fazer parte da festa do sucesso, e conduz a realização do indivíduo na pós-modernidade, trazendo, conjuntamente com todos esses “benefícios”, o perigo do endividamento, ou pior, do superendividamento, como conseqüência da sua utilização desmedida e inconseqüente.
3.3 OS CARTÕES DE CRÉDITO E A SUA UTILIZAÇÃO DESCOMEDIDA
Conforme bem define Nelson Abrão em conceituação simples e concisa, o cartão de crédito:
...é um documento comprobatório de que seu titular goza de um crédito determinado perante certa instituição financeira, o qual o credencia a efetuar compras de bens e serviços a prazo e saques de dinheiro a título de mútuo.[footnoteRef:61] [61: ABRÃO, Nelson. Direito bancário, 7 edição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 150.] 
Trata-se, portanto, de modo de pagamento,que pode ser eletrônico ou não. Seus usuários têm a possibilidade de realizar compras a crédito mediante a sua apresentação, podendo, por conseguinte,efetuar o pagamento no futuro por meio de boleto bancário. Há o financiamento de crédito aos titulares dos cartões, por meio do qual, geralmente, a empresa emissora do cartão se associa a um Banco ou outra instituição financeira responsável por esta concessão de crédito[footnoteRef:62]. [62: MIRANDA, Maria Bernadete. Aspectos jurídicos do contrato de cartão de crédito. Revista Virtual Direito Brasil, vol 4, n. 1, p. 4, São Paulo, 2010.] 
O surgimento dos primitivos cartões de crédito, os “cartões de credenciamento”, remonta aos Estados Unidos dos anos 20, quando algumas grandes empresas emitiam cartões que conferiam certas vantagens a clientes considerados “bons”, permitindo, por exemplo, o pagamento futuro de alguma despesa. 
Contudo, os primeiros cartões de crédito emitidos por uma empresa especialmente criada para este fim surgiram somente depois da II Guerra Mundial, passando a ser utilizados, a partir de então, no mundo inteiro. No Brasil, sua utilização se deu a partir dos anos 60.[footnoteRef:63] [63: MIRANDA, Maria Bernadete. Aspectos jurídicos do contrato de cartão de crédito. Revista Virtual Direito Brasil, vol 4, n. 1, p. 5, São Paulo, 2010.] 
Seu surgimento, portanto, está ligado a forma de evolução de pagamentos, visando facilitar as relações diárias de consumo. Através de sua utilização, há a possibilidade de acelerar as operações financeiras, obter créditos, adquirir bens e serviços de forma facilitada. Ademais, é capaz impulsionar o comércio e o desenvolvimento econômico, incentivando a circulação de moeda. 
Conforme bem anota Fran Martins:
a utilização dos cartões de crédito é apenas um meio fácil para a realização de natureza comercial, principalmente a compra e venda e a prestação de serviços. O cartão, em si, é apenas uma pequena peça de plástico, de tamanho uniforme, tendo impresso e em relevo certos dizeres – nome do organismo emissor, número em código do portador, data da emissão, período de validade, nome e assinatura do portador -, que tem a natureza de um documento de identificação. Não é, na realidade, um título de crédito desprovido que está das características de abstração e livre circulação, não tendo, igualmente, valor por si mesmo. Como cartão de identificação, credencia o portador na aquisição de bens ou prestação de serviços mediante sua simples apresentação, com a singularidade de que o pagamento das despesas será realizado em uma época posterior e a uma pessoa diversa do vendedor.[footnoteRef:64] [64: MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 123.] 
Outrossim, pode-se afirmar o cartão de crédito é a forma mais democrática de acesso ao crédito na atualidade, atingindo praticamente todas as camadas sociais ao intermediar as relações de compra e venda do mercado de consumo. Nesta toada, é capaz de permitir a aquisição por parte da população de mais baixa renda aos bens e serviços ofertados, tendo em vista que facilita a suaobtenção através da adequação das despesas mensais, por meio de parcelamentos ou adiamentos no pagamento. 
Contudo, a despeito de todas as vantagens que os cartões de crédito proporcionam ao mercado e à população, há uma enorme problemática envolvendo a sua utilização, a começar pelo sistema de contratação dos mesmos, na medida em que o seu tipo contratual é o de adesão. Essa forma de contrato se faz necessária na organização da atividade bancária em decorrência da grande quantidade de clientes, o que impõe a necessidade de padronização das cláusulas contratuais pelo emprego de formulários uniformes e pré-definidos.[footnoteRef:65] [65: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 384.] 
No entanto, neste tipo de contratação em massa, na qual o consumidor consente com os termos previamente estabelecidos pelo fornecedor, em grande parte das vezes, não são prestadas informações acerca das diversas funções do cartão que é entregue[footnoteRef:66], sem que muitas vezes o consumidor sequer receba uma cópia do instrumento contratual completo, onde estão definidas as suas obrigações.[footnoteRef:67] [66: O artigo 46, do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, garante que: "Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada à oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".] [67: MIRANDA, Maria Bernadete. Aspectos jurídicos do contrato de cartão de crédito. Revista Virtual Direito Brasil, vol 4, n. 1, p. 6, São Paulo, 2010.] 
Aliada a ausência de informações adequadas ao consumidor acerca das condições deste tipo de contratação, seja no montante de juros cobrados ou nas formas de pagamento, há uma série de abusos praticados por parte das instituições financeiras que podem culminar em uma situação de endividamento ou sobreendividamento por parte do consumidor.
Neste contexto, deve ser analisada a facilidade com que os cartões são fornecidos aos usuários, sem que haja sequer prévia análise de sua condição financeira.Ocorre, por exemplo, com enorme freqüência, a emissão de cartões de crédito às residências dos consumidores, sem que tenham sido sequer solicitados pelos destinatários, situação esta totalmente abusiva, tendo em mente que oferece uma série de riscos ao consumidor desinformado.
A ausência de obstáculos para o acesso e o uso do cartão de crédito,aliada a enorme profusão de sonhos e desejos propagados pela publicidade através dos meios de comunicação em massa, faz com que muitos consumidores gastem muito sem que notem, só se dando conta ao receberem a fatura para proceder ao pagamento. Neste contexto, a publicidade dos cartões de crédito vende o próprio acesso aos bens de consumo, atrás do qual se esconde a dívida. A lógica do cartão de crédito, por assim dizer, é a lógica da dívida que não cessa.
Ademais, há que se considerar as técnicas utilizadas pelas instituições financeiras para fidelizar os usuários de cartão de crédito, ao oferecerem uma série de “facilidades” e “benefícios” adicionais: milhas aéreas, descontos em lojas, ingressos para espetáculos. Desse modo, quanto maior o uso que se fizer do cartão, maiores as “vantagens” percebidas pelo consumidor.
As facilidades são visualizadas na medida em que é permitido ao usuário o parcelamento por um período prolongado das compras realizadas com o cartão de crédito. Com o valor mensal diminuído em decorrência das parcelas, o consumidor se vê possibilitado a realizar novas compras parceladas que caibam no seu orçamento, permanecendo em estado de endividamento por meses a fio.
Outrossim, há de se considerar as graves conseqüências da faculdade de não quitação do valor integral do cartão, quando o consumidor utiliza-se da possibilidade do pagamento do valor mínimo da fatura. Com a não quitação do valor integral, o saldo devedor acaba por gerar uma dívida com elevados índices de juros, fazendo com que haja um adiamento constante da dívida, que só aumenta em razão dos juros que a acrescem.
Destarte, todas essas situações que versam acerca da utilização crescente, desmedida e irrefletida do crédito por parte dos consumidores, aliadas a publicidade massiva de bens e serviços e ao modo de vida da sociedade de consumo, são verdadeiras fórmulas capazes de resultar em uma deteriorização da saúde financeira do consumidor, podendo levá-lo a uma situação de endividamento, ou pior, de superendividamento.
4 O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR DE CRÉDITO
Conforme amplamente debatido nos capítulos anteriores, a realidade contemporânea de uma sociedade tipicamente de consumo tem como traço marcante o hiperconsumismo por parte de seus integrantes, característica esta que permitiu que o crédito obtivesse uma amplitude até então nunca antes percebida, passando a funcionar como combustível para a sociedade de consumo. A expansão de crédito ao consumidor se deu de forma a auxiliar no crescimento da economia e no desenvolvimento econômico, permitindo o acesso de um número cada vez maior de indivíduos aos bens de consumo.[footnoteRef:68] [68: LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.] 
Diante deste contexto, o crédito sofreu grande popularização, na medida em que passou a ser concedido de forma facilitada a todas as camadas da população, havendo, por conseguinte, uma banalização na sua utilização. Essa situação importou no estreitamento das relações entre os consumidores e as instituições financeiras. Estas em posição mais favorável frente aqueles, concebidos como vulneráveis diante do enorme poderio de tais instituições.
Por sua vez, assumindo a condição de fornecedoras de crédito, as instituições financeiras afirmam que o superendividamento se trata de um fenômeno individual, resultado da desorganização financeira dos consumidores, culpabilizando-os exclusivamente. Diante das inúmeras práticas abusivas desempenhadas por parte destas instituições, resta evidente que tal afirmativa não passa de uma enorme falácia, na medida em que as instituições financeiras possuem enorme uma parcela de culpa na caracterização da situação do superendividamento.[footnoteRef:69] [69: Costa explica a origem francesa da palavra “superendividamento” de acordo com o vocabulaire Juridiquede Cornu, a palavra “surendettement” é um neologismo constituído a partir da palavra sur (do latim super indicando aqui acumulação, excesso, sobrecarga) endividamento. O neologismo dá a idéia de uma carga insuportável, tendo-se em vista o montante das rendas do consumidor, endividado além dos limites razoáveis”. (COSTA, Geraldo de Faria Martins. Superendividamento: a proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e frânces. São Paulo: R. dos Tribunais, 2002, p. 106).] 
Em tempos atuais, onde há uma reciclagem constante de desejos e “necessidades” insaciáveis por bens de consumo, o acesso de crédito passou a ser primordial ao atendimento das atividades cotidianas dos indivíduos, tornando-se sinônimo de qualidade de vida. Neste mesmo sentido, pode-se afirmar que sua restrição significa a exclusão dos indivíduos, tanto do mercado de consumo e, consequentemente, do meio social, além de dificultar a sua subsistência e de seu núcleo familiar. Assim, nos dizeres de Cláudia Lima Marques “consumo e crédito são duas faces da mesma moeda”[footnoteRef:70]. [70: MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2006, p. 251.] 
Neste contexto de crédito massificado em conjunto com o desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor e de suas normas cogentes de equilíbrio contratual e proteção do vulnerável, concretizou-se no cenário nacional o superendividamento do consumidor brasileiro.
Destarte, se, por um lado, o crédito é capaz de estimular o crescimento econômico ante o aumento do consumo e é saudável em vários aspectos, por outro, quando concedido de maneira irresponsável e indiscriminada, muitas vezes por meio de práticas abusivas, pode acarretar em situações de endividamento e, conseqüentemente, de superendividamento – um problema que compete a toda sociedade.
4.1 CONCEITO E NOÇÕES GERAIS DO SUPERENDIVIDAMENTO
	Segundo definição de Claudia Lima Marques e Rosângela Lunardelli Cavallazzi, o superendividamento é “a impossibilidade global do devedor pessoa-física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos)”[footnoteRef:71]. [71: Ibid., p. 256.] 
Trata-se, portanto, de definição doutrinária, na medida em que o direito brasileiro ainda não possui regras que delimitem e especifiquem a conceituação e o campo de aplicação do superendividamento, servindo o direito comparado como base para apontar os pressupostos necessários para a sua caracterização, merecendo relevância, sobretudo, o direito francês[footnoteRef:72]. [72: 
] 
Neste contexto, o conceito de superendividamento envolve a ideia de falência da pessoa natural ante a incapacidade de pagar as dívidas contraídas a partir de suas receitas.[footnoteRef:73] Indica, portanto, um endividamento superior ao normal, impossível de ser suportado pelo orçamento mensal do consumidor. [73: LOPES, José Reinaldo de Lima. Crédito ao consumidor e superendividamento – uma problemática geral. In: Revista de Direito do Consumidor, vol. 17, p. 57, São Paulo, abril/junho, 2008.] 
	No entendimento de Schmidt Neto:
O superendividamento diz respeito aos casos em que o devedor está impossibilitado, de forma duradoura ou estrutural, de proceder ao pagamento de uma ou mais dívidas. Uma parte da doutrina considera ainda como sobreendividamento as situações em que o devedor, apesar de continuar a cumprir os seus compromissos financeiros, o faz com sérias dificuldades.[footnoteRef:74] [74: SCHMIDT NETO, André Perin. Superendividamento do consumidor: conceito, pressupostos e classificação. In: Revista do Direito do Consumidor, v. 18, n. 71, p. 9-33, São Paulo jul./set. 2009.] 
Assim, a condição do superendividamento envolve a situação na qual o passivo (dívidas) do indivíduo

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