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@nacionais JR_ Romance Gay - Ton Cordeiro

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© Copyright, 2015 – JR de Ton Cordeiro. A reprodução total ou parcial
sem autorização da Editora Orgástica é proibida conforme a Lei
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Prefácio
Com muito orgulho apresento à vocês a obra JR que, para quem não
sabe, é a abreviação de Júlio e Reinaldo. Dois amigos que cresceram juntos,
tiveram namoradas, sonham em cursar medicina e, quando menos se espera, a
cumplicidade, a paixão e o desejo surge entre os dois.
A criação é de Ton Cordeiro. E eu devo confessar, ele realmente me
surpreendeu com uma linda estória. Sou autor de seis livros, quatro deles com
temática LGBT e, justamente por isso, tornei-me conselheiro editorial da
Editora Orgástica e da Bons Livros Editora Digital. Recebo diariamente
inúmeros textos para ler e analisar. Quase não dou conta. Alguns eu paro logo
nas primeiras páginas, seja por falta de tempo, interesse, pobreza de
conteúdo, erros gramaticais gravíssimos ou um grande despreparo do autor.
Mas nada disso eu vi na escrita do Ton. Ele escreve com paixão. Seu texto
flui e você percebe que, um bom escritor só tem futuro se souber contar uma
boa estória. E ele sabe.
Justamente por isso fiz questão de encabeçar todo este projeto. Uma
obra que começa no formato digital e que, daqui a poucos meses, ganhará seu
formato em papel. Não tem como não gostar de JR. Torcer, vibrar e até
mesmo ficar apreensivo com algumas partes da narrativa. Como muitos
sabem, ou imaginam, junto com os desejos vem amigos, família e os próprios
conflitos pessoais dos personagens: mais ainda quando nenhum deles, até
então, tinha qualquer desejo por outros rapazes. Tudo simplesmente
aconteceu. E agora é que vem a pergunta: como aconteceu? Como a estória
termina? Eles ficarão juntos? Irão cursar medicina? E a família dos dois?
Tudo pode acontecer. Portanto, aqui fica meu convite, leia e se apaixone por
JR.
Ton Cordeiro mandou bem. E eu espero, realmente, que ele não pare de
escrever. Esse menino tem talento. E eu assino embaixo.
Boa leitura.
 
Fabrício Viana*
NACIONAIS-PERIGOSAS
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Setembro/2015
 
* Fabrício Viana é escritor, bacharel em psicologia e autor do livro O
Armário (sobre a homossexualidade), Ursos Perversos (contos
homoeróticos), Orgias Literárias da Tribo (coletânea LGBT) e do Theus
(romance gay). Também faz parte do conselho editorial na Editora Orgástica
e da Bons Livros Editora Digital. Seu site é o www.fabricioviana.com
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CAPÍTULO 1
NACIONAIS-PERIGOSAS
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JR
– Fale comigo, o que está fazendo? Você não vai embora? Você não
pode me deixar depois de tudo que construímos! Voltaaaaaa!
E foi assim que Reinaldo viu Júlio partir.
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CAPÍTULO 2
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A Festa
Dez anos antes...
Júlio estava feliz, finalmente seus dezoitos anos chegaram e para
completar havia uma mega festa lhe esperando. Muitos amigos, bebida,
dança, do jeito que ele gostava. E claro sua namorada, a bela Fernanda, a
garota mais desejada entre seus amigos.
Os pais de Júlio, muito religiosos, exigentes e pragmáticos, acreditaram
no mérito para essa festa e assim a fizeram. Deram tudo que o garoto tinha
direito. Era um bom menino, sempre correto, educado, obediente e muito
empenhado em tudo que fazia, além de ter as melhores notas do colégio. Era
tudo que um pai poderia sonhar em um filho. Sem falar na responsabilidade
de homem, mas num rosto angelical. O que faziam de Júlio um rapaz muito
bonito e atraente.
As meninas da escola e do grupo de amigos os achavam, Fernanda e
ele, o casal perfeito. Bonitos, inteligentes, jovens, de boa família e muito
populares. Afinal ela era a líder estudantil em seu colégio e ele era atacante
do time de futebol, que desde sua entrada, coincidência ou não, não perdia
uma partida sequer.
Chegando à festa, Júlio não podia se conter:
– Ah, eu não acredito! Isso é real? Cara eu vou ter um treco! – gritava e
pulava sem parar enquanto abria a porta do carro amarelo com uma fita
vermelha e um belo cartão que dizia: “Ao nosso bebê, que cresceu, um
presente que representa todo o mérito que tem por ser quem é. Nosso querido
e amado filho, te amamos. Papai e Mamãe”.
Os amigos vibravam junto com ele. Todos torciam muito por Júlio, era
“o cara”.
– Bora que agora é hora de começar a festa!!! – Gritou seu melhor
amigo, Reinaldo.
Reinaldo e Júlio se conheciam desde criança, o primeiro contato foi na
pré-escola, quando Júlio se machucou no parquinho, no primeiro dia de aula,
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e Reinaldo ficou ao lado dele até que alguém chegasse. Desde esse dia
Reinaldo sentia que seria uma espécie de anjo da guarda daquele novo amigo.
Eles cresceram e a amizade também. As famílias eram praticamente uma só.
Um dormia na casa do outro sempre. Sem falar dos últimos tempos, quando
Reinaldo se afastou de repente.
Júlio abraçou o amigo e disse: – Senti sua falta, vê se não me abandona
nunca.
– Nem em outra vida eu te deixo meu camarada, desde que ganhou esse
charme na sobrancelha, somos praticamente um. – disse o amigo, o
abraçando e o conduzindo para dentro do salão de festas do condomínio de
casas, de classe média, em que moravam.
Muitas luzes piscavam, era um verdadeiro show. Realmente estava tudo
quase perfeito, mas Júlio procurava “Fezoca” no meio da turma, era como
chamava a eleita. Quando ele entra, as luzes se apagam e ela surge, linda em
um vestido negro, ligeiramente curto, com um salto de causar inveja nas
outras garotas, cabelos platinados, olhos azuis como um diamante, ela
irradiava beleza e simpatia. Apareceu em cima de um pequeno palco e com
uma banda ao vivo, cantou “Por enquanto”, sucesso na voz de Cássia Eller, a
música predileta do amado.
“– Mudaram as estações, nada mudou, mas alguma coisa aconteceu...”
– seguiu cantando.
Reinaldo saiu de perto e deixou o casal ter a sua cena de amor, um beijo
cinematográfico. Ele ficou num canto quieto e Júlio, em determinado
momento da festa percebeu: – O que está havendo com você?
– Nada. Por quê? – Indagou Reinaldo, meio introspectivo.
– Nada seria bom. Mas há alguns meses você anda meio distante e hoje
pude perceber que está em outro planeta. Você pode esconder o que quiser de
qualquer pessoa, mas não de mim. Eu sou o único que te conhece de um jeito
que ninguém jamais vai conhecer. – Disse Júlio, com um olhar fraternal.
– Até parece, não é nada mesmo Júlio. – falou Reinaldo, enquanto se
retirava do salão pelos fundos.
O amigo o seguiu até a parte externa, onde não havia ninguém:
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– Tá maluco, vai me deixar falando sozinho. Você nunca foi assim
cara. O que está havendo? Me diz.
– Olha, eu não quero estragar a sua festa, mas não é um bom dia para
discutir. Vai curtir a sua namorada cantora. – Disse Reinaldo com ar de
ironia.
– Ei peraí, está com ciúmes?! É claro, desde que engatei meu namoro você
se afastou de mim, nem vai lá em casa mais. Tá com ciúme Rei?
– Cala boca Jota, você não sabe do que está falando. – Rei, assim como
era chamado pelo amigo, empurrou Jota, o Júlio, com força que por sua vez
foi ao chão.
– Pirou cara! Qual foi? – se espantou Júlio.
– Desculpa Jota, não sei por que fiz isso. Você está bem? – disse Rei já
estendendo a mão para Jota.
– Estou sim, me ajude a levantar daqui. – pediu Júlio com tomde raiva
em sua fala.
Quando Reinaldo tentou puxá-lo, Júlio foi mais rápido e o puxou para o
chão. Os dois rolaram e riram. Com o som alto no salão, os demais nem se
atentaram ao que estava acontecendo ali fora.
Após um tempo rindo, pararam, olharam para o céu e notaram como
estava uma noite estrelada e com uma lua que parecia tocar a face de ambos.
– Obrigado por tanto tempo de amizade. – declarou Reinaldo com os
olhos marejados e voz embargada.
– Cara, somos um só, não há o que me agradecer. É você quem me
salva todos os dias.
Reinaldo se levantou e olhou para o alto muito pensativo.
– O que foi agora Rei?
– Talvez eu tenha um pouco de ciúmes da Fernanda. Eu tenho medo de
ela te levar pra longe de nossa amizade. – disse Reinaldo.
– Isso jamais vai acontecer. Já lhe disse mil vezes. Eu vou levar você
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comigo pra sempre Rei. – Júlio diz enquanto pega com as mãos o rosto do
amigo, como alguém que segura uma joia muito preciosa.
– Não faz assim Jota. – Reinaldo desvia o olhar.
– Lembra do dia em que aqueles garotos do primeiro ano roubaram
meus livros e você, feito um leão, os pegou de volta?
Os dois sorriram. E Júlio prosseguiu: – Lembra as vezes que você virou
noites comigo para me fazer entender uma matéria? E da vez que aqueles
idiotas te chamaram de “viadinho”, você ficou quieto e eu fui tirar satisfação?
Eu ia tomar uma bela surra e quando você viu, deu um soco e quebrou o nariz
do moleque?
– Se não fosse eu, era o seu nariz no lugar do dele. E ainda tivemos que
mentir pros nossos pais, fingindo que íamos pra escola, para não saberem que
fomos suspensos. – agora mais leve, Reinaldo já sorria.
Ainda segurando o rosto do amigo, Júlio disse:
– Viu só, você é meu anjo da guarda, irmão e melhor amigo. Pra
alguém me aceitar, tem de te aceitar primeiro. Eu amo você Rei.
Sem pensar no que estava acontecendo, Reinaldo se deixou envolver
pelo momento, foi se aproximando do amigo e depositou um beijo em seus
lábios. Júlio não sabia o que fazer, sentiu um apagão. E empurrou o amigo:
– Surtou? Que porra é essa? Seu, seu...
– Ei gente o que estão fazendo aqui? Vamos curtir a festa? Vem amor!
– apareceu Fernanda, com um olhar carinhoso.
– Vamos. – disse Júlio, que tremia inteiro.
– Você não vem Reinaldo? – questionou Fernanda.
– Não, vou ficar por aqui. – Reinaldo respondeu de costas, não queria
que vissem suas lágrimas.
Fernanda percebeu que o clima estava estranho e disse:
– Nossa meu amor! O que foi que houve, você está tremendo?
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– Nada não Fezoca, eu estava com frio, ainda bem que me chamou. –
respondeu Júlio com incerteza.
Fernanda não acreditou muito naquela história, mesmo porque Júlio era
praticamente uma caldeira de tanto calor que sentia, mesmo em dias frios,
sempre estava com boa parte do corpo a mostra. O que não era o caso
daquela noite, que estava agradável, mas ainda assim quente.
A festa rolou a noite toda e Júlio se divertiu muito. Os amigos estavam
se esbaldando na pista e na bebida. Reinaldo, esse soube e provou cada
bebida que havia na festa, pois estava de porre. Os pais de Júlio não queriam
que servissem álcool, mas os amigos insistiram e prometeram que ninguém
iria abusar. O problema é que promessa de adolescente é igual promessa
eleitoral.
Reinaldo estava mal. Mas Amanda, uma amiga em comum com Júlio,
estava lá pronta a ajudá-lo. Para Amanda, Reinaldo era mais que um amigo,
ela nutria uma paixão pelo garoto há um bom tempo. Reinaldo era bonito,
1,80m, um corpo levemente sarado, cabelos lisos, sempre espetados, sempre
se vestiu muito bem, moderno, moreno e com olhos levemente rasgados, o
que dava um charme a sua aparência. Além de lábios carnudos e o que mais
encantava a todos, muito inteligente e sempre disposto a ajudar. Mas ela
sabia que esse amor seria algo completamente platônico.
Quando Júlio viu o estado do amigo, não acreditou:
– Rei, é sério isso? Você está bêbado? Vem, vou te levar pra casa. –
falou bem irritado.
– Deixa Júlio, eu o levo, afinal hoje é dia de você comemorar. E outra,
seus amigos estão aqui, não vai deixá-los esperando, não é mesmo? –
respondeu prontamente Amanda.
Mesmo contrariado, Júlio aceitou a recomendação da amiga. Fernanda
ficou muito feliz, pois poderia dar prosseguimento aos seus planos. Queria
levar o jovem amado para uma noite inesquecível. Estava tudo
esquematizado e quase que Reinaldo se envolve em seus planos “como
sempre”, pensou ela.
A festa foi um sucesso e todos começaram a ir embora, Júlio se vira
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para Fernanda e diz: – Bom “mor”, acabou. Agora o que faremos?
– Acabou não, só começou. – Disse Fernanda com certa malícia e
tascando-lhe um beijo bem provocante.
Ela entregou a chave do carro a Júlio e o guiou por um longo caminho,
mas que ele já conhecia. Era a casa da montanha da família de Fernanda.
Nunca havia conseguido ficar a sós com a jovem, os pais dela eram rigorosos,
sempre que ele se hospedava lá, ficava em um quarto de hóspedes bem longe
dos aposentos da namorada.
Antes de entrar, Fernanda pediu que Júlio ficasse dentro do carro. Ela
foi na frente e disse que assim que ele pudesse entrar ela piscaria as luzes da
casa. Assim que as luzes começaram a piscar, ela não compreendeu a demora
do rapaz, achou que algo havia acontecido e foi ao seu encontro:
– Júlio! Ah não acredito que cochilou, vem está frio, venha me aquecer.
Ao entrar na casa ele quase não acreditou no que os seus olhos viam,
era uma cena de filme de amor, velas pela casa, a lareira acesa, incensos,
frutas, champanhe e uma cama improvisada no meio da sala. Quando
conseguiu notar, viu que a moça usava apenas um camisão. Seus olhos
brilhando e sua pele reluzindo. Fernanda era jovem, mas sabia ser
provocativa. Ela o jogou sobre as almofadas e se lançou sobre o amado.
Quando, no auge das carícias, passando do estágio sedução para preliminares
mais quentes, Júlio a interrompe:
– Calma, calma, não consigo. Estou com a cabeça longe. Preciso saber
se o Rei está bem. Eu nunca o vi beber daquele jeito.
– Ah fala sério, você vai me deixar assim, por conta de um bêbado? –
reclamou a garota furiosa.
Ele não gostou: – Ele não é um bêbado. É meu amigo, meu irmão. E
não precisamos discutir. Só vou falar com a Amanda e saber se está tudo
bem. E aí voltamos para a nossa noite perfeita.
Enquanto falava com a namorada, ia lhe beijando o pescoço e, como a
trapacear, com uma das mãos sacava o telefone do bolso e ligou para
Amanda.
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Já ao telefone com a moça, ele não acreditava:
– O quê? Estou indo pra aí agora.
Fernanda imaginou que Reinaldo havia sido levado ao hospital, para
uma UTI, estivesse em coma. Pois a aflição e expressão estampadas no rosto
de Júlio não a levavam a outra conclusão. E logo questionou: – O que houve?
O que aconteceu com esse... – Fernanda se conteve e acrescentou – com ele?
– Ele não para de vomitar. – disse Júlio como a mesma fala de quem
informa que um ente faleceu.
– Me dê aqui esse telefone. – se irritou a garota, tomando as rédeas da
situação – Amanda, é a Fer, põe esse idiota pra tomar um banho frio que
passa. Ninguém vai sair daqui. Amanhã é outro dia e ele estará ótimo, pronto
pra outra. Tchau, boa sorte!
– O que você fez? – Júlio retrucou indignado.
– A bebedeira não é sua, não precisa ir até lá. Já tem alguém cuidando
dele. Você sabe que a Amanda daria uma vida pra ter o “Reizinho” com ela.
Então deixe de ser estraga prazeres de ambos os lados e vamos voltar pra
nossa noite meu amor. – Fernanda começou com a voz estridente e terminou
quase em tom de súplica.
– Na-não dá, tô meio sem cabeça hoje.
Júlio respondeu com muita incerteza. Fernanda, não gostou nada:
– Desde o meio da festa você está estranho. Mas fique tranquilo terá a
noite toda pra entender seus problemas, lá no quarto de hóspedes. Eu vou pro
meu quarto. Boa noite e feliz aniversário.
Ela saiu corredor adentro, como uma bala disparada para matar. Aliás,
essa era sua vontade,matar quem quer que fosse. Sentiu-se desprezada.
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CAPÍTULO 3
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A Ressaca
Era domingo. Maior que a ressaca da bebida de muitos que estavam na
festa, era a ressaca moral de Júlio. Afinal, ele largou a namorada em meio
toda aquela produção de uma noite de amor que era pra ser inesquecível.
Inesquecível será, pode ter certeza.
O Garoto foi até a sala e viu que Fernanda estava sentada sobre a
mureta da janela, recostada sobre o vidro e tomando uma bebida quente.
Quando ele se aproximou e disse: – Oi. Dormiu bem?
Ela nem se deu ao trabalho de responder. Lançou um olhar sobre ele
que se tivesse o poder de desintegrar alguém, não sobraria nem um fio dos
cabelos negros de Júlio. Apenas disse: – Coma algo e me leve pra casa, tenho
coisas a fazer.
Ele nem buscou por mais assunto. Sabia que havia ferido seus
sentimentos. Agora tinha que aguentar calado.
Falando em ressaca, como será que ficou Reinaldo?
Na casa de Amanda, Reinaldo estava no quarto da amiga deitado em
um colchão ao lado de sua cama. Quando a mãe da moça entrou e perguntou:
– E aí como ele está?
– Acho que vai ficar bem. Nada como uma bela noite de sono mamãe. –
respondeu docemente Amanda.
– Que bom filha. Pra isso servem os amigos. Assim que ele acordar, lhe
sirva um café forte.
Ela sorriu, fechou a porta com suavidade e se retirou. Os pais de
Amanda eram muito abertos, pais realmente parceiros. Não do tipo que os
filhos fazem o que querem, mas dos que se contam para o que precisar.
– Ai que vergonha Amanda. – disse Reinaldo, com uma voz quase
desfalecida.
– Vergonha de quê? Você apenas tomou um porre. Todo mundo passa
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por isso. Você sempre foi o certinho. Achei que nunca escorregava. –
Amanda respondeu com um leve sarcasmo inocente.
– Vergonha da sua mãe. Nunca mais vou entrar aqui na sua casa. Sua
mãe jamais vai querer que eu continue sendo seu amigo. – disse Reinaldo
enquanto cobria o rosto com o cobertor.
– Sabe que minha mãe não é assim, ela realmente se preocupou com
você e sabe que essas coisas acontecem. Relaxa, ela não é de julgar ninguém,
principalmente você, pois ela sabe o carinho especial que sinto por você. –
Amanda falou sem nenhum rodeio, sempre foi assim, deixava muito claro
seus sentimentos por Reinaldo.
– Me perdoe Amanda. – Falou Reinaldo com certa piedade.
E ela se indignou: – Perdoar de quê? Ficou louco?
– De não poder corresponder ao seu sentimento por mim. – Reinaldo
olhou fundo nos olhos de Amanda.
– Eu sei exatamente que seu coração já pertence a outra pessoa. –
Amanda realmente não fazia rodeios, mas sempre muito polida em suas falas.
– Deixe de bobagem, eu estou de boa. O que sinto por você é uma
amizade muito legal e não quero que isso se estrague. – agora Reinaldo
desviou o olhar.
– Eu estava lá. – disse Amanda, ainda deitada e se virando para o outro
lado, ficando de costas para o amigo.
– Eu sei que você me ajudou ontem. Eu me lembro de tudo que houve
Amanda. Ou eu falei algo que não me lembro? – Reinaldo estava
preocupado.
– Não, não disse nada – Reinaldo até respirou fundo e Amanda
continuou – Eu estava lá fora e vi coisas, coisas que não pude acreditar. Você
terá que ser muito corajoso pra enfrentar os seus sentimentos e viver isso que
está sentindo.
– Eu não faço a menor ideia do que está falando. Eu preciso ir embora,
antes que meus pais fiquem reclamando. Eu agradeço por tudo, mas preciso
mesmo ir. – desconversou Reinaldo e foi se levantando com muita agilidade.
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Reinaldo foi para casa, cumprimentou seus pais e disse que precisava
dormir, pois a noite foi bem puxada. Pediu para a mãe não lhe chamar,
independente de quem fosse.
Fernanda e Júlio voltaram para a casa sem trocar uma palavra, aquela
uma hora de estrada parecia uma longa peregrinação de joelhos pelos
cascalhos mais pontudos. Todas as vezes que Júlio tentou falar algo, a garota
respondia com a mesma eficácia de uma pedra, calada e muito dura. Ele
tentou ligar o rádio para distrair a viagem, e foi o único momento que ouviu a
voz da moça, “minha cabeça dói”. A deixou em casa, deixou o carro dela na
porta, ela desceu e entrou sem ao menos se despedir. Ele seguiu a pé pelo
condomínio em direção a sua casa. O clima realmente ficou cinza depois de
uma festa tão cheia de cores, não era para menos.
Ao caminhar, Júlio não sabia o que pensar, aliás, sabia, apenas não
queria. Pensava naquela cena que passou com Rei. O ocorrido na casa da
montanha nem o perturbava, não havia espaço. Pensou na hipótese de que
Reinaldo já estivesse bêbado, que talvez fosse algo de amigos, ele não sabia o
que pensar. Cada vez que tentava entender, menos entendia. Sentia o coração
bater dentro de sua garganta, um misto de raiva e repulsa. De repente tudo
parou, veio a ideia de perder a amizade de Reinaldo. Mas não podia deixar a
história assim. Pegou seu celular e discou para o número do quarto do amigo,
não teve sucesso. O jeito era ir até lá.
Parou em frente a porta e não sabia o que fazer. Até que, como num
impulso involuntário, bateu na porta.
– Olá Julinho, já de pé menino. Como foi a festa? – foi atendido, como
sempre, com muita simpatia pela mãe de Reinaldo.
– Foi tudo ótimo, pra falar a verdade nem dormi ainda, estava indo pra
casa. Sara, o Rei está? – perguntou Júlio.
– Ele está sim, mas foi se deitar e pediu que não o acordasse. Ele não
me falou nada, mas estava com cheiro de bebida, acho que tomou um porre.
Ele nunca chegou em casa assim. Não falei nada porque sabia que estavam
juntos. Ele pediu pra nem chamá-lo hoje, acho que só sai daquele quarto
amanhã. Mas entre venha comer algo. – disse Sara sempre muito carinhosa
com Júlio.
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– Não eu vou pra casa, diga que vim falar com ele. Depois nos falamos.
Bom dia!
Júlio foi para casa, só agora se deu conta que não havia pregado os
olhos. Tomou um banho, foi à cozinha, comeu algo e só queria deitar. Sua
mãe, o admirava sem que ele notasse. Júlio era muito jovem e um filho muito
bom, o único do casal. Era bonito, com mais de 1,80m, cabelos negros
espetados, um topete que parecia ter sido feito na tomada, assim seu pai
sempre dizia, um sorriso encantador, pele branca, porém levemente
bronzeada e olhos verdes que mostravam sua alma. Glória era apaixonada
pelo filho, era um sonho em forma humana. Júlio foi se retirar da cozinha e
percebeu a mãe o olhando, não se espantou, ela sempre o fazia. Ele a beijou
na testa e subiu para o quarto.
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CAPÍTULO 4
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O Desabafo
Passou a semana toda e o assunto foi a festa. Júlio estava fazendo um
curso pré-vestibular, não pensava em faculdade. Mas Reinaldo fez com que
ele pensasse na medicina, ambos estudavam pra isso. Mas a semana toda
Reinaldo não compareceu ao curso. Então ele decidiu levar a matéria para o
amigo.
– Oi Sara, o Rei está?
– Oi Julinho, ele não veio com você do curso? – Perguntou Sara,
preocupada.
– É– é, nó-nós nos desencontramos na saída, eu fui fazer umas coisas. –
Reinaldo confuso.
– Tá tudo bem? Parece que você está meio tenso. – Sara perguntou
segurando sua mão.
– Está sim, só estou cansado. Foi uma semana puxada.
Júlio agora ficou realmente intrigado. Reinaldo não se colocava nesse
tipo de situação, mentir, faltar, sumir. Agora ele ficou muito preocupado.
Entrou em seu carro, e dirigiu pelo bairro, pela cidade, não sabia mais onde
ir. Lembrou de um bar que uma vez Amanda os levou lá, ela disse que lá era
o melhor lugar para esquecer dos problemas.
Ao chegar no bar, viu Reinaldo com um copo de bebida na mão. E se
lançou sobre o amigo: – Tá ficando maluco Rei? Agora deu pra beber? –
falava ao mesmo tempo em que lançava a bebida do copo ao chão.
– Ei Júlio, você deve estar louco. Vai pagar essa merda. – Reinaldo se
alterou.
Um segurança se aproximou e disse: – Algum problema rapaziada?
Júlio colocou a mão no ombro do segurançae falou quase sussurrando:
– Tem sim, ele tem 17 anos e vocês estão servindo bebida alcoólica pra
ele.
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Júlio pegou o amigo pelo braço o enfiou dentro do carro. Mesmo
contrariado, Reinaldo obedeceu. Júlio foi esbravejando o caminho todo,
Reinaldo não dizia nada. Até chegar à porta do condomínio:
– Pode me deixar aqui, eu não preciso de mais problemas pra mim. –
disse Reinaldo enquanto tirava o cinto de segurança.
Ao perceber a gritaria, Amanda se aproxima: – Gente o que está
havendo?
– O Rei, Amanda, agora deu pra mentir, beber e fugir. Sabia que ele
não vai ao curso tem uma semana? Além disso, ele vai ao bar encher a cara e
mente pros pais dizendo que foi estudar. A Fezoca tem razão, ele é um
bêbado. – Júlio desabafou.
– Quer dizer que você e a sua namorada ficam falando de mim
enquanto estão juntos? Com que direito? – Reinaldo saltou do carro gritando.
– Calma gente, tá todo mundo começando a olhar. – tentou apaziguar
Amanda.
– Não é nada disso Rei, foi só por conta da festa. Eu estou preocupado
contigo cara. – Júlio tentava se desculpar.
– Quer me ver bem? Me deixe em paz. – Reinaldo disse enquanto se
afastava.
Amanda olhou para Júlio e disse: – Você não entende, não é mesmo?
Vá pra casa, deixe que eu falo com ele. De cabeça quente vocês não resolvem
nada.
Ao chegar em casa, Júlio percebeu que Fernanda estava a sua espera, e
falou sem pensar: – Ah só me faltava essa. Se você veio a procura de briga
hoje não é um bom dia.
– Nossa, oi pra você também. Claro que eu estou bem meu amor. Ah,
se eu senti sua falta? Por uma semana? Talvez. Vim te ver, me acertar com
você, mas acho que eu sou o problema. – Se irritou Fernanda.
Ela ia bater em retirada, quando Júlio a abraçou aos prantos:
– Me perdoe, acabei de ter uma discussão com o Rei. Nunca havíamos
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brigado, ele agora anda bebendo, mentindo. Me dá um pouco de colo.
– Meu amor, nunca te vi assim. – se sensibilizou Fernanda, abraçando-
o.
Na casa de Reinaldo, Amanda tentava correr para alcançá-lo. Mas cada
passo que ele dava era como se fossem saltos dela. Ela chegou e a porta
estava aberta, Sara olhava para cima sem entender o que estava acontecendo:
– Nossa Amanda, o que houve que o Reinaldo subiu assim, parece que
está nervoso.
– Não se preocupe Dona Sara, ele apenas acredita ter perdido um
trabalho importante, vou ajudá-lo a achar. – tentou justificar a amiga.
Já no quarto de Reinaldo, Amanda fechou a porta, ligou o som para
abafar a conversa e disse: – Tá ficando maluco? O que há com você? Acha
que beber vai resolver seus problemas?
– Mas agora todo mundo resolveu me perseguir? – Reinaldo gritou.
– Fale baixo, quer que sua mãe saiba o que está acontecendo? – Falou
em tom de proteção.
– Me desculpe Amanda, você é uma grande amiga. Não queria gritar
com você. – Reinaldo tentava se acalmar.
– Mas gritou, comigo, com o Julinho e pra todos da vizinhança
ouvirem. – agora Amanda chamava sua atenção.
Ele apenas abaixou a cabeça e as lágrimas caíram como uma torneira a
gotejar. E ela prosseguiu: – Assim você só vai afastá-lo. Não tem como
conquistar alguém dessa forma. Deixe de ser burro.
Reinaldo se espantou: – Do que você está falando?
– Eu te disse que eu estava lá no dia da festa. Eu estava lá fora, quando
você beijou o Júlio. – Amanda disparou sobre o amigo.
Atônito, Reinaldo voou com uma das mãos na boca da amiga e a outra
segurando a nuca, para calar Amanda. E disse com voz trêmula:
– Você não viu nada disso, está confundindo alguma coisa. Já imaginou
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se minha mãe escuta uma barbaridade dessas?
– Eu sempre soube que você era apaixonado por alguém. Por isso sabia
que não tinha chances, mas jamais poderia imaginar que fosse pelo Júlio.
Mas eu não te condeno, eu estou aqui para te apoiar. Você precisa aceitar o
que está acontecendo. Eu conheço muitos gays no curso de veterinária. E sei
que não há nada demais em... – Amanda nem conseguiu terminar e foi
interrompida por Reinaldo:
– Conhece muitos o quê?
– Gays. – ela reforçou.
– Você deve estar de brincadeira comigo, só pode ser. – Reinaldo não
acreditava no que ouvia.
– Você precisa aceitar que se apaixonou pelo seu melhor amigo, na
verdade você sempre o amou. Só percebeu isso agora, aceita o que está
acontecendo, isso vai te ajudar a parar com essa rebeldia. – Amanda falava
enquanto tentava segurar o amigo em um abraço, que ao mesmo tempo se
debatia e dizia:
– Eu não sou viado, não sou bicha, isso é nojento.
– Tá bom, tá bom, venha cá que vou lhe ouvir. E não vou te julgar, não
vou te ofender, apenas te ajudar. – Amanda disse e o amparou num abraço.
Reinaldo passou a chorar de forma copiosa, e desabafou:
– Eu não tive culpa, não consigo parar de pensar no Jota, não tem um
momento que eu não pense nele e quando o vejo minhas pernas tremem
inteiras. Eu estou ficando louco com isso.
Amanda ligou para casa e disse que ia dormir na casa do amigo, disse à
mãe dela que ele precisava de um ombro amigo. Mal conversaram sobre o
assunto após isso, mas ela o abraçou e ele chorou até dormir, ela passou a
noite abraçada a ele. Sabia que a partir dali a vida de Reinaldo iria mudar.
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CAPÍTULO 5
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A Viagem
Os dias se passaram, os meses se passaram. E chegou o final do ano.
Júlio via o amigo apenas no curso, há dias não se falavam. Mas isso iria
acabar, pois a família de ambos passava o réveillon na praia, na casa dos pais
de Reinaldo. Este relutou a ir, mas Sara fez questão que o filho fosse. Afinal,
iriam todos, a irmã mais velha, o irmão caçula e os pais. Rebeca, sua irmã, ia
com o namorado. Falando em namorado a mãe de Reinaldo perguntou:
– Por que você não leva a Amanda? Vocês têm ficado muito próximos
nos últimos meses, mais que amigos.
– Mãe, por favor, ela é minha amiga. Não comece. – retrucou Reinaldo.
– Eu sei que você quer “ficar", como vocês dizem. Mas filho, tem que
namorar sério também, é bom. E eu estou louca pra conhecer uma namorada.
Eu quero netos. Sua irmã, vai embora do país e já disse que nem em sonho
terá filhos. Você é minha última esperança. – disse Sara, como alguém que
não dava uma dica, mas sim, deixava claro o que desejava do filho.
– Eu vou subir pra arrumar minhas coisas antes que eu desista dessa
viagem idiota. – falou Reinaldo enquanto subia.
– Ainda bem que vamos viajar, esse curso estava te deixando
estressado. Ultimamente tem sido muito impaciente. Mas sei que tudo vai se
acertar. – Sara falou alto para se fazer ouvir, já que o filho havia subido e
muito provavelmente fechado a porta do quarto.
Chegando à praia, todos foram se acomodar. Reinaldo foi muito
simpático com os pais de Júlio, mas nem cumprimentou o amigo. Permanecia
com seu iPod no ouvido, para evitar qualquer som que viesse dele. Só de
pensar que ia passar quinze dias ali com ele, pra lá e pra cá, chegava lhe faltar
o ar.
No dia seguinte todos foram para a praia do outro lado da ilha.
Reinaldo disse que não iria, pois estava enjoado.
Na ilha, Júlio diz que depois do almoço iria para a casa. Os pais
concordam, afinal seria melhor que alguém fizesse companhia para Reinaldo.
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E assim, após almoçar, Júlio pegou seu carro e voltou para a casa. Com muita
sorte conseguiu atravessar de balsa, pois o tempo virou completamente e
apontou uma tempestade sem prévio aviso.
Júlio chegou a casa e viu que não havia ninguém, foi ao quarto de
Reinaldo para conferir se as coisas dele ainda estavam lá. Ufa, estavam, era
uma garantia que ele não havia ido embora. Ele queria muito se acertar com o
amigo. Nunca haviam brigado. Mas tentava imaginar onde o amigo estava, se
começasse a chover, pelo tempo que viria ele não teria como vir para casa.
Ao abrir a porta para sair, como num ato ensaiado, deu de cara com Reinaldo.
O desconforto de ambos era notado a quilômetros. Depois de alguns
segundos parados entre o batente da porta, Júlio quebrouo silêncio: – Já ia
sair pra te procurar.
– Já voltei, fique tranquilo. Eu não sou de açúcar. – Reinaldo respondeu
e atravessou porta adentro, quase a levar Júlio, se este não o fosse rápido o
bastante em sair da frente daquele furacão que se tornou Rei.
Júlio não sabia mais o que fazer para resgatar aquela amizade. Ele sentia um
buraco no peito.
A tempestade veio com toda sua força. Glória e José, pais de Júlio, Sara
e Ricardo, pais de Reinaldo, Renatinho e Rebeca, irmãos de Reinaldo, e o
namorado Carlos, por conta da tempestade, não puderam atravessar de volta
para a casa. Telefonaram e informaram que iriam se hospedar por lá, pois a
notícia era que a tempestade iria durar toda a noite.
Quando Júlio informou Reinaldo ele não pôde disfarçar a aflição:
– Mas está tudo bem? Você sabe o quanto eu odeio tempestades.
– Relaxa Rei. Eles vão ficar em um hotel muito seguro. Vou fazer um
baldão de pipoca com muuuuuita manteiga e vamos ver filmes. Vamos varar
a noite vendo filmes, como sempre fazíamos antes, é, deixe pra lá. Vou lá na
cozinha. Vê se não faz cocô nas calças até eu voltar, é só uma chuvinha. –
Júlio deixou a situação mais agradável.
Júlio fez muita pipoca e trouxe uma garrafa de 2 litros de refrigerante
para cada um, escolheu um filme e começaram a assistir.
No filme, o ator principal morria no dia do seu casamento, passou o
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filme todo tentando conquistar a mocinha e quando tudo parecia caminhar
para um final feliz, ele morre. Júlio, ao perceber o estado emocional de
Reinaldo, caçoou:
– Ah Rei, fala sério? Você está chorando? Para cara, nem era pra tudo
isso.
– Você não tem nenhum coração cara, nossa, olha que coisa mais
trágica. – falou Reinaldo entre soluços.
Júlio foi caçoar ainda mais do amigo, mas viu que ele realmente havia se
emocionado com o filme, e disse: – Cara, eu senti falta desse seu jeito mais
sensível, que me faz enxergar o mundo de uma forma mais bacana. Você
disse que nunca ia me abandonar e não tem cumprido essa promessa.
– Poxa Jota, desculpa cara, é que, é que, bom, tem sido meio puxado
esses dias. – tentou arrumar uma desculpa esfarrapada.
Mas Júlio nem fez questão de ouvir as desculpas: – Esquece, vamos ser os
amigos que sempre fomos. Vem aqui me dar um abraço.
Ao abraçar Júlio, Reinaldo não conteve a emoção e caiu em prantos.
Nesse momento, ambos se emocionaram. Um filme de toda a infância e
adolescência acometeu a mente deles e puderam lembrar cada momento que
passaram juntos e o que fez essa amizade chegar tão longe.
Júlio foi enxugar o rosto do amigo, nesse momento notou o quanto o
queria bem, o quanto ele era presente e especial em sua vida, o quanto aquele
garoto representava para ele. Sem pensar no que o dominou, ele o tomou em
seus braços e o beijou nos lábios. Um beijo com sede, faminto, parecia uma
fome de muitos anos. Parou, olhou espantado para o amigo e disse:
– Nossa Rei, eu não sei o que aconteceu, eu...
– Cala a boca e não para, cara. – Reinaldo o interrompeu e retribuiu o
gesto.
Beijaram-se por muito tempo. Quando perceberam estavam sem
camisa, arrancaram um a roupa do outro sem o menor pudor. Naquele
momento não havia pensamento em ser gay, hétero, ou o que quer que fosse.
Eram apenas duas pessoas com muita vontade de se amarem. Até que
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Reinaldo parou e disse:
– Para, para. Isso não tá certo. Somos amigos. E eu nunca tive relação
com ninguém, você sabe.
– Errado ou não, eu quero você, não me faça perguntas, não me fale de
moral. Esses dias todos eu só pensei que você é uma das coisas mais
importantes e constantes na minha vida. E eu, eu, eu te amo como nunca amei
ninguém. – Júlio desabafou como alguém que carregava algo muito pesado
nas costas e podia se livrar de tal peso.
Os dois se amaram por toda a noite. E foi um amor muito intenso e
novo, para ambos.
Ao amanhecer, estavam deitados e abraçados. Era um momento que os
dois corpos se uniam como apenas um, um enlace, como uma sinfonia em
perfeita harmonia. Mas a orquestra perdeu totalmente o tom e saiu
completamente do compasso, de forma ensurdecedora, ao ouvirem a porta da
sala bater. Júlio se desesperou: – Ai caramba, que loucura é essa. Vai por
uma roupa Rei. Eles chegaram.
– Como assim? Quem Chegou? – Reinaldo ainda confuso.
– Crianças? Vocês já acordaram? Viemos para tomar café da manhã
com vocês. – a voz de Glória, mãe de Júlio, estrondava no andar de baixo.
Ambos estavam nus, quando Júlio correu para sair daquele quarto e
correr para o que estava hospedado, a porta do quarto se abre:
– Você tá “peiado”. – era Renatinho, tinha apenas 4 anos, mas já era
muito esperto.
– Ah-é-que, é que, o tio vai tomar banho. Desce lá pra cozinha que já
vamos todos tomar café.
Reinaldo enfiou a cara no travesseiro, com muito alívio, como um
condenado no momento do fuzilamento, mas as armas falham. Ao menos
dessa vez se livrara da morte, foi o que imaginou. Por que poderia ser outro
integrante da família a ter entrado naquele momento.
Depois de alguns minutos, eles desceram. O mal estar era notável. Mal
conseguiam olhar um para o outro. Até que Ricardo diz:
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– Parou a putaria?
– Que isso pai? – se espantou Reinaldo.
– Eu vi aquelas roupas jogadas pela sala, você não tem vergonha? –
Agora o pai foi incisivo.
Agora era hora de correr, de se esconder, de morrer. Agora seria
impossível escapar do fuzilamento. E Júlio tenta se explicar:
– Eu não sei nem o que dizer Sr. Ricardo. Mas a culpa não foi só do
Rei...
E foi imediatamente interrompido por Ricardo:
– Não importa de quem foi a culpa, não é porque vocês dois se
acertaram que vão poder ir à praia e largar toda a roupa jogada pela casa.
Hoje realmente as armas não iriam disparar, mais uma vez escaparam
de uma situação a qual não saberiam como sair. Um olhava para o outro, num
misto de culpa e alívio. E Ricardo continuou: – Não adianta fazerem essas
caras. Todos nós reparamos que vocês dois mal estavam se falando e ficamos
muito felizes que voltaram as boas. Vamos comer que eu estou faminto.
Essas mulheres nem nos deixaram tomar café com saudade dessas duas
crianças bagunceiras.
Todos comeram, riram e ninguém notou o constrangimento de Júlio e
Ricardo. Após o café todos foram à praia e passaram o dia por lá. Ao final da
tarde a família voltou para a casa.
Os jovens, Rebeca, o namorado Carlos, Júlio e Reinaldo, se arrumaram
e foram para um quiosque na orla da praia. Ao chegarem lá pediram suas
bebidas e permaneceram por um tempo até que Júlio disse:
– Rei, vamos dar uma volta?
– Vamos pra onde? –respondeu Reinaldo muito sem jeito.
– Você não quer ficar segurando vela, não é mesmo? Levante e vamos.
“Será que ele nem ligou para o que aconteceu? Será que eu delirei?
Não é possível. Ainda sinto o gosto do beijo e o calor do corpo dele.”
Pensava Reinaldo enquanto se levantava.
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Andavam pela praia, Júlio foi conduzindo a caminhada. Caminhavam
em silêncio, mas era um silêncio bom, era como se a presença do outro já
estivesse o suficiente. Quando Reinaldo percebeu, estavam longe do
quiosque. Aliás, estavam bem afastados e já estava bem escuro. Júlio
aproveitou, o tomou em seus braços e o beijou.
– Tá maluco, alguém pode nos ver. – mesmo com espanto, Reinaldo
bem gostou.
– Não me pergunte o que está acontecendo. Se eu não te beijasse agora
eu ia perder o ar, parar de respirar, meu coração iria parar de bater. Eu não
me importo com mais nada, eu preciso viver isso com você, nunca senti nada
igual. – falou Júlio olhando no fundo dos olhos do amigo.
Era difícil para Reinaldo resistir àqueles olhos verdes, aquela pele
branca e ao mesmo tempo bronzeada, ao sorriso de um cara tão bonito. Mais
que isso, ele sabia que agora não teria pra onde fugir, Júlio seria seu grande
amor.
Amaram-se novamente, ali mesmo, no meio da areia e das ondas. A
praia estava praticamente deserta, ao menos o ponto em que estavam.
Contemplaram seus corpos sob a luz do luar, a brisa leveque acariciava seus
corpos, era uma refrescância diante do calor que um corpo produzia sobre o
outro. Eram dois apaixonados descobrindo o significado da palavra amor.
– Como vamos entrar no carro molhados desse jeito? – se preocupou
Reinaldo.
– Vamos andar um pouco, aí dá pra secar as roupas. – Júlio sempre
despreocupado.
Assim que voltaram para o carro, Júlio percebeu a inquietação de
Reinaldo:
– O que foi agora Rei?
– O que está acontecendo conosco? – falou Reinaldo, sem conseguir
impedir a lágrima que escorreu em seu rosto.
Júlio a enxugou, e disse: – Eu não sei, só sei que nunca me senti tão
vivo e feliz.
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– Mas e quando voltarmos? O que vai ser? É só uma brincadeira de
praia? O que vai dizer pra Fernanda? Que agora virou viado? E nossos pais?
– Reinaldo estava realmente incomodado e confuso.
– Dane-se o que sou ou serei. Assim que voltar eu vou terminar com a
Fernanda e depois veremos o que fazer com nossos pais, um passo de cada
vez. – Júlio falava muito seguro.
– Há algum tempo você ficou louco só em pensar que eu te beijei e
agora você quer levar uma vida comigo. Tá achando o quê, que seremos
namorados? – Reinaldo falou em tom negativo, mas a vontade que tinha era
de fugir naquele mesmo momento com Júlio.
Júlio já o havia agredido por conta dessa “coisa”, e se agora ele só
estivesse experimentando para não perder a amizade dele e tudo isso não
passasse de uma situação passageira? Ele estava muito confuso e muito
apreensivo, sabia o que queria, mas não tinha certeza do que Júlio queria.
Mas Júlio logo rebateu, o pegando pelo braço: – Seremos não. Eu sou, tá
achando o quê? Que será uma ficada? Você é meu agora e não vai fazer igual
fazia com as menininhas da escola, que pegava várias e estava tudo certo.
Agora você é meu e eu, eu te amo!
Reinaldo não resistiu e beijou Júlio ali mesmo. Umas meninas
passavam e viram a cena. Pela expressão tinham visto algo de outro planeta.
Júlio se manifestou:
– O que foi? Nunca viram um cara beijando seu namorado?
Elas disfarçaram e ele acelerou o carro. Reinaldo queimava de orgulho
por dentro. Voltaram pra casa. Todos estavam indo deitar, Rebeca e Carlos
também já haviam voltado. Os dois comeram algo e em seguida subiram.
Durante a noite, Júlio invadiu o quarto de Reinaldo e o beijou por muito
tempo, depois voltou para o seu quarto. E assim foi durante os outros dias.
Eles sempre davam um jeito de se beijarem ou se amarem em algum lugar na
redondeza ou escondidos pela casa. Quase foram pegos em várias ocasiões e
isso os excitava ainda mais. Na virada de ano todos se abraçavam no deck
que dava acesso do quintal até uma praia, praticamente particular, que havia
nos fundos da casa. Quando Júlio abraçou Reinaldo não resistiu e o beijou
rapidamente, ninguém havia percebido, sem falar em Sara, que reparou na
cena, mas preferiu pensar que fosse algo de amigos, tempos modernos.
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CAPÍTULO 6
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De volta pra casa
Aquela viagem foi um sonho de amor. Ao chegarem em casa, Júlio
havia se comprometido em falar com Fernanda e terminar tudo. Ele evitou
encontrar a namorada por uma semana, mas não teve jeito, ela ligou e disse
que precisavam conversar. Ele finalmente tomou coragem e marcou o
encontro. Se encontraram na lanchonete que costumavam frequentar.
– Oi Fernanda, precisamos conversar. – falou Júlio em tom muito sério.
– Eu sei, precisamos mesmo. Como você volta de viajem e nem me
procura? – falou Fernanda visivelmente abatida.
– Me desculpe, foi a correria, mas estamos aqui e vamos acertar as
coisas de vez. Mas o que houve? Você não está bem. Está? – se preocupou
Júlio.
– Fora que até agora você nem me deu um beijo sequer, eu não sei se
estou bem. Só sei que estou grávida. – disparou Fernanda.
Júlio não conseguia acreditar no que ouvia. De repente, um buraco
abriu sobre seus pés e ele caía sem parar. A sensação de tudo desmoronar foi
inexplicável.
– Diz alguma coisa. Eu não sei o que fazer. – gritou Fernanda.
Com o nervosismo, a fala de Júlio saiu sem controle algum:
– Eu, eu ia terminar com você.
– Como é? Eu digo que estou grávida de um filho seu e você diz que
quer terminar. – Se espantou Fernanda.
– Não é isso. Quer dizer, não é por isso. – Júlio tentava se explicar, em
vão.
– Eu não posso acreditar no que estou ouvindo, não sabia que você era
esse crápula. – Fernanda se descontrolou e saiu correndo da lanchonete.
Júlio foi atrás dela e a segurou dizendo: – Calma, por favor, tenha
calma. Eu disse que tinha que falar com você, mas agora tudo muda de
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figura. Vamos ter esse bebê, só me deixa assimilar o que aconteceu.
Júlio levou Fernanda pra casa e pediu que ela ainda não falasse com
seus pais, ele gostaria de estar presente. Foi para casa, desnorteado. Sabia que
seus pais, como religiosos que eram iriam exigir um casamento imediato. No
caminho mudou o rumo e foi para a casa de Reinaldo. Chegando lá, quem
abriu foi Rebeca, ele entrou sem falar nada.
– Boa tarde pra você também. As pessoas já foram mais educadas. –
falou Rebecca com ironia.
Júlio foi direto para o quarto de Reinaldo. Entrou e pôs-se a chorar.
– O que houve? Falou com a Fernanda? Por isso está assim? Não
conseguiu terminar? Diz alguma coisa? – Reinaldo tentava entender.
Júlio depositou a mão sobre o rosto de Reinaldo e disse:
– Ela está grávida. O que eu faço?
Reinaldo perdeu o ar. Sabia o que aquilo significava para a família de
Júlio. O casamento era algo inevitável. Assim como um relacionamento entre
os dois seria algo inaceitável, mas até então, dariam um jeito, se mudariam,
iriam morar juntos enquanto estudavam medicina e esconderiam esse amor
da família. Mas agora tudo mudara. A mesa virou, e ele estava embaixo dela,
esmagado. Só conseguiu dizer: – Sei o que precisa ser feito, e eu não vou
atrapalhar a sua vida, nem da sua família e menos ainda dessa criança. Vá
embora e não podemos nos ver mais.
– Enlouqueceu? Eu quero que você esteja comigo. – chorava Júlio.
– Vai Jota, vai embora. Não podemos mais ficar juntos. Acabou. –
finalizou Reinaldo enquanto abria a porta.
Júlio fechou a porta, sem sair do quarto e disse:
– Eu não vou ficar sem você.
Os dois se abraçaram e choraram muito. Até que Sara, ao ouvir o choro
entrou no quarto do filho: – O que está havendo? – quando viu que Reinaldo
não estava sozinho se desculpou – Nossa, me desculpem, não sabia que você
estava aqui Julinho. Posso ajudar em algo?
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– Não Sara, obrigado. – respondeu Júlio, enquanto enxugava o rosto e
se retirava.
Agora ela sabia que algo estava acontecendo com os dois. Mas o quê?
Não poderia mais ficar no escuro. E questionou:
– Filho, por que vocês estão nesse estado? Por que o Júlio saiu daqui
nesse desespero? Vocês estão doentes?
– Nossa mãe! Não viaja! Aconteceu uma coisa que não adianta eu
esconder, daqui a pouco todos vão saber mesmo. – Reinaldo fez uma pausa e
continuou – A Fernanda está grávida, o Jota será pai.
– Meu Deus, a Glória vai pirar. Logo agora que vocês iam receber o
resultado do vestibular. Ele vai perder os estudos, meu pai do céu, ilumina o
caminho desses dois jovens. Pais tão cedo. Mas por que você está assim? Por
que chora desse jeito?
– Ah mãe, sei lá, agora não vamos mais estudar juntos. – explicou
Reinaldo sem muita convicção.
– Tem certeza que é só isso? Vocês não passaram da amizade? –
perguntou Sara, sem rodeio.
– Mãe! Para com essas coisas, que coisa mais sem sentido. – Reinaldo
tremia.
– Olha pra mim filho.
– Mãe para. – Reinaldo tentava fugir daquela situação.
Sara prosseguiu com os olhos em lágrimas: – Olha nos meus olhos e
diz o que sente pelo Júlio.
Reinaldo ia explodir naquele momento. Saiu correndo corredor afora e
gritou:
– Não enche mãe!
Nunca tinha tido aquele tipo de atitude. Saiu de casa e se colocou rumo
à casa de Amanda. Chegando lá, a amiga vendo seu estado o levou parao
quarto. Ele contou tudo a ela, agora era inevitável pensar que seu caso de
amor passou como um cometa e ele nem pôde vislumbrar esse momento
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como gostaria. Acabou.
Júlio foi pra casa e convocou os pais. Ambos estavam apreensivos,
perceberam o estado do filho. O que ele queria falar? O que estava havendo?
O único jeito era ouvi-lo. Eles aguardavam em silêncio enquanto Júlio, nesse
momento mudo, com os braços sobre as pernas, cabeça baixa, respiração
ofegante e num silêncio ensurdecedor, tomava coragem para contar o motivo
de toda sua aflição.
– Pai e mãe, eu sou um irresponsável. – disse Júlio.
– O que houve meu filho. Você é o garoto mais responsável que
conheço, juntamente com o Reinaldo é claro. – disse o pai, José.
– Mãe eu sei o quanto vai ser complicado, mas eu não amo a Fernanda
e não posso me casar com ela. Não quero entrar num casamento sem
amor. Vocês são de muita fé, mas me mostraram que o amor constrói
uma família. – Júlio falava, agora em meio as lágrimas.
– Julinho, você não vai se casar com ninguém. Você vai pra faculdade,
vai se formar e ser um grande cirurgião. O que foi? Essa menina não quer te
deixar estudar? Tá fazendo charme? Deixe que eu falo com ela. – falou
Glória, na tentativa de entender o que estava acontecendo.
– Deixe eu terminar. – pediu Júlio e continuou – a Fernanda está
grávida.
O olhar de espanto dos pais foi imediato e em conjunto, parecia uma
coreografia. José disse: – Você está me dizendo que vai deixar uma moça
criar o filho dela sozinha sem formar uma família. Isso não é bem visto aos
olhos de Deus.
– Pai eu não vou deixá-la sozinha. Simplesmente não posso me casar,
mas quero dar todo o meu apoio e me fazer presente.
A discussão durou por mais de uma hora, Glória chorava
compulsivamente. José estava muito bravo e contrariado. Não criou filho
para fugir de responsabilidade alguma. Se fora homem de conceber um filho,
que fosse homem de assumir essa família.
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CAPÍTULO 7
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A verdade
Mais uns dias se passaram e Júlio não tocou mais no assunto com seus
pais. Não procurou Fernanda e as tentativas de falar com Reinaldo foram em
vão, ele não o atendia.
Na casa de Reinaldo as coisas estavam bem ruins, o garoto não saía do
quarto. Só falava com Amanda, e por telefone, não queria ver ninguém. Até
que Sara invadiu o quarto, mesmo contra a vontade do filho sobre sua
permanência e falou:
– Eu preciso saber o que está acontecendo. Não me importa se você não
me quer aqui. Você vai ficar doente, por favor, reaja. Tudo vai ficar bem,
você irá conhecer outros amigos como o Júlio.
Nesse momento o pranto de Reinaldo se intensificou. E ele disse:
– Não mãe eu não vou achar ninguém igual ao Jota, nunca mais.
Acabou.
– O que acabou meu filho, me diz. Eu preciso saber. – falou Sara
enquanto chacoalhava o filho.
– Eu o amo mãe, eu amo o Jota. Eu quero passar o resto da minha vida
com ele. – Declarou Reinaldo sem conter as lágrimas.
Sara, por sua vez não disse nada. Apenas se sentou sobre a cama do
filho, o tomou em seus braços e o aconchegou. Sabia que agora tudo iria
mudar e que independente de qualquer coisa não poderia virar as costas para
o seu filho. Sabia que muitos já iriam fazer isso, ela não, ela iria até o fim por
ele e com ele.
Reinaldo olhou para a mãe, já mais calmo a indagou:
– Você não vai dizer nada?
– Eu já imaginava. Depois de um beijo que vi no ano novo e dos
olhares que trocavam na praia. Só me perguntava, quando iria me contar. Eu
não vou julgá-lo meu filho. Eu o criei muito bem pra saber que você sabe
bem escolher seus caminhos. E se é assim que será feliz, eu estarei aqui. Mas,
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o que me preocupa agora é essa situação. O que será de você no meio disso
tudo? E a Glória não será tão flexível quanto eu, sem falar no José e em seu
pai. – disse Sara com aquele tom de voz maternal que ela sempre tinha.
– Ah mãe! – falou Reinaldo enquanto a abraçava ainda mais.
Se havia algum lugar seguro naquele momento, Reinaldo sabia que
estava nele. Os braços de sua mãe eram como uma rocha, uma proteção,
como se naquele instante nada pudesse entrar ou atingi-lo. Ele conseguira se
acalmar e finalmente adormecer.
Naquele dia nublado, assim como seus pensamentos, Júlio foi ao encontro de
Fernanda, tinha que resolver aquela situação de uma vez por todas. Ao chegar
em frente a casa de Fernanda, a viu sentada frente à porta e estranhou:
– O que faz aqui fora? Aconteceu algo?
– Eu tive que falar para minha mãe. Ela disse que eu sou a decepção da
vida dela. – Fernanda praticamente sussurrou, não tinha mais lágrimas para
chorar.
– Eu nem sei o que dizer. Seus pais estão em casa? – perguntou Júlio.
– Estão sim, mas não sei se quero falar com meu pai. Temos que
decidir muita coisa, o casamento, onde iremos morar e outras que nem
consigo pensar.
– Fezoca, quer dizer, Fernanda, eu vim falar com o seu pai porque vou
honrar o meu papel de homem, mas não vou me casar. Eu vou entrar pra
faculdade, eu me mudo em breve para São Paulo. Virei pra Atibaia sempre,
mas nosso caso vamos ver como fica. Não posso me casar por conta de uma
criança, tenho que viver com a pessoa certa. – Júlio respondeu firme, mas
docemente.
– Então veio aqui para dizer aos meus pais que vai criar meu filho, mas
vai me largar? É isso? Você só quis me usar? – Fernanda se indignava.
– Você sabe que não é bem assim. Não fizemos nada que você não
quisesse. Somos adultos e jovens, nossa vida só está começando pra casarmos
agora. Venha, vamos falar com eles. – agora Júlio falou mais firme e com ar
de ofendido.
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Eles entraram na casa. A mãe de Fernanda estava com uma cara de
poucos amigos, ao ver Júlio tinha a sensação de ver um criminoso, que
acabou com a pureza de sua criança. O pai estava na sala, vendo o Jornal
Nacional. A mãe pediu que esperasse acabar o jornal, ele não gostava de ser
interrompido naquele momento. Assim que acabou o telejornal, a mãe de
Fernanda foi com o casal até a sala e informou que eles tinham algo pra
conversar com eles. Júlio já estava impaciente e foi logo ao assunto: – Boa
noite Sr. Ismael. Eu acredito que o senhor saiba que sua filha e eu estávamos
juntos?
– Finalmente tomou vergonha e veio pedi-la em namoro. Gostei disso.
– se precipitou Ismael.
– É melhor ouvir o que esse aí tem pra falar. – falou a mãe de Fernanda,
com tom arrogante.
Ismael percebeu, pelo tom da esposa que o assunto era sério e, como a
querer se interar mais sobre o assunto, pôs o corpo para frente, a mão no
queixo e o braço apoiado sobre o joelho. Júlio olhou para a mãe da moça,
queria fuzilá-la, mas se conteve e prosseguiu:
– Eu vim aqui para assumir minha responsabilidade, mas não a de
namorar com sua filha e sim de vir, de peito aberto, e dizer que eu serei o pai
do filho que ela espera.
– Vocês só podem estar brincando comigo. Isso é algum tipo de piada?
– Ismael estava nervoso.
– Não pai, não é não. Me perdoe. – Fernanda chorava.
– O que você fez com a minha menina seu moleque? – Ismael levantou
e foi em direção a Júlio.
– Ei, eu não fiz nada sozinho. Acredito que o senhor sabe exatamente
como isso funciona. Não é assim que iremos resolver nada. – Júlio
respondeu.
– Eu poderia matar você. Mas você vai reparar esse mal e vai se casar
com minha filha. – gritava Ismael.
– Eu não vou casar com ninguém, vamos tocar a nossa vida e um filho
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não vai fazer eu me casar, mas não vou deixar de arcar com minhas
responsabilidades ou deixar de cumprir o meu papel como pai. – Júlio
também aumentou o tom de voz.
A mãe de Fernanda pegou o rapaz e pediu que ele saísse. Assim que o
marido se acalmasse ele voltaria, um outro dia, claro. Fernanda subiu para o
quarto debaixo das discussões dos pais e as acusações de Ismael, que dizia
que a mãe era a culpada por não ensinar valor para a filha.
Júlio saiusem rumo. Quando notou estava olhando para a janela do quarto de
Reinaldo. O mundo estava desmoronando sobre sua cabeça e ele não sabia
pra onde correr, nem um capacete de obras sequer, para se defender. Tocou a
campainha e em seguida convidado a entrar por Ricardo, que apenas o
cumprimentou e disse que o filho estava lá em cima.
Como era de casa, Júlio subiu. Foi ao quarto de Reinaldo, entrou, se
sentou na cama e o acordou com um beijo nos lábios.
– O que está fazendo aqui? – se assustou Reinaldo – Vá embora.
– Eu não vou. E você também não vai sair da minha vida, porque eu te
amo. Está vendo isso aqui? – falava Júlio, enquanto retirava algo do bolso
que parecia um envelope – é a nossa aprovação para o vestibular. Passamos
Dr. Rei!
– Caramba, deixa-me ver isso aqui. – Reinaldo ficou empolgado – Mas
e a sua situação?
– Eu já falei com os pais da Fernanda, não vou me casar. Não com ela.
– falou Júlio com uma cara de menino levado.
– Tá louco, casar. – Retrucou Reinaldo, mas o coração palpitava como
da primeira vez que se beijaram.
– Por quê? Acha que vai me enrolar é? Vamos viver nossa história de
amor. – Júlio falou e agarrou o amado.
De repente, Sara entra pela porta e grita, com mesma velocidade que se
assustou, fechou a porta por dentro e disse:
– Estão ficando doidos? E se fosse o Ricardo? Ou o Renatinho? Ou
qualquer outra pessoa.
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– Eu posso explicar tudo Sara. – Júlio estava pálido.
– Não precisa, ela já sabe de tudo. – falou Reinaldo.
Júlio se surpreendeu: – E tudo bem? Não vai falar nada? Não vai querer
nos matar?
Ela concluiu enquanto saía: – Vou querer te matar sim, se fizer o meu
filho sofrer de novo viu Julinho, há dias eu não via meu filho sorrindo. E
vocês têm dez minutos antes de descerem para o jantar.
Sara era uma mulher muito desencanada e sem falsos moralismos, se
casou cedo, por amor, e constituiu uma linda família. Assimilou muito bem a
relação do filho com sua sexualidade recém descoberta, além de saber que
Júlio era um bom rapaz e o tinha como um filho. Por que não? O que a
impediria de compreender aquela situação? As pessoas? Que na primeira
dificuldade abandonam você em qualquer buraco? Não, ela era mais evoluída
que isso, a felicidade do filho era primordial.
O jantar foi recheado de novidades. Júlio falou sobre o filho, que
deixou todos, os que não sabiam, em certo estado de choque, o que passou
logo com a outra notícia, e aprovação de ambos para a faculdade. Ricardo
não se cabia de felicidade em saber que teria um filho doutor e disparou com
todo o orgulho:
– Meu Deus! Estou muito feliz pelos dois. Eu quero saber como vão
ficar vocês dois?
Naquele momento, parecia que tinham pulado de um precipício,
tamanho era o frio na barriga. Sara lutou contra a comida que engasgou e
disse:
– Cof cof, rum rum. Como assim do que você está falando?
– Ué, eles vão ficar onde em São Paulo? – Ricardo respondeu com uma
pergunta, sem nem perceber o nervosismo da esposa.
– Nossa, nem pensamos nisso Sr. Ricardo. O jeito vai ser alugar uma
casa ou apartamento. Não sei mesmo. – Júlio respondeu naturalmente, mas
aliviado pelo rumo do assunto.
– Pois bem, vamos na semana que vem para São Paulo, comprar
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móveis. – Ricardo disse, pousando o garfo sobre a boca, como se fizesse uma
graça para não deixar escapar um segredo.
– Pai como eles vão comprar móveis sem saber se vão caber na casa
que irão alugar? – Rebeca se envolveu.
– Filha, quando você passou em psicologia eu te dei um carro. O
Reinaldo não pode dirigir ainda, mas o Júlio tem carro, então, então... –
Ricardo fazia um suspense – como eu acredito muito no potencial do filho
que tenho, eu tomei a liberdade e comprei um apartamento do lado da
faculdade e vocês dois vão poder ficar lá e dividirem o seu apartamento, meu
filho!
A alegria foi geral, era uma noite de comemorar, nem parecia que Júlio
havia passado por aquele estresse há poucas hora.
Terminaram o jantar, comeram a sobremesa e Rebeca ajudou Sara a
retirar a mesa. Sussurrando, falou com a mãe:
– Mãe, você viu o Júlio pegando na mão do Reinaldo?
– Ah filha, eles estão felizes, deixe os meninos. – falou Sara, tentando
mostrar naturalidade.
– Ah, mas que é estranho é, eu não sei não, esses dois. Se bem que o
Júlio vai ser pai. – insistia Rebeca.
Sara logo cortou o assunto: – Filha, vamos parar de maldar as coisas.
Venha e me ajude com isso.
Sara sabia que essa situação iria acontecer com maior frequência, que
logo teria que revelar o que estava acontecendo ao marido. Não se sentia bem
em mentir para ele. Mas por enquanto não estava mentindo, apenas omitindo,
era assim que se justificava para seu inconsciente.
Júlio e Reinaldo foram andar pelo condomínio. Caminhavam, conversavam e
faziam vários planos. Ambos tinham o sonho de serem sócios em uma clínica
de cirurgia plástica e falavam sobre planos a longo prazo. Mas logo
começaram a trocar olhares mais amorosos. Júlio olhou para os lados e, como
não viu ninguém se aproximando, beijou o amado. E disse: – Estou com
saudade do seu corpo.
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Quando de repente, Reinaldo olha espantado. Alguém se aproximava.
– Vocês dois estão malucos, não é mesmo? – era Amanda – E se fosse
outra pessoa?
– Ué, você sabe? – espantou-se Júlio.
– Acho que eu sabia antes de vocês, só não queria aceitar. Tomem
cuidado. Boa noite pombinhos! Eu vou dormir e sonhar com o dia em que
meu príncipe vai me beijar. E não é o Reinaldo, fique tranquilo Júlio. Beijos.
Enquanto ela se afastava, Reinaldo disse: – Tá vendo só seu maluco. Já
pensou se fossem seus pais ou a Fernanda?
– Eu quero gritar para o mundo que eu te amo meu anjo. Meu rei anjo.
– Júlio gritava de felicidade.
Reinaldo tentou calar o namorado, mas ele resistiu e disse:
– Quer me calar? Me cale com um beijo!
Não resistindo ao charme do amado, ele o beijou. Agora alguém, que
ouviu a conversa, os observava escondido. Até que deu um salto entre os dois
e gritou: – É por isso que você quer terminar comigo, seu gay?
– Fernanda! – ambos se espantaram.
– Você é uma bicha? Eu vou ter um filho de um viado? E você
Reinaldo, só podia, sempre teve inveja de mim, agora vai fazer o que? Se
vestir de mulher também? Vocês são duas aberrações! – Fernanda gritava e
ao terminar de falar não se conteve e voou pra cima de Reinaldo.
Reinaldo tentava a todo custo segurá-la, mas ela o agarrou com as
unhas. Júlio tentou segurá-la e ela gritava muito a ponto de chamar a atenção
de muitos vizinhos: – Seu viado! Viado filho da puta! Eu vou te matar. Ai ai
ai ai, que dor.
Fernanda só parou quando sentiu fortes dores. Não havia sido golpeada,
mas segurava o ventre e gritava muito. Júlio gritou:
– O bebê! Fernanda, se acalme.
Quando viu Fernanda colocar uma das mãos entre as penas e voltar
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com ela suja de sangue, Júlio foi correndo até seu carro e o parou quase em
cima de Reinaldo e Fernanda. Reinaldo, de imediato, a colocou no banco de
trás e eles voaram até o hospital.
Depois de um tempo, os pais dos três chegaram ao local. Sara só
conseguiu entender que estavam no hospital. O que realmente havia
acontecido, seu cérebro não conseguiu assimilar devido ao nervosismo.
Chamou os outros pais e foram direto para lá.
– Nossa meninos! Que bom que estão bem. Teve gente que disse que
foi um atropelamento. Esses vizinhos aumentam muito. – José, o pai de Júlio
tentava entender – mas o que houve? Por que ela estava te xingando daquele
jeito meu filho?
Júlio não conseguia responder, sabia que poderia perder seu filho.
Reinaldo interveio: – É que o Jota falou que ia terminar com a Fernanda e ela
não reagiu muito bem.
– Se a minha filha morrer eu acabo com você, seu moleque. –
esbravejou Ismael.
– Se os senhores não se acalmarem, terão que se retirar. Isso aqui é um
hospital, por favor. – uma enfermeira chamou a atenção de todos.
As famílias foram cada uma para um canto. Ao perceber que Reinaldo
estava todo machucado, Sara desconfioudo que havia acontecido. Tratou
logo de tirar seu casaco e colocá-lo no filho.
O inevitável aconteceu, os pais de Fernanda informaram que ela havia
perdido a criança. Ela estava bem, em se tratando de sua saúde. Júlio ficou
inconsolável. Sentiu uma culpa sem tamanho. Queria ver Fernanda, mas os
pais da garota não permitiram.
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CAPÍTULO 8
 
A Intolerância
 
Passaram-se os dias e chegou o momento de irem para a faculdade.
Júlio havia decidido largar tudo, disse que não tinha cabeça para estudar.
Reinaldo tentou convencê-lo, mas ele nem quis falar com o namorado. Aliás,
Reinaldo nem sabia mais o que seria dos dois.
Reinaldo estava sozinho naquela cidade imensa. Muitas pessoas
circulavam pela faculdade e pela redondeza, mas ainda assim se sentia
solitário. Nada valia a pena sem ter aquele com quem planejou tudo aquilo. Já
Júlio, estava em Atibaia, a tristeza tomava conta dele. Ele sentia que matara
aquela criança e ainda perdera seu grande amor.
– Filho, você precisa sair desse quarto. Tem alguém lá embaixo. – disse
Glória em tom de súplica.
– Não quero ver ninguém mamãe. – respondeu o rapaz sem sair
debaixo das cobertas.
– Ela não veio te ver, ela veio ver a mim e ao seu pai. Está falando
barbaridades.
– Quem mamãe? – Júlio perguntou.
– A sua ex-namorada.
Como um raio que atinge o solo, Júlio se fez presente na sala de sua
casa. Chegou tão rápido que nem saberia explicar como deu tempo de passar
aquele filme em sua cabeça, a imagem de Fernanda falando para seu pai e sua
mãe, da pior maneira possível, como ele vinha se relacionando com o amigo
de infância.
– É isso mesmo Sr. José, o seu filho não assumiu meu filho porque ele
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é um gay. – falava Fernanda.
Ao ver que o filho chegara, José o indagou: – Do que essa menina está
falando, meu filho?
– Ela não sabe o que está dizendo pai. Não dê ouvidos pra ela.
– Eu estou mentindo? Pergunte a ele, anda, pergunte? – Fernanda
provocava José.
– Menina, é melhor você ir embora, já falou tudo que queria. Agora vá.
– ordenou Glória.
José começou a tremer, não sabia se de raiva ou de nervoso. Foi
categórico ao perguntar: – Júlio, olhe para o seu pai e explique o que essa
maluca está inventando. Diga que você não é um pederasta.
– Pai, eu não posso. – Júlio não conteve as lágrimas.
– Não pode? O quê? – José tremia muito.
– Eu não posso mentir, eu amo o Reinaldo. – confessou Júlio.
Glória se atirou ao chão em prantos, não podia acreditar no que estava
acontecendo. Seu filho, saindo com outro homem, um que era praticamente
seu irmão.
– Como é que é? Você gosta de dar seu, seu... – José gritava enquanto
erguia a mão em direção ao filho.
– Nãaaaaaaaaaaaooooo, você não vai bater nele. Nunca fizemos isso. –
interveio Glória.
– Pai, não importa o que eu faço ou deixo de fazer. Eu ainda sou seu
filho. – Júlio tentava suplicar por compreensão.
José, mesmo com a súplica de Glória, a empurrou na parede e acertou o
rosto de Júlio com a mão fechada.
– Eu não tenho filho pederasta. Você quer arder no inferno? Está vendo
mulher, se tivéssemos dado algumas surras ele não ia ser isso. – José falou e
caiu de joelhos no chão, mas ainda assim continuou a berrar quando Júlio
tentou ajudá-lo – não encosta em mim. Sai da minha casa seu imundo.
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Saaaaaaiiiiiiii!
Júlio pegou sua carteira, as chaves e correu dali. Não sabia para onde ir,
como num impulso foi para a casa de Reinaldo. Só ao tocar a campainha se
deu conta que o amado já não vivia mais ali. E agora? Ao se retirar, foi
surpreendido por Sara:
– Julinho, o que houve?
– Sara, aquela maluca acabou comigo. – Júlio estava se sentindo
perdido.
– Venha, entre, vamos lá pra cima.
Sara o convidou para entrar e, ao ver que o marido ia perguntar algo,
provavelmente o que estava havendo, ela fez um sinal com a mão e disse com
o olhar para que ele permanecesse onde estava. Ao entrar no quarto de
Reinaldo com Júlio, queria saber o que estava acontecendo. Júlio desabafou:
– O meu pai me colocou pra fora de casa. Me disse coisas terríveis, me
bateu. Tudo porque a Fernanda foi lá e falou tudo.
– Tudo o quê? – Sara ficou preocupada.
– Tudo sobre o Rei e eu, do jeito dela, mas tudo. – disse Júlio,
cabisbaixo.
Sara realmente não compreendia como pode um pai fazer isso com o
próprio filho. Afinal, ele era um bom rapaz, um bom aluno, responsável,
saudável, de ótimo caráter, mas a vergonha pela orientação do amor dele
falava mais alto? Ela iria resolver essa situação. Mas não hoje, hoje todos
precisavam esfriar os ânimos. Pediu que Júlio dormisse ali, afinal, amanhã
seria outro dia.
Assim que amanheceu, Sara foi à casa dos Ferreira, família de Júlio.
Foi recebida por Glória, aparentemente, muito abatida. A sua maior surpresa
foi ver duas malas no chão da sala, alguém estava de partida. Logo
questionou:
– Glória, o que está havendo? Vocês brigaram?
– Brigamos sim, mas não posso estar contra o meu marido. – falou
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Glória com tom de culpada.
– Glória, não vai me dizer que essas malas são do Julinho? Ele é seu
filho, o mesmo menino bom que sempre te deu orgulho. – Sara tentava
advogar em prol do rapaz.
– Ele deixou de ser meu filho assim que escolheu essa vida imunda que
decidiu levar. – disse José, ao entrar na sala, ligar a TV no jornal matinal,
com um olhar frio e tentando aparentar que nada aconteceu.
– Eu não posso acreditar que irão abandonar o filho de vocês nesse
momento tão doloroso pra ele. Vocês acham que ele também não está
confuso? Ele é apenas um garoto e filho de vocês. – Sara insistia.
– Um garoto que decidiu fazer safadezas. Assunto encerrado. Eu não
tenho mais filho. – José encerrou o assunto, ao menos para ele.
Aos prantos, Glória tentou justificar: – Isso não é bem visto aos olhos
de Deus, é contra as suas leis.
– Contra as leis de qualquer humano, e até desse Deus maluco que
vocês querem pregar, é colocar um filho na rua. Eu vou levar as malas dele,
mas depois não digam que perderam um filho, vocês o excomungaram e eu
discordo totalmente. Se quiserem uma amiga, sabem onde me encontrar, eu
estou do lado dos nossos filhos.
Sara pegou as malas, mesmo pesadas, e as levou para fora. Ao sair
percebeu que Glória abrira a porta e soprou palavras com medo de ser ouvida
pelo marido:
– Sara, como ele está? Como está meu filho?
– Quer mesmo saber Glória? Pergunte ao seu Deus. O Deus que eu
conheço jamais colocaria um filho na rua e o privaria de amor. O que estão
fazendo é leviano e cruel. Quer saber dele? O procure. – Sara falou e deu as
costas arrastando aquelas malas, que mais pareciam pedregulhos de tão
pesadas.
Quando Júlio percebeu que Sara retornou, sentiu uma esperança e
correu para a porta. Quando se surpreendeu: – Isso é sério? Eles me
colocaram pra fora?
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– Eles vão mudar de ideia. Você conhece o seu pai, é um turrão, mas
tem bom coração. – tentava amenizar Sara.
– Sara, você tem a chave do apartamento do Rei? – perguntou Júlio.
– Tenho sim. – Sara deu um leve sorriso.
– Vou pra lá estudar e, se me permitir, fazer o seu filho feliz. – disse o
rapaz com olhar esperançoso e decidido.
– Eu faço o maior gosto do mundo. Mas antes, vocês precisam falar
com o Ricardo, antes que tudo isso exploda sobre ele sem ser da boca de
vocês.
Sara entregou as malas para Júlio, que foi correndo tomar um banho.
Foi para a cozinha e se deparou com o marido. Sabia que lhe devia uma
explicação. Ele a olhou, como quem esperasse uma resposta a uma pergunta
clara. Ela disfarçou e prosseguiu com os seus afazeres. Ele não resistiu:
– Meu amor, eu sei que talvez nem seja da minha conta, mas eu preciso
saber o que está acontecendo. O Júlio veio pra cá no meio de uma confusão,
agora você está com cara de poucos amigos e tem malas dele na minha sala.
O que está acontecendo?
– Eu sei que você merece uma explicação, mas, por favor, confie em
mim que no momento certo eu vou te dizer tudo. Só vou tedizer que
independente do que meu filho faça, e digo isso porque sei que ele não fará
nenhum mal a ninguém nessa vida, eu jamais vou abandoná-lo. – Sara falou
como um desabafo e caiu em prantos.
Ricardo a abraçou e não disse nada, apenas a aconchegou. Ela parou o
choro, mas ainda ficou naquele abraço por um bom tempo. Ricardo esperou
um pouco mais, em seguida disparou: – Eu preciso trabalhar, mas não posso
ir tranquilo sem saber o que está havendo.
– Eu explico Sr. Ricardo. – era Júlio.
– Finalmente alguém vai dizer alguma coisa.
– É muito difícil o que vou dizer. Peço que me ouça e depois me julgue,
ou diga algo. Nos últimos dias perdi meu filho, meus pais e quase a pessoa
que amo. Eu não escolhi o que aconteceu comigo, ou melhor, conosco...
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– O que aconteceu? – indagou Ricardo.
– Ricardo, deixe ele falar. – Sara disse cutucando o marido.
Eles estavam sentados à mesa e Júlio prosseguiu:
– Eu sempre fui um cara que namorou muito, assim como o Rei. Nós
sempre saímos com as meninas mais bonitas e sempre tivemos muita sorte,
algumas não tão bonitas eu confesso. Mas nunca senti nada como estou
sentindo agora, nada me fez perder o ar e o chão, mas de forma boa. Eu fico
de pernas bambas só de pensar nessa pessoa, saber que alguém pode se
aproximar e eu perder esse amor. Eu estou falando de amor, porque é isso
que eu sinto. O mais puro e verdadeiro amor, algo que me faz perder as
rédeas do meu controle emocional, faz meu coração bater numa intensidade
maluca e devastadora, até dói. Sei que vai me dizer que somos jovens e que
isso vai acontecer mais umas mil vezes, mas quem sabe? Eu só posso saber se
será de verdade se eu viver. Eu me joguei de cabeça nesse amor, no começo
foi complicado entender, mas agora, agora eu não posso deixar de viver isso e
preciso que o senhor me compreenda.
– Mas o que foi? Está saindo com uma mulher mais velha? E seus pais
não admitem, é isso? – perguntou Ricardo.
– Não Sr. Ricardo, eu estou, eu estou, saindo com um homem. – Júlio
falou sem desviar o olhar.
Ricardo estatelou os olhos, como quem os deixasse cair e os pegasse
novamente, e disse: – Bom meu rapaz, eu nem sei muito o que dizer. Mas
sabe que temos você como um filho e o que diria a um dos meus, é que não é
a lei natural das coisas, o que nós pais esperamos de um filho. Mas eu teria
que aceitar, o mundo está tão mudado. E ouvindo você falar assim, eu me
lembrei exatamente de quando conheci a Sara, éramos muito jovens, nos
casamos, ela engravidou e hoje temos uma família linda e me sinto assim até
hoje quando a vejo. Sofremos com os olhares tortos da família, que não
queria que me casasse tão cedo, eu seria o último a julgar alguém, se você
não vai fazer mal a ninguém, pouco me importa com quem você decide viver.
E esse cara é muito mais velho? Ele não está se aproveitando?
Júlio suspirou, Sara se aconchegou no peito do marido, envolta em seus
braços, como uma resposta de orgulho e amor. Júlio o encarou nos olhos e
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disse:
– Esse cara é o Rei.
Por um instante o mundo parou de girar. Ricardo levou uma das mãos à
boca. Acabara de dar um discurso lindo, mas e agora? Agora realmente a
situação se referia a alguém de sua prole. Pensou, pensou e disse:
– Júlio, eu realmente fiquei sem palavras, não me entenda como alguém
que tenha preconceitos, mas eu não esperava isso. Vocês nunca
demonstraram serem, sei lá, menininhas.
– Mas não somos menininhas. Apenas descobrimos que nos amamos. –
disse Júlio.
Ricardo se levantou e foi até o garoto. Agora Júlio sentiu o medo tomar
conta de seu corpo, a boca seca, uma dor no estômago. Se seus pais o
expulsaram, o que faria Ricardo? Mas agora não tinha volta, se era preciso
enfrentar tudo aquilo ele sabia que estava preparado, para o pior talvez.
Ricardo colocou as mãos sobre os ombros do rapaz e o puxou, colocando-o
de pé e disse:
– Se eu pudesse escolher, não seria essa vida que gostaria para o meu
filho. Mas é uma escolha dele e não minha. E se ele me dissesse que queria
sair com rapazes, pode ter certeza que o cara que eu mais gostaria que fizesse
parte da vida dele seria você.
Um alívio inesperado tomou conta de Sara e principalmente de Júlio,
que abraçou Ricardo e chorou muito. Encontrou naquele homem que achava
que não iria compreendê-lo, a aceitação e o respeito que não teve de seus
próprios pais.
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CAPÍTULO 9
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Decidindo pelo Amor
Naquela mesma manhã Júlio pegou seu carro, sua mala e foi para São
Paulo. Ficou esperando no apartamento, até que não aguentou e saiu
procurando a faculdade. Depois de perguntar aqui e ali, chegou ao local. De
repente, seu coração disparou. Era Reinaldo saindo pelo portão. Para sua
surpresa, logo atrás vinha um cara, muito bonito por sinal, o que despertou
um leve ciúmes. Será que Reinaldo o havia esquecido em uma semana?
Percebeu que o cara puxava assunto com Reinaldo. Ficou de longe
observando, estava num local por onde passavam poucos alunos. O cara
pegou no braço de Reinaldo e o puxou com certa intimidade. Aquilo queimou
dentro de Júlio. Mas viu que Reinaldo tentou se desvencilhar e não obteve
sucesso, o cara era maior e aparentemente mais forte. Júlio não resistiu e,
como que por extinto de sobrevivência, pulou do carro rumo aos dois.
Empurrou o cara e disse:
– Tira a mão dele. Tá maluco?
– Ei, não se mete, quem é você? – questionou o cara.
– Sou o namorado dele. – disse Júlio com um olhar de fuzilamento.
O cara se desculpou e saiu como quem realmente não quisesse
confusão.
– Você está bem? – perguntou Júlio a Reinaldo.
– O que faz aqui? Como me achou? – Reinaldo não acreditava.
– Eu vim viver o meu sonho de ser um médico e a minha história de
amor. – Júlio ainda prosseguiu. – E com a aprovação da minha sogra e
do meu sogro.
– O que está me dizendo? Por que seu rosto está marcado? – estranhou
Reinaldo.
– Uma longa história, agora cala a boca e me beija que eu não aguento
mais de saudade. – Júlio disse enquanto pegava o amado em seus braços e
matava sua sufocante saudade.
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Eles nem se importaram de estarem na rua. Todos viram aquele beijo de
amor. Muitos admiraram, outros torceram o nariz, alguns sentiram inveja,
mas ninguém ousou dizer que não foi um ato de amor.
No carro, Reinaldo tentou saber mais sobre a história do sogro, mas
Júlio queria saber da faculdade. Ele explicou que as aulas ainda não haviam
começado direito, estavam apenas conhecendo as matérias, estrutura do local
e o complexo em si. Explicou que o rapaz o conheceu no primeiro dia e
achou que eram apenas amigos, até que hoje ele confundiu as coisas e o
tentou agarrar. Apenas isso. Um alívio para Júlio.
Quando chegaram ao apartamento, Reinaldo ficou surpreso. Ao ver
muitas velas espalhadas pela casa, muitos aromas excitantes e um caminho de
pétalas, que o conduziu até o quarto. Na cama, uma bebida e duas taças.
Reinaldo disse:
– Tudo isso por quê?
– Por que é o primeiro dia da nossa felicidade. – disse Júlio.
– Eu sou menor, você vai ser preso se me der bebida. – brincou
Reinaldo.
– Eu já estou preso, em você. – Júlio falou o empurrando sobre a cama.
– E já vou fazer dezoito anos. Não é considerado abuso porque é
consentido. Sorte sua! – caindo em gargalhadas.
Eles se amaram. Longos beijos, longas carícias. Era um momento
mágico, era como se o mundo lá fora não existisse naquele instante. Era
como se a única coisa que importava era se entregar àquele prazer sem
tamanho. Era o começo do final de semana, foi assim durante todos os dias
que se estenderam.
Quando Reinaldo ficou sabendo de tudo que aconteceu, ficou grato por
ter os pais que tem. Não sabia como iria olhar para o pai, mas estava feliz e
muito aliviado. Porém, não pôde deixar de sentir a dor do amado, que
enquanto relatava os fatos, por vários momentos, principalmente quando
falava em seus pais, as lágrimas eram mais fortes. O jeito era ajudá-lo com
muito amor e carinho.