Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Lorena Leahy Anamnese -A anamnese é de suma importância nas hemopatias. Dessa maneira, quanto mais detalhada, mais informações sobre a doença em investigação serão coletadas. Informações sobre alimentação, febre, emagrecimento, dores ósseas, possíveis locais de sangramento e tempo de instalação da doença fornecem dados preciosos para o raciocínio clínico. Da mesma maneira, a exposição a agentes tóxicos à medula, tais como organofosforados e benzeno, também deve ser investigada. -O interrogatório sintomatológico minucioso complementa as informações necessárias para firmar o diagnóstico da hemopatia em questão. Assim como em qualquer patologia em investigação, a anamnese bem feita é capaz de firmar o diagnóstico clínico em cerca de 80% dos casos; associada ao exame físico, esse percentual chega a 90% dos casos analisados. Os exames complementares contribuem com apenas 10% desse percentual . -Antecedentes pessoais e familiares. Algumas hemopatias são de natureza hereditária. Assim, as anemias por aumento da destruição causadas por defeito intrínseco das hemácias, tais como a anemia esferocítica constitucional e as hemoglobinopatias, costumam incidir em mais de um membro da família, incluindo irmãos, pais, avós, tios ou primos. Certas púrpuras com defeito intrínseco das plaquetas e um grande número de coagulopatias, tais como a hemofilia e a doença de von Willebrand, também têm caráter familial. Algumas doenças dos leucócitos, denominadas "anomalias leucocitárias': que determinam quadros clínicos que chamam a atenção a maior suscetibilidade às infecções, também podem ter caráter hereditário. -É útil, portanto, o interrogatório minucioso sobre a idade em que tiveram início as manifestações clínicas, pois, em muitos casos, os sintomas têm início na infância e há referência a familiares vivos ou mortos que tenham apresentado doença semelhante. -Convém lembrar também que o conhecimento das condições socioeconômicas do paciente e do meio em que ele vive e trabalha pode ter grande importância no diagnóstico das doenças. Assim, os pacientes com menor poder aquisitivo têm mais chances de desenvolver anemias carenciais. -Pessoas que trabalham em contato com defensivos agrícolas (agrotóxicos), em fábricas em que há substâncias químicas tóxicas (p. ex., benzeno) ou em contato com cosméticos podem desenvolver anemia aplásica por intoxicação da medula óssea. -O uso indiscriminado de antitérmicos, analgésicos, anti- inflamatórios e antibióticos tem aumentado a incidência de vários tipos de anemias e de púrpuras de origem iatrogênica. Por fim, até mesmo condições emocionais e estresses podem explicar o aparecimento ou o agravamento de algumas hemopatias. Sinais e sintomas -Os sinais e sintomas mais frequentes das hemopatias são: astenia ou fraqueza, hemorragias, febre, adenomegalias, esplenomegalia, hepatomegalia, dor, icterícia, manifestações cutâneas (palidez, prurido, lesões herpéticas, equimoses ou petéquias). Pode ocorrer sudorese noturna. Sintomas osteoarticulares (dor, edema, deformidades), sintomas cardiorrespiratórios (dispneia, taquicardia, tosse), sintomas gastrintestinais, geniturinários e neurológicos estão presentes em grande número de casos . - No Quadro 150.1 estão sumarizados os sintomas e os sinais mais frequentes nas hemopatias, podendo-se muitas vezes caracterizar três síndromes: (1) síndrome anêmica, (2) síndrome hemorrágica e (3) síndrome proliferativa. Astenia: A astenia ou fraqueza pode ser de aparecimento súbito ou ter instalação lenta e progressiva. A astenia, o Sistema hematopoético 2 Lorena Leahy cansaço e a dispneia podem ocorrer em graus variados e a lipotimia, ou pré-síncope, costuma ocorrer juntamente com a palidez cutaneomucosa. Caracterizam, clinicamente, um estado de "anemia'.Nas crianças, nos adolescentes e nos indivíduos com grande atividade física, esses sintomas podem ser menos intensos. Da mesma maneira, observamos indivíduos oligossintomáticos em anemias crônicas quando comparados com pacientes de mesma faixa etária, de mesmos valores de hemoglobina e portadores de anemia aguda. A anemia por carência de ferro é mundialmente a mais frequente. Quando a astenia e a palidez estão associadas a perda progressiva de peso, deve-se suspeitar de hemopatia maligna. Nesses casos, pode ocorrer o relato de sintomatologia febril. Hemorragias. As hemorragias manifestam-se por perdas sanguíneas pelas mucosas ou pelo aparecimento de manchas cutâneas do tipo petéquias ou equimoses. Em outros casos, há referência ao aparecimento de coleções sanguíneas em cavidades articulares (hemartroses) ou nos tecidos subcutâneo e intramuscular (hematoma). As hemorragias podem ser espontâneas ou surgir após traumas ou pequenos traumatismos. As hemorragias que acompanham as doenças do sangue decorrem de alterações dos pequenos vasos, das plaquetas ou devido à deficiência dos fatores da coagulação sanguínea. Quando as delgadas paredes dos capilares estão alteradas, o sangue pode atravessá-las, causando hemorragia que fica mais ou menos restrita à região perivascular. Diz-se, então, que há uma capilaropatia. Quando as plaquetas estão em número diminuído (plaquetopenia ou trombocitopenia) ou têm sua função alterada, embora numericamente normais (plaquetopatia), pode ocorrer hemorragia através das mucosas (gengivorragia, metrorragia, enterorragia, hematúria, epistaxes) ou da pele (petéquias, equimoses ou hematomas). Frequentemente, quando a hemorragia é secundária à plaquetopatia ou à plaquetopenia, a manifestação hemorrágica mais comum é o sangramento cutaneomucoso. Quando o sangramento ocorre em virtude da deficiência de fatores de coagulação, a manifestação hemorrágica mais comum é a equimose (Figura 150.4). Dá- se o nome de púrpura às doenças em que há alteração do número ou da função das plaquetas- púrpuras plaquetárias - ou dos vasos - púrpuras vasculares. Os hematomas aparecem nas chamadas coagulopatias, sendo comuns na hemofilia congênita. Febre: é referida com frequência pelos pacientes com hemopatias, principalmente naqueles em que o número dos neutrófilos está muito reduzido (neutropenia). Como tais células são elementos de defesa do organismo, entende-se que, na vigência de neutropenia, há ocorrência de infecções, principalmente bacterianas. Nas neutropenias acentuadas, agudas ou crônicas, em geral, surge uma síndrome febril. Pode haver febre decorrente de infecções nas leucemias agudas e nas anemias aplásicas. Entretanto, em pacientes cujas defesas estejam extremamente deprimidas ou nos que estão em uso de corticosteroides, a febre pode não existir mesmo na vigência de processo infeccioso. Nas hemopatias com crises hemolíticas ou hemorragias, nos linfomas e nas leucemias, a febre nem sempre está relacionada com a infecção. Acredita-se que, nos linfomas e nas leucemias, as células malignas em proliferação sejam responsáveis pela produção e pela liberação de pirogênio endógeno, que produziria a elevação da temperatura. Na presença de febre persistente (febre de origem indeterminada) e sem infecção localizada aparente, com ou sem manifestação de anemia ou de hemorragia, há de se pensar em hemopatia maligna. Nos linfomas tipo Hodgkin, com certa frequência, há uma curva térmica característica, denominada "febre de Pel-Ebstein. Trata-se de febre elevada, constante, que responde mal aos anti térmicos e que persiste por 5 a 1 O dias, retornando a níveis normais durante os dias seguintes, voltando depois a se elevar . 3 Lorena Leahy Dor: A dor pode ser localizada na orofaringe, no tórax, no abdome ou nos membros, sendo secundária à presença de infecções, ao crescimento tumoral com distensão de tecidos ou à compressão de raízes nervosas. Pode ser de localização óssea, articular ou muscular, como em portadores de anemias crônicas, especialmente naquelas de caráter hemolítico (doençafalciforme). As dores ósseas também são frequentes no mieloma de células plasmáticas. Os distúrbios de coagulação podem dar origem a grandes hematomas que causam dor intensa quando a coleta de sangue comprime nervos ou distende cápsulas articulares ou serosas. O crescimento tumoral de alguns órgãos, embora lento, pode causar desconforto muito grande, acompanhado de dor local. As adenomegalias secundárias à infiltração de células hematopoéticas malignas não costumam acompanhar dor local nem fenômenos flogísticos . Icterícia: A icterícia acompanha quase sempre as crises hemolíticas. Nas anemias hemolíticas constitucionais, a icterícia é permanente, com crises de recrudescimento, quando há, então, intensificação da palidez, da astenia, da lipotimia, das dores osteomusculares e acentuação da colúria ou da cor das fezes, devido ao aumento da bilirrubina indireta no sangue, com excreção aumentada do urobilinogênio urinário e fecal. A dosagem das bilirrubinas no soro orienta o diagnóstico diferencial entre as icterícias hemolíticas e as icterícias de origem parenquimatosa. A dosagem das transaminases (ALT e AST), da gamaglutamil transferase (-yGT), da fosfatase alcalina, do urobilinogênio urinário e a determinação do tempo de protrombina (TP) servem para testar a função hepática, o que auxilia o diagnóstico diferencial das icterícias. Deve-se lembrar, contudo, que nas hemopatias a icterícia pode ser do tipo hemolítico (quando há aumento da destruição das hemácias) ou hepático (quando então há lesão parenquimatosa causada por infiltração de células leucêmicas ou linfomatosas no fígado). A icterícia pode ser ainda secundária à lesão tóxica das células hepáticas, causadas por agentes químicos, como os quimioterápicos empregados no tratamento das doenças neoplásicas. Adenomegalias, esplenomegalia e hepatomegalia: O crescimento de gânglios linfáticos ou linfonodos (adenomegalia), do baço (esplenomegalia) e do fígado (hepatomegalia) é frequente nos processos linfoproliferativos. Esses sintomas podem ocorrer de maneira isolada ou em associação. Nas leucemias, também ocorrem essas organomegalias, cuja causa é a proliferação de células anômalas. Em pacientes que faleceram de leucemia em fase avançada da doença, encontra-se, na necropsia, infiltração de praticamente todos os órgãos: cérebro, coração, pulmões, baço, glândulas endócrinas, gônadas, glândulas de secreção externa, pele e músculos. Os crescimentos "tumorais, em casos de linfomas causam desconforto por si sós, mas podem, também, ser acompanhados de fenômenos secundários de tipo compressão, com dor, dispneia e dificuldade motora, conforme sua localização. A esplenomegalia é comum nas hemoglobinopatias. Nesse caso, não encontramos adenomegalia associada. Alterações da pele e fâneros: Além do aparecimento de petéquias e de equimoses, o revestimento cutâneo altera-se com frequência nas hemopatias. A pele pode estar pálida, traduzindo a presença de anemia. De modo geral, a anemia está relacionada com a diminuição da massa eritrocitária (oligocitemia) e da hemoglobina do sangue. Além da palidez cutânea, portadores de anemia carencial podem referir queda de cabelo e unhas quebradiças. Queilite angular pode ser observada na carência da cobalamina. A coiloníquia pode ser observada na anemia ferropriva. Outras manifestações cutâneas que podem ocorrer nas hemopatias são edema, eritemas, máculas, pápulas, bolhas e pústulas. Pode ocorrer impregnação do derma por pigmento bilirrubínico (icterícia), ferro (hemocromatose) ou infiltração por células neoplásicas (leucêmides), além da formação de verdadeiros tumores subcutâneos (infiltrações linfomatosas e das reticuloendotelioses malignas). A pele pode apresentar também coloração avermelhada (eritrodermia) ou cianótica nas poliglobulias e na policitemia, além de descamação (micose fungoide e síndrome de Sézary) e de prurido. O prurido cutâneo é relatado com muita frequência nos linfomas, associado ou não a aumento da sudorese. 4 Lorena Leahy Esse sintoma pode ser extremamente desagradável, só melhorando após o tratamento específico do linfoma. Sua causa não está totalmente esclarecida, parecendo coincidir, em certos casos, com aumento da imunoglobulina tipo IgE no soro. O prurido é generalizado, geralmente sem evidência de lesão cutânea, exceto aquelas provocadas pelo ato de coçar (sinais de coçadura). Outras neoplasias derivadas da proliferação de linfócitos T também podem ocasionar prurido cutâneo como sintoma inicial, sendo a micose fungoide um exemplo típico disso. As leucemias linfoides, embora mais raramente, podem determinar um quadro pruriginoso. As leucemias basoffiicas e as mastocitoses podem apresentar um período inicial cuja única queixa é o prurido. Nesses casos, o prurido está relacionado com a liberação de histamina, presente nas granulações citoplasmáticas daquelas células. Em certos pacientes, o prurido pode permanecer durante longo período, como único sintoma, com nenhuma ou pequena alteração da pele. Nos linfomas e nas leucemias crônicas, especialmente as linfocitárias, como consequência da imunodepressão, podem aparecer infecções virais tipo herpes simples ou herpes-zóster, que adquirem gravidade muito grande com rápida disseminação. Pelo mesmo motivo, quando há lesões das mucosas da boca e da vagina por infecção micótica, especialmente do gênero Candida, há que se pensar em imunodepressão, especialmente em se tratando de pessoas mais idosas. Sintomas osteoarticulares e musculoesqueléticos. São comumente referidos nas anemias crônicas constitucionais e nas coagulopatias. A doença falciforme caracteriza-se por dores ósseas e articulares intensas. Como essa sintomatologia comumente é acompanhada de febre e de leucocitose no sangue periférico, podendo incidir em crianças de baixa idade, não é raro que esse quadro seja confundido com a febre reumática. No entanto, presença de icterícia, episódios de colúria, anemia crônica e história familiar, ao lado dos exames laboratoriais, possibilitam fazer o diagnóstico diferencial. A eletroforese de hemoglobina, com o encontro da hemoglobina S, é fundamental para essa diferenciação. Os sintomas dolorosos (crise vasoclusiva) devem-se à presença de microêmbolos e de infartos causados pela aglutinação das hemácias falcizadas que aparecem em decorrência da isquemia e do fluxo sanguíneo lento nos pequenos vasos sanguíneos. Além da dor pode haver edema da articulação. Com o aparecimento dos infartos e a substituição de tecido ósseo por tecido conjuntivo, podem advir deformidades ósseas. A hiperplasia dos eritroblastos ou de células antecessoras das hemácias, no interior dos ossos chatos do crânio e da face, pode levar a deformidades tais como as que se observam em crianças e em adultos jovens portadores de talassemia (hemoglobinopatia que cursa com anemia crônica na qual há defeito na síntese de hemoglobina) quando não tratados adequadamente. A hiperplasia dos eritroblastos na medula dos ossos ocasiona adelgaçamento das tábuas ósseas externas. A radiografia dos ossos mostra, então, alterações nos ossos chatos e nos ossos longos, especialmente na apresentação mais grave da talassemia na criança. Nas hemofilias A ou B graves, o comprometimento musculoesquelético ocorre devido ao sangramento intra-articular e muscular espontâneo. A dor articular ocorre devido à distensão e à inflamação da sinóvia. Nos casos de sangramento articular repetido, pode-se observar deformidade articular e limitação ao movimento da articulação comprometida. A artralgia é mais comum nos casos agudos de sangramento do que nos casos crônicos, nos quais a deformidade articular já está instalada. As principais articulações acometidas são: joelhos, tornozelos, quadril e cotovelos. A síndrome das pernas inquietas, caracterizada por espasmos musculares involuntários noturnos resultando em distúrbios do sono, pode serexacerbada ou aparecer na carência de ferro. Nas leucemias e nos linfomas não Hodgkin, a proliferação de células malignas na região subperiostal dos ossos e junto às articulações acarreta, em certos pacientes jovens ou em crianças, o aparecimento de dor óssea e/ou articular, simulando, às vezes, 5 Lorena Leahy um quadro reumático. O déficit do desenvolvimento pôndero-estatural pode ser significativo em portadores de anemias crônicas, em especial nas anemias constitucionais (anemias hemolíticas e hemoglobinopatias, sem tratamento adequado) ou nas anemias carências graves quando ocorrem na infância. Sintomas cardiorrespiratórios. Quando presentes, os sintomas cardiorrespiratórios estão sempre relacionados com um grau maior de anemia. A anemia grave determina redução da capacidade laborativa e da atividade física. Os sintomas referidos são dispneia e taquicardia. Se a anemia é aguda, decorrente de hemorragia volumosa, há diminuição do volume de sangue circulante, causando tonturas e lipotimia. Tosse, dispneia e dor torácica podem ser referidas por portadores de linfomas nos quais haja massas neoplásicas mediastinais e derrame pleural. Quando ocorre a síndrome da compressão da veia cava superior, ocasionada pelo aparecimento de massa ganglionar localizada no mediastino, o paciente refere frequentemente edema cervicofacial, pletora facial e dispneia. Menos frequentemente podem ocorrer associados ao quadro tosse seca, edema dos membros superiores, dor torácica e disfagia. Sintomas gastrintestinais. Dizem respeito, principalmente, a hemorragias na mucosa do trato gastrintestinal, desde a boca até o reto. São frequentes nas leucemias agudas, nas púrpuras plaquetopênicas e nas plaquetopatias. Podem ser relatadas como pequenos sangramentos aos traumatismos, como, por exemplo, o ato de escovar os dentes, ou podem ser espontâneos. Perdas sanguíneas maiores pelas fezes são referidas em associação a cólicas abdominais na púrpura vascular de Henoch-Schõnlein. A melena (fezes escuras) pode corresponder a hemorragias gastrintestinais altas ou a excesso de urobilinogênio fecal, como ocorre nas anemias hemolíticas. Em casos de esplenomegalia congestiva, como na esquistossomose mansônica, pode ocorrer hematêmese por ruptura de varizes esofágicas, as quais costumam estar associadas a plaquetopenia decorrente de hiperesplenismo. Nas púrpuras plaquetopênicas, nas leucemias ou na anemia aplásica, podem ocorrer vômitos sanguíneos. O sangue pode ser proveniente do nariz e, se deglutido, é eliminado com o vômito por irritação da mucosa gástrica. Dores abdominais de tipo contínuo ou em cólicas podem estar presentes quando há crescimento tumoral intra-abdominal. A dor abdominal pode ser um dos sintomas da hemoglobinúria paroxística noturna, que também pode apresentar disfagia. O baço aumentado de volume nas síndromes mieloproliferativas costuma comprimir o estômago e ocasionar desconforto pós-prandial. Na doença falciforme, quando ocorre infarto do baço por aglutinação das hemácias, aparece dor, especialmente se o local infartado estiver junto à serosa peritoneal. Abdome agudo pode ocorrer em pacientes portadores de hemólise crônica após trauma, ainda que pequeno, sobre a região abdominal. A coleção de sangue que se forma pode ser tamponada pela cápsula de revestimento da víscera comprometida ou ser intraperitoneal, causando dor. Nas anemias hemolíticas constitucionais, entre elas a microesferocitose hereditária, podemos observar litíase biliar que pode determinar crises de cólicas e de icterícia obstrutiva (cálculos de sais de bilirrubina) . Sintomas geniturinários. As hemorragias são também os sintomas geniturinários mais importantes: menometrorragia e hematúria, causadas quase sempre por plaquetopenia. Deve-se lembrar que a menorragia é a causa mais frequente de anemia ferropriva da mulher em idade fértil. A amenorreia pode ocorrer em portadoras de anemia crônica acentuada e também em mulheres que estão em tratamento com quimioterápicos. O relato de colúria é frequente nos episódios de hiper-hemólise das anemias hemolíticas ligados à excreção aumentada de urobilinogênio urinário. Certos pacientes referem urina escura (cor de chá-mate ou de coca-cola) pela manhã, na primeira micção. Outros eliminam urina escura após períodos longos em posição ortostática ou após exposição ao frio. Nesses casos, há eliminação de hemoglobina pela urina, ou seja, hemoglobinúria. A hemoglobinúria aparece como um sintoma associado à hemoglobinúria paroxística noturna, doença associada à hemólise pela lise do complemento. Sintomas ligados à insuficiência renal (edema, oligúria) podem 6 Lorena Leahy estar presentes em casos de mieloma, uma doença proliferativa das células plasmocitárias que se caracteriza por apresentar lesões osteolíticas responsáveis por dores ósseas e por fraturas. Sintomas neurológicos. A deficiência de ferro pode estar associada a déficit sensorial e cognitivo na infância, podendo levar a déficit de aprendizagem. A queixa de parestesia é o sintoma neurológico mais comum na carência da cobalamina (vitamina B12), mas os sintomas neurológicos podem ser variados, envolvendo alterações cerebrais, sintomas psiquiátricos, mielopatia, neuropatia ou desordens do sistema nervoso autônomo. A plaquetopenia pode ocasionar hemorragia no sistema nervoso central (SNC) e pode ser fatal. Quadros de infiltração do SNC por células leucêmicas ou linfomatosas ou de compressão da medula espinal são muito graves. Os primeiros caracterizam-se por cefaleia e vômito (hipertensão intracraniana), enquanto nos últimos os pacientes referem diminuição da força muscular (paresia, paralisia ou mesmo tetraplegia) de instalação lenta ou subaguda. Este último pode ser observado em portadores de mieloma de células plasmáticas. Na leucemia mieloide aguda ocorrem, embora raramente, quadros de proliferação celular na cavidade orbitária, com lesão do nervo óptico e protrusão dos globos oculares (cloroma), decorrendo a partir daí a diminuição progressiva da acuidade visual Em portadores de policitemia vera, o aumento da massa de hemácias e do volume sanguíneo total leva a um quadro de hiperviscosidade sanguínea e à consequente dificuldade de circulação do sangue nos pequenos vasos. Sintomas de hipertensão arterial, tais como cefaleia, vertigens, escotomas, perturbações sensoriais e motoras nas extremidades e alteração na esfera psíquica, podem ser observados nesses pacientes. Exame Físico -No exame físico geral deve-se observar se o paciente está em condições gerais e nutricionais boas ou regulares ou se há grande comprometimento de seu estado físico. Isso pode orientar acerca da duração e da gravidade da doença. -Pacientes com hemopatia maligna de certa duração podem estar emagrecidos ou quase caquéticos já na primeira consulta. Há leucemias e linfomas que passam despercebidos durante um tempo longo pois são de evolução lenta. Outras vezes, essas afecções instalam-se de modo abrupto, determinando quadros dramáticos de hemorragia, de crescimento neoplásico rápido, de anemia intensa, de febre ou de infecções de difícil controle, podendo levar o paciente, em pouco tempo, à caquexia, ao torpor e, se não for atendido com presteza, à morte. -As anemias carenciais, de modo geral, são de instalação lenta, seja qual for a carência em questão (ferro, proteínas ou vitaminas), e pouco comprometem o estado geral dos pacientes no início. Pele e mucosas. A palidez cutaneomucosa varia em função do grau de redução dos glóbulos vermelhos e da taxa de hemoglobina. A pele pode apresentar pequenos pontos avermelhados ou discretamente arroxeados que correspondem a petéquias ou a manchas hemorrágicas maiores (equimoses ou sufusões hemorrágicas), cujo aparecimento pode ser espontâneo ou após pequenos traumatismos. Essas manifestações hemorrágicas, observadas melhor na pele do que nasmucosas, denominam-se, genericamente, púrpuras, as quais podem ocorrer devido a alterações de pequenos vasos ou do número das plaquetas circulantes. Mais raramente são observadas nas coagulopatias. As anemias crônicas, especialmente as hemolíticas constitucionais, e as hemoglobinopatias modificam profundamente o desenvolvimento físico dos pacientes, resultando em hipodesenvolvimento das massas musculares, em estatura baixa e em caracteres sexuais secundários pouco marcados, quando não tratadas adequadamente. Condicionam ainda o aparecimento de certas lesões cutâneas, como as úlceras maleolares dos indivíduos com doença falciforme. O hipodesenvolvimento corporal é manifesto nas hemoglobinopatias, cujo melhor exemplo é a talassemia, forma major. Os pacientes com talassemia são de baixa estatura, têm deformidades do crânio e da face e apresentam coloração branco-pardacenta da pele, que tende a 7 Lorena Leahy se tornar escura com o passar dos anos, pela hemocromatose decorrente do uso frequente de transfusões de sangue. O hipodesenvolvimento sexual é acentuado em muitos pacientes. Infiltrações da pele e do tecido subcutâneo por células leucêmicas ou linfomatosas podem ocorrer sob a forma de máculas e de pápulas de extensão variável. Nas anemias hemolíticas, há impregnação cutânea por pigmento bilirrubínico produzindo icterícia. A anemia hemolítica autoimune e a púrpura trombocitopênica imune podem ocorrer no lúpus eritematoso sistêmico (LES) isoladamente ou em associação. A pancitopenia também pode ocorrer no LES. Lesões herpéticas e outras manifestações infecciosas na pele e nas mucosas são relativamente comuns nas hemopatias malignas por deficiência imunológica, associadas ou não à redução das células granulocíticas, especialmente dos neutrófilos circulantes. Em algumas hemopatias, há lesões de pequenos vasos (vasculites), além de plaquetopenia e de anemia hemolítica. Podem ser encontradas na pele lesões tróficas secundárias a vasculites, como, por exemplo, necrose das pontas dos dedos. Quando há grandes crescimentos tumorais de tipo linfomatoso, eles costumam causar compressão de feixes vasculonervosos, cianose, edema a montante da compressão e ingurgitamento venoso. Sistema locomotor. Hipotrofia muscular é frequente nas hemopatias malignas de evolução lenta. Os pacientes com linfoma podem vir à primeira consulta em grau avançado de caquexia. Nas doenças hemorrágicas pode haver sangramento que disseca as fibras musculares, formando hematomas e provocando contraturas musculares. As hemorragias intra-articulares repetidas, frequentes na hemofilia, levam a artropatias crônicas anquilosantes. Na doença falciforme e na talassemia, as lesões dos ossos, acompanhadas de artralgias, não são raras. Na infância dos portadores de doença falciforme pode ocorrer crise vasoclusiva nos pés e nas mãos (síndrome pé-mão), quadro extremamente doloroso, decorrentes de falcização das hemácias. As necroses ósseas, assépticas, como as da cabeça do fêmur, conduzem a deformações do esqueleto, mais encontradas em crianças e jovens na apresentação grave dessa doença. Na talassemia há alterações características da face, com crescimento da região do maxilar superior, dentes incisivos de grande tamanho, resultando no aspecto denominado "face de roedor` Em certos doentes talassêmicos e falcêmicos, o crânio pode apresentar-se aumentado, no sentido vertical, aspecto conhecido como turricefalia ou crânio em torre. Tumores ósseos palpáveis e dolorosos localizados no crânio e/ou nas extremidades podem ser encontrados no mieloma de células plasmáticas. Esses tumores são formados pelo crescimento exagerado de células plasmocitárias malignas. Fraturas patológicas costumam ocorrer nesses pacientes e são devidas ao adelgaçamento extraordinário do tecido ósseo provocado pela expansão do tecido neoplásico no interior da medula. Gânglios linfáticos. O aumento de tamanho dos gânglios linfáticos das cadeias superficiais ocorre em diversas hemopatias. As adenomegalias infecciosas e não infecciosas podem apresentar-se sob três aspectos: (1) adenomegalia isolada, quando apenas um gânglio está acometido; (2) adenomegalia regional, quando vários gânglios de uma mesma região estão alterados; e (3) adenomegalia generalizada, quando todo o sistema ganglionar está hiperplasiado. É importante o diagnóstico diferencial entre as adenomegalias infecciosas e as de natureza proliferativa, havendo alguns dados que possibilitam essa diferenciação. De modo geral, as linfadenites aparecem agudamente, acompanhando-se de dor e de calor local. Algumas vezes, há edema junto aos gânglios, tendência à flutuação e à fistulização (p. ex., tuberculose ganglionar).Nas hipertrofias ganglionares, devido à proliferação de células neoplásicas, não costuma haver dor local nem sinais flogísticos. Isso, entretanto, não tem valor absoluto, pois em alguns linfomas pode haver necrose do tecido tumoral, presença de flutuação e mesmo fistulização. Às vezes é referida dor em gânglios infartados, sede de linfoma tipo Hodgkin, após a ingestão de bebida alcoólica. As leucemias agudas, mieloides ou linfoides, os linfomas tipo Hodgkin e não Hodgkin, as reticuloses e outras condições, tais como macroglobulinemias, doenças de acúmulo e estados de imunodeficiência, apresentam 8 Lorena Leahy adenomegalias quase sempre de tipo generalizado, dependendo tal disseminação do estado evolutivo dessas doenças . Sistemas circulatório e respiratório. As alterações cardiorrespiratórias podem depender de infecções, de infiltrações parenquimatosas, de adenopatia mediastinal, de anemia grave ou de presença de derrames. Em muitos pacientes, especialmente os mais idosos, são encontradas alterações não relacionadas com a hemopatia, como tosse, dispneia, edema, sinais de insuficiência cardíaca e hipertensão arterial. Entretanto, em algumas doenças, esses sintomas estão diretamente relacionados com a hemopatia, como é o caso da policitemia vera. Nesta, há aumento da massa de hemácias em circulação, tornando o sangue mais viscoso, levando à pletora sanguínea generalizada com ingurgitamento dos pequenos vasos venosos e tonalidade cianótica da pele, em especial do segmento cefálico. Pode haver hipertensão arterial, tonturas, cefaleia e palpitações. Em alguns casos de mieloma de células plasmáticas e na macroglobulinemia, por aumento da viscosidade sanguínea consequente à hiperproteinemia, podem ocorrer alterações semelhantes. A redução do número de hemácias na policitemia e a queda da paraproteína no mieloma de células plasmáticas e na macroglobulinemia, promovidas pelo tratamento específico, melhoram ou fazem desaparecer tais alterações. Na doença falciforme e na talassemia pode haver comprometimento do miocárdio e do pericárdio por depósito de ferro secundário às múltiplas transfusões. Nas anemias de evolução crônica, o coração procura compensar a hipoxia dos tecidos pelo aumento da frequência cardíaca. Quando a hemoglobina cai abaixo de certo nível (4 g/100 mf de sangue), o coração pode entrar em insuficiência (cor anêmico). Podem ocorrer também infartos, sobretudo nas crises de falcização, determinando então cardiomegalia e outras alterações que podem resultar em arritmias e em aparecimento de sinais de insuficiência cardíaca. Ainda na doença falciforme, podemos observar hipertensão pulmonar, seja em decorrência de infarto pulmonar devido a crise vasoclusiva ou mesmo devido a hemossiderose transfusional. Sistema digestivo. Nas anemias carenciais megaloblásticas, há atrofia das papilas linguais, dando origem à glossite atrófica, em que a língua é lisa e brilhante. A queilite angular ou comissurite é caracterizada por processo inflamatório localizado no ângulo da boca, uni ou bilateral, em que se observa discreto edema, descamação, erosão e fissura. Essa afecção pode ser observada na anemia ferropriva ou megaloblástica.As infecções bucais e da orofaringe são frequentes nos casos de diminuição dos granulócitos e nos pacientes imunessuprimidos, podendo haver lesões típicas de candidíase, de inflamação gengival e até de abscesso amigdaliano. O paciente neutropênico pode apresentar aftas na mucosa oral. Na leucemia aguda monocítica, ou mielomonocítica, pode ocorrer o crescimento da gengiva por hiperplasia de células desse local, a qual pode ser acentuada, chegando a encobrir os dentes. Nos linfomas também pode ocorrer infiltração de células malignas na mucosa gengival, com seu crescimento e expulsão dos dentes. Exemplo disso é o crescimento gengival presente em alguns casos de linfoma de Burkitt. Crescimento tumoral, geralmente unilateral, da amígdala palatina também pode ser encontrado no exame da cavidade bucal em casos de linfoma. A amígdala pode alcançar volume tão grande que quase fecha a orofaringe, causando dificuldade respiratória e de deglutição. As hemorragias através da mucosa oral são frequentes nos distúrbios da hemostasia, nas púrpuras e nas anemias aplásicas. Os pacientes podem apresentar sangramentos espontâneos ou aos menores traumas, como o simples ato de escovar os dentes (gengivorragia). Bolhas hemorrágicas também podem ser observadas no exame da cavidade oral desses pacientes. Hepato e esplenomegalia são encontradas nas anemias hemolíticas em geral. As talassemias caracterizam-se pelo baço e pelo fígado muito aumentados, o que ocasiona desconforto abdominal. Isso ocorre nas doenças linfoproliferativas e mieloproliferativas, como a leucemia linfoide crônica, a leucemia mieloide crônica, a mielofibrose e os linfomas linfocíticos de evolução lenta. A icterícia pode existir em todos esses casos em grau variável. Na doença falciforme, o baço quase nunca é de grande tamanho, tendendo a reduzir-se, até mesmo desaparecer, deixando de ser 9 Lorena Leahy palpável com a evolução da doença, como resultado de infartos sucessivos que nele ocorrem. Esses infartos podem provocar dor muito intensa quando se localizam junto à cápsula. Em alguns casos de linfomas e de leucemias crônicas, podem ser palpadas massas ganglionares no abdome. Sistema geniturinário. O hipodesenvolvimento dos caracteres sexuais secundários associado à estatura pequena é frequente nas anemias de tipo crônico em ambos os sexos. No sexo feminino, são frequentes as hemorragias e as metrorragias secundárias à plaquetopenia ou à plaquetopatia. Por outro lado, a menorragia é uma das causas frequentes de anemia ferropriva na mulher em idade reprodutiva, sem que ela apresente qualquer coagulopatia. No sexo masculino, pode ocorrer infiltração de células leucêmicas ou linfomatosas nos testículos, resultando em dor e em aumento de volume da bolsa escrotal. Nas leucemias crônicas, pode surgir priapismo, com sintomatologia extremamente dolorosa. O priapismo pode ser encontrado também na doença falciforme em decorrência do fenômeno de falcização das hemácias nos corpos cavernosos do pênis. As infecções da mucosa vaginal por fungos são relativamente comuns nas leucemias e nos linfomas, especialmente nas pacientes imunossuprimidas. Hematúria macroscópica é frequente nas diáteses hemorrágicas e quando há infiltração leucêmica ou linfomatosa dos rins ou das vias urinárias. Sistema nervoso. As manifestações neurológicas compreendem tonturas, cefaleia, paralisia de nervos cranianos ou periféricos, perda da sensibilidade superficial e profunda (paraplegia, tetraplegia) e estado torporoso ou comatoso. Na anemia megaloblástica do tipo "anemia perniciosà: ocorre degeneração dos cordões dorsais e laterais da medula espinal, lesões da substância branca do córtex cerebral e alterações degenerativas dos nervos com perda da sensibilidade ao calor e da sensibilidade vibratória, redução da memória, parestesias, alucinações, fraqueza muscular, paralisias, falta de coordenação motora e aumento do tônus muscular (espasticidade). O sinal de Babinski é frequentemente encontrado. Quando há hemorragia cerebral, os sintomas variam de acordo com sua localização. Pode haver cefaleia persistente, de aparecimento súbito, vômito, perda da consciência, alterações da visão e perturbações da sensibilidade e/ou motricidade. As leucemias agudas podem manifestar-se, de início ou durante a evolução, com quadro meníngeo, por infiltração de células leucêmicas no sistema nervoso central (neuroleucemia). Nessas situações há sintomas de hipertensão intracraniana, como cefaleia, vômito, paralisia ou paresia de nervos cranianos (geralmente pares I li, IV, VI, VIII), convulsões, distúrbios visuais, chegando ao estado de coma. Os linfomas em fase circulante (denominados no passado de linfoma leucemizado) podem apresentar o mesmo quadro da neuroleucemia. Quando há crescimento neoplásico de tipo linfomatoso ou mielomatoso podem surgir lesões ósseas da coluna vertebral com dor óssea, compressão da medula espinal ou de raízes nervosas de instalação rápida ou lenta, evidenciadas por paresia ou por paralisia de membros inferiores, alterações dos esfíncteres (incontinência) e distúrbios da sensibilidade. Na anemia hemolítica do recém-nascido, por incompatibilidade de sangue materno-fetal (sistema Rh e ABO e grupos menores), a impregnação dos núcleos cerebrais por bilirrubina (kernicterus) conduz a quadro de letargia, hipotonia (inicial), perda do reflexo de sucção, opistótono e hipertonia generalizada com alterações da respiração. As crianças que sobrevivem a esse quadro podem apresentar sequelas neurológicas. Manifestações neurológicas de diferentes tipos podem aparecer em hemopatias nas quais a lesão de pequenas artérias propicia a formação de trombos ou de hemorragias, como é o caso da doença falciforme, em que as hemácias falcizadas interrompem a circulação nos pequenos vasos do tecido nervoso, e de certas púrpuras que acompanham formação de trombos plaquetários (púrpura trombocitopênica trombótica).
Compartilhar