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Gastroenterologia Doença de Crohn Definição: Doença inflamatória intestinal (DII): resultado de uma complexa interrelação entre a susceptibilidade genética, o meio ambiente, incluindo a sua própria flora entérica e o sistema autoimune. Hipótese da Fisiopatogenia da DII envolve 3 estágios temporalmente distintos: o Penetração na mucosa intestinal de antígenos da luz intestinal facilitado por condições ambientais (infecção, AINS, alimentos), alteração da permeabilidade intestinal determinada geneticamente. o Resposta imune inata inadequada o Ativação compensatória e exacerbada da resposta adaptada resultando em lesão da mucosa intestinal As DII são divididas em dois tipos principais: o Doença de Crohn (DC) o Retocolite ulcerativa (RCU) A doença de Crohn compreende uma variedade de aspectos clínicos e patológicos que se manifestam por inflamação focal, assimétrica, transmural (todas as camadas podem ser atingidas) e ocasionalmente, granulomatosa, afetando o trato gastrointestinal com potencial para complicações sistêmicas e extra-intestinais → as vezes as manifestações extra- intestinais se apresentam antes dos sintomas intestinais. 1932 – Descrita no hospital Mount Sinai (NY) por Crohn, Ginzburng e Oppeinheimer, sendo chamada inicialmente de ileíte terminal → pensava-se que só atingia o íleo. Brasil – relatos de DC em vários estados, por isso se criou o Núcleo Brasileiro para Doenças Inflamatórias Intestinais GEDIIB – Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil Caráter recorrente → qualquer segmento do trato gastrointestinal. A DC representa um dos fenótipos da DII, juntamente com a RCU. Epidemiologia: Aumento da incidência nas últimas décadas, principalmente na população adulta e pediátrica. Incidência elevada em pessoas de uma mesma família. Prevalência: países desenvolvidos – 50:100.000 – raça branca Estimativa na cidade de São Paulo: 14,8 casos por 100.000 habitantes Incidência: 5:100.000. > entre 15 e 30 anos de idade Pode ocorrer em qualquer faixa etária Proporção masculino/feminino igual Etiopatogenia: O que causa essa doença? o Etiologia desconhecida. o Não existe cura para a doença de Crohn, só se sabe que é uma doença com componente imunológico, mas várias hipóteses já foram feitas. o Fatores genéticos e ambientais → tabaco, toxinas na dieta, infecções, medicamentos. o Fisiopatologia: envolve diversas mutações genéticas nas vias de regulação da imunidade intestinal – determinam uma reatividade inflamatória aumentada à microbiota Interferência de fatores ambientais? Provavelmente sim. Desenvolve-se processo inflamatório crônico e inespecífico – inicia ao nível da mucosa Envolvimento de camadas mais profundas, como a muscular própria e serosa (inflamação transmural) Hipótese atual: indivíduos geneticamente predispostos tem resposta imunológica inadequada na mucosa intestinal frente a diferentes estímulos ambientais O que causa esta doença? o Fatores desencadeantes: meio ambiente, tabagismo, dieta, medicamentos, estresse, genética (parcial), flora intestinal. o Acredita-se que fatores desencadeantes poderiam ativar os sistemas imunológico e não-imunológicos e desenvolver a cascata inflamatória → liberação de citocinas, neuropeptídios, óxido nítrico, enzimas proteolíticas gastroenterologia gastroenterologia Mayara Medeiros – 2020.3 o Alguns pacientes poderiam ser geneticamente predispostos e, ao entrar em contato com antígenos, desencadear uma resposta inflamatória. Inflamação: o Células efetoras: Th1, Th2, Th17 → aumento da resposta de células efetoras na DC, com liberação de interleucinas (IL-12, IL-8, IFN gama, IL- 4, IL-5, IL-13). o Células reguladoras: Th3, Treg, Tr1. Quadro clínico: Sinais e sintomas: o Dor abdominal, mais frequentemente pós-prandial e no quadrante inferior direito (mais frequente no íleo terminal). o Distensão abdominal, vômitos, parada de eliminação de gases e fezes – oclusão/suboclusão intestinal o Diarreia → período noturno (alta e baixa). o Febre. o Perda de peso → déficit nutricional. o Déficit do crescimento → níveis de somatostatina diminuídos, atrasando a idade óssea → principalmente em crianças e adolescentes → importante o diagnóstico precoce para reverter esse quadro. o Retardo na maturação sexual, apesar de os testes endocrinológicos estarem normais. o Anorexia. o Náuseas e vômitos. o Sangramento intestinal, usualmente oculto. o Sintomas gerais → astenia, fraqueza, incapacidade de realizar as tarefas diárias. Doença anorretoperineal: o 25% a 50% dos casos. o Pode ser manifestação inicial e primária da DC. o Lesões de pele, do canal anal, fístulas. o Classificação: leve, moderada, grave Manifestações extra-intestinais: o Hepatobiliares o Nefrológicas. o Hematológicas. o Pancreáticas. o Pulmonares. o Osteoarticulares → mais comuns → artrite reativa. o Vasculares → vasculite e eritema nodoso. o Cardíacas. o Musculoesqueléticas. o Neurológicas. o Abcessos. o Cutaneomucosas → lesão aftóide, língua despapilada. o Oculares → conjuntivite. o Pacientes podem iniciar com manifestações extra- intestinais, com perfuração intestinal. o Fazer diagnóstico diferencial com apendicite. Fatores de exacerbação: o Infecções recorrentes. o Tabagismo. o Anti-inflamatórios não esteroides → ↑agressividade o Uso de narcóticos para analgesia → pode acarretar exacerbação dos sintomas. o Estresse → controverso. Formas de apresentação/evolução o Inflamatória, penetrante, estenosante → formas de apresentação que podem agravar o quadro. o Indicadores de DC grave: ▪ Classificação de Viena 1998 ▪ Classificação de Montreal Diagnóstico: História clínica → dor, perda ponderal, alteração do hábito intestinal. Exame físico → desnutrição, palidez cutaneomucosa (anemia), tumoração na fossa ilíaca direita, distensão abdominal, fístulas ou abcessos perianais. Exames laboratoriais → hemograma, VSH, proteína C reativa (atividade da doença), mucoproteína, calprotectina fecal (alta especificidade, resposta ao tratamento), proteínas totais e frações (albumina baixa), eletrólitos (diarreia), exame de fezes. Testes sorológicos → não são tão específicos, mas auxiliam no diagnóstico quando tem dúvida entre DC e retocolite ulcerativa → perinuclear antineutrophil citoplasma autoantibodies, anticorpo citoplasmático antineutrofilo periférico (pANCA), anticorpos para epítopos oligomanosídicos do fungo Saccharomyces cerevisae (Sc)(ASCA), imunofluorescência indireta e ELISA → ASCA tem níveis mais elevados na DC e ANCA na retocolite ulcerativa. Exames de imagem: o Radiografia trânsito de delgado → mostra perda de relevo mucoso (comprometimento pelo processo inflamatório e aumento da distância entre as alças. o Enema opaco → exame complementar com a colonoscopia → tem que avaliar se o paciente tem a condição de realizar o exame → estenosa, hemorragia entre outros não é indicado. o Radiografia simples de abdome → não é invasivo → mostra perfurações, gases. o Tomografia computadorizada/ ressonância magnética → indicação dependendo dos outros exames feitos inicialmente. o Ultrassonografia abdominal/ transretal → avaliar cavidade abdominal → não é específico para cólon. o Cintilografia com Tc 99 → as vezes é indicado para ver sangramento, mas não é um exame de rotina. o Densitometria óssea → déficit do crescimento, perda óssea. Avaliação endoscópica: o Endoscopia digestiva alta. o Retossigmoidoscopia → auxilia quando não é possível fazer a endoscopia → avalia até o cólon distal (sigmoide). o Colonoscopia → até o íleo terminal → pode mostrar íleo terminal com lesão, apagamento dos vasos, aspecto calcificado, úlceras aftóides, estenose. o Enteroscopia → visualiza todo o intestino delgado. o Cápsula endoscópica → micro câmera filmadora comluz que ao percorrer o trato digestivo transmite as imagens filmadas para um sistema de captação, que é um colete que o paciente veste, quando ingere a cápsula. Colonoscopia Patologia: Manifestações macroscópicas: o Segmento intestinal: hiperemia, segmento espessado, fibrina e aderência entre as alças. o Processo inflamatório transmural: ulcerações aftóides, puntiformes ou lineares. o Envolvimento de todas as camadas da parede intestinal: fissuras, fístulas e abcessos. o Inflamação descontínua (focal). o Aspecto de “pedra de calçamento” (cobblestone) → ulceração mucosa profunda e espessamento submucoso nodular. o Presença de granulomas Aspectos anatomopatológicos: Atividade da doença de Crohn: Leve – moderada → sintomas que incomodam, mas não levam à necessidade de ir para o hospital. Moderada – grave → sintomas mais intensos → náuseas, vômitos, febre. Grave – fulminante → paciente que necessita de internação hospitalar, com medicação intravenosa e muitas vezes nutrição enteral. DC em remissão → paciente que desenvolveu a doença, mas que ao fazer uso da medicação estabilizou a patologia → pode desencadear nova crise. Diagnóstico diferencial: Afecções ileocecais. Afecções colônicas. Doenças psicogênicas. Doenças febris. Doenças endócrinas. Distúrbios do trato digestivo superior. Afecções geniturinárias. Obstrução intestinal. Complicações: Sangramento gastrointestinal. Perfuração intestinal → pode atingir todas as camadas e causar perfuração. Obstrução intestinal → forma estenosante. Fistulas internas (intestinos) ou externas (bexiga, vagina, pele). Abcessos. Tratamento: Objetivos: suprimir a atividade, prevenir complicações, corrigir deficiência nutricional, minimizar impacto emocional. Induzir remissão → manutenção → qualidade de vida → cirurgia no melhor momento (só em situações extremas de obstrução ou estenose). Tratamento clínico: suspender o tabagismo, tratamento nutricional (dieta elementar, nutrição parenteral total, intolerância à lactose, Modulen IBP® - pediatria). Tratamento medicamentoso: o Corticoides → fase aguda, na DC moderada a grave → prednisona, deflazacort, budesonida, hidrocortisona (uso EV – DC grave a fulminante, que precisam de internação hospitalar). o Aminossalicilatos → sulfassalazina, mesalazina – 5- ASA: Ácido 5-aminossalicílico. o Imunomoduladores → quando está fazendo o desmame do corticoide → azatioprina, 6- mercaptopurina, ciclosporina, metotrexate. o Antibióticos/antimicrobianos → metronidazol (age bem na DC anorretoperineal), ciprofloxatina, claritromicina (não é muito utilizada). Probióticos: Saccharomyces boulardii, Saccharomyces cerevisae, Lactobacillus acidophilus → podem ser usados em associação com os medicamentos. Novos agentes: infliximab (anticorpo quimérico monoclonal anti-TNF alfa), adalimumab (anti-TNF), certolizumabe pegol. Indicações para terapia biológica: o É para ser usado como exceção. o Anti-TNF: anticorpo contra fator de necrose tumoral. o Reservados para casos moderados ou graves. o Doença refratária a esteroides – outros tratamentos. o Manifestações extra-intestinais refratárias ao tratamento convencional. o Doença dependente de esteroides. o Fistulas anais e/ou perianais → comprometimento da qualidade de vida. Tratamento de problemas psicoemocionais é muito importante. Tratamento cirúrgico: complicações mecânicas (obstrução intestinal). Evolução e prognóstico Doença de curso clínico imprevisível → pode ter exacerbações e remissões. Doença nos cólons de longa duração – risco de câncer 3 a 20 vezes maior que na população geral. Descoberta de agentes terapêuticos específicos e mais potentes. Importante fazer adaptações familiares, sexuais, sociais e emocionais