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DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL É sabido que em um Estado Democrático de Direito, a intervenção estatal na vida das pessoas deve ser, sempre, racionalmente justificada. Isto é, a atuação do ente público deve ser pautada pela necessidade. Dessa forma, o direito penal, medida estatal mais extrema de resolução de conflitos, deve ser utilizada apenas para a tutela dos bens juridicamente relevantes, tais como a dignidade. Dessa forma, foi feito uma reforma no título “crimes contra os costumes”, proporcionado pela Lei 12.015/2009, pois não há como usar o Direito Penal para defender costumes e tradições, já que estes estão relacionados as opções comportamentais ligadas á intimidade, mas sim para proteger bens jurídicos de lesões diretas. Assim, delimitou-se o elemento do bem jurídico para a dignidade sexual. A LIBERDADE COMO BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO A liberdade sexual é menor do que a dignidade e diz respeito a capacidade de decidir livremente sobre os comportamentos sexuais, isto é, a disponibilidade do próprio corpo para fins sexuais. Assim, o objetivo da proteção penal é o de conservar em poder do indivíduo não vulnerável a faculdade de decidir, no campo da manifestação e do exercício da sexualidade, acerca do que se fazer, com quem, de que modo e quando se quer fazê-lo. Exemplo disso são os crimes dos artigos 213, 215 e 215-A, pois não houve consentimento ou, se pelo menos, não foi livre e consciente. ARTIGO 213: ESTUPRO CADERNO DE DIREITO PENAL IV – AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) AMANDA MOULIN 2 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) BEM JURIDICAMENTE TUTELADO: liberdade sexual. Na prática do delito, não foi dado a vítima a oportunidade de escolher livremente como, quando e com quem seriam praticados os atos de cunho sexual. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: o tipo penal não faz exigência quanto a qualquer característica ou atributo pessoal do agente ou da vítima, que apenas não pode ser vulnerável. Trata-se, então, de um crime comum. Pode ser cometido por qualquer pessoa, sendo absolutamente indiferente o sexo ou a orientação sexual dos agentes ativo e passivo. Ressalta-se que não existe estupro de cadáver (artigo 212, CP) nem de animais (artigo 32, Lei 9605/98). TIPO OBJETIVO: constrangem alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal. Constranger: verbo do tipo penal que significa forçar ou obrigar. Só é possível qualificar um crime de estupro se ficar comprovado o manifesto claro de dissenso da vítima, ou seja, a recusa expressa. Difere-se do conceito popular de mero desconforto, motivo pelo qual o caso da ejaculação no ônibus, por exemplo, não é configurado como estupro. Ressalta-se que é um delito material, isto é, se aperfeiçoa com a realização da conduta esperada. Mediante violência: o estupro é um crime naturalmente violento e, embora não seja obrigatório o emprego desse modus operandi, quase sempre é uma realidade. Dessa forma, quanto as lesões corporais leves, como os arranhões e pequenos cortes, entende-se que estão compreendidas pelo tipo e são esperáveis, já observadas na fixação da pena abstrata. Contudo, é necessário frisar que apenas são absorvidas as lesões ocasionadas antes ou durante o estupro, após o fim do ato sexual haverá concurso. Por sua vez, se o uso da violência acarretar na causação de lesões graves ou na morte da vítima, será preciso analisar o animus do agente. O fato pode constituir estupro qualificado pelo resultado (artigo 213, §§1º ou 2º) ou concurso de crimes. AMANDA MOULIN 3 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Mediante grave ameaça: é uma coação de cunho moral, que atua sobre a psique da vítima de modo a incutir-lhe fundado medo de mal grave. É a promessa de um mal a pessoa ou a terceiro próximo a ela capaz de amedrontar de fato o destinatário. Pressupõe o domínio do agente sobre a vítima e para ser caracterizada como grave deve ser do mesmo nível do crime ou maior, recaindo sobre a vida, integridade física e a liberdade, não excluindo outros casos que podem ser aceitos mediante argumentação. A ter conjunção carnal: em nossa cultura jurídica, a expressão conjunção carnal designa única e exclusivamente, a cópula vagínica ou coito vaginal. Corresponde, somente, à introdução, completa ou incompleta, do órgão sexual masculino na cavidade vaginal. Nessa parte se exige a heterossexualidade. A praticar outro ato libidinoso: esse termo gera dúvidas quando diante do princípio da legalidade. A primeira maneira de se interpretar é a literal, segundo a qual o ato libidinoso é aquele que vem do desejo sexual ou por ele movido, mas foi superada pois o foco não é a excitação do agente e sim a violação da liberdade sexual da vítima. Assim, para evitar impunidade, adotou-se a interpretação teleológica, sendo ato libidinoso aquele que possui sentido reconhecidamente sexual segundo os padrões culturais socialmente dominantes, enquadrando-se, em termos de gravidade, à própria conjunção carnal. Dessa forma, o melhor entendimento é o de que será caracterizado como estupro as macroviolações, isto é, todas as formas de coito real (vaginal, oral e anal) ou artificial (introdução de objetos na vagina e anus), pois estes são atos mais sérios e proporcionais à sanção do crime. Sendo assim, as microviolações (beijo de língua e toques passageiros) representariam a importunação sexual, já que são violações de menor relevância. Observação: no estupro não é necessário que tenha um contato sexual direto com a vítima, podendo forçá-la a ter com outrem ou com si própria, desde que seu corpo entre em jogo de alguma forma, não sendo meramente visual. AMANDA MOULIN 4 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO: é um crime de ação múltipla ou conteúdo variado, de modo que a prática de qualquer dos verbos consuma a infração, sendo a realização simultânea ou consecutiva de mais de um desses núcleos um fator que, em vez de gerar o tradicional concurso de crimes, somente pode ser levado em consideração para fins de dosimetria. Contudo, se tiver um intervalo de tempo significante, haverá concurso de crimes. TIPO SUBJETIVO: Dolo: o estupro só pode ser cometido com dolo. Não cabe modalidade culposa, por ausência de previsão. Isso significa que é preciso estar caracterizado a vontade e consciência do agente quanto à natureza sexual do ato e o dissenso da vítima. O equívoco do agente em relação a qualquer desses dois aspectos configura o erro de tipo (artigo 20, caput, CP). Inexistência de um elemento subjetivo especial do tipo (E.S.E.T): é uma finalidade específica que, explícita ou implicitamente inserta no tipo penal, deve orientar a conduta, no momento da sua execução, para que se verifique a adequação típica. É o chamado especial fim de agir. Todavia, esse requisito foi superado pela interpretação teleológica, pois é irrelevante que o agente esteja sexualmente estimulado, podendo caracterizar estupro a conduta realizada por vingança, por exemplo. ESTUPRO X SEQUESTRO: não há como estuprar uma pessoa sem pelo menos momentaneamente restringir sua liberdade. Assim, se essa restrição for apenas necessária para consumar o crime de estupro, o agente não será punido por concurso de crimes. Contudo, se o sujeito mantiver a vítima em um local por um tempo maior do que o necessário para cometer o estupro, haverá concurso de crimes (exemplo: prende uma pessoa de manhã e só a estupra à noite). CONSUMAÇÃO: com a prática do primeiro ato sexual (seja ele a conjunção carnal ou outro ato libidinoso relevante) com a vítima, pela vítima ou sobre a vítima. O AMANDA MOULIN 5 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1)aspecto da relevância é fundamental pois, se entender que o ato libidinoso é relevante, o crime está consumado. TENTATIVA: é difícil de se configurar, pois qualquer ato relevante praticado já consuma o crime. Ocorre quando se tem o início da execução, em que ocorrerá o uso da violência ou da grave ameaça, porém a sua continuação é impedida por alguma razão. Exemplo: sujeito agride a menina e a arrasta para o beco, mas enquanto se despe algum popular a ajuda. CONCURSO DE PESSOAS: para ser concurso de pessoas é preciso que a segunda saiba do estupro. Exemplo: se o cafetão obrigar a prostituta a transar com o cliente e ele não souber que ela não quer fazer o programa ele não responde por nada, mas caso tenha essa consciência responderá por estupro em concurso de pessoas. MODALIDADES QUALIFICADAS: Vítima maior de 14 anos e menor de 18 (artigo 213, §1º, CP): a justificativa dessa qualificadora está no fato de que, nessa idade, as pessoas ainda estão construindo e definindo sua personalidade, além de terem menos capacidade para se defender, o que faz com que os traumas psicológicos sejam maiores. Para isso, obviamente é preciso que o agente tenha ciência a respeito da idade da vítima, sob pena de desclassificação por erro de tipo. Observação: há um erro de redação no artigo que faz com que a pena para estuprar uma adolescente de 17 anos seja maior do que a de estuprar uma de 14 anos exatos. Isso porque não se enquadra no estupro de vulnerável (menor de 14 anos), tampouco na qualificadora em questão (maior de 14 anos), motivo pelo qual deve ser tipificada pelo caput. Embora seja um absurdo, não se pode fazer uma analogia em prejuízo do réu, conforme dispõe o princípio da legalidade. Quando a conduta resulta lesão corporal grave (artigo 213, §1º, CP): é sabido que a lesão corporal de natureza leve é comum para a prática do delito em AMANDA MOULIN 6 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) questão, restando absorvida pelo crime. Porém, quando o sujeito não almejou o resultado mais gravoso, tendo dolo no antecedente (conduta) e culpa no consequente (resultado), este será um crime preterdoloso, aplicando-se a qualificadora. Se o resultado era pretendido pelo agente ou este assumiu o risco, a solução deve passar pelo concurso de delitos. Quando a conduta resulta em morte (artigo 213, §2º, CP): a morte deve ser um evento não perseguido e não assumido pelo agente, mas ocasionado culposamente pelo emprego exagerado ou mal calculado da violência no contexto da agressão sexual. QUESTÃO: e se o sujeito começa a ter atitudes com a intenção do ato sexual, mas mata a vítima antes de estuprá-la propriamente? o Primeira corrente (artigo 213, §2º, CP): é o posicionamento majoritário. Crime preterdoloso não admite tentativa (o agente não tinha intenção na morte, apenas no estupro), então mesmo que o estupro não tenha propriamente se consumado, o crime se exaure com a morte da vítima, pois os atos foram praticados com a finalidade de estupra-la, caracterizando o estupro qualificado. o Segunda corrente (artigo 213, §2º c/c artigo 14, II, CP): defendida pelo Rogério Greco. Embora os crimes preterdolosos não aceitem tentativa, a solução dada pela corrente majoritária é injusta, tratando a situação como se o sujeito tivesse estuprado a vítima quando, na verdade, isso não ocorreu. Abre-se mão da parte técnica para alcançar uma pena que é mais adequada para a conduta praticada pelo sujeito. o Terceira corrente (artigo 213, caput c/c artigo 14, II, CP c/c artigo 121, §3º, CP): é a ideia defendida por Busato. Trabalha com a ideia de desmembramento das condutas, separando o crime complexo para não ter uma pena injusta e não ficar com defeito técnico. Pune exclusivamente a tentativa de estupro (simples) em concurso material com o homicídio culposo. AMANDA MOULIN 7 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) o Quarta corrente (artigo 213, caput c/c artigo 14, II, CP): é a do professor. Trabalha com a ideia de desmembramento das condutas, separando o crime complexo para não ter uma pena injusta e não ficar com defeito técnico. Defende que seria um concurso material imperfeito, uma vez que há desígnios autônomos para cada fato, apesar de apenas uma conduta. Como no estupro tem violência, mesmo que o agente não tenha a vontade de matar, ele assume o risco pois quer cometer o crime, tendo, no mínimo, um dolo eventual. ARTIGO 215: VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE BEM JURÍDICO TUTELADO: liberdade sexual. Nesse crime a liberdade é protegida contra uma investida mais sútil: a fraude. Aqui, há o consentimento do ofendido, mas este é defeituoso, eis que calcado em um equívoco induzido pelo autor do crime. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: não se exigem qualidades ou características pessoais para que se possa figurar no polo ativo da questão. Pode ser sujeito ativo o individuo de qualquer sexo e qualquer idade. O sujeito passivo também pode ser pessoa de qualquer sexo, mas não pode ser vulnerável. TIPO OBJETIVO: Ter conjunção carnal: em regra, deve haver contato sexual direto entre o autor e a vítima. Isto é, introdução parcial ou total do órgão sexual masculino na cavidade vaginal, razão pela qual, nessa modalidade, exige-se uma relação heterossexual. AMANDA MOULIN 8 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Praticar outro ato libidinoso: de acordo com a teoria teleológica, ato libidinoso é todo aquele que possui sentido reconhecidamente sexual segundo os acordos semânticos culturalmente estabelecidos no meio social. Mediante fraude: a fraude é a enganação por meio da qual alguém, ocultando seus verdadeiros propósitos, manipula a vontade de outrem para obter ganhos pessoais de cunho sexual. A pessoa é enganada para consentir com algo que, se realmente soubesse o que é, não consentiria. Pode ser por meio do uso de documentos, mas costuma ser verbal através de histórias. Não é preciso que a pessoa perceba que está sendo enganada, até porque o comum é que ela só perceba depois. o Fraude sobre a natureza sexual do ato praticado: quando o agente tenta esconder o caráter sexual do ato praticado, ou seja, pratica um ato libidinoso fazendo a vítima acreditar que não é. Exemplo: ginecologista toca a menina de forma diferente, mas ela não sabe que aquilo não é normal. o Fraude sobre a identidade do agente: o agente se faz passar por alguém para quem a vítima daria seu consentimento para a prática do ato sexual. Exemplo: irmão gêmeo. Contudo, caso o agente se passe por alguém bem-sucedido, não é possível caracterizar o crime, pois não fraudou a identidade, tampouco a natureza sexual. Observação: se ocorrer fraude e violência/ grave ameaça, haverá progressão criminosa (durante a execução do crime o agente realiza atos que configuram outro mais grave), o sujeito responderá por estupro. Mediante outro recurso que impeça ou dificulte a livre manifestação da vítima: antigamente era pacificada a ideia de que, se um homem drogasse uma pessoa com o objetivo de fazer sexo com ela, caracterizaria o estupro. Hoje, porém, há divergência se ocorreria o crime de estupro de vulnerável ou o em questão. Assim, entende-se que quando há prejuízo parcial, mas não a anulação da capacidade, é violação sexual mediante fraude. Exemplo: ecstasy, álcool. AMANDA MOULIN 9 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Observação: para caracterizar o artigo 215 o agente tem que ter usado do recurso, mas no artigo 217-A é irrelevante se ele ou outro criou a situação de vulnerabilidade. TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO: é um crime de ação múltipla ou conteúdo variado, de modo que a prática de qualquer dos verbos consuma ainfração, sendo a realização simultânea ou consecutiva de mais de um desses núcleos um fator que, em vez de gerar o tradicional concurso de crimes, somente pode ser levado em consideração para fins de dosimetria. TIPO SUBJETIVO: o delito somente pode ser cometido com dolo. O agente deve ter consciência de que os atos praticados são reconhecidos socialmente como possuidores de sentido tipicamente sexual. E deve saber, de outro lado, que a vítima apesar de haver consentido, assim o fez porque sabia que se encontrava em erro. Ressalta-se que o crime pode ser praticado com finalidades diversas, dispensando a finalidade específica de obter o prazer sexual. CONSUMAÇÃO: se dá com a conjunção carnal (introdução total ou parcial do pênis na vagina) ou outro alo libidinoso relevante. O breve contato momentâneo e o mero toque não caracterizam este delito. TENTATIVA: a tentativa não corre com frequência, pois o crime se consuma com o primeiro ato sexual relevante. Aconteceria quando o agente, na execução, empregou a fraude, mas por motivo alheio não chegou a praticar nenhum ato libidinoso. FORMA QUALIFICADA: se a finalidade do agente for especificamente econômica, será aplicado como pena, cumulativamente, a multa, conforme estipula o parágrafo único. Exemplo: aposta. AMANDA MOULIN 10 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) ARTIGO 215-A: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL BEM JURÍDICO TUTELADO: liberdade sexual. Foi criado para suprir a insegurança da solução punitiva dada a algumas situações que ora caracterizavam o estupro, ora caracterizavam mera contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: a importunação sexual é delito que pode ser cometido por qualquer pessoa, independente de atributo ou qualidade individual. Quanto ao sujeito passivo, não consta, no tipo, nenhuma exigência especial. Toda pessoa pode ser vítima, salvo os vulneráveis. Observação: o professor faz uma crítica quanto a inaplicabilidade a vulneráveis, pois fica faltando um tipo penal mais brando neste setor. Acredita que não fazer distinção entre pequena e grande violação nesse caso é um equívoco. TIPO OBJETIVO: praticar contra alguém sem sua anuência ato libidinoso. Praticar contra alguém: praticar é realizar uma conduta comissiva (ação). Excluídos os atos de mera fala. Difere-se do crime de estupro, pois agora o agente executa o ato libidinoso e a vítima suporta. Exemplo: agente esfrega seu corpo no da vítima dentro do transporte coletivo. Sem sua anuência: a vítima não deu seu consentimento. Nos casos em que o agente sinceramente supuser que a vítima esteja consentindo, ainda que de modo tácito, estaremos diante de um fato atípico por ausência de dolo. Exemplo: pessoas que mantenham relação casual. AMANDA MOULIN 11 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Ato libidinoso: a intenção era a de inserir uma norma voltada a punição de ofensas sexuais menos lesivas. Contudo, da maneira como redigido, um mesmo ato poderia configurar estupro, violação sexual mediante fraude ou importunação, a depender do modus operandi do agente. O critério deveria ser a gravidade da conduta e não o modo de agir. CRIME ARTIGO 213 ARTIGO 215 ARTIGO 215 – A CONTEÚDO Conjunção carnal ou outro ato libidinoso Conjunção carnal ou outro ato libidinoso Ato libidinoso MODUS OPERANDI Violência ou grave ameaça Fraude ou outro recurso semelhante Qualquer outro meio de ação (por exclusão) TIPO SUBJETIVO: Dolo: é preciso que o agente saiba que o ato por ele praticado é reconhecido como possuidor de sentido sexual segundo os valores culturais socialmente dominantes, bem como esteja ciente da ausência de consentimento. Elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir): a conduta do agente deve estar, necessariamente, dirigida pelo fim de satisfazer seus desejos sexuais ou aos apetites carnais de outrem. Gera uma proteção insuficiente, pois deixa de fora comportamentos altamente vexatórios que não envolvem excitação. CONSUMAÇÃO: como é um crime formal, se consuma com a prática do ato libidinoso sobre a vítima, perceba ela ou não. TENTATIVA: não há empecilhos teóricos para a tentativa, mas é difícil ocorrer. Seria quando o agente começa a praticar o ato, mas é interrompido antes de alcançar o propósito de atingir a vítima. AMANDA MOULIN 12 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) ARTIGO 216-A: ASSÉDIO SEXUAL BEM JURÍDICO TUTELADO: pelo setor que está no Código, fala-se que o bem jurídico defendido é a liberdade sexual. Contudo, para o professor (corrente minoritária) o bem jurídico em questão é a salubridade do ambiente de trabalho. Isso porque como não se exige o contato sexual, o problema é o constrangimento passado no ambiente de trabalho. Observação: o professor defende que esse artigo não deveria existir, pois o direito penal é minimalista e sua atuação nesse crime não é necessária, podendo ser resolvido por outras esferas. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: é um crime próprio e, por isso, a conduta só pode ser realizada por um agente que seja portador das específicas características pessoais nele dispostas: superior hierárquico ou ascendente da vítima. Quanto ao sujeito passivo, é essencial que ostente a qualidade de subordinado. Observação: nos casos de pessoas de mesmo nível hierárquico ou quando o constrangimento é feito do subordinado para o chefe, não há assédio sexual. O mesmo acontece antes que a vítima seja contratada, pois não existe no tempo da ação a relação de superioridade e subordinação. TIPO OBJETIVO: Constranger: o sentido de “constranger” aqui não é o de obrigar a fazer ou deixar de fazer algo, mas sim o de envergonhar, causar desconforto. Pra falarmos em AMANDA MOULIN 13 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) constrangimento terá que existir a insistência, pressão, o agente deve saber que a vítima não está confortável. Prevalecendo-se da condição: é preciso que o agente faça uso da sua posição privilegiada para, de algum modo, pressionar a vítima. A proposta deve ser feita de cima para baixo. Esse crime permite ameaças, desde que a natureza do mal eventualmente prometido tenha relação com a atividade laboral. Exemplo: ameaçar demitir ou oferecer um acréscimo salarial, pois criam um ambiente não saudável no trabalho. o de superior hierárquico: a doutrina majoritária entende que a expressão “superior hierárquico” se aplica apenas entre servidores públicos, sendo a relação de autoridade no trabalho entre empresas privadas chamada de “ascendência”. Isso porque entre os funcionários públicos não há como discutir a ordem, ele tem que executar. o de ascendência: é ascendente aquele que mantém relação de autoridade sobre a vítima no ambiente de trabalho ou nas relações empregatícias, detendo poderes efetivos de comando ou controle em relação à atuação e aos afazeres laborais de outros funcionários. É a pessoa que pode interferir no destino da vítima a respeito do seu trabalho. Preferencialmente é o chefe, mas pode ocorrer quando estão na mesma linha horizontal. Exemplo: vendedor que é braço direito do chefe. Observação: o STJ entende que é perfeitamente possível assédio entre professor e aluno, mas o professor discorda. Ressalta-se que majoritariamente entre bispo e padre, por exemplo poderia, mas em relação aos fiéis não. TIPO SUBJETIVO: Dolo: vontade consciente de constranger alguém valendo-se de sua condição de superioridade hierárquica ou ascendência inerente ao exercício do cargo, emprego ou função. AMANDA MOULIN 14 CADERNO DE DIREITO PENAL IV–AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Elemento Subjetivo Especial do Tipo (especial fim de agir): finalidade de obter favorecimento sexual. Assim, se o ato for praticado com o objetivo de “forçar” a pessoa a deixar o emprego ou mesmo de humilhá-la, não restará configurado o tipo penal. CONSUMAÇÃO: independentemente de qualquer comportamento da vítima, considera-se consumada a infração apenas com a investida do agente, indiferentemente se bem ou malsucedida. TENTATIVA: a tentativa se revela possível, embora seja de difícil verificação na prática. Uma hipótese seria a do assédio sexual que, realizado por escrito, não chegou ao conhecimento do destinatário por razões alheias à vontade do agente. CAUSA DE AUMENTO DE PENA (artigo 218-A, §2º, CP): a pena é aumentada “em até um terço” se o fato é praticado contra vítima maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos. O fundamento repousa na maior proteção a que fazem jus as pessoas inexperientes e mais suscetíveis aos prejuízos psicológicos do crime em questão. QUESTÃO: e quanto às vítimas menores de 14 anos não existiria um crime mais grave no Código Penal? o Sem contato sexual (artigo 216, A, §2º, CP ou artigo 217-A c/c 14, II, CP): é preciso analisar o distanciamento social. Se a proposta é feita no local de trabalho, mas não tem como iniciar o ato sexual ali, chamando a vítima para fazê- lo em um momento posterior, é assédio sexual. Por outro lado, se o contato sexual pode ser feito de imediato, é possível configurar tentativa de estupro de vulnerável. o Com contato sexual (artigo 217-A): a prática de ato libidinoso contra vulnerável redireciona para este artigo. Se o assédio e o contato acontecerem com um lapso temporal considerável, pode-se falar em concurso. Se cometidos no mesmo AMANDA MOULIN 15 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) contexto, o assédio é absorvido pelo estupro de vulnerável (princípio da consunção). PARAFILIAS: PREFERÊNCIAS SEXUAIS Parafilias são transtornos de preferências sexuais ou preferências sexuais distorcidas. Diversas parafilias aparecem na lista de doenças mentais pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como é o caso da pedofilia. Registra-se que não é porque é tratado como doença mental que o agente não será responsabilizado penalmente. Doença mental é diferente de inimputabilidade. Só é inimputável se, comprovadamente, a doença impedia o discernimento do agente por completo naquele momento. Exemplo: esquizofrenia. Sadismo: excitação sexual por causar dor em outras pessoas. Em um grau leve pode ser alimentado por representações de dominação. Em um grau elevado, pode levar à morte do parceiro sexual. Masoquismo: excitação em sentir dor. Pode ser só uma representação de humilhação, mas também sérios castigos sexuais. Fetichismo: direcionamento da libido pra um objeto que, para a maioria das pessoas, não desperta nenhum interesse sexual. Zoofilia/bestialidade: atração sexual por animais. Necrofilia: atração sexual por cadáveres. Coprofilia: atração sexual por sujeira, dejetos e imundices. Exemplo: feridas. Voyerismo: atração sexual por apenas assistir atos sexuais alheios. A pessoa não consegue mais ter vida porque só faz isso. AMANDA MOULIN 16 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Exibicionismo: excitação sexual em ser vista. Pigmalionismo: atração sexual por estátuas e manequins. Genontofilia: atração sexual por pessoas idosas já acamadas e doentes. Pedofilia: atração sexual por pessoas em fase infantil ou pré púbere. O que atrai o pedófilo é a infantilidade. Se é criança, mas não tem aspecto como tal porque o corpo já é desenvolvido, não caracteriza pedofilia, mas sim estupro de vulnerável. Em regra, todo pedófilo responde penalmente, uma vez que pelo seu modo de agir estratégico, como a aproximação e ganho da confiança da criança, entende-se que tem capacidade de autocontrole. A DIGNIDADE SEXUAL COMO BEM JURIDICAMENTE TUTELADO A dignidade está relacionada ao fato de que toda pessoa possui um valor irrecusável e, em razão disso, é titular de uma prerrogativa de tratamento condizente com a sua dignidade, sendo este um fundamento basilar de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Em outras palavras, a partir do momento que se reconhece que a pessoa humana tem valor individual e merece uma vida digna, são garantidos direitos básicos pra que essa vida digna possa ser alcançada. Dentre esses direitos, tem-se: liberdade de culto religioso, de ir e vir e sexual. Levando isso em consideração, a dignidade sexual é um conceito amplo, utilizado nos casos em que a vítima não tem dispõe de autonomia para tomar decisões a respeito da liberdade sexual (vulneráveis). Logo, toda vez que houver uma coisificação do ser humano, transformado em objeto à disposição do arbítrio de outrem, haverá uma lesão à sua dignidade. Exemplo disso são os crimes do artigo 217-A a 218-B, segundo o qual o agente se vale de uma situação de vulnerabilidade e a utiliza para satisfazer seus próprios fins libidinosos. AMANDA MOULIN 17 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) ARTIGO 217-A: ESTUPRO DE VULNERÁVEL BEM JURÍDICO TUTELADO: dignidade sexual. Isso porque os vulneráveis não possuem liberdade sexual, isto é, não possuem capacidade para oferecer consentimento válido para a prática dos atos sexuais. Logo, quando tal ato acontecer, essas pessoas estarão sendo coisificadas, rebaixadas como objeto submetido aos arbítrios de outrem. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse delito, independentemente do sexo, idade ou qualquer outro atributo pessoal. A única observação a se fazer é que, nas hipóteses de conjunção carnal, será preciso que haja heterossexualidade. O posto de sujeito passivo do delito reclama uma qualidade pessoal denominada “vulnerabilidade”. São legalmente considerados como vulneráveis as pessoas menores de 14 anos de idade, portadoras de doenças mentais alienantes ou que se encontrem em condição de incapacidade de oferecer resistência. Observação: para o professo é leviandade supor que toda pessoa menor de 14 anos, ou mentalmente enforma, ou embriagada, seja totalmente incapaz de tomar decisões a respeito de suas atividades sexuais. Deve-se sempre analisar o caso concreto. TIPO OBJETIVO: Ter conjunção carnal: introdução total ou parcial do pênis na cavidade vaginal. É preciso que, nessa modalidade específica, seja uma relação heterossexual. É AMANDA MOULIN 18 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) preciso que seja mantida uma relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, diferente do estupro, cujo comportamento do agente pode constranger a vítima a ter conjunção carnal com outrem ou com si própria. Praticar outro ato libidinoso: a expressão representa uma ofensa ao princípio da legalidade, especificamente no que tange a sua taxatividade, pois não há uma maneira segura de delimitar o seu conteúdo e abrangência. A melhor forma seria compreender que atos libidinosos são aqueles marcados por sentido reconhecidamente sexual segundo os acordos semânticos culturais contemporâneos. Observação: o professor acredita que para a conduta ser reconhecida como ato libidinoso nesse crime ele precisa ter relevância, isto é, se aproximar da conjunção carnal e da sua gravidade. Dessa forma, pequenas violações, como abraços e passadas de mão, seriam enquadrados, por analogia in bonam parte, a importunação sexual, pois esta se mostra mais proporcional. Com pessoa menor de 14 anos (até 13 anos, 11 meses e 29 dias): o Primeira corrente: majoritária do STF, STJ e doutrina. Adota um critériopuramente objetivo e exclusivamente biológico: todo contato sexual com menor de 14 anos de idade, independentemente do seu grau de maturidade emocional ou experiência sexual, ou até mesmo de relação afetiva com o sujeito ativo, vai configurar estupro de vulnerável. Falta maturidade, por isso todos os menores de 14 anos são absolutamente vulneráveis. Súmula 593 do STJ. o Segunda corrente: minoritária. Critério biopisicológico. Não basta o aspecto idade. A ele se deve associar, também, o elemento da maturidade e da capacidade de compreensão. Analisa caso a caso. Como o ECRIAD determina que é criança a pessoa que possui menos de 12 anos, este sempre terá vulnerabilidade absoluta. Contudo, se for maior de 12 anos e menor de 14 a sua vulnerabilidade será relativa e dependerá do caso concreto. O pensamento é o de que crianças não podem AMANDA MOULIN 19 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) consentir para o ato, mas os adolescentes podem, se possuírem experiência e consciência. o Terceira corrente (professor): é uma corrente solitária. Para os menores de 12 anos, aplica-se o critério biológico, sendo vulnerabilidade absoluta. Para os maiores ou iguais a 12 anos o fato é materialmente atípico, ou seja, falta lesividade ao bem jurídico, por força do ECRIAD. Isso porque este já possui idade para ser “preso” por um desvio comportamental, podendo também decidir sobre sua vida sexual. Critério do princípio da ofensividade. TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO: se o mesmo agente praticar contra a vítima, simultânea ou consecutivamente, conjunção carnal e outro ato libidinoso relevante, haverá crime único, podendo interferir apenas na dosimetria da pena. O EVENTUAL EMPREGO DA GRAVE AMEAÇA: a violência ou grave ameaça são expressamente posicionadas como meios de execução do estupro. São, entretanto, completamente dispensáveis para a caracterização do estupro de vulnerável. O contato, mesmo que consentindo, não surtirá nenhum efeito. Quando ocorrer, a tipificação da conduta permanecerá exatamente a mesma, embora o juízo de reprovação seja mais intenso. Jamais punem em concurso, se praticadas em um mesmo contexto, a ameaça e o estupro de vulnerável. QUESTÃO: o que acontece se ocorrer lesão leve num crime de estupro de vulnerável? o Primeira corrente (extremista): como a violência não é elementar do tipo, qualquer lesão corporal leve, será punida em concurso. Não é um resultado “obvio”. Sua produção traduz uma escolha autônoma quanto ao modus operandi que é passível de punição específica. o Segunda corrente (garantista): a lesão leve fica sempre absorvida pois, embora não seja elementar, é característica desse tipo de crime e não justifica aumentar a pena. AMANDA MOULIN 20 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) o Terceira corrente (intermediária): as lesões leves decorrentes do ato em si seriam absorvidas, como, por exemplo, as lacerações na cavidade vaginal. Quando a lesão vier da execução, pune em concurso. Observação: se a lesão for grave ou gravíssima, não sendo resultado do ato sexual, mas sim do meio para a sua realização, a punição ocorre se houver dolo em concurso, e se for a título de culpa na forma qualificada do artigo 217-A, §3º, CP. OUTROS VULNERÁVEIS (artigo 217-A, §1º, CP): Portadores de doenças mentais alienantes: aquela que incapacita a pessoa de ter discernimento. Essa pessoa se torna vulnerável porque ela não sabe o que está se passando com ela. A ideia é punir quem se aproveita da incapacidade da vítima. Contudo, não podemos associar a doença mental com a irresponsabilidade do sujeito. Temos que ver o verdadeiro grau da doença, e esta tem que incapacitar seu discernimento. Exemplo: esquizofrênicos medicados podem ter vida sexual normal, mas se estiver em um período de surto e alguém se aproveitar é crime. Pessoas que, por qualquer outra razão, são incapazes de oferecer resistência. Não é relevante se o sujeito encontrou a pessoa em condição de vulnerabilidade ou se ele colocou a pessoa assim, apenas que este tenha certeza dessa condição. Exemplo: álcool, drogas, coma, hipnose. Frisa-se que essa incapacidade tem que ser total, pois se for parcial/ reduzida é o crime do artigo 215. TIPO SUBJETIVO: Dolo: o delito somente pode ser cometido com dolo. É preciso que o autor tenha consciência quanto á natureza reconhecidamente sexual dos atos praticados e da vulnerabilidade da vítima. Além disso, deve ter vontade de praticar com a vítima ou sobre a vítima os tais atos, ou, pelo menos, de forçá-la a praticá-los ou a tolerá- los. AMANDA MOULIN 21 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Inexistência do elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir): não é preciso que o agente tenha o propósito de obter prazer ou satisfação sexual. Isso é irrelevante, pois motivado por vingança, por exemplo, também fere a dignidade sexual da vítima e por isso o crime deve ser punido. ERRO DE TIPO (artigo 20, CP): desconhecimento da condição de vulnerabilidade da vítima. Acontece quando o agente pratica ato sexual com a vítima menor de 14 anos, mas sem ter consciência da real idade da vítima. Exclui o dolo e, portanto, afasta o estupro de vulnerável. Ressalta-se que está sujeito a um regime de plausibilidade, não a um regime de prova, mostrando por exemplo como a pessoa se comporta e suas características. o Erro de tipo invencível (inevitável e escusável): afasta o dolo e a culpabilidade. Quando não pode ser evitado pelo cuidado do agente, ou seja, qualquer homem médio, na situação em que se encontrava o agente, incidiria em erro. Exemplo: menina de 13 anos vai em boate, presumindo-se que ela tem mais de 18 anos. o Erro de tipo vencível (evitável, inescusável): elimina o dolo mas permite a culpa. O erro poderia ter sido evitado se o agente tivesse tido mais cuidado. Mesmo assim há o defeito cognitivo, motivo pelo qual, definitivamente, não se fala em dolo. Não existe estupro de vulnerável na modalidade culposa. ERRO DE PROIBIÇÃO (artigo 21, CP): o agente sabe o que está fazendo (a idade da vítima), mas acha que é permitido. As circunstancias não indicavam que era crime, pois a situação criminosa é tratada com normalidade. Exemplo: menina de 13 anos que já é desenvolvida/ madura e o agente acha que não tem problema. o Erro de proibição invencível (inevitável e escusável): é isento de pena porque exclui a culpabilidade já que não tem potencial consciência da ilicitude. o Erro de proibição vencível (evitável e inescusável): é punível, mas com redução de pena. AMANDA MOULIN 22 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) CONSUMAÇÃO: o delito de estupro de vulnerável se consuma com a prática do primeiro ato sexual relevante com a vítima. Por se tratar de um crime de ação múltipla, a prática de mais de um ato sexual conduzirá à configuração de crime único, que se configurará com o primeiro deles. TENTATIVA: por ser um crime de ação múltipla, é difícil falar em tentativa, sendo escassos os casos de estupro de vulnerável na modalidade tentada. Exemplo: o agente leva a criança para o motel, mas chegando lá a atendente desconfia e chama a polícia, que ingressa no quarto no momento em que começavam a tirar a roupa. FORMAS QUALIFICADAS: Lesão corporal de natureza grave (artigo 213, §3º, CP): a estrutura qualificadora é aquela empregada em tipos preterdolosos. Tem dolo no antecedente e culpa no consequente. As lesões são efeitos colaterais não queridos e não assumidos da força física empregada pelo agente para chegar ao ato sexual pretendido. Morte da vítima (artigo 213, §4, CP): a causa da morte deve ser culposa. É um crime preterdoloso. ARTIGO218: CORRUPÇÃO DE MENORES BEM JURÍDICO TUTELADO: dignidade sexual especificamente das pessoas menores de 14 anos, entendidas como vulneráveis. AMANDA MOULIN 23 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) SUJEITO ATIVO E PASSIVO: trata-se de delito comum, o que significa dizer que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Não se exigem quaisquer características ou atributos pessoais. Quanto ao sujeito passivo, este deve ser pessoa que possui menos de 14 anos de idade, pois a posição dos tribunais é a de que são absolutamente incapazes. TIPO OBJETIVO: Induzir: é um tipo penal extremamente restrito, pois induzir é apenas fazer surgir na mente de uma pessoa uma ideia que, até então, era inexistente. Trata-se, destarte, de semear aquilo que, um dia, florescerá como a vontade de agir no sentido de produzir algo. Esse artigo é problemático, porque se o agente instigar ou auxiliar será atípico. Logo o sujeito ativo deve convencer pessoa menor a ficar com outrem, apenas se consumando com essa atitude por parte do vulnerável. Observação: caso o sujeito ative empregue violência ou grave ameaça para forçar o menor a atuar no sentido de satisfazer a lascívia alheia, restará configurado o estupro de vulnerável. Menor de 14 anos (13 anos, 11 meses e 29 dias): só podem ser sujeitos passivos do crime as pessoas que contem com menos de 14 anos de idade, sendo penalmente irrelevante no caso dos que possuam doença mental alienante ou impossibilidade de oferecer resistência, pois é vedado analogia in malam partem. A satisfazer a lascívia de outrem: é inquestionável que, para a caracterização desse crime, exista uma terceira pessoa que será a beneficiária do induzimento e que isso afasta, de plano, a possibilidade da configuração do delito nos casos em que o agente induz a vítima a satisfazer sua própria lascívia. A grande questão é entender se satisfazer a lascívia de alguém envolve ato sexual, pois se a resposta for positiva, aquele que induziu terá pena mais baixa do que a disposta no artigo 217-A na modalidade de partícipe (teoria monista do artigo 29, CP). AMANDA MOULIN 24 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) o Corrente majoritária: sustenta que responde pelo crime descrito no artigo 218 quem induz pessoa menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem, desde que não sejam praticados atos libidinosos ou conjunção carnal. Alegam que o legislador propositalmente não usou o termo “ato libidinoso” com o fulcro de destinar esse artigo para coisas menores. Exemplo: sexo por telefone, ensaio fotográfico. Se houver contato sexual: quem praticou o ato (sabendo a idade) responde pelo artigo 217-A como autor e quem induziu comete o artigo 217-A como partícipe. Se não houver contato sexual: quem praticou o ato “sexual” não responde por nada por ser falto atípico e quem induziu comete o 218 como autor. o Corrente minoritária: há razão para considerar que a “indução à satisfação da lascívia” não deve ter excluído de seu âmbito os contatos de natureza sexual, pois entende ser sinônimo ato libidinoso e conjunção carnal com satisfazer a lascívia. Isso porque se os atos que configuram o crime não fossem sexuais, o beneficiário não teria imposta nenhuma responsabilidade penal. É uma exceção à teoria monista, pois dá ao partícipe uma pena menor. Se houver contato sexual: quem praticou o ato (sabendo o ato) responde pelo artigo 217-A como autor e quem induziu comete o artigo 218 como autor. Se não houver o contato sexual: ninguém responde por nada. É um crime material e precisa que a sexualidade da criança seja atingida. HIPÓTESE EM QUE O AGENTE INDUZ PESSOA MENOR DE 14 ANOS A SATISFAZER A LASCÍVIA DE OUTRO VULNERÁVEL: nesse caso o agente responderá por dois crimes de estupro de vulnerável (artigo 217-A) como autor mediado, pois era a única pessoa que possuía o domínio do fato. Os vulneráveis não tinham consciência do ato, mas sim foram instrumentalizados por terceiro no sentido de ofender reciprocamente seus bens jurídicos. AMANDA MOULIN 25 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) TIPO SUBJETIVO: Dolo: o tipo somente se aperfeiçoa caso se constate o dolo do agente, restando definitivamente afastada a possibilidade do cometimento do crime em questão na forma culposa, até porque “induzir” é especialmente incompatível com uma “assunção de risco”. Inexistência do elemento subjetivo especial do tipo: não há especial fim de agir, pois basta que o agente atue com o conhecimento acerca da idade da vítima e da natureza do contato que será mantido com a terceira pessoa, e que realize a conduta propositalmente. É irrelevante se houve excitação sexual. CONSUMAÇÃO: o Paulo Queiroz: defende que o artigo 218 é um crime formal e que, portanto, se consuma com a mera indução a fazer sexo. Contudo, se a vítima o fizer, torna-se estupro de vulnerável (artigo 217-A). o Corrente majoritária: o crime é material e se consuma quando a vítima faz o que ela foi induzida a fazer, desde que não envolva sexo. o Corrente minoritária (professor): o crime é material e, portanto, somente se consuma diante da constatação de resultado naturalístico. Esse resultado consiste na efetiva realização da conduta tendente à satisfação da lascívia por parte do vulnerável e envolve contato sexual. É irrelevante se o terceiro chegou a obter prazer sexual. TENTATIVA: é admissível, embora sua configuração pratica tenda a ser escassa. Será preciso constatar que o menor foi alvo de sugestões, mas que não chegou a coloca-las em prática. Não basta, apenas, proferir palavras, sem que elas jamais tenham sido levadas a sério pelo vulnerável. Exemplo: a criança chegou a comparecer ao local em que se daria o contato libidinoso, mas esse não se efetivou porque alguém retornou à casa e a presença inviabilizou sua ocorrência. AMANDA MOULIN 26 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) ARTIGO 218-A: SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE BEM JURÍDICO TUTELADO: a doutrina majoritária defende que é a dignidade sexual da criança que está sendo utilizada como uma fonte de prazer. No entanto, o professor acredita que é a salubridade do desenvolvimento do comportamento sexual da vítima, pois é preciso que o ato tenha o condão de interferir na formação da personalidade e da sexualidade da vítima de modo negativo, e que a própria vítima esteja suscetível a esses efeitos deletérios. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: o crime é comum, ou seja, admite como sujeito ativo qualquer pessoa, independentemente de quaisquer atributos ou características individuais. De outro lado, somente as pessoas que possuam menor de 14 (quatorze) anos de idade podem ser sujeitos passivos. Vale frisar que a conjunção carnal ou outro ato libidinoso são praticados pelo agente com outra pessoa (ou sobre si mesmo), mas jamais com a própria vítima pois isso configuraria estupro de vulnerável. TIPO OBJETIVO: Praticar na presença ou induzir a: o Corrente majoritária: presença é estar de carne e osso naquele momento, ou seja, é literalmente estar em um lugar na hora em que algo acontece. Meios digitais não configuram em nenhuma hipótese. AMANDA MOULIN 27 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) o Corrente intermediária (professor): com a evolução dos meios de comunicação, verificou-se que é possível manter um relacionamento com alguém, mesmo se essa pessoa estiver longe (transmissões ao vivo). Dessa forma, o termo “presença” serve tanto para aquele que está no local com seu corpo, quanto para aquele que não está, mas assiste tudo ao vivo e sente as mesmas sensaçõesdaqueles que estão no corpo. Logo, se uma criança for induzida por um adulto a assistir uma relação sexual ao vivo, imputa-se o crime do artigo 218-A. Não pode ser gravado. o Corrente minoritária (Marcão): é possível enquadrar a conduta no tipo penal mesmo se uma criança estiver assistindo um filme pornô que não seja ao vivo, pois é a mesma lesividade. Pessoa menor de 14 anos (corruptibilidade): só pode ser vítima da infração em estudo quem for efetivamente considerado corruptível. Como não só a prática, mas também a exposição prematura aos eventos sexuais pode produzir impactos psicológicos eventualmente capazes de corromper o menor, despertando um interesse precoce, ou mesmo de traumatiza-lo, este deve possuir intelecto e lucidez minimamente suficientes para entender o que se passa. Logo, nem sempre menores de 14 anos serão corruptíveis. Exemplo: bebê de 3 meses. Observação: em relação aos outros vulneráveis o fato é atípico, pois não possuem absolutamente nenhuma capacidade de discernimento acerca da natureza sexual do ato contemplado. TIPO SUBJETIVO: Dolo: não realiza o tipo em questão quem pratica ato sexual sem saber da presença do menor no local, ou mesmo acreditando que, embora fisicamente presente, ele não esteja prestando atenção ao fato. São hipóteses de erro de tipo. Especial fim de agir: a finalidade tem que ser para satisfazer a lascívia própria ou de outrem. Em razão da configuração econômica brasileira, entendeu-se que não AMANDA MOULIN 28 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) é crime fazer sexo na presença da criança, mas sim quando a presença da criança é a própria razão da prática do ato. É crime a prática do ato por causa da criança. Observação: o pai levar o filho no prostíbulo não é esse crime, pois não existe a satisfação sexual em razão da criança estar presente. CONSUMAÇÃO: embora se trate de crime de ação múltipla, há um único momento consumativo. É preciso que a conjunção carnal ou outro ato libidinoso chegue a ocorrer diante da pessoa menor de 14 anos de idade e esta perceba e compreenda. TENTATIVA: do ponto de vista teórico, não há empecilhos à configuração da tentativa, mas é um argumento forçado. Exemplo: o agente induz uma criança a assistir sexo entre duas pessoas, mas antes das pessoas tirarem a roupa, o pai da criança chega e a leva embora). ARTIGO 218-B: FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL BEM JURÍDICO TUTELADO: a doutrina entende que é a dignidade sexual, pois pressupõe-se aviltante à dignidade a submissão da pessoa desprovida de capacidade plena de entendimento e de autodeterminação à exploração sexual. Contudo, o professor acredita que na realidade o bem jurídico tutelado é a moralidade sexual (um costume que a sociedade não quer que os menores façam) e, a única que de fato pode ser tutelada pelo direito penal é a que põe a salvo as crianças e adolescentes da exploração sexual. AMANDA MOULIN 29 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito em questão. O sujeito passivo são as pessoas menores de 18 anos e portadores de deficiência mental, desde que comprovado, por perícia médica, a existência da doença ou deficiência em si e, simultaneamente, os prejuízos por ela efetivamente causados à higidez mental da pessoa explorada. TIPO OBJETIVO: Submeter, induzir, atrair e facilitar: se referem ao ingresso na prostituição ou em qualquer outra atividade que configure exploração sexual. São atitudes que levam a pessoa a se prostituir, pois antes não estava nesse meio. Dificultar ou impedir: o agente não contribui para o ingresso da pessoa vulnerável na vida da prostituição ou da exploração sexual, mas, em contrapartida, age de modo a garantir a sua continuidade, não deixando sair. Vale ressaltar que no caso de impedimento normalmente o obstáculo posto é tido como insuperável, por meio de grave ameaça, ocorrendo concurso de crimes. Prostituição: nossa legislação não define seu conceito, pois a prostituição no Brasil não é considerada crime. Para responder tal questão, devem-se observar certos critérios: ausência de vínculo afetivo, indeterminação do destinatário, disposição para receber dinheiro, habitualidade. Assim, a prostituição pode ser entendida como “uma contraprestação financeira por ato sexual já definido”. Outra forma de exploração sexual: exige-se, nessa modalidade, uma expectativa de ganho, seja ele pessoal ou alheio (nunca dá própria pessoa explorada). Exemplos: seria a venda de imagem, casa de show que tem stripper. TIPO SUBJETIVO: Dolo: somente se configura o delito se o agente atua com dolo direto, seja ele de primeiro ou segundo grau. Deve conhecer a característica de vulnerabilidade da AMANDA MOULIN 30 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) vítima, assim como a natureza sexual das atividades que estarão envolvidas nessa exploração. Inexistência do especial fim de agir: não é preciso que o agente tenha o fim de saciar a lascívia própria ou de outrem, e nem mesmo que esteja imbuído do proposito de auferir lucro. CONSUMAÇÃO: o momento consumativo coincide com aquele em que a pessoa vulnerável é explorada, isto é, posta “à disposição” de eventuais clientes ou destinatários do ato sexual. Não é preciso que chegue a haver contato físico d vulnerável com alguém, ou seja, não se exige que seja efetivamente praticada a conjunção carnal ou outro ato libidinoso. CONTATO SEXUAL E CONCURSO DE CRIMES: ocorreu uma certa indignação na doutrina pois acabaria valendo mais a pena explorar a sexualidade dos vulneráveis do que apenas induzi-los a fazer sexo esporadicamente. Isso porque se o agente (que não é cafetão) induzisse uma criança a fazer sexo uma vez, a pena seria de 8 a 15 anos (artigo 217-A como partícipe), enquanto se o agente (cafetão) induzisse o menor a fazer sexo com vários adultos pegaria uma pena de 4 a 10 anos (artigo 218-B). Diante disso surgiram dois posicionamentos: o Corrente majoritária: o artigo 218-B surgiu para punir a atividade de cafetão em si, isto é, pelo simples fato de disponibilizar a vítima menor de 18 anos para as atividades sexuais ele já pode ser acusado desse crime. Caso o ato libidinoso efetivamente ocorra e esteja comprovado, sendo a vítima absolutamente vulnerável, o crime será do artigo 217-A (partícipe) em concurso com o artigo 218- B. o Corrente minoritária (professor): se a pessoa tem à disposição em seu prostíbulo uma pessoa vulnerável, ou se a conduz a um ponto de prostituição, só por isso responde pelo crime do artigo 218-B. Quando ocorrer a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, responderá em concurso pelo artigo 218, pois o que se reprime não AMANDA MOULIN 31 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) é a violação do bem jurídico vulnerável, mas o exercício de uma atividade lesiva à moralidade sexual/ costumes. Observação: A funcionalidade do artigo é manter o sujeito (cafetão) em um crime permanente, podendo ser preso em flagrante a qualquer momento, enquanto estiver oferecendo os serviços da prostituta. TENTATIVA: não há óbice teórico, mas é difícil de ocorrer na prática. O agente deve ter dado ideia para a pessoa se prostituir, mas não conseguiu efetivá-la, isto é, por mais que tenha havido esforço no sentido de convencer e remover obstáculos, não se alcançou como resultado a “disponibilização do vulnerável”. FORMAS QUALIFICADAS (artigo 218-B, §1º): quando comprovado que o animus do agente era o de auferir vantagem econômica, será imposta, cumulativamente, a pena de multa. FORMAS EQUIPARADAS(artigo 218-B, §2º): Quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze): o que se pune nesse caso não é fazer sexo com pessoa nessa faixa etária, mas sim o aproveitamento do cliente da condição de exploração sexual da vítima. Assim, não ocorreria esse crime se adolescentes de 17 anos (por exemplo) resolverem se prostituir por conta própria, sem nenhuma supervisão. O proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas: trata-se de uma modalidade assemelhada ao delito de casa de prostituição do art. 229, CP, porém com pena mais severa. Para ser punido, o proprietário/gerente/responsável deve ter conhecimento da atividade que é praticada em seu estabelecimento. AMANDA MOULIN 32 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) A IMAGEM, A PAZ PÚBLICA E A PRIVACIDADE COMO BENS JURÍDICOS TUTELADOS O professor entende ser louvável a modificação da antiga denominação “dos crimes contra os costumes” em favor de “crimes contra a dignidade sexual”. Contudo, entende que o legislador falhou ao, no afã de atender demandas populares de criminalização, inserir, absolutamente fora de contexto, os crimes do artigo 216-B e 218-C. Logo, o que se castiga, destarte, é uma lesão à imagem e privacidade das vítimas, que terão sua intimidade devassada da pior maneira possível, mas não a dignidade ou liberdade sexual. ARTIGO 216-B: REGISTRO NÃO AUTORIZADO DA INTIMIDADE SEXUAL BEM JURÍDICO TUTELADO: a imagem da vítima. É equivocada a decisão política de situá-lo entre os crimes contra a liberdade ou dignidade sexual, pois a realização das condutas descritas de forma alguma tem potencial para lesionar os bens jurídicos em questão. Isso porque o que se atinge não é o corpo ou a liberdade de decidir livremente sobre o sexo, mas sim a moral. O dano é à imagem que a pessoa ostenta perante os outros. O que se tem é alguém ofendido ou envergonhado por ter um espaço de sua intimidade indevidamente exposto. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: o crime pode ser cometido por qualquer pessoa, independentemente de atributos ou qualidades pessoais. Não importa, também, se o próprio agente participa ou aparece nos vídeos ou fotos. O sujeito passivo, por sua vez, é a pessoa cuja imagem é registrada, quando isso ocorre sem seu AMANDA MOULIN 33 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) consentimento. Contudo, não se encaixam aqui, de modo geral, as pessoas menores de 18 anos, eis que o registro de pornografia infanto-juvenil é tipificado de modo específico pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. TIPO OBJETIVO: Fotografar, filmar ou registrar: fotografar é gerar um documento (meio físico) ou arquivo (meio digital) com o registro estático de um momento específico de um evento do mundo empírico. Filmar é captar imagens animadas que registram um evento, no todo ou em parte. Filmagens e fotografias são exemplos de registros, de modo que o verbo registrar, lançado na tipificação, é empregado como fórmula genérica cujo propósito é permitir a ampliação dos limites do tipo penal. Observação: o registro em áudio não é suficiente, tampouco por meio de palavras, faladas ou escritas, desenhos ou pinturas. Nesse caso, não há propriamente um registro, mas um relato, uma narrativa, isto é, a expressão de uma ideia ou interpretação sobre o fato. Conteúdo com cena de nudez: os vídeos ou fotos devem registrar nudez, isto é, a exposição das partes pudendas do corpo (órgão sexuais, nádegas ou seios). Fotos de biquini ou vídeos da pessoa com lingerie não expressam nudez e situam-se fora dos limites do tipo. Conteúdo com cena de ato sexual ou libidinoso: atos reconhecidamente sexuais segundo os padrões culturais socialmente dominantes. Sem conteúdo efetivamente sexual, não se considera criminoso o registro, ainda que não autorizado e de caráter íntimo. Exemplo: registrar beijo lascivo configura ato atípico. Caráter íntimo ou privado dos atos sexuais registrados: relações sexuais que foram realizadas com a expectativa de serem mantidas em caráter reservado, sem a concessão de autorização de registro por qualquer meio que seja. AMANDA MOULIN 34 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) FORMA EQUIPARADA: a pena também se aplica a quem realizar montagem, isto é, alterar o conteúdo de uma foto uma filmagem, gravação ou um arquivo digital de vídeo ou de áudio, inserindo uma pessoa que não fez parte daquele contexto sexual. Isso comprova que não se tutela a liberdade ou a dignidade sexual, mas sim a imagem. Vale mencionar que a montagem não pode ser grosseira/ tosca, pois não haveria lesividade. TIPO SUBJETIVO: Dolo: o agente deve saber que a vítima não deseja ser registrada. Se o agente atuar na dúvida, sem saber ao certo se a vítima permite, ou não, o registro da nudez ou do ato sexual, não comete o crime em tela. CONSUMAÇÃO: a foto, seja ela física ou digital, se consuma quando capturada a imagem. Quanto ao vídeo, no caso das câmeras tradicionais, ele se consuma no primeiro instante efetivamente gravado. Em se tratado de câmeras digitais, a consumação ocorre quando se gera o arquivo de vídeo. No que tange às montagens, depende da concretização. TENTATIVA: é admissível. Exemplo: o agente iniciou a filmagem, mas a vítima, por ter percebido, impediu sua conclusão ou transformação em arquivo. ARTIGO 218-C: DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO OU DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, DE CENA DE SEXO OU DE PORNOGRAFIA AMANDA MOULIN 35 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) BEM JURÍDICO TUTELADO: o professor acredita que o artigo foi mal redigido, pois cada uma de suas hipóteses abarcam um bem jurídico diferente, mas nenhuma delas diz respeito à liberdade ou a dignidade sexual, tampouco faz especificação quanto ao sujeito ativo e passivo, o que conduz à impressão de que se aplica, igualmente, a vítimas não vulneráveis. É preciso analisar o artigo por partes: Primeira parte (vender, divulgar ou compartilhar cenas de estupro ou de estupro de vulnerável): o bem jurídico tutelado é a imagem da vítima. Isso porque essas cenas geram prejuízos para a mesma, pois trazem vergonha e sofrimento emocional, por exemplo. Segunda parte (divulgação de fotos ou vídeos que incitam ou fazem apologia do estupro ou estupro de vulnerável): o bem jurídico é a paz pública porque o enaltecimento dessas ideias subversivas gera uma perturbação social Terceira parte (divulgação, venda ou compartilhamento, não autorizado, de algum registro audiovisual de encontro sexual, pornografia ou nudez): o bem jurídico é a privacidade dado que houve uma revelação indevida de material íntimo que deveria restringir-se ao âmbito privado. SUJEITO ATIVO E PASSIVO: qualquer pessoa, independentemente de atributos ou características individuais, pode ser autora do delito do artigo 218-C. Cabe frisar quanto a primeira parte que a conduta não precisa ser praticada pelos próprios estupradores, e, se a pessoa que compartilha os registros audiovisuais houver tomado parte na violação sexual, em si, haverá concurso de crimes. Quanto ao sujeito passivo é preciso analisar de acordo com cada modalidade: Primeira parte: como o bem jurídico atingido é a imagem, o sujeito passivo do delito é o seu titular. É a pessoa estuprada. AMANDA MOULIN 36 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Segunda parte: como é um crime vago, cuja titularidade pertence à coletividade, serão sujeitos passivos as pessoas potencialmente perturbadas por essa incitação subversiva à prática de crimes graves. Terceira parte: o titular da privacidadeque foi indevidamente revelada. É a pessoa que aparece nos registros e que não deu autorização para divulgação ou compartilhamento desse aspecto de sua intimidade. TIPO OBJETIVO: “Oferecer”, “trocar”, “disponibilizar”, “transmitir”, “vender”, “expor à venda”, “distribuir”, “publicar” ou “divulgar”: é um tipo penal misto alternativo, de modo que se tipifica todas as formas de compartilhamento de objeto ou de arquivo, ou de facilitação de sua visualização, seja onerosa ou gratuitamente. Cena de estupro ou de estupro de vulnerável: a ocorrência de estupro (artigo 213, CP) ou de estupro de vulnerável (artigo 217-A, CP) pode ser registrada em imagens, em áudio ou em vídeo. A produção desse material está tipificada no artigo 216-B. No crime sob análise não se pune a produção, ou seja, o registro, a criação do material em si. Punem-se as várias formas de compartilhamento. Se o agente filma cena de estupro e depois a divulga, responde apenas pelo artigo 218- C, ficando o delito do artigo 216-B, menos grave, absorvido. Caso ele tenha tomado parte no crime sexual haverá concurso. Apologia ou induzimento à prática de estupro ou estupro de vulnerável: o induzimento se faz de maneira direta, incutindo-se na mente de outrem a ideia de cometer algum desses delitos. A apologia é mais sutil. Corresponde a um elogio ou a um enaltecimento que pode levar à banalização dos males e da gravidade de certos crimes, ou até mesmo a uma sugestão indireta de sua realização. Ressalta- se que pode ocorrer também quando a pessoa banaliza o crime com falas machistas, culpando a vítima ou desmerecendo o ocorrido. AMANDA MOULIN 37 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Cena de nudez, sexo ou pornografia, sem a autorização dos envolvidos: o tipo se aperfeiçoa com o compartilhamento, divulgação, venda e outras condutas afins em relação à mera nudez, desde que o arquivo tenha nitidez e qualidade. Vale ressaltar que a exigência de ausência de consentimento apenas se refere aos registros cujo conteúdo envolva pessoas não vulneráveis. TIPO SUBJETIVO: Dolo: esse crime é cometido com dolo, não sendo exigida nenhuma finalidade específica. Pode ser cometido até mesmo com o intuito de obter lucro, ou de humilhar a vítima. CONSUMAÇÃO: é um crime formal que dispensa a produção de um resultado naturalístico, ficando o momento consumativo atrelado a cada um dos verbos nucleares empregados. TENTATIVA: não há óbice teórico, mas é difícil de caracterizar. Exemplo: agente envia um vídeo com o conteúdo ilícito, mas ele não é recebido pelo destinatário porque seu smartphone está desligado. FORMA MAJORADA (artigo 218, §1º, CP): é o chamado pornografia de vingança e tem especial fim de agir. A primeira hipótese é quando a circunstância em questão se refere a uma atual ou pretérita existência de “relação íntima de afeto com a vítima”. A segunda é quando a pessoa, mesmo sem ter um relacionamento prévio, compartilha pra se vingar/ humilhar a pessoa. Assim, se a finalidade for a de se gabar, não incidirá a causa de aumento. EXCLUDENTE DE ILICITUDE (artigo 218-C, §2º, CP): afasta-se a antijuridicidade se a divulgação dos registros se der para fins informativos, científicos, culturais ou acadêmicos. É crucial, no entanto, para que funcione a excludente, que sejam adotados cuidados para evitar que se possa identificar a pessoa ofendida, a menos que sua identificação seja autorizada, o que não se aplica às vítimas menores de 18 anos. AMANDA MOULIN 38 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) CONFLITO APARENTE DE NORMAS: a produção, a venda, o compartilhamento e o armazenamento de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes (menores de 18 anos) são ações que constituem crimes descritos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), artigos 340 a 241-C. Artigo 240 do ECRIAD: se refere a produção/criação da pornografia (pessoa que filma, contracena, dirige, empresta material). Vale ressaltar que isso não elimina a possibilidade de a pessoa responder por estupro de vulnerável (quando menor de 14), pois os bens jurídicos são diferentes. Artigo 241 do ECRIAD: se destina a punir a comercialização do material ilícito mencionado no artigo anterior. Artigo 241-A do ECRIAD: pune todos os modos de compartilhamento gratuito, que serão tratados de modo menos gravoso do que o oneroso. Artigo 241-B: reprime, de modo menos intenso, a posse e o armazenamento do mesmo material. Tem que ter dolo. Artigo 241-C: reprime as montagens, colocando uma pessoa vulnerável que não estava naquele contexto sexual. Vale frisar que a montagem deve gerar dúvida quanto a sua veracidade. ARTIGO 225: AÇÃO PENAL No Brasil, a ação penal, em sede de delitos que atentam contra a dignidade sexual, quase sempre esteve subordinada à decisão político-criminal de deixar a critério da vítima a tomada de providências aptas a desencadear a persecução criminal, pois AMANDA MOULIN 39 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) seria muito pior para a vítima reviver os dissabores do acontecimento. Contudo, com a reforma imposta pela Lei 13.718/18 os crimes sexuais passam a ser incondicionados, com o fulcro de proteger efetivamente a vítima, o que não é de todo verdade. ARTIGO 226: MAJORANTE DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL A CAUSA DE AUMENTO EM RAZÃO DO CONCURSO DE PESSOAS (artigo 226, I, CP): o Corrente majoritária: o concurso de pessoas é uma circunstância que, sempre que presente, automaticamente majora as penas dos crimes sexuais, aplicando-se indistintamente aos coautores (compartilham dos atos de execução) e aos partícipes (concorrem por fora). Interpretação literal. o Corrente minoritária: só se aplica a coautoria, pois nessa circunstância é possível justificar com base na maior dificuldade de a vítima reagir, maior coação, maior duração e dano. A majorante é pra penalizar de forma mais dura aqueles que cometem crime sexual em conjunto, pois o constrangimento é bem maior. O partícipe, que nem vai ao local, embora tenha “colaborado” para o crime, não aumentará o sofrimento da vítima, além de já responder por um tipo penal que efetivamente não realizou. Observação: com a alteração oriunda da Lei 13.718/18, a interpretação majoritária é que nos casos de participação no estupro ou estupro de vulnerável se aplica o artigo 226, I e na coautoria se aplica o artigo 226, IV. A corrente minoritária desconsidera a participação, devendo ser aplicado o artigo 226, I para todas as hipóteses de coautoria nos crimes sexuais, exceto nos casos supramencionadas. AMANDA MOULIN 40 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) A CAUSA DE AUMENTO EM RAZÃO DE PARENTESCO/ AFETIVIDADE OU DE AUTORIDADE (artigo 226, II, CP): aplica-se nos casos em que o agente é ascendente (pai, mãe, avó, bisavó), padrasto e madrasta (vínculo afetivo), tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador (salvo caso de assédio). Isso porque leva em conta a reprovabilidade da conduta daqueles que deveriam cuidar e respeitar a vítima. Quanto aos demais títulos de autoridade sobre a vítima é preciso que seja uma relação prévia, um vinculo real e concreto, ou seja, não é por se tratar de autoridade, mas sim por exercer a autoridade. Exemplo: policial enquanto tem sob sua custódia aquele que foi pego em flagrante. Observação: com base na argumentação é possível encaixar cuidador, empregado doméstico e enfermeiro, por exemplo, que são responsáveis por cuidar dos incapazes (menores ou enfermos). É uma autoridade física. QUESTÃO: aplica-se à omissão imprópria? Não, pois seria bis in idem. Exemplo: se a mãe tomaconhecimento de que o marido abusa sexualmente da filha e nada faz ela responde pelo artigo 217-A, caput, c/c artigo 13, §2º, “a” do Código Penal, já respondendo por ser garantidora. ESTUPRO COLETIVO (artigo 226, IV, A, CP): é preciso que o crime seja executado em coautoria, isto é, dois ou mais indivíduos exerçam, no mesmo contexto, sucessiva ou conjuntamente, atos típicos de autoria, sejam eles referentes à realização da parte sexual do delito, ou, pelo menos, ligados à realização dos elementos típicos da violência ou da grave ameaça, atuando diretamente no constrangimento da vítima. A QUESTÃO DA MULTIPICIDADE DE CONTATOS SEXUAIS NOS CASOS DE COAUTORIA: Rogério Greco acredita que serão tantos crimes quantas forem as pessoas que tiverem contato sexual com a vítima. Para ele, se A e B se ajudam, mutuamente, e ambos tem relação sexual com a vítima, os dois responderiam por concurso de dois crimes de estupro (artigo 213, caput), cada um majorado pelo artigo 226,I, CP. Contudo, o professor defende que o concurso aqui não é AMANDA MOULIN 41 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) determinado pelo número de agentes, mas sim pela quantidade de bem jurídico atingido, respondendo A e B por estupro (artigo 213, caput) + artigo 226, I. ESTUPRO CORRETIVO (artigo 226, IV, B, CP): é feito para controlar o comportamento social ou sexual da vítima. Nesses casos, a violência sexual estará sendo usada como forma de punição, com o intuito de moldar o comportamento social ou sexual da vítima a algum padrão arbitrariamente imposto pelo agente. Exemplo de comportamento social seria o local que frequenta e atos de dança, enquanto sexual seria a orientação sexual. ARTIGO 234-A: MAJORANTE DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL A CAUSA DE AUMENTO EM RAZÃO DA GRAVIDEZ RESULTANTE (artigo 234- A, III, CP): uma das possibilidades de aborto permitido no Brasil ocorre nos casos de gravidez resultante de estupro (art. 128, II, CP), pois é um transtorno para mulher engravidar dessa forma. Não é razoável que a mulher passe por este constrangimento, motivo pelo qual o legislador colocou a gravidez como aumento de pena nos crimes sexuais. Observação: o professor defende o aumento da pena nos casos em que a própria estupradora engravida, pois causaria transtornos para o homem enquanto vítima do crime, dentre eles financeiros. A CAUSA DE AUMENTO EM RAZÃO DE DOENÇA SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL (artigo 234-A, IV, CP): é preciso ter em mente que esse inciso se aplica às doenças sexualmente transmissíveis curáveis. Quanto a isso, tem-se que a DST é uma doença que se transmite pela via do contato sexual, mas comporta exceções como a candidíase. Para aplicar a majorante, é preciso que o agente saiba ou deva saber que está acometido pela doença, pois se ela for assintomática, por exemplo, não responderá por nada. AMANDA MOULIN 42 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) Observação: o professor entende que a expressão “deva saber” acontece quando o agente não sabe que está infectado, mas tem várias razões para sabê-lo, remetendo-se a uma ideia de “ausência do dever de cuidado” que designa culpa, motivo pelo qual o agente responderá por estupro em concurso com lesão corporal culposa. E SE A DOENÇA TRANSMITIDA FOR INCURÁVEL? Primeiramente, é válido ressaltar que doença sexualmente transmissível incurável seria aquelas em que você consegue controlar os sintomas, mas não a erradica do organismo. Exemplo: AIDS e sífilis. Caso tenha sido transmitida por dolo, o agente responderá pelo crime em concurso com lesão corporal gravíssima ou homicídio qualificado. Caso tenha sido a título de culpa, será o crime + a qualificadora presente no mesmo (se houver) ou o crime + lesão corporal culposa (não tem qualificadora). A CAUSA DE AUMENTO EM RAZÃO DA VÍTIMA SER IDOSA (artigo 234-A, IV, CP): é uma causa de aumento objetiva, em razão da fragilidade da vítima. Porém, se o reconhecimento da vulnerabilidade for, especificamente, a perda da lucidez ou a fraqueza física típica da idade avançada, não terá lugar a aplicação da majorante referente à condição de vítima de pessoa idosa, sob pena de caracterizar-se o bis in idem. Exemplo: idosa de 70 anos completamente embriagada poderia caracterizar, pois sua vulnerabilidade se deu pela enfermidade mental incapacitante. A CAUSA DE AUMENTO EM RAZÃO DA VÍTIMA SER PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA (artigo 234-A, IV, CP): se a deficiência física ou mental é a razão da incapacidade total de compreensão ou defesa e, consequentemente, da caracterização como vulnerável, não se aplica esse inciso porque seria bis in idem. Exemplo: uma pessoa com doença mental e deficiência física poderia ser usado, pois um configuraria uma incapacidade e o outro uma causa de aumento. AMANDA MOULIN 43 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ARTIGOS 312 a 337 – A) BEM JURÍDICO TUTELADO: levado em consideração que é um crime funcional, cuja credibilidade, honestidade e probidade dos agentes do Estado está em jogo, o bem jurídico relevante tutelado é a Administração Pública. Ressalta-se que essa tutela pretende abranger dois aspectos distintos: a entidade (faz uma alusão à personalidade jurídica/ entes federativos) e a atividade de administrar (boa gestão pública). Patrimônio: de modo geral, os crimes contra a administração são praticados por pessoas que usam o cargo para se favorecer moralmente (buscando ascensão) ou financeiramente, como nos casos de obra superfaturada, peculato ou corrupção. Funcionalidade: esse aspecto diz respeito ao obstáculo ao bom andamento da prestação dos serviços pela administração pública. Exemplo: quando o servidor vai realizar um ato funcional e você impede a sua realização. É o crime de resistência. Moralidade: é sabido que o direito penal não tutela, via de regra, a moral. Contudo, nesse caso, protege-se não um conjunto de preceitos que guiam as condutas sociais, mas sim a moralidade administrativa (sentido técnico/ jurídico) prevista no artigo 37 da Constituição Federal. Exemplo: corrupção. Embora o agente de trânsito, ao deixar de aplicar uma multa de 200 reais não faz com que a União perca dinheiro, essa conduta é altamente imoral e merece reprimenda. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (súmula 599 do STJ): a doutrina majoritária entende que não cabe este princípio nos crimes cometidos contra a Administração Pública em razão do fato de que não tutelam apenas o patrimônio, como também outros interesses que envolvem a coletividade. Todavia, esse é um pensamento AMANDA MOULIN 44 CADERNO DE DIREITO PENAL IV– AMANDA MOULIN MACATROZZO (2020/1) arcaico e equivocado, uma vez que é extremamente desproporcional e irrisório o agente público responder por peculato pelo furto de uma caneta “bic”, por exemplo. Além disso, a sua não aplicação acabaria por escancarar a seletividade penal dado que na realidade os crimes de colarinho branco, que geram rombos econômicos milionários para o ente público, dificilmente são punidos. Assim, a doutrina minoritária busca aplicar essa súmula quando a conduta levar a um pequeno prejuízo no âmbito patrimonial, funcional e moral. Exemplo: pegar um grampeador do estágio e levar pra casa é diferente de pegar um cartucho da impressora e o escritório parar de funcionar porque não tinha mais tinta, tendo prejuízo funcional. SUJEITOS ATIVOS: Crimes funcionais (artigo 312-327): cometido por funcionário público durante o exercício da função ou em razão dela. São crimes próprios, pois exigem do sujeito ativo a qualidade/ característica de ser funcionário público. Isso não quer dizer que um particular não poderá em hipótese
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