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6 EDITORIAL OPINIÃO 10 Sarah Ahmed 14 Jamie Goode 18 Debra Meiburg 22 José João Santos 26 PROFILE Aníbal Coutinho, astronauta do vinho. ESCOLHAS DO MÊS 30 Para a Mesa 32 Para a Cave 34 Altamente Recomendados 36 Boas Compras 38 CASTA Touriga Nacional. 40 DICAS Tanino, o que é? 42 VINHOS & NÚMEROS Direitos de plantação de vinha e a lei do mercado. 44 VINHOS & TURISMO Tejo, região a descobrir. 46 AVALIAÇÃO SERVIÇO DE VINHOS NOS RESTAURANTES Restaurante Bovino, Quinta do Lago. 48 NOTÍCIAS Vindima 2020, Port Wine Day e Douro Wine & Music Valley. SUMÁRIO 56 CERVEJAS Nortada, a Invicta. 58 BARCA-VELHA 2011 O leão regressa. 68 TEJO Fernão Pires na Quinta da Lapa. 76 CAVES S. JOÃO 100 anos em vinhos. 82 FILIPA PATO 4 “B’s”: Baga, biodinâmica, Bairrada e Bélgica. 88 DIOGO LOPES Os 10 mais do enólogo 94 TOURIGA NACIONAL Prova temática que antecipa novos caminhos da casta. 100 MORÁVIA DO SUL Vinhos e imperadores. 106 MANTEIGA DAS MARINHAS O veludo de leite. 110 MANTEIGA E VINHO Casamento improvável? Guilherme Corrêa mostra que não... 114 CRÍTICA GASTRONÓMICA Zunzum by Marlene Vieira. 118 NOVIDADES 141 GUIA REVISTA DE VINHOS 154 LEGENDARY CHEFS Vítor Sobral. 58 76 110 98@revistadevinhos A nova linha “Shade of Grey” da Küppersbusch alia elegância e modernidade dando a possibilidade de dar um toque pessoal a sua cozinha. A cor cinza torna-se uma combinação perfeita com superfícies naturais feitas em madeira, pedra ou betão e até mesmo em bancadas brancas. O cinza é a cor do momento e dá-nos possibilidades infinitas. ESPECIAL, VERSÁTIL E INTEMPORAL www.kuppersbusch.com.pt A nova linha “Shade of Grey” da Küppersbusch alia elegância e modernidade dando a possibilidade de dar um toque pessoal a sua cozinha. A cor cinza torna-se uma combinação perfeita com superfícies naturais feitas em madeira, pedra ou betão e até mesmo em bancadas brancas. O cinza é a cor do momento e dá-nos possibilidades infinitas. ESPECIAL, VERSÁTIL E INTEMPORAL www.kuppersbusch.com.pt EDITORIAL A Revista de Vinhos decidiu realizar online a 21ª edição do Encontro com Vinhos, em Lisboa. Na expetativa do não surgimento de uma segunda vaga da Covid-19 e da não implementação de medidas de exceção que restrinjam a circulação de pessoas, nos últimos meses trabalhou-se afincadamente para que o evento fosse concretizado presencialmente nas datas previstas, de acordo com as medidas de higiene e de prevenção que os atuais tempos exigem. Todavia, e infelizmente, não foram obtidas as garantias de saúde pública e de circulação de visitantes que permitissem a concretização do evento, a que acresce o impacto estimado de uma segunda vaga no nosso país neste outono. Após ponderação profunda, a Revista de Vinhos optou por concretizar a 21ª edição do Encontro com Vinhos através de uma programação online, com provas comentadas pelos nossos especialistas, debates, duelos de vinhos, harmonizações enogastronómicas e dicas de seleção de vinhos (fique atento às nossas redes sociais). A 22ª edição do Encontro está entretanto marcada para os dias 6, 7 e 8 de novembro de 2021. A data já está reservada no Centro de Congressos de Lisboa, na Junqueira, e a Revista de Vinhos está confiante que a irá concretizar no local de sempre, na data de sempre, com os parceiros e o público de sempre mas também atraindo novos públicos. Quando o mundo e o nosso país pararam, em março, muitas questões automaticamente foram levantadas acerca da viabilidade futura de projetos e empresas. Cientes do impacto sem precedentes da pandemia, o grupo Essência do Vinho e a Revista de Vinhos não baixaram os braços. Pelo contrário, mantiveram todos os compromissos assumidos e, apesar de uma diversidade de constrangimentos, decidiram reforçar a produção de conteúdos editoriais em todos os canais onde atualmente estão presentes: na imprensa escrita e no online, na rádio e na televisão. A Revista de Vinhos esteve sempre em banca com edições nunca inferiores a 132 pags. e diariamente no digital, mantendo ininterruptamente o ofício mais nobre do jornalismo – a reportagem. Os programas semanais “A Essência” (emitidos na RR e RTP) foram dos poucos a não conhecer qualquer pausa ou repetições de episódios nas grelhas das estações. Nas redes sociais reforçamos a interação com os nossos seguidores, nunca os privando de aceder às novidades do setor. Acresce a isto o anúncio de novos projetos no âmbito do grupo Essência do Vinho: o compromisso de relançar a revista brasileira Gula no próximo mês de novembro, o ultimar da plataforma a bordo e do novo website TAP Wine Experience, o acordo de uma sociedade para a gestão da OnWine, plataforma de venda de vinhos online, o lançamento internacional da série televisiva “The Wine Show”, dedicada a Portugal, que dá a conhecer ao mundo os nossos vinhos, gastronomia, enoturismo, património e cultura. Momentos, decisões e vinhos de exceção. A capa e a reportagem principal deste número da Revista de Vinhos destaca o historial, as curiosidades e a nova edição do Barca Velha. O mais icónico vinho DOC português é um hino à enologia e deve, acima de tudo, ser aplau- dido pelas portas que, desde 1952, tem aberto aos vinhos portugueses pelo mundo. É um vinho excecional, que mostra todo o potencial de evolução dos grandes vinhos, que pode ombrear com os mais venerados rótulos internacionais. O Blandy’s Bual 1920, do qual foram engarrafados 1.199 exemplares, é outro vinho estrondoso. Um Frasqueira monumental, agora engarrafado um século volvido, que nos relembra aquilo que nunca devemos esquecer: o Vinho Madeira é dos grandes fortificados do mundo. Dois vinhos nota 20, dois vinhos de exceção. Felizes os países que têm vinhos assim. Nuno Guedes Vaz Pires, diretor nunopires@essenciadovinho.com @nunogvpires EDIÇÃO Nº 371 / OUTUBRO 2020 Momentos, decisões e vinhos de exceção DESCUBRA MELGAÇO A Revista de Vinhos produziu a série documental “Descubra Melgaço”. Em 10 episódios, que têm sido emitidos no nosso canal You Tube e nas redes sociais, realçamos o Alvarinho e o fumeiro, a diversidade de paisagens e desportos radicais, património e cul- tura. A pandemia levou-nos a redescobrir o interior do país e Melgaço, norte mais a norte de Portugal, é dos mais fervilhantes lugares desse interior. Do que está à espera para agendar uma visita? 6 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos VINHO DE CAPA Nesta edição com a REVISTA DE VINHOS! VALE DE DESCONTO APRESENTAÇÃO OPCIONAL DESTE VALE NO SEU PONTO DE VENDA. NÃO ACUMULÁVEL. Seja responsável. Beba com moderação. 6,00€ seu por LINHA DE APOIO: (+351) 215 918 088 Dias úteis, 9h30-13h e 14h30-18h — Stock limitado. Promoção válida na compra da revista + garrafa na sua banca habitual, com a apresentação do vale de desconto desta página. Produtor de altos pergaminhos em Santo Isidro de Pegões, na Herdade de Pegos Claros faz-se vinho de qualidade desde há um século. A propriedade, com mais de 500 hectares, inclui 40 hectares de vinha instalada em solos arenosos, dos quais cerca de 20 com 70 anos e mais. A variedade Castelão é a estrela da herdade, sabiamente manejada pelo enólogo Bernardo Cabral, que preserva um estilo clássico, com pisa a pé e fermentação com algum engaço. Longevidade, distinção e elegância são marcas destes vinhos. Pegos Claros Vinha 70 Anos Reserva 2015 Palmela / Tinto / Herdade de Pegos Claros As uvas de Castelão provêm de uma vinha com 70 anos, vindimadas manualmente. Vinho de cor rubi, apresenta notas de amoras pretas, groselha vermelha e algum mentol, ligeiro abaunilhado, tostados e tabaco. Na boca apresenta taninos macios e equilibrados, com uma acidez agradável. Acompanha carnes grelhadas e assados de peixe e carne. 6,00€ seu por vinho de capa D urante a crise da Covid, abundaram os títulos dos jornais sobre a alteração dos padrões de consumo de vinho. No que se refere à prova, a forma como me relaciono com o vinhotambém mudou. Há um elemento de “troca de papéis” entre consumi- dores e críticos que, suspeito, tem benefícios poten- ciais a longo prazo para produtores e retalhistas. Obviamente que os escritores de vinhos também são consumidores, mas a nossa profissão está um mundo à parte do crítico de restaurantes, cuja expe- riência tem muito mais elementos em comum com os consumidores regulares. Aqueles não apenas provam os pratos mas consomem as refeições. Cuspir seria inconcebível! Além disso, jantam no contexto preciso que o restaurador pretende (ou seja, num ambiente específico, com as perceções sobre o menu, os ingre- dientes, estilo de cozinha e técnicas). Malditos sejam, os críticos de restaurantes chegam até a empurrar o jantar com vinho… Por isso, tendo em vista mentes desanuviadas e fígados saudáveis, cuspir é obrigatório quando se trata de interação profissional com o vinho. De que outra forma poderia alguém navegar por entre provas, pro- gramas intensivos de visitas a produtores ou painéis em concursos, quando facilmente se podem provar até 100 vinhos por dia? Isso explica a razão por que a revista Monocle tenha legendado um artigo sobre o estimado diretor da Revista de Vinhos desta forma: “Este jornalista passa os dias a avaliar vinhos; receber pessoas é uma forma de apreciá-los”. Não estou a pedir que o caro leitor tenha pena dos escritores de vinho. Acredite, sabemos o quanto somos privilegiados, com oportunidades de prova de grande amplitude e profundidade. Visitar ou provar com produtores fornece-nos tanto o contexto como perceções inestimáveis. Creio que é a forma mais atraente para alguém se envolver com o vinho e, lide- rando tours na Austrália e em Portugal, conheço o seu impacto nos consumidores. Além das experiên- cias ‘normais’ de adega, os meus sempre interessantes 'groupies' valorizam o acesso aos ‘bastidores’ das adegas e vinhas, às experiências exclusivas de prova e, o mais importante, às pessoas – ‘as estrelas do rock’ por trás dos rótulos. Vejamos os irmãos António Luís Cerdeira e Maria João Cerdeira, da Quinta de Soalheiro que, na sequência de uma prova ‘por medida’, ofereceram um longo almoço com os seus próprios produtos e vinhos. Tal como adolescentes, o meu grupo (em grande parte reformados) vaiava quando regressávamos do Soalheiro à Galiza para continuar a provar Albarinos. Aplaudindo ruidadosa- mente aquando do nosso retorno a Portugal, o mar- cador assinalou Portugal um, Espanha zero. Sarah Ahmed, jornalista e crítica de vinhos Sarah Ahmed é uma reputada jornalista e crítica de vinhos britânica, especializada em vinhos portugueses e australianos, no blogue "The Wine Detective". OPINIÃO A pandemia trouxe um elemento de “troca de papéis” que tem benefícios potenciais a longo prazo para produtores e retalhistas. Troca de papéis entre críticos e consumidores 10 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos O valor das provas online Durante o confinamento, as provas online permitiram aos produtores atingir um público de consumidores muito mais vasto (incluindo aqueles sem tempo ou orçamento para visitar regiões vitivinícolas). Quando me juntei à primeira degustação via Zoom da Cullen Wines, os consumidores ficaram entusiasmados em conversar sobre vinhos com produtores de Margaret River, Austrália. Pioneira da biodinâmica e da produção sustentável de vinhos, Vanya Cullen pode ser uma das principais produtoras da Austrália mas, ao responder às perguntas, foi calo- rosa, aberta e generosa com o seu conhecimento e tempo. Com as vendas online a subir, planeia conti- nuar as provas por Zoom quando a oportunidade o justificar - por exemplo, novos lançamentos. O produtor de Vinho do Porto Óscar Quevedo, pio- neiro dos media sociais, disse-me que a Covid “inten- sificou essa necessidade de se ligar ao consumidor” por parte dos pequenos produtores independentes como ele, que se recusam a reduzir preços (ou qua- lidade) para entrar nas listas dos supermercados. Em parceria com Tony Carter, retalhista do Reino Unido na Vintage Wine & Port, organizou um evento online para 170 clientes, que compraram meia garrafa dos seis Vinhos do Porto em prova. Desde então, relata Carter, “o Óscar conquistou muitos seguidores”; alcançando um público mais jovem, diferente, “as vendas de Porto Quevedo aumentaram 600%… O número de clientes que repetem a compra é incrível”. Para Carter, as provas online são “um grande passo em frente” porque os vídeos podem ser vistos repe- tidamente, ajudando a vender mais e, uma vez que “a Google gosta de conteúdos de vídeo, também nós recebemos um impulso”. Carter vislumbra um futuro em que “os enólogos sentam-se junto às vinhas, trans- mitindo diretamente para o consumidor final, que pagará para provar os vinhos e ligar-se ao produto, ao produtor e à sua filosofia de produção”. Outra dinâmica a tomar forma decorre do fecho de restaurantes, que contribuiu para aumentar o gasto por garrafa nas compras domésticas, colocando o vinho na frente e no centro da socialização e das refeições em casa. De acordo com a Wine Intelligence, o alcance do fenómeno na China vai além daqueles já interes- sados em vinhos, uma vez que este grupo incentiva colegas menos envolvidos a conecta- rem-se para beberem vinho durante conversas online. Como os restaurantes e for- necedores passaram a vender vinho online, tem sido divertido partilhar sugestões variadas (e dicas de harmonização) com os amigos, que se tornaram mais aventureiros nos seus hábitos de compra (e de cozinha) de vinhos, à medida que pro- curam recriar essas experiências gourmet em casa. Alguns fazem até anotações detalhadas e pon- tuam vinhos. Por outro lado, com o panorama londrino confi- nado, tenho recebido amostras em casa, o que signi- fica provar de forma mais seletiva, mas mais intensiva – ou seja, mais elaborada e menos instantânea. Os crí- ticos estão habituados a provar amostras de casco e vinhos jovens em pouco tempo (agitar, cheirar, cuspir, não engolir), mas ajuda podermos demorar mais tempo com vinhos complexos - especialmente novos lançamentos icónicos, como o australiano Henschke Hill of Grace 2015, que me levou horas, dias até, para desvendar. Embora a maior parte do conteúdo de uma garrafa seja invariavelmente descartada, provar em casa aumentou as oportunidades de experimentar os vinhos como o seu criador pretende - com comida e, ouso dizer, por vezes até bebendo-os. Aproximar-se de uma experiência de consumidor só pode beneficiar o meu público-alvo. Tendo em mente os clientes de restaurantes, Jancis Robinson MW previu “um aumento dramático da procura por garrafas de menor capacidade” após o confinamento. Espero que essa procura seja impul- sionada também por novos hábitos domésticos de consumo e prova. Com preços inferiores, as garrafas mais pequenas podem aumentar o acesso dos consu- midores a provas online e vinhos mais diversificados e de maior qualidade, bem como estimular o serviço de vinho a copo nos restaurantes. Para os críticos, as provas ditas comerciais têm o seu espaço mas, eco- nomicamente falando, há mais espaço para prova em casa com garrafas mais pequenas. E mais espaço, lite- ralmente falando, se as amostras puderem ser engar- rafadas em tamanhos reduzidos! Provar em casa aumentou as oportunidades de experimentar vinhos como o seu criador pretende - com comida e, ouso dizer, por vezes até bebendo-os. Aproximar- se de uma experiência de consumidor só pode beneficiar o meu público- alvo. Sarah Ahmed, jornalista e crítica de vinhos OPINIÃO 12 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos C M Y CM MY CY CMY K Kopke_WMC_Folgazao_Rabigato_RV_AF.pdf 1 21/09/2020 11:31 OPINIÃO A s crianças são ensinadas a não avaliar um livro pela capa. Por outras pala- vras, uma história - ou pessoa, cidade ou mercado de vinhos - é mais do que se lê na primeira página. Vamos um pouco mais a fundo e as personagensrevelam-se, o guião dá voltas e reviravoltas. O mesmo pode ser dito sobre escrever um best- -seller – é preciso compreender o público, para que se possam atrair leitores com uma história que ressoe junto deles. O CEO e enólogo da DFJ Vinhos, José Neiva Correia, afirmou: “Vender vinho é como vender sonhos; temos que contar a história certa ao cliente certo”. Em 2013, a sua empresa preparava-se para se reposicionar no mercado de vinhos chinês. Aquele comentário reconhece que nenhuma marca de vinho pode ser tudo para todas as pessoas, especialmente quando se trata de mercados internacionais. A chave para personalizar a mensagem é conhecer o merca- do-alvo. Fatores demográficos, como a idade e o género, são ferramentas de segmentação úteis, mas indicadores como rendimento, profissão e comportamento do comprador são indiscutivelmente mais importantes. Em Hong Kong, o mercado de vinhos tem quatro segmentos principais e não há remédios milagrosos quanto ao planeamento da abordagem e posiciona- mento a seguir. Jovens e divertidos O segmento de entrada em Hong Kong é formado principalmente pela geração millennial. Os millen- nials de Hong Kong, tal como as suas contrapartes geracionais em outros países, estão interessados em todas as coisas novas e da moda – nem sequer ava- liam, a menos que seja ‘Insta-digno’. Este grupo tem uma exposição considerável aos vinhos australianos e franceses, mas quase nenhuma iniciação aos vinhos portugueses. O diretor comercial da DFJ Vinhos, Luís Gouveia, acredita que Portugal carece de uma imagem de marca na área da Grande China. As viagens e o turismo são os iscos que irão engodar este segmento. Os residentes de Hong Kong são viajantes ávidos e Portugal, sendo relativamente desconhecido pelos habitantes de Hong Kong, pode oferecer uma experiência de destino emocionante através dos seus vinhos de férias frescos e vibrantes. Portugal ainda não emergiu como destino de férias de luxo em Hong Kong. A maioria dos seus habitantes ficaria surpreendida ao constatar que Portugal está consistentemente classificado entre os 15 principais destinos turísticos mundiais, conforme o Fórum Económico Mundial. O ângulo do estilo de vida, a afi- nidade com os produtos do mar e a longa presença de Portugal em Macau oferecem excelentes oportu- nidades a explorar. Debra Meiburg MW Debra Meiburg é uma californiana radicada há mais de 25 anos em Hong Kong. “Master of Wine”, autora de vários livros, é considerada a mais influente líder de opinião sobre vinhos na China. Tornou-se presidente do Comité de Educação do Instituto de Masters of Wine em 2017. Moldar o mercado Nenhuma marca de vinho pode ser tudo para todas as pessoas, especialmente quando se trata de mercados internacionais. A chave para personalizar a mensagem é conhecer o mercado-alvo. 14 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos C M Y CM MY CY CMY K OPINIÃO Vinhos fáceis, preços mode- rados e rótulos elegantes terão um bom desempenho neste setor, especialmente se puderem ser encontrados em restaurantes e bares de Hong Kong vocacio- nados para o Instagram. Não é segredo que os millennials são mais influenciados pela garrafa e design do rótulo do que outras gerações, de acordo com pes- quisas recentes de Silva e Santos. A elevação do segmento médio Este cluster inclui profissionais e expatriados à procura de vinhos acessíveis para o quotidiano, que possam consumir em casa ou pedi-los em cartas de vinhos à hora de almoço. Este grupo de consumidores, viajado e educado, conhece Portugal e os seus vinhos através do trabalho e de períodos de estudo na Europa. A chave para alcançar este segmento é tornar os vinhos acessíveis e pronunciáveis, com pistas reconhe- cíveis ou recomendações de fornecedores de vinho. Procuram vinhos premium de grande valor - e uma forma de comunicar valor e premiumização é através dos prémios. “Relacionado com o preço, descobrimos que os prémios que conferem credibilidade ao vinho são um elemento adicional de vantagem competi- tiva para o produtor, pois aumentam a qualidade do vinho aos olhos do consumidor”, notam Silva e Santos. Concursos regionais, como o Cathay Pacific Hong Kong International Wine & Spirit Competition, são particularmente úteis na consideração dos pala- dares locais. Em 2019, o Alfaiate Branco de José Mota Capitão conquistou o troféu de prata na sua categoria, além de dois bronzes na categoria gastronomia e vinhos pelos seus acompanhamentos com sashimi de atum chutoro e tempura de camarão. O poder do estudo Os residentes de Hong Kong valorizam muito a educação e os cursos sobre vinho são altamente pro- curados. A cidade alberga um dos maiores grupos mundiais de detentores de certificados e diplomas WSET. Não é suficiente para esses consumidores sim- plesmente beber os vinhos, pois procuram uma com- preensão mais ampla, para que possam fazer as suas escolhas de compra com confiança e discutir o vinho em jantares. Alguns dos cursos mais populares da MWM Wine School destacam países com terroirs altamente diversos, castas históricas e ampla variedade de estilos. Os alunos pedem vagas em programas com tutoriais aprofundados sobre vinhos italianos regionais, bem como de países menos conhecidos, como Geórgia e Áustria. Um programa educa- cional de nível mundial sobre a beleza, a história e os sabores luxuriantes de Portugal é apenas o bilhete para apelar a este grupo. Vinhos portugueses inte- ressantes, como os Maritávora e Howard’s Folly, são valorizados por este segmento de consumi- dores. Colecionadores O Douro tem um lugar espe- cial entre os colecionadores de Hong Kong, conhe- cedores de vinhos que admiram a elevada estrutura e longevidade dos vinhos tintos. A região do Douro é reconhecida neste segmento e é, na maioria das vezes, citada como berço dos melhores vinhos não fortificados de Portugal, sendo que a sua reputação é reforçada pelo vasto conhecimento deste grupo sobre Vinho do Porto. Os colecionadores de Hong Kong gastam e parti- lham generosamente, mas esperam construir amizades diretamente com os produtores e proprietários das melhores quintas e querem divertir-se ao fazê-lo. Os Douro Boys têm tido o sucesso mais evidente em Hong Kong junto dos colecionadores de vinho, em parte devido a uma engenhosa campanha promocional, mas também à camaradagem e entusiasmo propalados por estes cinco produtores durante as suas visitas regu- lares a Hong Kong. Histórias de origem Acima de tudo, a chave para o sucesso de Portugal em Hong Kong passa por melhorar a perceção geral do país e a sua imagem de marca. O país de origem é, segundo Silva e Santos, muito valorizado pelos clientes, informados e exigentes na tomada de decisões de compra, mas tem também potencial para valorizar a imagem de Portugal em todos os segmentos. O marke- ting genérico por institutos de vinhos tem o poder de ajudar os países a expandir e fazer crescer no exterior as marcas de vinho. Embora os mercados internacionais pareçam dis- tantes neste momento, o mundo acabará por reini- ciar e, quando isso acontecer, será um lugar diferente. Recomeçar num mercado de vinhos maduro como é o de Hong Kong cria oportunidades; a paisagem será remodelada. Os protestos e a pandemia podem ter rebentando por agora a ‘bolha’ social, mas Hong Kong sabe como recuperar e teremos muitas garrafas para abrir quando sairmos do nosso casulo corona. Agora é a hora de antecipar qual o caminho a seguir e com quem se deseja conectar quando as fronteiras rea- brirem. Embora os mercados e os clientes variem, o nosso amor pela cultura do vinho é universal. Os prémios que conferem credibilidade ao vinho são um elemento adicional de vantagem competitiva para o produtor, pois aumentam a qualidade do vinho aos olhos do consumidor. Debra Meiburg MW 16 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos C M Y CM MY CY CMY K RevistaDeVinhos_220x297_HI.pdf 1 03/12/201917:43 C omo aconteceu a tantas outras pessoas, a minha vida profissional mudou drama- ticamente nos últimos seis meses. Antes, envolvia viagens frequentes e, depois, de regresso a Londres, uma agenda preenchida de provas. Era também incrivelmente social. Isso, é claro, mudou: agora as viagens estão preenchidas com restrições de quarentena e já não há muitos quem organize eventos, substituídos que foram por provas via Zoom, Teams e Instagram Live. O negócio do vinho depende das provas. Os produ- tores e agentes querem que os vinhos que produzem ou representam sejam avaliados por jornalistas e adquiridos por retalhistas e restaurantes. A maneira mais simples de fazê-lo é promover grandes provas nas principais cidades. Por exemplo, um importador pode fazer uma prova de todos os vinhos do seu catá- logo. Ou uma entidade genérica como a ViniPortugal pode realizar uma prova anual de vinhos portugueses em Londres. Até à Covid-19, o calendário de provas de Londres era movimentado e em qualquer lado de Londres haveria uma prova na maioria dos dias da semana. Tudo isso parou repentinamente em março. Recentemente, porém, as provas físicas foram retomadas. Tem sido interessante ver como os orga- nizadores responderam aos desafios de tornar esses eventos seguros para todos e, portanto, viáveis. Retoma lenta O primeiro evento de vinhos em que participei após o confinamento foi, na verdade, um festival interna- cional. Foi a décima sétima edição do Gerard Bertrand Jazz Festival, realizado no Château L'Hospitalet em La Clape, Languedoc. Pude provar alguns vinhos, mas cara a cara com os produtores. O resto do fim de semana envolveu jantares e espetáculos. Em resposta à Covid, os jantares não foram em regime de bufete, como nos anos anteriores, mas com serviço à mesa. E nos concertos estávamos todos de máscara. Foi muito estranho entrar novamente num avião, mesmo que para um pequeno salto ao sul da França. Mas foi muito importante ver as vinhas e provar os vinhos no local. No Reino Unido, a primeira prova de vinhos da qual participei foi realizada pela Majestic Wine, um retalhista nacional que vende vinhos de preços médios a altos em diversos armazéns e lojas. Isso foi em julho e os promotores foram devidamente caute- losos, tendo apenas dois provadores na sala em simul- tâneo, na sua sede, onde poderiam controlar o acesso e instituir um sistema unilateral. Na verdade, é muito bom provar num ambiente assim porque é silencioso e o nível de concentração é maior. Disponibilizaram meios de transporte de e para o local do evento, já Provas de vinho em tempos de corona As provas de vinhos físicas foram retomadas. Tem sido interessante ver como os organizadores responderam aos desafios de tornar esses eventos seguros. OPINIÃO Jamie Goode ‘Wine writer’, cronista do The Sunday Express, autor do blogue wineanorak.com, é doutorado em Biologia de Plantas e co-chair do International Wine Challenge. Assina esta colaboração regular na Revista de Vinhos e, muito em breve, também na brasileira Gula. 18 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos que os transportes públicos eram desencorajados para todos, exceto os trabalhadores essenciais. Em agosto, fiz uma segunda viagem, desta feita para a Alemanha. Foi a prova VDP Grosses Gewächs em Wiesbaden. O VDP é uma orga- nização privada que reúne muitos dos principais pro- dutores germânicos e a sua prova anual é um ponto alto do calendário. Realizada durante três dias em agosto, foi brilhantemente organizada e foram postas em prática várias medidas especiais para torná-lo seguro. Cada provador sentou-se na sua mesa, distan- ciado de todos os outros. Os vinhos foram servidos à mesa por funcionários de luvas e máscara. Havia um sistema unilateral em operação para que nin- guém ultrapassasse ninguém caso tivesse que entrar ou sair. Nos momentos em que nós, provadores, não estávamos nas nossas ‘estações’ de prova, tínhamos também que usar máscara. Houve alguns eventos noturnos, mas foram realizados ao ar livre e o distan- ciamento social foi incentivado. E agora, em setembro, a temporada de provas em Londres começou de novo, embora provisoriamente. Todos os organizadores têm feito um grande esforço para tornar as coisas seguras, principalmente res- tringindo o número e estimulando o distanciamento social. Há duas semanas, participei em Londres na organização de uma masterclass para vinhos da Borgonha, que envolveu três provas comentadas sobre diferentes temas, para um grupo de 30 som- meliers e comerciantes de vinhos. Todos estavam sentados à mesa, distantes dos outros provadores, e tinham que usar máscaras quando não estavam nas suas mesas. Estávamos todos um pouco nervosos por nos aproximarmos demais e, no almoço, foram entregues refeições individuais que os participantes comeram nas suas mesas. Funcionou bem e todos se sentiram confortáveis e seguros. Mais recentemente fiz duas provas num único dia, nas quais os organizadores tomaram direções ligeiramente diferentes. O Tesco é a maior rede de supermer- cados do Reino Unido e realizou a sua prova para a imprensa com aquela que terá sido talvez a abordagem mais impressio- nante para a segurança Covid que já vi. Eram mais de 100 vinhos, mas como pro- vadores não precisávamos de nos mover ou tocar nas garrafas. Em vez disso, tínhamos um porta-copos que ocupava seis copos em posições numeradas e indi- cava quais os vinhos do ‘line-up’ que queríamos em cada um, através de um post-it numerado de 1 a 6. Estes eram servidos pela equipa e todos provaram na nossa própria ‘estação’, distanciada de todas as outras. Se alguém se movimentasse, havia setas no chão indicando a direção a seguir. Também nesse dia, a The Wine Society realizou a sua prova anual, com 80 vinhos, que teve lugar numa sala razoavelmente grande em Pall Mall 67 e os provadores tiveram inter- valos de duas horas, com quatro provadores de cada vez. As provas internacionais foram quase todas cance- ladas: a última vítima foi o Douro Primeira Prova, que estava prevista para outubro. Em vez disso, os jorna- listas de vinho fazem muitas provas via Zoom, junta- mente com produtores de outros países. Funcionam muito bem quando a tecnologia é boa. A maioria está em casa e recebemos as garrafas ou as amostras cuidadosamente preparadas em garrafas pequenas: inovou-se bastante na preparação de amostras de menores quantidades, mas mantendo os vinhos em boas condições. Mas, recentemente, a Penfolds realizou uma prova dos seus melhores vinhos com pequenos grupos de provadores no Pall Mall 67, com o enólogo-chefe Peter Gago, vindo da Austrália para falar sobre os vinhos. É um novo normal, mas o mundo do vinho está a adaptar-se. Pessoalmente, mal posso esperar que as viagens internacionais retomem e possa visitar as vinhas. Portugal está no topo da minha lista. OPINIÃO Na verdade, é muito bom provar num ambiente com apenas dois provadores na sala em simultâneo, porque é silencioso e o nível de concentração é maior. Jamie Goode 20 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos José João Santos, jornalista e crítico de vinhos O ano de 2019 foi particularmente bon- doso para os vinhos brancos portu- gueses. À medida que os provo é difícil não lhes enaltecer a frescura, o equi- líbrio e a profundidade generalizada que apresentam, sem diferenças abissais por entre as regiões. Nos próximos meses haverá certamente oportunidade de conhecer muitos mais vinhos dessa vindima, provavelmente com graus superiores de complexidade, o que me leva a arriscar um vaticínio – 2019 poderá afirmar-se como o grande ano de vinhos brancos portugueses da última década. Os vinhos nacionais têm evoluído bastante, ainda que nem sempre à velocidade que desejaríamos porque, na loucura da voracidade do nosso tempo, queremos que tudo aconteça depressa, bem depressa e bem. Se há muito Portugal é reconhecido por ela- borar dos melhores fortificadosdo mundo, desde meados de 90 tem convencido crítica e consumidores internacionais sobre a qualidade dos tintos, capazes de ombrear com qualquer outro exemplar dessa tipo- logia, de qualquer outro lugar. Mas, a grande (r)evo- lução a que assistimos nos últimos anos é no elevar dos vinhos brancos. Deixou de fazer sentido ir de cabeça baixa ou discurso titubeante no momento da apresentação de um vinho branco português perante uma audiência internacional. Muitos obrigam a uma explicação acrescida, na medida em que é ilusório pensarmos que seremos reconhecidos pelos Chardonnay ou Sauvignon que elaborarmos. Precisamos trazer essas audiências à geografia portuguesa, presencial ou mentalmente, explicar-lhes a linha atlântica de fazer inveja que possuímos, as vinhas plantadas em locais demenciais em ilhas que estão no meio do oceano, as vinhas de montanha do interior, sem esquecer as cepas velhas e os vinhos de colheitas antigas que resis- tiram a tudo e que hoje glorificamos. Esqueçamos as castas que o mundo sabe de cor e centremo-nos nessa geografia e no exotismo de nomes quase impronun- ciáveis – algum americano pronuncia com rigor o nome das castas gregas, cujos vinhos brancos tanto têm dado que falar? Pela geografia, pelas variações climáticas de ter- roirs e pelo potencial genético de castas autóctones, Portugal reúne um assinalável conjunto de variáveis que lhe permitirá afirmar-se igualmente enquanto produtor de vinhos brancos de grande qualidade, podendo os 2019 ser um relevante cartão de visita que o demonstra inequivocamente. José João Santos, diretor de conteúdos da EV-Essência do Vinho, tem a paixão da escrita, da reportagem, da formação e da prova. É ainda autor do podcast "Vinho, Palavra a Palavra". OPINIÃO Os grandes brancos de 2019 Pela geografia, variações climáticas de terroirs e potencial genético de castas autóctones, Portugal reúne um assinalável conjunto de variáveis que lhe permitirá afirmar-se igualmente enquanto produtor de vinhos brancos de grande qualidade, podendo os 2019 demonstrá-lo inequivocamente. 22 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos Acidez, sal e pimenta Por estes tempos, quando falamos de um vinho branco, um descritor salta para a dianteira – acidez. Se um produtor da Borgonha a tenta controlar e até baixar ao mínimo indispensável, dado que os solos e o clima aportam uma acidez natural elevada, regiões bem mais quentes procuram-na como alguém sedento no deserto. Cada casta produz naturalmente vários ácidos, sendo o ácido tartárico e o ácido málico os principais. Os vinhos (brancos e tintos) de climas mais frios e de solos de matriz calcária ou granítica têm tendência para serem mais acídulos. A acidez poder ser medida em pH e, no caso do vinho, habitualmente esse pH varia entre 3 e 4. Regra geral, quanto mais baixo for o pH maior será a acidez; no oposto, quanto mais alto for o pH mais rápida será a evolução oxidativa de um vinho. Ao provarmos um vinho, se ficarmos a salivar bas- tante é sinal que a acidez será elevada. Se verificarmos que existem pequenas partículas que se assemelham a cristais na base da garrafa ou na parte de baixo da rolha de cortiça de um vinho que esteve no frigorí- fico durante várias horas ou mesmo dias, sim, é muito provável que a acidez desse vinho seja alta. Pelo con- trário, um vinho com uma acidez menos pronunciada será mais redondo e mais sedoso. Dependendo do vinho que é pretendido elabo- rar-se, na adega há alguns pozinhos e técnicas que permitem suavizar ou incrementar a acidez. A fer- mentação malotática, por exemplo, consiste em trans- formar os ácidos málicos (mais ácidos e severos) em láticos (mais suaves), fazendo com que o vinho fique menos agressivo, por ação do dióxido de carbono. Já o acrescento de ácido tartárico irá aumentar artificial- mente o perfil de acidez natural de um vinho. A acidez é das peças fundamentais que permite aos vinhos evoluírem bem, mas não deve ser nem endeusada nem destratada. Não queremos que um vinho seja monótono ou monocórdico, tal como não nos motivará um vinho apenas ácido e fresco, inócuo em aromas e sabores. Equilíbrio é sempre a palavra- -chave de um vinho. É esse o alerta que me parece prioritário nesta fase, em que os conhecimentos e técnicas de viticultura são incomparavelmente mais sólidos e em que a eno- logia finalmente domina a vinificação – sempre mais apurada nos brancos – na adega. Que um vinho tranquilo aço- riano, madeirense, de Lisboa, da Bairrada, de Setúbal, da Costa Vicentina ou do Algarve possua notas salinas evi- dentes de maresia, nada contra; que um vinho do Douro, de Trás-os-Montes, da Beira, do Tejo ou do interior alentejano também, sim, posso ter os meus fundamentos para o estranhar. Que um vinho de uma casta profundamente aromática passe a uma matriz de absoluta neutralidade, sim, pode levar-me a duvidar, mesmo que o argumento seja o da apanha mais precoce da uva para evitar aromas mais expres- sivos que surgem com a maturação. Os vinhos brancos não podem perder o ADN simplesmente em nome de uma tendência mundial de consumo, muito menos pela busca de conceitos tantas vezes baralhados como acidez, mineralidade, salinidade. Nada contra a vinificação em cubas ovais de cimento, de argila ou outro material, aplaudo o uso ponderado de madeira, o resgate de barricas usadas e a aposta em barricas de maior dimensão, que mar- quem menos o vinho. Elogio a aposta em tonéis e em foudres para vinificar brancos, mas parece-me que merece ser questionada a neutralidade, por vezes até a aniquilação do perfil natural de castas. Um Alvarinho de Monção e Melgaço terá necessariamente de ser diferente de um Alvarinho do Alentejo, um Arinto de Bucelas terá que ser obrigatoriamente diferente de um Arinto dos Açores, o Maria Gomes da Bairrada terá um perfil distinto do Fernão Pires do Tejo. Na perceção dessas diferenças estará a mais-valia dos vinhos brancos portugueses no mundo e até mesmo inter-regiões. O sentido de lugar, a geografia, o microclima, o solo e o subsolo estão em cada pé de vinha, não devem ser definidos pelo departamento comercial ou pelo enólogo. Os grandes vinhos brancos do mundo são os que reconhecidamente mostram a origem, os que não a mascaram. No momento em que se procura a expressão absoluta de um terroir, a expressão de uma casta numa micro-parcela de vinha, não faz lá muito sentido artificializar vinhos, trans- formando-os naquilo que não o são. Se quiser ter num copo um líquido incolor, praticamente inodoro, estupidamente salgado e de final apimentado não peço um vinho (encho um copo com água, junto-lhe umas pedras de sal e uns pós de pimenta, “et voilà!”). E, pessoalmente, sou dos que gostam de muita acidez e picante, imaginem se não o fosse… OPINIÃO José João Santos, jornalista e crítico de vinhos Os vinhos brancos não podem perder o ADN simplesmente em nome de uma tendência mundial de consumo, muito menos pela busca de conceitos tantas vezes baralhados como acidez, mineralidade, salinidade. 24 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos VINHO FORA DA CAPA HERDADE DO ROCIM INDÍGENA 2018 Alentejo / Tinto / Herdade do Rocim Mais que um projeto vínico, a Herdade do Rocim foi o primeiro passo de um sonho que arrancou, na viragem do milénio, no Alentejo. A propriedade, sita na Vidigueira, reúne cerca de 120 hectares, dos quais 70 são de vinha. A visão e experimentalismo de Catarina Vieira e Pedro Ribeiro cedo os impeliu para vinhos verdadeiramente sui generis, ao dinamizarem o ressurgimento dos vinhos de talha e ânfora, passando pelos exemplares que nascem de vinhas em modo biológico, como é o caso deste Indígena, o primeiro de todos. Conta ainda a particularidade de ser fermentado e estagiado em depósitos de cimento. Elaborado com base na casta Alicante Bouschet, uma das mais representativas do Alentejo, este Indígena apresenta cor rubi profunda, notas de eucalipto,características da casta. Mostra estrutura, concentração e acidez, num conjunto fresco e energético que lhe permitirão uma boa evolução em garrafa. Compra exclusiva online em www.rocim.pt DESCONTO NA COMPRA, INTRODUZA O CÓDIGO PROMOCIONAL: #VINHOFORADACAPAREVISTADEVINHOS CONDIÇÕES PARA COMPRA ONLINE EM: www.rocim.pt 1. HERDADE DO ROCIM INDÍGENA 2018 PVP recomendado de 11,75€. > Insira o código promocional #vinhoforadacaparevistadevinhos e compre o vinho por apenas por 8,75€. *seu por 11,75€ 8,75€ PROFILE texto Nuno Guedes Vaz Pires · foto Fabrice Demoulin Acabado de chegar aos escaparates, o Guia Popular de Vinhos 2021 de Aníbal Coutinho (com Neil Pendock) assenta novo tijolo numa das mais profícuas carreiras no mundo nacional do vinho. Este engenheiro civil, formado pelo Instituto Superior Técnico, rumou ao Instituto Superior de Agronomia, onde se especializou em Viticultura e Enologia, dado o gosto pelo vinho. Jornalista, crítico, formador, blogger, produtor de vinhos, júri de concursos nacionais e internacionais, membro do Coro Gulbenkian, em Aníbal Coutinho cabem várias dimensões, um verdadeiro ‘one man show’ que procura sempre mais, e melhor, para o universo do vinho português. Algarvio de gema, foi dos primeiros especialistas a segmentar os vinhos nacionais, não por divisões administrativas, mas por terroirs. E, com os vinhos Escondido e Astronauta vai, lentamente, de forma discreta, construindo um sólido portefólio. Aníbal Coutinho 26 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos C M Y CM MY CY CMY K pubs RV_ECV_Casa_2020_Dupla_AF.pdf 1 02/10/2020 10:57 C M Y CM MY CY CMY K pubs RV_ECV_Casa_2020_Dupla_AF.pdf 2 02/10/2020 10:57 Para a Mesa ESCOLHAS DO MÊS As suaves colinas de S. Lourenço Foi a primeira peça a corporizar o portefólio da Ideal Drinks, em 2009. A quinta das Colinas de S. Lourenço, em S. Lourenço do Bairro, Bairrada, reúne 80 ha. de vinha em solos argilo-calcários das suaves colinas típicas da região, que deram origem ao seu nome. Carlos Dias tem uma história de vida que mais parece uma epopeia. Nascido e com juventude passada em Portugal, há 46 anos vive fora. Em 1995 funda a Manufacture Roger Dubuis. Um investimento de 600 mil euros, num projeto pensado para entrar no exclusivo segmento de luxo e que se iniciou com dois colaboradores. O sócio e amigo Roger Dubuis era o mestre relojoeiro. Anos mais tarde, em 2008, Carlos Dias vende a empresa ao grupo de luxo Richemont, um negócio estimado em… 850 milhões de euros. A paixão pelos vinhos ganha corpo na primavera de 2009, quando concretiza a aquisição das Colinas de S. Lourenço e, acompanhado pelo enólogo consultor Pascal Chatonnet, acrescenta ao portefólio o Paço da Palmeira, em Braga, a Quinta da Pedra e a Quinta dos Milagres (2010), em Monção, e a Quinta de Bella, no Dão. Pelo meio reforçou a presença na Bairrada, ao comprar a Quinta da Malandrona e a Quinta da Curia. O seu pendor detalhista reflete-se nos vinhos que faz, como este Reserva de 2012, no ponto para consumo e grande companheiro de viagens gastronómicas. 17 Colinas Reserva 2012 Bairrada / Tinto / Colinas de São Lourenço — Rubi, de rebordo atijolado. Nariz de caruma e de resina de pinheiro, caril, cereja madura, tinta da china e balsâmicos. Tanino firme e de ADN vegetal, estrutura ampla, extensão final bem conseguida, com mentolados e toque de tabaco. Denota boa evolução e está no momento acertado para consumo. JJS 14,50€ / 16ºC Para aMesa 30 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos DOURO PORTO Memória Futuro &+ C M Y CM MY CY CMY K Noticia.pdf 1 14/04/20 14:45 Para a Cave ESCOLHAS DO MÊS Pellada de nervo e tensão Desde que assumiu os destinos da Quinta da Pellada, em 1980, Álvaro de Castro marcou o percurso dos vinhos do Dão. Eis mais um exemplo de nervo e tensão, notável ainda mais se pensarmos que 2017 foi um ano extremamente quente. 18,5 Quinta da Pellada 2017 Dão / Tinto / Quinta da Pellada — Rubi. Aromas ainda jovens de fruto vermelho, cereja, amora, bagas pretas de bosque, toque vegetal e resinoso, conjunto delicado mas vibrante. Na boca é seco, texturado, taninos firmes de boa qualidade, acidez viva, frutados frescos. Um tinto de grande qualidade, final duradouro e persistente. MB 45,90€ / 16ºC O Dão de Álvaro de Castro tem uma expressão própria, uma identidade e um carácter que vêm da vinha e deve ser preser- vado. Com o tempo de observação e trabalho nas vinhas, dividiu os 26 hectares da pro- priedade de acordo com as características de cada parcela. No que o produtor julga ser o bloco principal, em vinhas contíguas a norte, estão parcelas como Primus, Casa e Alto, de onde saem algumas das maiores joias da Pellada, entre as quais o vinho que aqui tra- zemos, oriundo sobretudo da vinha velha da propriedade. As primeiras referências históricas da Quinta da Pellada datam de 1570. Muita história, portanto. E após tantas vindimas (Álvaro começou a produção própria de vinhos em 1989), o produtor continua a des- cobri-la. Entender os vinhos de Álvaro de Castro é fácil. Vibrantes, tensos, cheios, múl- tiplos e ao mesmo tempo leves e frescos. São grandes vinhos de uma grande região. Para aCave 32 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos ESCOLHAS DO MÊS b A escolha de Nuno Guedes Vaz P ires b A escolha de Marc Barros 18 Herdade dos Grous Moon Harvested 2018 Regional Alentejano / Tinto / Monte do Trevo 24,90€ / 16ºC — Concentrado. O aroma é profundo e intenso, em que as notas de fruta preta e bagas azuis casam com a especiaria e a componente mentolada, tudo muito fresco, a que se junta a perceção da madeira criteriosa, e chocolate. Seco e ainda austero na boca, equilibrado pela boa acidez e textura. Termina longo, frutado e com especiaria final. Belo vinho! MB 18 Passadouro Reserva 2017 Douro / Tinto / Quinta do Passadouro 40,70€ / 16ºC — Granada. Nariz rico e atrativo, fruto vermelho muito fresco, bergamota cítrica, balsâmicos mentolados e tostados de qualidade. Na boca é amplo, comprido, mostra bom volume e acidez equilibrada, taninos finos e aveludados, bebe-se já com muito agrado. 18 Passadouro Touriga Franca 2017 Douro / Tinto / Quinta do Passadouro 21,80€ / 16ºC — Violáceo. O nariz é rico e profundo, com fruto vermelho fresco, de grande qualidade, toque floral, chocolate. Na prova de boca é sumptuoso, bom volume, tanino macio mas duradouro, sabor dominado pelo perfil silvestre, persistente e sedutor. MB 18 Quinta de Saes Estágio Prolongado Reserva 2015 Dão / Tinto / Quinta da Pellada 20,90€ / 16ºC — Rubi. Nariz delicado e elegante, notas de frutos silvestres a surgirem a par das notas de sub-coberto, pinheiro, algum musgo e cogumelo seco. Na boca, a mesma linha de delicadeza apesar dos taninos vivos, boa acidez. equilibrado e comprido. Termina com frescura. 17,5 Colecção Privada Domingos Soares Franco Riesling 2019 IVV / Branco / José Maria da Fonseca 9,90€ / 11ºC — Amarelo. Nariz bonito e perfumado, citrinos, pêssego, maçã verde, nuance floral. Seco, bom volume de boca, notas de maçã, boa acidez e mineralidade salivante, final glicerinado, fresco e longo. MB 34 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos Vinhos de patamar de qualidade muito boa e excelente, com plena garantia de deixar de sorriso rasgado qualquer felizardo que tenha oportunidade de os degustar. Altamente Recomendados ESCOLHAS DO MÊS b A escolha de José João Santos b A escolha de Manuel Moreira b A escolha de Luís Costa 17,5 Veuve Clicquot Carte Jaune Yellow Label Brut Champagne / Champagne / Veuve Clicquot 49,90€ / 8ºC — Dourado, bolha fina, elegante e regular. Notas evidentes de pastelaria, fruto de caroço, pêra, floral. Na boca mostra-se seco, mousse delicada, texturada, boa efervescência, mineral. Termina longoe sedutor. MB 17,5 Explicit 2018 Regional Alentejano / Branco / Sociedade Agrícola Jorge Rosa Santos e Filhos 15,00€ / 11ºC — Amarelo limão. Nariz fino de flor de árvore, raspa de lima, maçã, fermento de pão, algum fumado. A nota de barrica surge mais evidente na boca, tem muito boa untuosidade, volume preciso, acidez bem conseguida, ligeiro salino. O final é amplo, persistente e bastante gastronómico. 17,5 La Rosa Reserva 2019 Douro / Branco / Quinta da Rosa Vinhos 12,50€ / 11ºC — Amarelo. Nariz muito delicado e complexo, aromas florais e fruta elegante, apontamento tostado e toque mineral. Seco, excelente volume e acidez, um branco de grande categoria, que poderá dar gratas surpresas dentro de uns anos e seguramente grande prazer desde já. 17,5 Quinta do Cume Vinhas Velhas 2016 Douro / Tinto / Quinta do Cume 32,00€ / 16ºC — Rubi vivo. Aroma concentrado mas fresco, fruto vermelho maduro, bagas pretas, notas balsâmicas, baunilha e especiarias. Na boca é seco, reforça a componente especiada, boa estrutura, tanino em integração, acidez alta e competente no equilíbrio de um conjunto muito apelativo e gastronómico, que irá evoluir por uns bons anos em garrafa. MB 17,5 Terra a Terra Reserva 2016 Douro / Tinto / Quanta Terra 11,29€ / 16ºC — Rubi violáceo. Sugestões aromáticas a fruta preta, cacau, esteva, flores violáceas e leve apimentado. No ataque de boca é suave e elegante, mostra equilíbrio, médio corpo, boa acidez, taninos maduros, integrados e pujantes. Final persistente. outubro 2020 · 370 ⁄ Revista de Vinhos · 35@revistadevinhos ESCOLHAS DO MÊS 17 João Portugal Ramos Alvarinho 2019 Vinho Verde / Branco / João Portugal Ramos 9,99€ / 11ºC — Amarelo limão. Boa intensidade aromática, citrinos, floral, notas de mel, conjunto elegante e sóbrio. Na boca é sedutor, frutado e fresco, termina com nota especiada e bom comprimento. Pode surpreender dentro de alguns anos. NGVP 17 Pequenos Rebentos Tinto Atlântico 2019 Vinho Verde / Tinto / Márcio Lopes 15,00€ / 14ºC — Rubi translúcido. Notas sinceras de morango e cereja fresca, romã e folha de tomate. Tanino muito suave, estrutura bastante fresca e muito leve, final subtil mas absolutamente delicioso. É daqueles vinhos que rapidamente desaparece no copo… e precisamos de mais vinhos destes. Refresque-o ligeiramente. JJS 17 Porta dos Cavaleiros Reserva 2015 Dão / Tinto / Caves São João 9,00€ / 16ºC — Rubi escuro. Floral elegante de violeta e pétala de rosa, cereja madura, mirtilo e balsâmicos de pinheiro. Tanino de porte elegante, volume amparado por uma acidez que lhe aporta frescura. De final fino, estendido e persistente. Está a crescer com o tempo. JJS 17 Quinta de Santa Teresa Avesso Unfiltered 2019 Vinho Verde / Branco / A&D Wines 10,00€ / 11ºC — Amarelo claro. Boa intensidade aromática, frutado calibrado, elegante e de boa compleição. Notas citrinas, tropicais e de ervas frescas. Corpo moderado e estrutura de qualidade, formada pela fruta, alta e boa acidez e volume. Persistência e elegância final. MM 16,5 Encostas de Melgaço Único Alvarinho 2018 Vinho Verde / Branco / Quinta da Pigarra 12,00€ / 11ºC — Cor citrina. Nariz elegante e contido, com a delicadeza das notas de limão a definir o carácter. Boca cremosa, citrina e longa, com acidez desenhada a traço seguro. É um vinho de estrutura firme, com várias camadas. CL 36 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos ESCOLHAS DO MÊS Prazer garantido a bom preço, já que um bom vinho também pode ser amigo da carteira. A facilidade de resgate em prateleira também é uma chave desta seleção. Boas Compras 16,5 La Rosa 2019 Douro / Branco / Quinta da Rosa Vinhos 8,50€ / 11ºC — Amarelo. Boa fruta no nariz, delicada e fresca, sem excessos, apontamento floral, ligeira nota tostada. Bom volume de boca, untuoso e frutado, final bem prolongado, fresco e saboroso. NGVP 16,5 Fresh From Amphora 2019 Regional Alentejano / Branco / Rocim 8,50€ / 11ºC — Amarelo esverdeado. Nariz algo austero, fresco, notas de pêssego, maçã, fruto cristalizado, especiaria. Na boca é seco, acidez mineral e sápida, bom volume e estrutura. Conjunto limpo e fresco, final médio, gastronómico. MB 16,5 Quinta do Espírito Santo Reserva 2016 Regional Lisboa / Tinto / Casa Santos Lima 7,99€ / 16ºC — Rubi médio. Aroma cheio, fruta madura, notas a chocolate e torrefação de barrica. Algo de herbal a envolver a boa fruta. Bom porte na boca, corpo médio/alto, taninos largos e suculentos. Final fresco, persistência com agradável complexidade. Um pouco consensual mas muito bem feito. MM 16,5 Terras de Santo António Encruzado 2019 Dão / Branco / Sociedade Agrícola da Quinta de Santo António 8,50€ / 11ºC — Amarelo palha. Flor delicada, limão, raspa de lima, toranja, pedra molhada, ligeiro apimentado. Acidez mais vincada, frescura geral, volume preciso. O final é estendido e persistente, acentuando o perfil granítico que demonstra durante toda a prova. Para levar à mesa ou guardar um par de anos. JJS 16 Perspectiva 2017 Douro / Tinto / Santos & Seixo 3,95€ / 16ºC — Rubi de bom porte. Aroma sugestivo pela elegância da fruta, mentolado e algum vegetal seco. Especiaria subtil. Na boca mostra-se fresco, afinado, taninos polidos, acomodados no corpo médio, estrutura fundida, pronto dar prazer. Muito bem feito e claramente gastronómico. MM outubro 2020 · 370 ⁄ Revista de Vinhos · 37@revistadevinhos CASTA Touriga, a portuguesa texto Marc Barros / foto arquivo A mais representativa das castas portuguesas, que hasteia bem alto a valia das castas do país nos mercados internacionais, diz-se oriunda do norte de Portugal, nomeadamente do Dão, onde teria a designação Preto Mortágua ou Tourigo. Do Dão, onde é responsável pela produção de vinhos de imensa finura e elegância, e do Douro, que se encarrega de fazer valer os seus taninos delicados, a casta passou rapidamente a ter representatividade nacional, fazendo jus ao seu nome. Conta hoje com 13.000 hectares, ou seja, 7% do encepamento total, sendo a terceira casta mais plantada do país, ombro a ombro com a Touriga Franca. Mas já é possível encontrá-la dispersa pelo (velho e novo) mundo vitícola. Sendo uma casta de maturação tardia, é das últimas a ser vindimada. Com boa produtivi- dade na vinha e regular de ano para ano, adapta-se a todos os tipos de solo, pedindo apenas muitas horas de sol e disponibilidade hídrica. Mesmo assim, garante bons níveis de acidez e frescura, percetível aromaticamente pelos seus tons florais característicos, mas também pelas notas de frutos silvestres e até herbáceas, de cor e complexidade inusitadas. Como casta rainha, origina vinhos de enorme qualidade, a solo ou em lote, oferece exce- lente potencial de envelhecimento, em madeira (onde mostra a sua personalidade forte e acrescenta tanino) e na garrafa. É, naturalmente, uma variedade que transporta os vinhos portugueses pelo mundo fora, confere notoriedade e qualidade garantida. Mereceria ser “portuguesa” na designação? Dicas 1. 2. 4. 3. Não sendo uma casta que transmita potência, a Touriga Nacional ‘deixa-se’ ser trabalhada de diversas formas: por um lado, mantendo o perfil aromático típico, delicado e floral, que pode ir além da violeta. Quem pretenda acrescentar tanino e dimensão à casta, encontra na utilização da madeira, com diferentes anos e níveis de porosidade e de tosta, parceiro dócil e competente. É, por isso, possível descortinar uma imensa variabilidade regional no tratamento da casta. Apesar da sua ampla adaptabilidade, as Tourigas não são todas iguais. No Douro, mais tanino, concentração e fruta; no Dão, elegância, finura e aromas do bosque; no Alentejo, maciez no corpo e bom volume de boca; em Setúbal, frutos vermelhos e pretos, compota, tanino macio. E já a vemos plantada por esse mundo fora. Em Bordéus, écasta autorizada, sendo que o ciclo de maturação tardia da Touriga Nacional indica uma exposição reduzida às geadas da primavera e às maturações do verão, quando as temperaturas mais altas podem afetar o sabor e a qualidade do tanino e elevar os níveis de álcool. Na África do Sul, integra os lotes de Port Wine Style; na Austrália, dá origem a vários monovarietais. Espanha, Califórnia e Brasil são outros locais onde pode ser encontrada. As possíveis sugestões de prova da casta em diversas modalidades (tintos, espumantes, rosés) são infindas. Um bom exemplo são os vinhos constantes na prova temática que pode consultar mais à frente nesta edição. Boas provas! 38 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos C M Y CM MY CY CMY K AnuncioImprensa_QdP_220x297_2020.pdf 1 18/08/2020 16:34 Taninos e adstringência DICAS Os taninos permitem que os bons vinhos envelheçam, por vezes, ao longo de décadas. texto Manuel Moreira / fotos Arquivo O copo na medida certa aproxima-se da boca. Já antes lhe apre- ciámos a generosidade rubi e o nariz fez-nos sorrir ao identificar aqueles frutos de cores vermelhas, pretas e azuis. Ao prová-lo, a boca e a gar- ganta ficam secas de repente, as gengivas e a língua contraem-se, o instinto faz-nos de imediato rodar a língua pelas laterais da boca, em reação aos taninos do vinho. Sim, é a adstringência a manifestar-se. Mas o que é a adstringência? E os taninos? Qual a origem? Servem para quê? Qual a razão desta sensação acontecer só quando se bebe vinho tinto e não com brancos? Os taninos são parte de um conjunto de compostos chamados fenó- licos. A película do bago é muito rica nesses compostos. Os taninos existem, também, no engaço e numa fina película que reveste as gra- inhas. A quantidade em taninos difere de casta para casta. Umas têm mais que outras. Difere também se a uva estiver mais ou menos madura. Ao beber um vinho tinto sentimos os taninos, por ser vinificado com as películas das uvas, das quais se extraem, então, estes compostos durante a fermentação e através das operações de maceração. Da madeira também se extraem taninos, ao longo do estágio, nas barricas novas de carvalho. Os vinhos brancos são mais pobres em taninos devido ao menor contacto com as películas. Contudo, o surgimento dos vinhos brancos submetidos a maceração pelicular irá provocar a mesma sensação de adstringência. Haverá mais taninos nos vinhos concebidos para durarem mais tempo do que nos vinhos pensados para o consumo imediato. Como conser- vantes, os taninos permitem que os bons vinhos envelheçam, por vezes, ao longo de décadas. Com o passar do tempo, os taninos amaciam e a textura do vinho também. Os taninos são relevantes na constituição do vinho, importantes na estrutura, a quantidade e a forma influenciam a textura e o modo como os sentimos na boca. O tanino manifesta-se através de uma sensação tátil, a adstringência. Ao combinar e ao coagular com as proteínas da saliva, perde as suas propriedades lubrificantes. Surge aquela impressão de secura e rugosi- dade, em vez da humidade natural quando passamos a língua no palato, nas gengivas, nos dentes e nos lábios. Dá lugar a algo como uma resis- tência, um atrito, como se a língua se tivesse tornado encortiçada, como se a boca estivesse ressequida e contraída, a língua e as gengivas já não se tocam suavemente. É isto a adstringência. Resumindo, os taninos são o ingrediente e a adstringência a sensação. O tanino manifesta-se através de uma sensação tátil, a adstringência. Ao combinar e ao coagular com as proteínas da saliva, perde as suas propriedades lubrificantes. Surge aquela impressão de secura e rugosidade. 40 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos Preservamos o nosso património. C M Y CM MY CY CMY K ANUNCIO_21X29,7.pdf 1 03/09/2020 10:56 VINHOS & NÚMEROS Os números também contam histórias sobre o mundo do vinho. Fonte: IVV, IVDP. texto Marc Barros · infografia Angela Reis Direitos de plantação de vinha e a lei do mercado O IVV concedeu 1.927 hectares de novas autorizações de plantação de vinha em 2020. As candidaturas submetidas correspondiam a uma área de 2.949 ha. O total de área de vinha em Portugal Continental era, há cerca de um ano, de 189.988 ha., ligeira retoma face ao ano anterior, mas incapaz de inverter a tendência de diminuição continuada que se verifica desde há três décadas a esta parte. Segundo diretrizes comunitárias, a área a distribuir anualmente corresponde a 1% da superfície total de vinha plantada em 31 de julho do ano anterior. Partindo do princípio que os operadores são agentes económicos racionais e a área a concurso supera largamente a atribuída, que papel para a regulação? Esta tem em conta as especificidades regionais? No Douro, onde certos operadores estimam que a área de vinha está sobredimensionada e fragmentada, levando a que o preço de uva atinja, na melhor das hipóteses, 1,15 euros/kg., (mas a média cifra-se nos 0,5 euros), será que a reposição do stock de vinha é pertinente? Em que medida este regime contribui para a perda de património genético, uma vez que é concedido ao viticultor o poder de repor o stock de vinha arrancada? 400 ha. Vinho Verde, atribuídos 296 ha. 65 ha. Douro, acima dos 4,3 ha. concedidos 340 ha. Tejo, atribuídos 262 ha. 107,58 ha. Beira Interior com 100% aprovados Nesta ronda, foi pela primeira vez atribuída a qualidade de “Novo Entrante”, que permite a um operador iniciar a atividade de viticultor. ALENTEJO E LISBOA OUTRAS REGIÕES Ambas com pedidos superiores a 700 ha. Atribuídos 250 ha. (restrição previamente estabelecida) e 552 ha. (Lisboa teve o maior número de candidaturas aprovadas). Em sentido inverso Algarve com maior percentual em área (∆1% crescimento regional) Candidatou 60 ha. e recebeu 54 ha. 46 % candidaturas aprovadas a Novos Entrantes 36 % do total atribuído dos quais 34 % "Jovem" e 66 % "Outros" 42 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos VINHOS & TURISMO Entre a Lezíria, Campo e Bairro, há um mundo de diversidade para conhecer. Tejo para descobrir texto Marc Barros / fotos D.R. No Tejo encontramos diferentes terroirs em cenários deslumbrantes, bem como produtores e quintas ligados à própria história de Portugal. Quinta do Casal Branco Na posse da família Lobo de Vasconcellos desde 1775, esta belíssima propriedade tem cerca de 1100 hectares, dos quais 120 de vinha na margem esquerda do rio Tejo, contemplando a vasta imensidão da planície do vale. Entre as atividades de enoturismo disponíveis contam-se visitas guiadas à adega e à vinha, provas de vinhos comen- tadas, almoços e jantares vínicos, visitas à Coudelaria de Cavalos Puro Sangue Lusitano e aos jardins da Casa Lobo de Vasconcellos. Quinta do Casal Branco Estrada Nacional 118 Km 69 / 2080-187 Almeirim, Portugal M. 917 656 683 / S. www.casalbranco.com Falua Produtor da nova geração do Tejo, fundada, em 1994, por João Portugal Ramos, a Falua passou a ter a sua adega em 2004, em Almeirim e recentemente adquirida pelo grupo francês Roullier. Entre as suas marcas icónicas estão o Conde Vimioso. Na Vinha do Convento da Serra, plantada em 1996, desenvolvem-se videiras entre calhau rolado, num terroir emblemático que conta uma história com mais de 400 mil anos. O moderno centro de vini- ficação e a sala de barricas dão o entorno para visitas e provas de vinhos. Falua Zona Industrial Lote 56 / 2080-221 Almeirim T. 243 594 280 / E. falua@falua.pt Companhia das Lezírias Fundada em 1836, no reinado de D. Maria II, é uma das maiores manchas agrícolas nacionais. Conta hoje com um moderno espaço dedicado ao enoturismo, onde é pos- sível realizar provas de vinhos comentadas pelos enólogos, vindimas e pisa a pé dos vinhos. Estão também disponíveis bungalows em madeira (com piscina exterior) em plena Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo. Companhia das Lezírias Largo 25 deAbril, nº 17 / 2135-318 Samora Correia / T. 212 349 016 / 263 650 600 E. loja.vinhos@cl.pt / S. www.cl.pt Quinta da Lagoalva de Cima Localizada na margem sul do Tejo, conta longa tradição agrícola e vitivinícola, quando D. Maria de Noronha de Sampaio casa, em 1846, com D. Domingos António Maria Pedro de Souza e Holstein, 2.º Duque de Palmela. Além da produção de azeite, cortiça, da criação de gado e de cavalos puro- -sangue lusitano, a Quinta da Lagoalva possui 45 hectares de vinha no conjunto de 600 hec- tares agrícolas. Passeios de char- rete, visita à adega e coudelaria, prova dos produtos da quinta, entre outros, fazem parte do pro- grama de enoturismo. Quinta da Lagoalva de Cima 2090-222 Alpiarça / M. 912 252 748 W. www.lagoalva.pt 44 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos WWW.FALUA.NET VINHOS & RESTAURANTES Avaliação do serviço de vinhos Bovino Steakhouse Tal como o nome sugere, aqui podemos encontrar pratos de carnes maturadas com diferentes cortes e pesos, como é o caso dos bifes do lombo, de alcatra e ribeye. A decoração é cuidada e o ambiente fantástico. Antes de chegarmos à sala de jantar ou ao terraço, uma paragem no bar é obrigatória, recebeu o prémio em 2018, do melhor bar de restaurante no Drinks Diary Bar Awards, aqui podemos experimentar uma série de cock- tails clássicos e originais, e ver e ouvir o mixologista de ser- viço. Nos vinhos o serviço é exemplar, a cargo do Sommelier Miguel Martins, com a atenção e dedicação do gerente do Bovino, Pasquale Manganiello. Grande seleção de vinhos dispo- nibilizados a copo, 61, entre espumantes, champanhes, brancos, tintos, generosos e doces, onde podemos provar, por exemplo, um Principal Grande Reserva 2011 ou um Château Lynch Bages 2011 (Coravin 125 ml). A carta de vinhos, bem estruturada e criteriosa, apresenta cerca de 300 referências listadas, divididas por país, regiões e tipos. Podemos encontrar uma seleção muito interessante de champanhes e generosos, os tintos e brancos são maioritariamente portugueses, mas marcam presença vinhos de França, Itália, Espanha, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia, EUA, Chile, Argentina e África do Sul. Grandes nomes do vinho estão presentes, desde Niepoort, Mouchão, Ferreirinha, José Maria da Fonseca, até aos não menos famosos Concha y Toro, Fritz Haag, Villa Maria, Château d’Yquem, Latour, Mouton e Petrus. Um restaurante reavaliado pela Revista de Vinhos, que obteve uma excelente classificação. Parabéns! cozinha Lagosta ao vapor ou grelhada, bife tártaro de lombo Angus, hambúrguer de bovino com queijo, costela de vitela da Argentina, ribeye, alcatra, New York strip, prime ribe. classificação 20 19 20 20 carta de vinhos 20 temperatura de serviço aconselhamento de vinhos copos qualidade do serviço vinho a copo BOVINO STEAKHOUSE Quinta do Lago, Almancil (virar à direita na rotunda 6), Algarve T. +351 289 007 863 — Preço médio/pessoa: 100,00€ (vinho incluído) Horário: diariamente, das 18h30 às 24h (a cozinha fecha às 22h e o bar às 24h). Não encerra. 20 19,8 texto Nuno Guedes vaz Pires / fotos D.R. A classificação obedece a uma escala de 0 a 20, em que cada item tem um peso específico na média final. Não incide na componente gastronómica, pretendendo afirmar-se como crítica construtiva, estimulando um cada vez melhor serviço de vinhos nos restaurantes. @revistadevinhos VINDIMA 2020 Os dados avançados pelo Instituto do Vinho e da Vinha (IVV), no início de agosto, apontavam para uma ligeira redução da campanha em relação a 2019/2020, em torno dos 3%, ou seja, um volume total de 6,3 milhões de hectolitros. Afirmava tratar-se de um ano marcado pela “instabilidade meteorológica observada ao longo do ciclo vegeta- tivo”, com o registo de “focos de míldio” que obrigaram a tratamentos intensivos e cuidados redobrados. A Revista de Vinhos procurou tomar o pulso à campanha e, sobre- tudo, à qualidade dos vinhos e mostos, num ano marcado por con- dições ainda mais difíceis que o habitual, dado o cenário pandémico provocado pela Covid-19. O citado documento do IVV reportava que as regiões vitivinícolas de Terras de Cister (-35%), Trás-os-Montes (-20%), Douro e Porto (-20%), Dão (-20%) e Açores (-15%) seriam as principais responsáveis por esta ligeira quebra. Na região da Beira Interior não se antecipavam variações. Nas restantes regiões pre- viam-se aumentos de produção, destacando-se a região do Minho, com o maior acréscimo em volume (+73 mil hectolitros) e a região do Algarve, com o maior crescimento percentual (+15%). Vinhos Verdes Na região dos Vinhos Verdes a expetativa era para um aumento na produção de 9% relativamente ao ano anterior, mesmo tendo em conta a forte incidência de focos de míldio, com a produção total a ascender a 890 mil hectolitros, 7% acima da média dos últimos cinco anos. A uma semana do término da vindima, António Sousa refere que a vindima trará “boas produções” e, no que concerne à quantidade obtida, estará em linha com o ano anterior. Algumas castas, como a Loureiro, assumem um desempenho surpreendente, apresentando “níveis de acidez de 6,5 a 7 gr. de acidez e 12% de álcool provável à entrada da adega”. Também as uvas das castas Avesso e Arinto reve- lam-se satisfatórias. O enólogo regista apenas algum “défice de acidez nas uvas mais pre- coces, colhidas em agosto e início de setembro”, apresentando-se “um pouco sobrematuradas”. Já a uva “colhida no período de meados de setembro até agora mostra-se muito equilibrada”. Na sub-região de Monção e Melgaço, o crescimento será ainda superior, com as uvas da casta Alvarinho a apresentarem excelente qualidade fitossanitária. Douro e Porto No Douro a quebra da produção de vinho cifrava-se nos 20%, cor- respondendo a uma diminuição de 8% face à média do período 2015/2020, superando o volume de 1,35 milhões de hectolitros. Recorde-se ainda que o Conselho Interprofissional (CI) do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) estabeleceu o benefício de 102.000 pipas, de 550 litros cada, (92.000, mais 10.000 de reserva qualitativa) de mosto para produção de Vinho do Porto, numa redução de 6.000 pipas face a 2019. Segundo Carlos Alves, enólogo de generosos da Sogevinus, o ano foi “chuvoso até maio, o que possibilitou a reposição natural da água no solo para o bom desenvolvimento da videira”. No entanto, “de maio a setembro, o tempo foi seco e muito quente, o que provocou algum escaldão nas vinhas e, como consequência, uma quebra de produção”. Em finais de agosto “tivemos alguma chuva, o que veio acelerar as maturações e a vindima”. Por isso, “2020 é uma vindima de menor produção quando comparada com 2019”. Ainda a meio da vindima, arriscou-se a dizer que “temos na adega grandes Vinhos do Porto, com enorme potencial de envelhecimento”. Relativamente à performance das castas, a Touriga Franca foi aquela que registou maior quebra de produção, a rondar os 40%. O enólogo mostra-se “satisfeito com os mostos, pois temos teores de açúcares na uva elevados, que permitem fermentações mais longas. Por con- seguinte, conseguimos uma maior extração de cor e taninos. Os pri- meiros mostos e alguns Vinhos do Porto tintos já elaborados apresen- tam-se opacos na cor e com aromas a fruta bastante madura. Em boca são cheios, com um tanino bem presente e uma acidez alta para anos quentes como este. Os Portos Brancos apresentam aromas muito limpos e frescos”. Até ao momento, as castas que têm evidenciado um melhor desempenho são a Touriga Nacional, o Tinto Cão e o Sousão, nas tintas, e Viosinho, Arinto e Malvasia Fina, nas brancas. Singularidade e qualidade na vindima de 2020 texto Marc Barros / fotos Arquivo Este ano ficará para sempre marcado pela pandemia, que colocou dificuldades inauditas ao setor, extensível aos trabalhos na vinha e, por maioria de razão, na vindima. Junte-se um ano difícil do ponto de vista climático. Porém, os dados recolhidos pela Revista de Vinhos apontam para um ano de excelente qualidadeem várias regiões nacionais, apesar da quebra de produção. 48 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos Por sua vez, Tiago Alves de Sousa, da Quinta da Gaivosa, sublinha que “2020 será porventura o ano mais desafiante que a nossa geração já viveu”. E não apenas pela pandemia: o ano “foi sucessivamente lan- çando uma série de desafios que culminaram com uma vindima abso- lutamente fora do normal, com tanto de adversidade como de quali- dade e, sobretudo, singularidade”, afirma. “O ano foi em geral quente desde o seu início, levando a um avanço significativo das várias fases fenológicas logo desde o abrolhamento”. Na primavera registou-se “precipitação acima da média [que] levou a uma grande pressão de míldio, prejudicando também em parte a floração, com consequentes quebras numa produção que já à nascença não era demasiado gene- rosa”. As previsões quantitativas do ano foram desde cedo “modestas e agravadas com o escaldão ocorrido de 22 a 24 de junho. Ainda assim, os 20-25% de quebra prevista inicialmente viriam mais tarde a revelar-se pecar por defeito”, assume. O ciclo prosseguia com avanço de cerca de 10 dias em julho mas “com uma progressão da maturação ainda assim aparentemente normal, inclusive com a maturação fenólica a evoluir muito favora- velmente face aos açúcares”. Porém, “a entrada no último terço de agosto marcou um ponto de viragem brusco - após uma chuva a 20 de agosto, aparentemente bem-vinda para ajudar a fazer face ao calor estival e que numa primeira instância parece ter trazido algum ree- quilíbrio das reservas hídricas para ajudar a terminar a maturação… rapidamente o processo inverteu-se e começa a verificar-se uma desi- dratação galopante nos bagos em diversas vinhas, com particular inci- dência na Touriga Franca nas cotas mais baixas da região”. Tiago afirma não conseguir, em mais de 20 vindimas no Douro, encontrar paralelo para tal fenómeno, “e mesmo colegas com 50 anos na região tampouco”. Até porque “calor no Douro não é propriamente novidade” e “primaveras chuvosas” tinham-no sido mais “em 2016 e 2018”. E questiona-se se “a chuva de 20 de Agosto, face às condições de calor e escaldão anteriores, terá provocado uma reação inesperada e, em vez de refrescar e apaziguar, ter criado algum tipo de gradiente de potenciais hídricos entre solo / videira / atmosfera motivando a saída anormalmente acelerada de água dos bagos? É uma entre várias explicações possíveis… mas ainda sem certezas e será sem dúvida fundamental debruçarmo-nos sobre o sucedido, estudarmos e apren- dermos, sobretudo num contexto de fenómenos climáticos cada vez mais extremos e aleatórios”. Quanto ao resultado da vindima, o enólogo da Quinta da Gaivosa estima que “a quantidade sofreu uma quebra dramática, ultrapassando em diversas vinhas os 50%, penalizando severamente os viticultores”. No conjunto das vinhas das seis quintas da família Alves de Sousa a quebra média foi de 35%, mas “com diversas vinhas a apresentarem quebras efetivamente superiores a 50% e com o ligeiro equilibrar da A variedade Loureiro mostra desempenhos surpreendentes, com níveis de acidez de 6,5 a 7 gr. de acidez e 12% à entrada da adega. Também as castas Avesso e Arinto apresentam bons desempenhos. outubro 2020 · 370 ⁄ Revista de Vinhos · 49@revistadevinhos balança a vir sobretudo das cotas mais altas em que a quebra foi de ‘apenas’ 20%”. Porém, se a natureza retirou por um lado, deu por outro - a quali- dade é verdadeiramente excepcional, exclama Tiago. A concentração e a intensidade são tais que, numa primeira análise levantou algumas questões, sobretudo pelo desafio de conseguir efe- tivamente levar a bom porto as fermentações. Nos vinhos do Douro “será naturalmente necessário trabalho na adega para lidar com tal intensidade mas a qualidade média é altíssima, assim como os muitos picos de qualidade em diversas vinhas e castas”. Nos Vinhos do Porto é um ano que apresenta “concentração imensa mas proporcional em todas as componentes dos bagos - açúcares, aromas, compostos fenólicos, acidez, garantindo intensidade mas também um equilíbrio notável”. A Touriga Franca “é uma das castas que marcam o ano, quer pela quebra e por ter sido a maior vitima do fenómeno de desidratação brusca… quer pela intensidade e qualidade absolutamente magnífica dos seus vinhos”, resume. Na região de Trás-os-Montes, a previsão apontava para um decrés- cimo na produção de 20% (118 mil hectolitros, mesmo assim 7% acima da média das cinco últimas campanhas), que resulta do facto da pro- dução do ano anterior ter sido acima da média e também devido ao míldio, ao oídio e, neste último período, ao escaldão. Bairrada, Dão e Beira Interior A Bairrada apontava para um aumento de produção de 10% (175 mil hectolitros), mesmo que as “condições climatéricas com temperaturas elevadas, precipitação durante vários dias e as recentes humidades matinais” tenham sido favoráveis ao desenvolvimento de pontuais focos de míldio. A vindima para base espumante decorreu, na generali- dade das casas, na primeira semana de agosto, o que corresponde a uma antecipação de 10 dias face a 2019. Foi o caso de Carlos Campolargo, que iniciou a vindima a 6 de agosto, mostrando-se “satisfeito” com a qualidade e a acidez das uvas para vinho base. No cômputo geral, com a vindima concluída na penúltima semana de setembro, verificou-se uma forte quebra quantitativa, em que “as maturações foram afetadas pelas condições atmosféricas”, pelo que “a expetativa não é grande, mas em todos os anos, mesmo os mais difíceis, há bons vinhos”, asse- gura. Osvaldo Amado regista na Bairrada uma quebra na ordem dos 15 a 20%. O inverno foi “tido como normal, com boa reposição dos níveis hídricos. Seguiu-se uma primavera chuvosa, o que requereu atenção redobrada em termos fitossanitários. O verão foi quente e seco, o que veio a determinar uma antecipação da época de vindima”, concluiu Osvaldo. Resumindo, e numa primeira análise, “tudo leva a crer que o ano de 2020 será de boa memória”, antecipa. “Os brancos e tintos mostram maturação fenólica e alcoólica de qualidade, o que nos leva a pensar que este será um ano de excelência”. Quanto às castas Arinto, Bical e Maria Gomes “regista-se um equilíbrio quase perfeito”, com teores alcoólicos na ordem dos 12 a 13% de volume, com uma acidez total e pH bem equilibrados. Quanto à casta Baga, “tirando algumas zonas da Bairrada onde foi notória a desidratação, tudo o resto aponta para ser um excelente ano” desta “casta identitária desta região”, com “distinta maturação e excelente equi- líbrio”. Por sua vez, no Dão era antecipada uma descida na produção de 20% (206 mil hectolitros) resultante de geadas tardias e de ataques de míldio que ocorreram em algumas zonas da região. Segundo Beatriz Cabral de Almeida, enóloga da Quinta de Carvalhais, “o ano climático que passou registou características típicas do Dão, com chuva e frio no inverno e calor no verão”. De realçar, contudo, “as geadas em alguns dias de inverno que fizeram com que algumas plantas vissem a sua produção ameaçada. O verão foi quente e seco, com uma boa chuvada a cair em meados de agosto, permitindo às videiras, com sede, adiantar a maturação das suas uvas”. Com a vindima a decorrer e início de três dias de chuvas a 18 de setembro, “a quantidade de uva que foi vindimada tanto na Quinta dos Carvalhais como a que foi entregue pelos viticultores com quem traba- lhamos, foi menor do que estávamos à espera”. Contudo, “a qualidade nunca esteve em causa! As uvas chegaram à adega com um aspeto muito são, com boa fruta e frescura. A colheita de uva na Quinta dos Carvalhais está já a terminar, sendo que estamos a vindimar apenas 25ha dos 50ha de área total de vinha da propriedade – metade da vinha foi replantada depois dos incêndios de 2017. Neste contexto, e apesar de ser menor do que o que esperávamos, a quantidade está ali- nhada com as necessidades identificadas”. A vindima em Carvalhais
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