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junho, 2021 CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO CASE MOSSORÓ PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO CASE - MOSSORÓ Nova concepção socioeducativa nas unidades de restrição e privação de liberdade do Rio Grande do Norte. junho, 2021 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO CASE - MOSSORÓ. Pesquisa e redação: Coordenação: Prof.ª Drª Ilana Lemos de Paiva, Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos Pesquisadores OBIJUV/UFRN: Carmem Plácida Sousa Cavalcante, Daniela Bezerra Rodrigues, Fernanda Cavalcanti de Medeiros, Gabriel Miranda Brito, Jéssica de Morais Costa, Joyce Pereira da Costa, Mariana Fonseca Cavalcanti, Nathália Potiguara de Moraes Lima, Renata Cibelli Freire Barbosa Pesquisadores Colaboradores: Lauriston de Araújo Carvalho, Marlos Alves Bezerra, Shirlenne Nascimento dos Santos Colaboradores da unidade socioeducativa: Katia Cilene Cordeiro de Oliveira, Francisco Keles de Morais Lima, Maria Suzana de Souza Leite, Wilgna de Fátima Fernendes de Oliveira, Andrea Moreira Pires Ferreira, Raysy Karolina Silva Alves Souza, Jane Cleide da Silva Medeiros Centro Administrativo do Estado – BLOCO I- SETHAS, BR 101, Km 0. Lagoa Nova, Natal/ RN. CEP: 59.064-901 Telefone: (84) 3232-7001 fundase@rn.gov.br / presidência.fundase@rn.gov.br mailto:fundase@rn.gov.br Sumário APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 8 1.1. Aspectos Normativos e Históricos................................................................................................8 2. MARCO CONCEITUAL..............................................................................................................11 PERSPECTIVA PEDAGÓGICO-FILOSÓFICA DA INSTITUIÇÃO............................................11 2.1 CONCEPÇÃO DE ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE.......................................................................11 2.2 ATO INFRACIONAL................................................................................................................... 13 2.3 CONCEPÇÃO DE SOCIOEDUCAÇÃO..........................................................................................14 2.4 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO PRESSUPOSTO DA CONCEPÇÃO DE SOCIOEDUCAÇÃO......... 18 3.2 Bases éticas e organizacionais.....................................................................................................20 3.3. Reestruturação organizacional................................................................................................21 3.4. As unidades de internação segundo SINASE................................................................21 3.5 Características do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Mossoró...............23 Caracterização do entorno do CASE Mossoró..........................................................................23 Infraestrutura e recursos materiais...............................................................................................24 3.6 Principais problemáticas do case Mossoró............................................................................ 26 4. MARCO OPERATIVO................................................................................................................... 27 4.1. Metodologia............................................................................................................................. 27 4.2. Eixo GESTÃO..........................................................................................................................27 4.2.1. Subeixo GESTÃO INSTITUCIONAL............................................................................27 4.2.1.1 Dialogicidade e horizontalidade..................................................................................28 4.2.1.2. Articulação permanente.............................................................................................. 30 4.2.1.3. Composição e dinâmica das equipes de acordo com o SINASE.........................31 4.2.1.4. Acompanhamento de egressos................................................................................. 32 4.2.1.5. Relação com a gestão central....................................................................................33 4.2.1.6. Alinhamento de regimento interno entre as unidades de mesma natureza de medida..........................................................................................................................................33 4.2.1.7. Alinhamento do fluxo de ações ao Projeto Político Pedagógico da unidade.....34 4.2.2. Sub-eixo GESTÃO DE PESSOAS E PROCESSOS DE TRABALHO....................34 4.2.2.1. Efetivação e avaliação periódica do Projeto Político Pedagógico....................... 35 4.2.2.2. Monitoramento e Avaliação sistematizada das ações e práticas.........................36 4.3. Eixo PROCESSOS E ATIVIDADES.................................................................................... 37 4.3.1. GARANTIA DE DIREITOS.............................................................................................37 4.3.1.1. Garantia Integral...........................................................................................................37 4.3.1.2. Nutrição..........................................................................................................................38 4.3.1.3. Inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral...........................................38 4.3.1.4. Atenção integral à saúde............................................................................................ 39 4.3.1.5. Respeito à diversidade................................................................................................39 4.3.1.6. Educação formal e não formal................................................................................... 40 4.3.1.7. Esporte, arte, cultura e lazer...................................................................................... 41 4.3.1.8. Documentação pessoal...............................................................................................41 4.3.1.9. Convivência familiar.....................................................................................................41 4.3.1.10. Acesso ao sistema de justiça...................................................................................42 4.3.1.11. Direito à sexualidade.................................................................................................42 4.3.1.12. Procedimentos não invasivos de revista................................................................42 4.3.2. Sub-eixo ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO.........................................................43 4.3.2.1 Garantia do caráter sociopedagógico do trabalho na unidade, norteado pelo PPP...............................................................................................................................................43 4.3.2.2. Garantia de atendimento técnico, acompanhamento e articulação com a rede para adolescentes e famílias....................................................................................................43 4.3.2.3. Garantia da segurança socioeducativa.................................................................... 44 4.3.2.4. Prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos sancionatórios............ 45 4.3.2.5. Melhoria do acolhimento do adolescente na unidade............................................46 4.3.2.6. Alinhamento de ações realizadas por atores externos à proposta socioeducativa da unidade........................................................................................................46 4.3.2.7. O PIA como elemento orientador das ações da equipe técnica (internação e semiliberdade).............................................................................................................................46 4.3.2.8. Atendimentoem saúde e o acesso ao SUS............................................................47 4.3.2.9. Acesso à justiça............................................................................................................47 4.3.2.10. Atendimento às famílias............................................................................................48 4.4. FASES DE ATENDIMENTO................................................................................................. 48 4.4.1. Fase 01: Admissão..........................................................................................................49 4.4.2. Fase 02 – Acompanhamento do cumprimento da medida.......................................52 4.4.3. Fase 03 – Conclusão do cumprimento da medida.....................................................53 4.5. Plano de ação..........................................................................................................................54 5. AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO........................................................................................58 6. REFERÊNCIAS...........................................................................................................................62 MENSAGEM AO SOCIOEDUCADOR “O mundo é isso, revelou: um montão de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem fica sabendo do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros… Outros ardem a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia” (O Mundo – Eduardo Galeano). Prezado socioeducador1, Sem dúvidas, o trabalho no sistema socioeducativo impõe-se como um dos mais desafiadores, tendo em vista que são diversos os obstáculos apresentados para seu desenvolvimento. Diante disso, o Projeto Político Pedagógico (PPP) apresenta-se como uma ferramenta imprescindível para a atuação nesse campo, uma vez que serve de referência para seu trabalho, bem como dos demais educadores imersos no cotidiano das unidades de cumprimento de medida. O documento que você tem em mãos, base para o trabalho socioeducativo a ser realizado no nosso estado, é fruto de um esforço coletivo, que contou com a participação de diversos atores da comunidade socioeducativa, como gestores, socioeducadores, familiares, adolescentes e membros do sistema de justiça. A construção conjunta é característica que aumenta a importância do PPP, na medida em que expressa o sincero compromisso de todos com o aperfeiçoamento das práticas desenvolvidas no contexto da socioeducação, historicamente marcado pela violação de direitos das mais diversas ordens O desafio aqui expresso é construir uma prática que contribua para que os adolescentes em cumprimento de medida encontrem, na socioeducação, um caminho privilegiado de construção do seu futuro e da sua família, em conjunto com a sociedade, sem negar as diferenças e as dificuldades para a conquista desse objetivo. Portanto, busca-se, com este documento, iluminar caminhos, semear a esperança, para colher o crescimento. 1 Deve-se compreender que, nesse documento, “socioeducador” distingue-se de “agente socioeducativo”: o primeiro refere-se a todos os trabalhadores que atuam nas unidades socioeducativas. Já o segundo remete-se a uma das ocupações que fazem parte do corpo profissional das unidades, melhor detalhada na lei orgânica da FUNDASE. Nessa direção, um ponto de partida fundamental é a compreensão de que os socioeducandos são, antes de tudo, adolescentes. Como tal, são sujeitos em fase peculiar de desenvolvimento, buscando um lugar nesse mundo, procurando se afirmar, serem ouvidos, serem visíveis, a despeito e a partir das histórias de vida reais, em geral marcadas por muitas dificuldades, sobretudo materiais e de relações sociais. Assim, é muito importante reconhecer seu potencial para percorrerem outras trajetórias de vida, permeadas pelo crescimento, pelo respeito, pela dignidade e pelo protagonismo. Para tanto, a qualidade das relações, da mediação educativa que se dê entre eles e os socioeducadores é decisiva, de modo que é evidente o papel especial que assume o socioeducador nesse processo. Sem a sua vontade, o seu compromisso e o seu trabalho qualificado, a efetivação desse documento se mostrará inviável e ele perderá seu sentido. É por isso que o convidamos, socioeducador, a conhecer esse documento e a adotá-lo criticamente na sua prática cotidiana, de modo que seus questionamentos possibilitem aperfeiçoá-lo. Esperamos que ele seja um bom guia para o seu trabalho, bem como um fator de reflexão sobre o processo socioeducativo. Agradecemos a todos que participaram de sua construção. Agora, resta o desafio da sua realização. Mãos-a-obra! Observatório da População Infanto-Juvenil em Contextos de Violência (OBIJUV/UFRN) Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte (FUNDASE-RN) APRESENTAÇÃO O presente Projeto Político Pedagógico – PPP – é resultado de uma construção coletiva em que se avaliou o Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de Mossoró, expondo suas problemáticas e proposições diante da conjuntura que se estabelece e que se pretende instituir. Diante desse pressuposto, a partir do contexto em que se encontra imerso, o PPP se constitui como um instrumento primordial para o desenvolvimento do labor na instituição de que se trata, estando de acordo com as legislações vigentes, essencialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), o Regimento Interno e o Manual de Segurança da FUNDASE. Logo, é sabido que inúmeros são os obstáculos que se apresentam à comunidade socioeducativa, visto que a sua finalidade caminha ao encontro do processo de garantia dos direitos dos adolescentes, ao passo em que se busca a ocorrência qualificada da socieducação. Nesse sentido, este projeto pretende expor, a priore, os principais anseios da instituição, a fim de construir parâmetros para novas experiências e ações de curto, médio e longo prazo, objetivando cumprir a missão da socioeducação a que nos propomos, contribuindo para a formação de cidadãos conscientes e responsáveis, protagonistas de suas próprias histórias. Assim, ao longo deste documento, discorreremos acerca de inúmeras categorias, essencialmente adolescência, direitos humanos, socioeducação, o que compreendemos serem aspectos relevantes que possamos alcançar os objetivos que orientam este documento, primordialmente, a parte diagnóstica e de execução de atividades, conforme esclareceremos adiante. 8 1. MARCO SITUACIONAL 1.1. Aspectos Normativos e Históricos Apesar de já existir no país uma política consolidada acerca do atendimento a crianças e adolescentes pauperizados, com elementos específicos para lidar com o adolescente considerado “infrator”, foi com o movimento militar durante a década de 1960 que a intervenção junto à infância se tornou uma questão de defesa nacional (Rizzini & Rizzini, 2004). Para efeito, a partir do ano de 1964, uma nova política direcionada para as crianças e adolescentes que estivessem em “situação irregular” começou a ser pensada no Brasil. Na esteira de tal movimento, o Rio Grande do Norte também passou a se preocupar com a problemática do “menor”. Em meados da década de 1970, as organizações jurídicas do Estado não apresentavam condições de acompanhar os adolescentes autores de ato infracional, alegadamente por falta de local adequado para sua institucionalização (Cavalcante, 2014). O então Departamento de Serviço Social do Estado (DSSE) reafirmava a previsão de abertura de novas vagas para internação de adolescentes, em 1972. A situação só começou a melhorar quando da inauguração do Centro de Recepção e Triagem (CRT),destinado ao atendimento inicial de crianças e adolescentes em situação de risco social, e com a abertura de vagas no Instituto Estevam Machado (IEM), destinado a internação de adolescentes autores de atos infracionais. Registra-se que, no ano de 1973, havia quatro estabelecimentos para institucionalização de crianças e adolescentes no estado do RN, todos com vagas para internato e semi-internato, bem como para atendimento aberto (quando o adolescente não morava na unidade). Em 19 de dezembro do mesmo ano, o Diário Oficial do Estado publicou a criação da Fundação Estadual do Bem-Estar Social – FUNBEAL-, cujos estatutos foram aprovados em maio de 1974, através do decreto Nº 6.331, de 02/05/74. A FUNBEAL, em pouco tempo passou a se chamar Fundação do Bem-Estar Social do RN – FUNBERN, como permaneceu até 1979. Ao final deste mesmo ano, a FUNBERN, através do DSSE, tinha como competência os cuidados em relação às seguintes instituições: Instituto Padre João Maria, Instituto Dom Manoel Tavares, Abrigo Juvino Barreto, Casa de Menores Mário Negócio e Centro de Recepção e Triagem (CRT). Já em 1979, foi implementada uma nova política de atendimento, sob a égide da Doutrina da Situação Irregular e obedecendo as premissas da Fundação Nacional do Bem- Estar do Menor – FUNABEM. Em decorrência, o Instituto Estevam Machado (IEM), unidade de internação, foi fechado, dando lugar ao Centro de Reeducação do Menor (CRM), 9 destinado a receber adolescentes em situação irregular, que estivessem em desacordo com as normas da sociedade, cometendo “crimes”. Permanecia a categoria “menor em situação irregular”, bem como permanecia a premissa contraditória dos cuidados com crianças e adolescentes sob os olhares da repressão e do assistencialismo. De acordo com a nova política, ainda em 1979 foi instituída a Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor – FEBEM -, substituindo a FUNBERN. Cabia à nova Fundação promover a assistência aos “menores”, em unidades de internação e de semi-internação, bem como desenvolver planos e projetos de prevenção e amparo a crianças e adolescentes pobres do estado. Neste sentido, foram criados os Centros de Integração do Menor, os CIAM´s, que consistiam em sistemas de creches, cujo objetivo era proporcionar um atendimento integral às crianças de zero a seis anos de idade, em regime de semi-internato. Ali, o Rio Grande do Norte chegou a atender cerca de 1.500 crianças, em 14 creches, em todo o Estado. No ano seguinte foi instituído pela FEBEM o “Plano de Prevenção à Marginalização do Menor” – PPMM -, que visava desenvolver projetos sociais voltados para crianças e adolescentes e suas famílias, no sentido de promover o afastamento de situações de vulnerabilidade social que pudessem colocar em risco sua integridade social. O Plano foi executado através da própria FUNABEM, que disponibilizou assessoria técnica, treinamento, pagamento de despesas de voluntários e estagiários, além de equipamentos. Face às características do atendimento desenvolvido nas instituições afeitas à Política Nacional do Bem-Estar do Menor – PNABEM -, marcado por situações de extrema violação de direitos, e à sua denúncia nas mais diferentes mídias, que ecoavam o inconformismo de educadores e de adolescentes que por elas tinham passado, tem início uma intensa organização de movimentos sociais em defesa de melhores condições de acolhimento para crianças e adolescentes institucionalizados. A pressão social cresce na medida em que ganha apoio de entidades governamentais e não governamentais, locais e internacionais, oportunizando o surgimento de uma grande mobilização de educadores, crianças e adolescentes de todo o país, conhecido como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). O Movimento implementou uma metodologia de trabalho que previa o acompanhamento de crianças e adolescentes nos locais onde se encontravam, denominada Educação Social de Rua, efetivando um novo modo de resgate deste segmento populacional. O educador social de rua realizava os atendimentos a estes meninos e meninas no âmbito de suas vivências próprias, nas ruas e na comunidade, de modo que, ao mesmo tempo, por um lado criticava o modelo repressor de atendimento no âmbito da PNABEM, e por outro desenvolvia uma nova 10 proposta de acolhimento, fazendo valer o respeito à integridade moral e física dessa população (Evangelista, 2011). Na esteira dessa pressão popular, a Constituição de 1988 previu, e em 1990 foi promulgado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – lei nº 8069/90), sob a égide da Doutrina da Proteção Integral. Essa lei inaugurou um novo estatuto jurídico para crianças e adolescentes, a partir de então considerados sujeitos de direitos, assim evitando que continuassem a ser tratados como objeto pelo Estado, a exemplo do que ocorria na época dos Códigos de Menores, sob as Doutrinas do Direito do Menor, da Segurança Nacional e da Situação Irregular. Em acréscimo, o ECA entende o adolescente como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, de modo que ficou garantida sua responsabilização por ato infracional cometido, mas não sua punição, como no caso dos adultos que cometem crime. No âmbito no Rio Grande do Norte, a FEBEM deu lugar à Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC), inicialmente voltada para a gestão de unidades de privação e restrição de liberdade e, até 1996, também para as unidades de acolhimento institucional. Em decorrência, o CRM foi fechado, sendo criado em seu lugar o Centro Educacional Pitimbu; da mesma forma, o Instituto Pe. João Maria deu lugar ao Centro Educacional Pe. João Maria, para receber adolescentes do sexo feminino; e outros Centros Educacionais foram instituídos no interior do estado, como nos municípios de Caicó e de Mossoró. A reestruturação também contemplou as unidades executoras de medidas socioeducativas de semiliberdade, o CEDUC Santa Delmira, em Mossoró, e o CEDUC Nazaré, em Natal, além de dois Centros Integrados de Atendimento ao Adolescente (Unidade de Internação Provisória), um no município de Natal e outro em Mossoró. Em âmbito nacional, em 2012 foi instituído o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), visando detalhar os princípios do ECA no âmbito do atendimento ao adolescente autor de ato infracional. Nessa direção, o SINASE prevê como devem ser desenvolvidas as práticas de caráter pedagógico para o adolescente sob medida socioeducativa, desde a apuração do ato até a execução da medida determinada pelo juiz. Ao mesmo tempo em que prevê a responsabilização do adolescente pelo ato infracional cometido, o SINASE consiste em uma política de proteção dos direitos desse adolescente, colocando a família e a sociedade como parceiras no processo de construção de um novo projeto de vida, que rompa com a prática do ato infracional. No RN, muito embora as unidades de atendimento geridas pela FUNDAC tenham procurado desenvolver seu trabalho com base nas novas diretrizes, muitos atravessamentos concorreram para que não tivessem obtido sucesso. Nas Unidades de Internação Provisória, 11 os problemas de ordem administrativa e as denúncias de práticas de violações de toda ordem se tornaram frequentes de modo que, em março de 2014, a FUNDAC sofreu uma intervenção judicial, proferida através de uma Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público do estado. Além da intervenção judicial, uma das unidades de atendimento sofreu interdição total, sendo fechada para reforma, e as demais unidades sofreram interdição parcial, com redução das vagas, devido à falta de infraestrutura e de condições sociopedagógica para seu funcionamento. Desde esse momento considerado histórico para a instituição, quando foram enfrentadas as questões que comprometiam o desenvolvimento dos seus objetivos e o trabalho dos seus funcionários, é notório o aperfeiçoamento das condições de trabalho e das práticas institucionais. As condições estruturais foram significativamente melhoradas, bem comovárias ações de cunho pedagógico foram revistas e reavaliadas pela instituição, pelo sistema de justiça e pelo controle social. Nesta perspectiva, o pleno estabelecimento da socioeducação está em processo de implementação, para o quê visa contribuir este Projeto Político Pedagógico. Ainda na perspectiva de melhorias destacamos a promulgação da Lei Complementar nº 614/2018, de 05 de janeiro de 2018, que propiciou a implantação do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração – PCCR – e a reestruturação organizacional da instituição, alinhando-a aos parâmetros do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Nesse processo, a Fundação de Atendimento Socioeducativo – FUNDASE/RN, sucede a Fundação Estadual da Criança e do Adolescente – FUNDAC. 2. MARCO CONCEITUAL PERSPECTIVA PEDAGÓGICO-FILOSÓFICA DA INSTITUIÇÃO 2.1 CONCEPÇÃO DE ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE Em primeiro lugar, cabe destacar que não existe uma adolescência ou uma juventude, mas que tais fases devem ser tratadas no plural, “adolescências e juventudes”, uma vez que são vivenciadas de formas distintas de acordo com o tempo histórico, a classe social, o gênero, a raça, as configurações familiares, os espaços geográficos e as culturas em que os adolescentes e jovens estão inseridos. Por tal razão, é superficial e inadequado tratar a todos os socioeducandos como se fossem um só, e a partir de estigmas e estereótipos como ‘aborrecentes’, ‘problemáticos’, etc. 12 A adolescência é um período marcado por uma série de mudanças relacionadas ao desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial. É nessa fase que, na medida em que a infância vai ficando para trás, acelera-se o processo de crescimento físico, a maturação e o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, a chamada puberdade, que resulta em mudanças hormonais, nos padrões de sono e da alimentação. Da mesma forma, também se constitui um novo entendimento do mundo, em que o sujeito se coloca como protagonista, como detentor de um entendimento diferenciado. É comum a busca de parceiros de idade semelhante, a adoção de padrões de vestimenta, de corte de cabelo, de linguagem etc. Nesse momento, em que a hora para começar e para terminar depende de fatores como educação, acompanhamento familiar etc., os adolescentes passam a assumir papéis e responsabilidades distintos dos da infância, seja junto aos amigos e à família, seja em relação à sociedade de uma forma geral (Leal & Facci, 2014; Bezerra & Campos, 2015). É fundamental que se olhe para a adolescência de maneira a considerar o contexto no qual ela vem sendo constituída, pois os componentes sociais e culturais nos quais cada um está imerso têm importância essencial na constituição do que ele é como adolescente. Não é mais concebível a compreensão da adolescência que toma por base apenas os princípios biológicos, sendo necessário pensá-la de forma aberta, a partir da perspectiva de um sujeito multidimensional e sempre em construção. Portanto, mais do que biológica, a adolescência é social, cultural e histórica, podendo ou não existir em diferentes momentos, culturas ou grupos sociais, e assim suas possibilidades de expressão não são limitadas e nem uniformes. Ademais, outro elemento marcante e que merece muita atenção dos educadores em geral, a respeito da adolescência e da juventude, consiste em que nesses períodos se desenvolvem as identidades dos sujeitos, inclusive de gênero e orientação sexual. Em tais momentos, nos quais a escola e o trabalho se apresentam como veículo para a consecução dos objetivos de vida que começam a ser definidos, ter que assumir novos papéis e novas responsabilidades implica em grandes desafios – maiores para uns e menores para outros -, sendo fundamental o apoio que recebem – ou não – dos pais e da família, dos educadores, do grupo de referência. Em outras palavras, faz toda a diferença para os adolescentes e para os jovens se são acolhidos em suas especificidades, que tipo de acolhimento é dado e de quem parte esse acolhimento; disso depende a força para vivenciar tais processos e para traçar planos e projetos de vida. Com base em tal compreensão, quando pensamos mais especificamente nos adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa, é fundamental atentar para a história de vida de cada um, que na maior parte das vezes é marcada pela origem em 13 famílias que vivem em condições de pobreza/extrema pobreza, sem acesso a direitos sociais como habitação, saúde, educação ou outras condições basilares para uma vida com dignidade. Parte considerável deles compartilha problemas como evasão escolar, exposição precoce à violência e violações de direitos, uso abusivo de substâncias psicoativas, envolvimento com organizações criminosas, entre outros. Não se pode perder de vista que, conforme aponta anualmente o Mapa da Violência (Waiselfisz, 2016), a parcela da população brasileira que é mais atingida pela violência letal em nosso país é a juventude pobre e negra, sobretudo do gênero masculino, parcela essa que é também a principal componente do sistema socioeducativo. Observar essas peculiaridades do adolescente e do jovem com os quais se trabalha significa entender que ele ou ela não são o ato infracional; cometeram uma transgressão grave do regime jurídico no decorrer da sua história, e por isso estão sendo responsabilizados, com o cumprimento da medida. O trabalho educativo, portanto, requer “chegar junto”, conhecer a história do socioeducando, refletir com ele o percurso da sua vida, para daí tentar construir com ele planos alternativos ao mundo do crime, projetos construtivos de vida. Portanto, é preciso que os trabalhadores da socioeducação possam fazer uma leitura macroestrutural da sociedade e dos processos nos quais estão inseridos os socioeducandos. Tal leitura não se propõe a cristalizar esses adolescentes e jovens na posição de vítima, mas, ao contrário, visa conhecer os processos que contribuem para e que expressam a transgressão, para então superá-los. É essencial que o foco do trabalho socioeducativo seja desvelar os potenciais, as habilidades e os interesses de cada adolescente/jovem, seja desmistificar a realidade aparente e os discursos prontos, da mídia e da sociedade, seja a defesa intransigente da vida em toda a sua potência. 2.2 ATO INFRACIONAL O SINASE, instituído através da lei 12.594/12, detalha a execução das medidas socioeducativas. Estas consistem em processos de responsabilização destinados ao adolescente2 que cometeu ato infracional. Por sua vez, o ato infracional consiste em uma conduta análoga à contravenção penal ou crime. De acordo com o índice de Gini, utilizado para medir a desigualdade social, o Brasil ocupa a décima posição no que diz respeito aos países mais desiguais do mundo. Trata-se, 2 De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adolescência compreende o período da vida entre doze e dezoito anos. 14 portanto, não de um país pobre, mas sim de um país desigual, responsável por produzir periferias urbanas onde habitam homens, mulheres, crianças e adolescentes que têm suas liberdades cerceadas diante da falta de acesso (ou acesso precário) à educação, saúde, alimentação e bens de consumo diversos. Tais fatos não justificam o cometimento de práticas infracionais, contudo, fornecem elementos para refletirmos o contexto em que elas são geradas e para pensarmos mecanismos efetivos para o seu enfrentamento. Como esclareceu o pensador alemão Karl Marx, no livro O 18 de brumário de Luís Bonaparte, “os homens fazem a sua história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram”. Diante disto, a medida socioeducativa deverá funcionar como um mecanismo que possibilite o fortalecimento do adolescente, a fim de que ele tenha mecanismos – como acesso à educação básica e profissional, ao mercado de trabalho, a acompanhamentobiopsicossocial – para enfrentar as adversidades que lhes são impostas pela sua condição social. 2.3 CONCEPÇÃO DE SOCIOEDUCAÇÃO Ao se falar em socioeducação, problematiza-se este conceito permeado pela lógica prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) – e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE (Lei nº 12.594/12). Deste modo, é fundamental a compreensão de que a socioeducação brasileira se organiza a partir do SINASE, regulamentado em 2012, e composto, de forma integrada, pelas políticas de saúde, assistência social, educação, habitação, segurança pública, previdência social, trabalho, esporte e lazer. Este conceito envolve processos dialógicos que potencializam as possibilidades dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, no sentido de construírem um projeto de vida exequível, em acordo com sua realidade, junto a sua família e a sua comunidade. Deste modo, deve ser garantida a intersetorialidade das políticas públicas que compõem este sistema. Esta perspectiva de socioeducação é corroborada por Maria de Lourdes Trassi, quando teoriza sobre o tema, considerando o SINASE como um guia no processo de implementação das ações socioeducativas, em nível nacional (Teixeira, 2006). Deste modo, percebe-se que a autora se coaduna com o pensamento de que o SINASE consiste numa orientação às práticas socioeducativas. Sabe-se que um dos objetivos do SINASE é contribuir para a ruptura do 15 adolescente com a prática do ato infracional, instrumentalizando os programas e unidades executores de medidas socioeducativas com orientações acerca do atendimento, durante o cumprimento da medida. Para efeito deste documento, tendo em vista a realidade concreta e as condições vigentes hoje no estado do Rio Grande do Norte para o estabelecimento da socioeducação, será pautada uma concepção a partir da lógica da garantia de direitos, avançando por aspectos considerados necessários na condução atual da prática socioeducativa. É preciso que a ênfase desse processo ocorra nas vivências educativas, no diálogo e no acesso aos direitos sociais, para que seja possível a superação da longa tradição assistencial-repressiva no atendimento ao(à) adolescente autor(a) de ato infracional. A socioeducação tem como propósito fomentar possibilidades de convivência e o exercício da cidadania, de forma que o(a) socioeducando(a) seja responsabilizado(a) pelo ato infracional que cometeu, mas que possa ressignificar sua vivência infracional através de ações que promovam autonomia, protagonismo e consciência crítica. Para alcançar esses princípios, a ação socioeducativa deve ocorrer por meio da escolarização formal, da educação profissional, de atividades artístico-culturais, do atendimento psicossocial, das práticas esportivas e da assistência religiosa. Paralelo a isso, todas essas atividades devem ser mediadas por relações sociais estabelecidas no processo socioeducativo. Diversos atores institucionais devem ser acionados e articulados, visando à garantia da proteção integral do adolescente (Costa, 2006; Pinto & Silva, 2014). Assim, fazem-se necessários o envolvimento e a atuação em parceria de todos os atores que compõem o SINASE, para a garantia dos direitos dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e para que as vivências socioeducativas possam apresentar perspectivas de superação do envolvimento com os atos infracionais. Para que a socioeducação aconteça, deve-se partir da compreensão de que o adolescente possui uma história de vida que não se resume ao ato infracional cometido. A infração deve ser vista não de forma isolada, mas situada em um determinado contexto (social, histórico, econômico e político). O olhar sobre o adolescente não pode se dar exclusivamente pela via do ato infracional. A partir disso, é possível acreditar na capacidade do adolescente de romper com a prática do ato infracional por meio da garantia da proteção integral (Teixeira, 2006). Entendemos que a efetivação da socioeducação deve partir do olhar ampliado sobre o(a) adolescente e da crença na sua capacidade de mudança. Nesse sentido, é fundamental a construção de uma relação dialógica e acolhedora entre o socioeducador e o(a) 16 socioeducando(a) que se paute no vínculo, no respeito e no diálogo. Assim, é possível fomentar a transmissão e a assimilação de valores éticos, intelectuais, afetivos, instrumentais, que contribuam para a formação da convivência respeitosa e democrática entre os(as) socieducadores(as) e socioeducandos(a), superando a relação hierárquica, disciplinadora e punitiva. É fato que os cuidados dispensados ao(à) adolescente autor(a) de ato infracional devem ser resguardados por equipes e profissionais que estejam envolvidos com uma concepção de socioeducação coerente com os resultados que se espera do trabalho. O(a) socioeducador(a) deve apresentar uma atuação mediadora dentro do amplo sistema, bem como deve considerar seu papel no processo de compreensão intersubjetiva (Salles Filho, 2010; Costa, 2010) que acontece entre ele(a) e o(a) socioeducando(a). Restaurar ou fortalecer a capacidade humana do jovem implica um conjunto de experiências coerentes, que podem ser iniciadas ou retomadas nessa relação dentro da instituição, em que o foco não seja somente o(a) adolescente, mas um projeto de vida exequível para ele e para sua família (Teixeira, 2006). Silva (2012) reafirma o papel fundamental do(a) socioeducador(a) quando afirma que ele(a) deve criar espaços e condições, organizando os meios necessários e produzindo modos de acontecer a socioeducação. Deste modo, segunda a autora, os(as) socioeducandos(as) se portarão como parceiros(as) ativos(as) e críticos(as) dos próprios agentes responsáveis pela promoção do processo socioeducativo, se lhes forem dadas as condições para tal. Ademais, esta relação deve ocorrer de forma que os processos de planejamento e de organização das ações e rotinas socioeducativas das unidades de atendimento sejam construídos democraticamente e articulados com toda a comunidade socioeducativa, incluindo a família e o(a) adolescente nos processos decisórios. Considera-se comunidade socioeducativa todo o complexo da unidade, formado por todos os profissionais (gestão, equipe técnica, agentes socioeducativos, segurança externa), bem como os(as) adolescentes, suas famílias e os aparelhos de regulação e amparo socioassitencial que atendem à unidade de acordo com as demandas do trabalho. Para fomentar a ação socioeducativa é fundamental investir na valorização e na formação continuada dos operadores do sistema. A qualificação indica, também, o aprimoramento, enriquecimento e deflagração de novas formas de construir o processo educacional com os adolescentes (Ferreira & Fernandes, 2000). Outro ponto fundamental a ser considerado na execução das medidas socioeducativas consiste na garantia do direito à convivência familiar e comunitária, como um direito pleno a 17 ser respeitado durante toda a execução da medida. Na privação e na restrição de liberdade esses direitos requerem maior atenção por parte da instituição, que deve contemplar encaminhamentos para a rede de políticas públicas disponível, de acordo com a situação de cada família. Ressalta-se, assim, a concepção de socioeducação integradora, que enfatiza o papel das atividades socioeducativas integradas com a construção do projeto de vida dos(as) adolescentes. Diante desta questão, como afirma Antônio Carlos Gomes da Costa: A natureza essencial da ação socioeducativa é a preparação do jovem para o convívio social. A escolarização formal, a educação profissional, as atividades artístico-culturais, a abordagem social e psicológica de cada caso, as práticas esportivas, a assistência religiosa e todas as demais atividades dirigidas ao socioeducando devem estar subordinadas a um propósito superior e comum: desenvolver seu potencial para ser e conviver, isto é, prepará-lo para relacionar-se consigo mesmoe com os outros, sem quebrar as normas de convívio social tipificadas na Lei Penal como crime ou contravenção (Costa, 2006, p. 449). Deve-se considerar que um retorno à sociedade não será frutífero se ela continua a enxergar este adolescente como um mero “infrator”. Defende-se que toda ação direcionada ao adolescente deve ser estruturada de modo que possibilite ou facilite seu retorno à convivência familiar e comunitária, superando a lógica infracional, mas uma ação ampla de mudança, não só na forma como ele se vê, mas como é visto pela sociedade. Face ao exposto, enfatiza-se a construção e execução do Plano Individual de Atendimento (PIA) como elemento central para a compreensão do contexto de vida do adolescente e para o estabelecimento de metas visando o rompimento da prática infracional. O PIA deve ser considerado um pacto firmado entre os socioeducadores, o adolescente e sua família, de modo que o processo de cumprimento da medida socioeducativa efetivamente possibilite o cumprimento das metas traçadas. Deste modo, para o alcance das metas traçadas e para a superação da lógica infracional, o jovem deve ser inserido em atividades que deem subsídios suficientes para a construção de projeto de vida exequível e possibilitador de novas vivências subjetivas. As atividades propostas devem ser construídas de acordo com seu interesse e aptidão, respeitando seu desenvolvimento e sua inserção no campo social e profissionalizante da sua preferência. Percebe-se, assim, que o PIA supera o impasse colocado pelas políticas públicas que pensavam e planejavam uma “boa vida” para o adolescente distante da prática de atos infracionais. A política deve ser pensada e planejada junto com ele e com a participação direta de sua família, fortalecendo os vínculos (Teixeira, 2014) e enfatizando a importância 18 do apoio desta tanto durante a execução da medida socioeducativa, como na conquista e efetivação de um novo projeto de vida. É notório que uma nova concepção socioeducativa envolve elementos diversos que perpassam a prática diária dentro das unidades e nos programas de atendimento socioeducativo. Deste modo, como a socioeducação, em sua dualidade formal representada pela responsabilização X educação, preza ainda pelo estabelecimento de uma segurança que envolva o adolescente e a comunidade socioeducativa, é necessário definir princípios e parâmetros nos quais a segurança esteja ancorada. Sugere-se que há necessidade de superar a lógica punitiva e atuar a partir de concepções integradoras na relação do adolescente com os socioeducadores, com os demais adolescentes e, antes de tudo, com a própria visão do ato infracional. Os aspectos de segurança não podem entrar em dissonância com os aspectos pedagógicos, já citados. A segurança, numa unidade de atendimento socioeducativo, deve ser executada de modo a dar suporte e viabilizar as atividades pedagógicas. Neste sentido, nunca deve estar acima da proposta socioeducativa, tendo em vista que consiste num tema indissociável da garantia de direitos (Konzen, 2013). Vendo desta forma, percebe-se que os elementos de segurança devem servir de retaguarda no processo socioeducativo. Deve, portanto, partir do princípio da redução de danos impostos pela restrição de liberdade, em consonância com a proposta pedagógica vigente, limitando os efeitos nocivos da privação e da restrição da liberdade (Konzen, 2013). 2.4 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO PRESSUPOSTO DA CONCEPÇÃO DE SOCIOEDUCAÇÃO Conhecida como uma técnica de resolução de conflitos que preza pela sensibilidade e mediação na escuta das vítimas e dos ofensores (CNJ, 2016), a Justiça Restaurativa apresenta soluções que vão de encontro com o que defende a justiça retributiva que temos hoje no Brasil. Consiste num processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime ou ato infracional, envolvendo a participação da vítima, do ofensor e da comunidade (CNJ, 2016). Valoriza o processo de autonomia dos sujeitos e o diálogo, dando lugar a espaços de expressão e incentivando o protagonismo desses atores (Aguinsky & Capitão, 2008). O SINASE, no seu art.1°, §2°, trata da “responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação”. A reparação, junto com a reprovação da conduta delitiva, são dois princípios que alicerçam a 19 Justiça Restaurativa (CNJ,2016), no sentido de que ambos objetivam a restauração do relacionamento entre os atores envolvidos e a comunidade (Terre des hommes Laussane no Brasil, 2013). É um desafio a construção de práticas institucionais e sociais que superem a cultura repressiva que definiu a forma de lidar com o adolescente autor de ato infracional (Aguinsky & Capitão, 2008). Contudo, a Justiça Restaurativa ou as práticas com enfoque restaurativo são vistas hoje como possibilidade de desenvolver uma concepção socioeducativa ampla e plena, avançando além da perspectiva da defesa de direitos e incluindo o adolescente, a família, a vítima e a comunidade numa ótica de ressignificação da conduta infracional e do seu contexto social. Conforme aponta Almeida (2016), em geral os autores que versam sobre a Justiça Restaurativa mencionam ao menos oito valores fundamentais que a permeiam: participação, respeito, honestidade, humildade, interconexão, responsabilidade, empoderamento e esperança. Tais valores evidenciam que a Justiça Restaurativa busca uma mudança na forma como se enxerga os crimes e conflitos; visa identificar as necessidades, analisar as obrigações e compreender de que forma cada sujeito envolvido pode participar do processo, de forma que resulte na reparação ou atenuação do dano (Almeida, 2016). Dentre as práticas restaurativas destacam-se os círculos restaurativos. Eles buscam aproximar autor, receptor (ou vítima) e comunidade, oferecendo um espaço para que todos coloquem suas necessidades e visões sobre o ocorrido, para enfrentar as consequências do dano causado, bem como decidir o que fazer para modificar a situação. O processo deve ocorrer em três fases: 1) pré- círculo (preparação para o encontro com os participantes, que envolve o foco do conflito, quem participará do círculo e como será a logística); 2) o círculo propriamente dito (que ocorre de modo ordenado, recorrendo a técnicas de comunicação, mediação e resolução de conflito de modo não violento, e que deve resultar em um plano de ação construído coletivamente para reparar o dano) e 3) o pós-círculo (quando se averigua o cumprimento do acordo engendrado no círculo). É imprescindível a voluntariedade de todos, bem como o sigilo e a confidencialidade (Almeida, 2016; Terre des hommes Laussane no Brasil, 2013). É preciso ressaltar que o uso de práticas restaurativas pressupõe o estabelecimento do sistema restaurativo, que nada mais é que as pré-condições necessárias para implementação das práticas restaurativas, legitimando e oferecendo apoio aos seus resultados. Caso contrário, a efetivação das práticas restaurativas encontrará maiores limitações, tais como a descrença da comunidade socioeducativa quanto ao processo restaurativo e precariedade ou mesmo ausência de mecanismos de monitoramento (Terre des hommes Laussane no Brasil, 2013). 20 3. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO 3.1 OBJETIVOS Objetivo Geral Oferecer diretrizes para o desenvolvimento da socioeducação na unidade de cumprimento de medida de internação, CASE Mossoró, de modo condizente ao seu contexto institucional e social, às normativas legais e a doutrina de proteção integral. Objetivos Específicos Orientar as ações desenvolvidas pelos trabalhadores da unidade e parceiros externos pautadas na garantia dos direitos humanos e enfoque restaurativo; Servir de base para a implantação dos demais documentos institucionais, tais como Regimento Interno e Manual de Segurança; 3.2 Bases éticas e organizacionais O Projeto Político-Pedagógico do CASE PITIMBU tem a função de consolidar uma propostasocioeducativa, como parte de um processo de reestruturação já descrito – inclusive na perspectiva da institucionalização da FUNDASE. Nesse sentido, o PPP constitui importante instrumento orientador do trabalho da unidade, nos seus aspectos organizativos e pedagógicos. Com o objetivo de desenvolver uma proposta socioeducativa fundamentada na Proteção Integral e na garantia de direitos dos adolescentes acusados do cometimento de prática infracional, a construção dos aspectos que orientarão o processo de implantação do PPP se deu em conjunto com toda a comunidade socioeducativa. Nesta perspectiva, apresenta-se, a seguir, a identidade organizacional da FUNDASE, com definição da missão, da visão e dos valores que deverão subsidiar a consolidação da ação socioeducativa: ● Missão: Atender adolescentes acusados de ato infracional e em cumprimento de medida socioeducativa de restrição e privação de liberdade, garantindo a sua proteção integral. 21 ● Visão: Ser uma instituição moderna, de referência nacional no atendimento socioeducativo adequado aos parâmetros do SINASE, até 2020, com servidores valorizados e serviço humanizado. ● Valores: 1. Compromisso Social – participar de ações voltadas à preservação dos valores com responsabilidade entre a sociedade, o Estado e a família. 2. Cultura de Paz – estabelecer uma cultura que prima pelo diálogo e pelo entendimento do outro. 3. Respeito – estabelecer uma relação de cordialidade e consideração, entendendo e respeitando a diversidade cultural, religiosa, étnico-racial, de gênero, orientação sexual e a condição peculiar do socioeducando como pessoa em desenvolvimento. 4. Profissionalismo – atuar com ética e respeito, de maneira íntegra, honesta e solidária no exercício da profissão, perseguindo a excelência no desempenho de suas atividades. 5. Dinamismo - agir com determinação e ousadia, procurando realizar as suas funções com iniciativa, criatividade e competência de modo a superar a sua performance. 3.3. Reestruturação organizacional Tomando por base o reordenamento da FUNDASE, publicado através da Lei 214, de 05 de janeiro de 2018, e o Regimento Interno, as Unidades de Atendimento, em sua estrutura organizacional, devem compreender: I. Conselho Gestor; II. Gerência; III. Equipe Técnica Especializada; IV. Equipe de Agentes Socioeducativos; V. Equipe de Suporte Administrativo; VI. Conselho de Responsabilização Disciplinar. 3.4. As unidades de internação segundo SINASE A internação é uma medida socioeducativa privativa de liberdade, prevista no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (Lei nº 8.069/90). De acordo com a https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91764/eca-lei-n-8-069-de-13-de-julho-de-1990 22 Lei, tal medida é regida por três princípios fundamentais, quais sejam os da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar do adolescente, de pessoa em desenvolvimento. Estes princípios visam garantir que o atendimento ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação seja realizado de maneira humanizada, de forma que o impacto no socioeducando vise o rompimento com a vivência infracional e a construção de uma nova história de vida. Nessa direção, o SINASE (2006) ressalta, dentre outros aspectos, a importância do espaço físico como um dos elementos que podem contribuir para o desenvolvimento pessoal, relacional, afetivo e social do socioeducando durante o cumprimento da medida. Assim, as instituições devem garantir tanto a capacidade física para o atendimento adequado quanto os direitos dos adolescentes. Ademais, devem atender aos requisitos de ergonomia, de humanização, de conforto ambiental, de volumetria e de segurança. Diante disso, o SINASE (2006) aponta como exigências para a estrutura física das unidades de internação: Condições adequadas de higiene, limpeza, circulação, iluminação e segurança. Espaços adequados para a realização de refeições Espaço para atendimento técnico individual e em grupo Condições adequadas de repouso dos adolescentes Salão para atividades coletivas e/ou espaço para estudo Espaço para o setor administrativo e/ou técnico Espaço e condições adequadas para visita íntima Espaço e condições adequadas para visita familiar Área para atendimento de saúde/ambulatórios Espaço para atividades pedagógicas Espaço com salas de aulas apropriadas contando com sala de professores e local para funcionamento da secretaria e direção escolar Espaço para a prática de esportes e atividades de lazer e cultura devidamente equipados e em quantidade suficiente para o atendimento de todos os adolescentes Espaço para a profissionalização (p. 50) Adicionalmente, no que tange especificamente a iluminação e a estrutura dos alojamentos, o SINASE (2006) prevê, dentre outras coisas: 23 Prever iluminação artificial em todas as dependências da Unidade, bem como gerador de emergência que entrará em funcionamento caso ocorra pane na subestação principal ou falta de energia; e utilizar pisos e outros materiais que sejam laváveis e resistentes, permitindo uma prática e eficiente conservação e manutenção; e as paredes, sempre que possível, deverão ser lisas, de pintura lavável, podendo apresentar soluções estéticas com texturas variáveis, sem prejuízo da segurança física do adolescente. (p. 68) Além disso, o SINASE prescreve que as unidades devem organizar o espaço físico de maneira que cada fase do atendimento possua espaço próprio. Assim, cada mudança de fase deve representar a alternância de espaço, conforme as metas alcançadas no plano individual de atendimento (PIA). Conforme apontado pelo SINASE (2006), tais fases referem-se a: a) fase inicial de atendimento: período de acolhimento, de reconhecimento e de elaboração por parte do adolescente do processo de convivência individual e grupal, tendo como base as metas estabelecidas no PIA; b) fase intermediária: período de compartilhamento em que o adolescente apresenta avanços relacionados nas metas consensuadas no PIA; e c) fase conclusiva: período em que o adolescente apresenta clareza e conscientização das metas conquistadas em seu processo socioeducativo. (p. 51) Importa destacar que, a despeito dessas fases, o SINASE salienta a necessidade de constituição de uma convivência protetora, que nada mais é que um espaço físico específico para os socioeducandos que tenham sua integridade física e psicológica ameaçada. Considerando isso, o espaço para tanto pode possuir uma barreira física e visual. 3.5 Características do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Mossoró Caracterização do entorno do CASE Mossoró Mossoró situa-se na região oeste do Rio Grande do Norte, e apresenta clima muito quente e semiárido (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte [IDEMA], 2008). Possui a segunda maior população no estado, apresentando, em 2010, 259.815 pessoas e densidade demográfica de 123,76 hab./km2, de acordo com o censo do IBGE de 2010. Ainda conforme esses dados, desta população, 23.283 são jovens de 15 a 19 anos, sendo 11.525 pertencentes ao sexo masculino e 11.758 ao sexo 24 feminino. Além disso, o município apresenta um índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) 0.72, o terceiro maior do estado do Rio Grande do Norte, e um índice de pobreza de 55,2%. A economia da cidade é marcada, dentre outras coisas, pela fruticultura irrigada e pela indústria salineira (sendo o maior produtor de sal do Brasil) (Castro, 2009). Especificamente, o CASE Mossoró localiza-se numa área afastada do centro da cidade. O acesso à unidade dá-se através de uma estrada de barro e, no entorno, não há uma robusta rede socioassistencial. Destaca-se, contudo, a presença do 12º Batalhão de Polícia Militar e o Posto de Saúde das Malvinas, situado na comunidade homônima. Contudo, em 2017, ano de construção deste PPP, havia parcerias estabelecidas com a Unidade Básica de Saúde do Alto do São Manoel, utilizadapara obtenção de remédios e, em casos de emergência, também eram utilizadas a UPA Santo Antônio e o Hospital Tarcísio Maia. Infraestrutura e recursos materiais No que se refere à infraestrutura, o CASE Mossoró conta com amplo espaço para atividades diversas. Alguns ambientes são separados por grades e/ou portas (alojamentos e seus dormitórios; a cozinha do refeitório; entrada e saída da unidade). Os espaços da gestão e da equipe técnica possuem boa iluminação, saídas para ventilação e mobília básica para o trabalho. Na entrada da unidade há duas guaritas, uma para atendimento de portaria e outra onde atuam os policias, sendo esta de primeiro andar onde permite a visualização interna e externa da instituição; um amplo estacionamento e o prédio da recepção com espaço para acolhimento, sala de monitoramento de segurança, banheiro social e sala para revista intima masculino e feminino com banheiro. A área administrativa da unidade apresenta a seguinte divisão: sala de reunião, coordenação, secretaria, apoio administrativo, almoxarifado, arquivo, guarda pertences, copa, banheiro feminino e outro masculino. Nesse espaço há ainda um ambiente direcionado para organização dos educadores, constituído por, uma sala ampla em que estão fixados os armários para guardar os pertences pessoais, mesas, quadro e materiais de trabalho; cozinha, dois banheiros, dois quartos para descanso, que contém duas camas e quatro colchões. Além deste espaço, há o núcleo de atendimento biopsicossocial, que apresenta a seguinte divisão: um consultório médico com banheiro e outro odontológico, sala de esterilização de materiais odontológicos, sala de enfermagem com recepção e banheiro, sala 25 de terapia em grupo, psicologia, serviço social, subcoordenação técnica, defensoria pública, sala de atendimento familiar, banheiro masculino e feminino, e duas salas de arquivo. A unidade também conta com um anexo da Escola Estadual Alfredo Simonetti. O espaço é dividido em: sala pedagógica, dos professores, secretária, biblioteca, cinco salas de aulas, dois banheiros feminino e dois masculino, tele sala e um auditório. O refeitório tem um banheiro masculino e feminino, um bebedouro, cadeiras e mesas de plásticos onde socioeducandos e funcionários realizam as refeições. Através de uma porta pode-se acessar a cozinha da unidade, contendo sala de preparo, almoxarifado e duas despensas. A unidade tem seis núcleos que são divididos da seguinte forma: na adaptação têm dois alojamentos, cada um com três camas e banheiro, além de espaço coletivo de convivência para os dois alojamentos com dois bancos e uma mesa de alvenaria, assim como uma lavanderia. Os núcleos I, II, III e VI, apresentam uma estrutura semelhante à adaptação, contudo seu ambiente tem quatro alojamentos, tendo uma parede que dividi o lado A do B e um espaço na frente que contem duas salas para atendimento. Já o núcleo Protetora apresenta a mesma estrutura dos demais, porém não tem divisão entre os lados A e B, assim como o espaço de convivência coletiva. A unidade conta também com um quarto destinado para as visitas intimas dos adolescentes, com banheiro e uma cama de casal. No centro profissionalizante tem uma loja. Nesse espaço se dá a venda os trabalhos realizados pelo socieducandos. Além disso, ainda há espaço de recepção, sala de marcenaria com dois banheiros e dois almoxarifados, sala de pintura com um banheiro e um almoxarifado, salão de beleza e um amplo salão com banheiro e almoxarifado. Já o salão de ginástica contém dois vestiário e um amplo espaço para atividades. Os espaços destinados às atividades físicas e de lazer são a quadra poliesportiva que tem dois vestiários, arquibancada e apresenta-se adequado para as atividades (possui cobertura, boa iluminação, ventilação, e há equipamentos básicos para a prática de esportes como futebol e vôlei). E o salão de ginástica contém dois vestiário e um amplo salão para atividades. Há lavanderia na unidade, com um espaço em que estão anexadas as pias e as maquinas de lavar. Apresenta, ainda, dois vestiários, dois almoxarifado, uma sala para guarda os materiais de manutenção da unidade e amplo espaço aberto destinado para secar as roupas. Anexado à lavanderia há um local onde encontra-se os cilindros de gás. Além disso, a unidade conta com diversas áreas verdes e uma praça em condições de uso. 26 ASPECTOS FÍSICOS ENCONTRADOS CASE MOSSORÓ Condições adequadas de higiene, limpeza, circulação, iluminação e segurança Contempla Parcialmente Espaços adequados para a realização de refeições Contempla Espaço para atendimento técnico individual e em grupo Contempla Condições adequadas de repouso dos adolescentes Contempla Salão para atividades coletivas e/ou espaço para estudo Contempla Espaço para o setor administrativo e/ou técnico Contempla Espaço e condições adequadas para visita íntima Contempla Espaço e condições adequadas para visita familiar Contempla Parcialmente Área para atendimento de saúde/ambulatórios Contempla Espaço para atividades pedagógicas Contempla Espaço com salas de aulas apropriadas contando com sala de professores e local para funcionamento da secretaria e direção escolar Contempla Espaço para a prática de esportes e atividades de lazer e cultura devidamente equipados e em quantidade suficiente para o atendimento de todos os adolescentes Contempla Espaço para a profissionalização Contempla Tabela 1 - Aspectos encontrados na unidade, de acordo com os parâmetros do SINASE. 3.6 Principais problemáticas do case Mossoró Durante a construção do PPP do CASE Mossoró, foram identificadas algumas problemáticas que serviram de embasamento para a condução do plano de atuação que se apresentará mais a frente. Assim, apontamos a fragilidade da comunicação entre os setores que constituem a unidade, esclarecendo a necessidade de se garantir o alinhamento da atuação dos profissionais, ao passo em que se estabelece o objetivo fundamental que orienta o trabalho na unidade CASE Mossoró. Observa-se também a necessidade de maior oferta de atividades de cunho pedagógico para os adolescentes, possibilitando que estes apreendam, além da educação básica, conhecimentos universais acerca da sociedade em que eles se encontram imersos, assim como a preparação para o mercado de trabalho. 27 Além disso, também foi identificada frágil articulação com a rede intersetorial de atendimento, tanto no que diz respeito às políticas públicas, quanto às instituições de terceiro setor. Por fim, compreende-se a necessidade de instituir um conselho disciplinar atuante, que se adéque as prerrogativas regimentais, assegurando a participação do adolescente, assim como de seu defensor. 4. MARCO OPERATIVO 4.1. Metodologia Para efetivação de uma nova concepção socioeducativa no CASE Mossoró, orientada para a proteção integral e a garantia de direitos, a metodologia deve ter como pilares centrais as práticas restaurativas, bem como os demais aspectos abordados no marco conceitual. Levando isso em consideração, os eixos, sub-eixos e seus respectivos parâmetros buscam oferecer saídas para as problemáticas identificadas e potencializar as atividades que já se coadunam com o SINASE. Por sua vez, tais eixos desembocam nas fases de atendimento e nos planos de ação, que visam concretizá-los na prática cotidiana da unidade. 4.2. Eixo GESTÃO 4.2.1. Subeixo GESTÃO INSTITUCIONAL As reflexões a respeito da gestão de instituições socioeducativas têm em vista contribuir para o exercício de uma das mais importantes tarefas junto a equipes de trabalho responsáveis pelo atendimento a adolescentes privados de liberdade, e que representa um grande desafio para os educadores chamados a assumi-la. Tal contribuição parte do entendimento de que, nesse contexto, a gestão requer, necessariamente, ser exercida considerando a relação entre os socioeducadores e os adolescentes internos na unidade. Assim, o desafio maior do gestor é consolidar práticas que contribuam para que sua equipe,efetivamente, supere os limites impostos pelo assistencialismo e pela repressão - marcas históricas em tal contexto e que em geral resultam na violação de direitos dos adolescentes - adotando as diretrizes pedagógicas preconizadas em lei. Nessa direção, a gestão orientada por práticas que contemplem a participação democrática dos socioeducadores, e que respeitem 28 opiniões e reivindicações dos adolescentes, é um ponto de partida para a proposta aqui preconizada. A participação democrática é coerente com a transparência da gestão, que na medida em que possibilita identificar os limites e as possibilidades da realidade institucional, possibilita, da mesma forma, a sinergia de esforços com vistas à prática educativa. Em que pese à breve avaliação crítica, da qual decorre essa orientação, não se desconhece e tampouco desconsidera a contradição que permeia a prática pedagógica em instituição na qual o adolescente se encontra privado de liberdade, entendendo-se que aí se configura o cerne do desafio a ser enfrentado cotidianamente. Se, por um lado, orienta-se no sentido da garantia dos direitos dos quais os adolescentes são titulares, e assim preconiza-se uma orientação educativa para as ações com eles desenvolvidas, por outro se observa que, de modo geral, espaços institucionais de privação de liberdade carregam a marca do poder, do controle e da segregação sobre os mesmos. Em decorrência, este eixo de “Gestão Institucional” aponta alguns parâmetros necessários para efetivação de uma gestão democrática, de modo que seja possível uma incidência direta sobre a garantia de direitos dos adolescentes. São eles: 4.2.1.1 Dialogicidade e horizontalidade Estabelecer o diálogo e a horizontalidade na tomada de decisões, como parâmetros de gestão institucional, significa ampliar a experiência democrática daqueles (as) que compõem a comunidade socioeducativa. Neste sentido, é necessário que se priorize um processo de composição da gestão feito de forma participativa, alinhando os aspectos estabelecidos no SINASE com a participação da comunidade socioeducativa. A materialização do diálogo e da horizontalidade nas práticas cotidianas da unidade se dá por meio dos seguintes procedimentos: Realização de reuniões de planejamento e avaliação, com calendário pré-definido e garantia de participação de membros da gestão, da equipe técnica, de agentes socioeducativos, de familiares, de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, de professores e dos demais profissionais que desenvolvam atividades na unidade e que estejam dispostos a participar. É recomendado que tais reuniões ocorram com periodicidade mínima de quinze dias. Tal como nas assembleias3, a coordenação da 3Conforme preconiza o SINASE, as assembleias são espaços dedicados àdiscussão e tomada de decisões quanto a questões gerais da unidade. Deve ser composta por toda a comunidade socioeducativa. 29 reunião deverá ser rotativa, garantindo sua condução por um representante distinto daquele que conduziu a última reunião; A constituição de Conselho Gestor, com Gerente, Subgerente Técnico, Subgerente Administrativo e representação da equipe de agentes socioeducativos, dos socioeducandos e da família. Cada um destes grupos deverá definir seu próprio representante no Conselho. Os adolescentes e os familiares são imprescindíveis para o funcionamento do referido mecanismo participativo. As reuniões do Conselho Gestor deverão ocorrer com intervalo de, no máximo, trinta dias, e um dos pontos de pauta deverá ser a avaliação das ações executadas na unidade nos dias anteriores, procurando aperfeiçoar os mecanismos de atuação; A constituição de Conselho de responsabilização disciplinar, com representação da gestão, da equipe técnica e da equipe de agentes socioeducativos, e deve respeitar o que é prescrito no Regimento Interno. Dentre outras coisas que são abordadas no regimento, assinala-se que a gestão e a equipe técnica deverão definir seus próprios representantes titular e suplente no Conselho. Em relação aos agentes socioeducativos, o representante será a referência do plantão do dia, que deverá, através do diálogo com os demais agentes, aglutinar o maior número de informações possíveis sobre os eventos que serão tratados no Conselho. O grupo deve ser renovado anualmente, e a sua reunião deve se dá em função de situação disciplinar, sendo registrada em ata pela Gerência da unidade. Ademais, seu funcionamento deve estar embasado nos princípios da Justiça restaurativa; A realização das assembleias, com ampla participação dos familiares e dos adolescentes, deve se configurar como um espaço de representação legítima destes segmentos. Como possíveis estratégias para auxiliar a participação das famílias nos mecanismos, recomenda-se: o Elaboração de cartilhas sobre os mecanismos democráticos; o Encontro com as famílias, organizado pela FUNDAC junto com as unidades, na região onde há cumprimento de medidas, como objetivo de apresentação dos mecanismos democráticos; o Articulação com os equipamentos socioassistenciais, para que estes auxiliem na divulgação, junto as famílias com adolescentes no sistema socioeducativo, sobre os mecanismos democráticos; 30 o A seleção destas ou de outras estratégias deve ser feita de acordo com o perfil dos familiares e das condições da unidade para tanto. Além dessas recomendações, na mesma perspectiva do diálogo e da horizontalidade, incentiva-se os profissionais a criarem mecanismos de comunicação interna, entre si e com os adolescentes e seus familiares. 4.2.1.2. Articulação permanente Considerando o princípio de incompletude institucional, a gestão central e as unidades deverão estar em constante processo de articulação com o sistema de saúde, de ensino – profissional, técnico, básico e superior –, bem como com o sistema de justiça, organizações da sociedade civil, grupos religiosos e demais instituições que possam contribuir para a garantia de direito dos adolescentes por meio de ações consoantes com o Projeto Político Pedagógico da unidade. Ainda que seja responsabilidade da gestão central a realização da intersetorialidade, realizando a contínua articulação com as instituições externas, a gestão e a equipe técnica da unidade devem operacionalizar as articulações necessárias, estando também aptos a propor parcerias para o fortalecimento da execução da medida socioeducativa. É importante destacar que tais articulações devem se constituir como parcerias institucionais, e não troca de favores. Neste sentido, algumas iniciativas constituem exemplos de como esta articulação permanente pode ser efetivada: Buscar articulação com setores da saúde, educação, cultura, esporte e lazer, e demais âmbitos que apresentem potencial contribuição para a socioeducação. Destacam-se como possibilidades, buscar parcerias dentro dos cursos de Direito e Medicina da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA, bem como da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, nos cursos de Direito, Educação Física e Música. Estas são apenas sugestões, de modo que outros cursos e instituições de ensino superior podem ser contatados na medida em que apresentarem propostas que sejam proveitosas para o desenvolvimento da socioeducação na unidade. Além dessas, as instituições do sistema S constituem-se em outras instituições que possuem o potencial de contribuir com cursos de profissionalização para os socioeducandos, contribuindo na construção de seu projeto de vida; Construir de um cronograma de visitas da equipe técnica às unidades de saúde, defensoria pública ou outros órgãos públicos/organizações da sociedade civil, a fim de apresentar as 31 demandas da unidade socioeducativa e aproximar estas instituições da execução da medida; Estreitar laços com o sistema de justiça, facilitando e demandando aproximação com este, inclusive para visitas frequentes na unidade de atendimento; Fortalecer a aproximação com os serviços de assistênciasocial dos municípios de origem dos adolescentes, de modo a possibilitar articulações; Promover fóruns, seminários e palestras para todas as equipes de profissionais da unidade de atendimento socioeducativo e para a rede intersetorial, no sentido de integrá-la ao sistema; Articular outras redes de apoio na comunidade, buscando desmistificar preconceitos que persistem sobre adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. 4.2.1.3. Composição e dinâmica das equipes de acordo com o SINASE O SINASE define que, para unidades que comportem até 40 adolescentes, a equipe mínima deverá ser composta por um (a) diretor (a), um (a) coordenador técnico (a), dois/duas assistentes sociais, dois/duas psicólogos (as), um (a) pedagogo (a), um (a) advogado (a), além dos (as) profissionais responsáveis por atividades de cunho administrativo e aqueles (as) necessários (as) para o desenvolvimento de atividades de escolarização, arte, cultura, lazer e profissionalização. No que diz respeito ao número de agentes socioeducativos, o SINASE prevê uma relação que varia, de dois agentes socioeducativos para cada adolescente – nas situações em que se observe alto risco de fuga, de autoagressão ou de agressão a terceiros -, até um agente socioeducativo para cada cinco adolescentes. Aqui, considerando-se o SINASE, o processo participativo de construção do PPP e a realidade institucional da FUNDASE, deverá haver, no mínimo, 50 agentes socioeducativos por unidade de internação com até quarenta adolescentes, de modo que cada equipe de plantão seja composto por, no mínimo, 104agentes. Ainda que o corpo de profissionais da unidade seja composto por servidores das mais diferentes áreas e que ocupam os mais diversos cargos, todos compartilham o mesmo objetivo: trabalhar em prol do desenvolvimento da medida socioeducativa. Portanto, ainda que o trabalho nas diferentes esferas da administração, da equipe técnica e da equipe de agentes socioeducativos seja especializado, é necessário que haja integração de objetivos e de 4Conforme preconiza o SINASE, as assembleias são espaços dedicados àdiscussão e tomada de decisões quanto a questões gerais da unidade. Deve ser composta por toda a comunidade socioeducativa. 32 metodologia. Em decorrência, reitera-se a necessidade, conforme já exposto no parâmetro sobre dialogicidade e horizontalidade, que: As ações desenvolvidas na unidade sejam construídas de modo coletivo, tendo sempre como meta a socioeducação; A unidade estabeleça mecanismos de comunicação constante entre todos os profissionais, sobretudo gestão, equipe técnica e equipe de agentes socioeducativos, de modo a integrar as práticas desenvolvidas; A equipe composta por pedagogos (a), assistentes sociais e psicólogos (a) trabalhe de maneira integrada, tendo como estratégia a construção de vínculo com os adolescentes e a execução de um atendimento visando a integralidade do (a) adolescente. 4.2.1.4. Acompanhamento de egressos O sucesso da execução de uma medida socioeducativa transcende o processo desenvolvido durante o cumprimento da medida e a dimensão individual do adolescente. Ou, em outros termos, ao finalizar a medida socioeducativa, o adolescente poderá retornar para um ambiente social em que a falta de oportunidades e a pressão de grupos locais terminem por coagi-lo a reincidir no cometimento de ato infracional. É por isto que, a fim de potencializar as possibilidades de ruptura com a trajetória infracional, deverá ser construída uma política de acompanhamento de egressos, para aqueles adolescentes que desejarem e tiverem seu processo de execução extinto, conforme preconiza o SINASE. Para tanto, é preciso que esta se constitua não apenas em uma política institucional, configurada em um programa de acompanhamento de adolescentes após o cumprimento da medida de internação, mas principalmente em uma política que signifique orientação cotidiana da prática profissional dos socioeducadores, entendidos como aqueles (as) que desenvolvem atividade com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. O esperado é que a efetivação de uma política com essas características se dê tanto pela equipe técnica, quanto pela gestão central da FUNDASE, que devem manter comunicação quanto ao planejamento e às atividades realizadas por cada âmbito. Nesta direção, deve-se: Executar a medida tendo como referência o PIA, notadamente em relação à perspectiva de futuro sinalizada pelo socioeducando, e contribuir para sua inserção na escola e em programas de capacitação profissional; 33 Acompanhar as famílias dos socioeducandos, no sentido de contribuir para sua inserção em programas como profissionalização, redistribuição de renda, combate à dependência química; Manter articulação permanente com as instituições executoras de medidas socioeducativas em meio aberto e com as unidades que executam medidas de semiliberdade; Através da progressividade para a realização das atividades externas, conforme diretriz do SINASE, ir reconstruindo os vínculos comunitários dos adolescentes e preparando-os para o processo de desligamento. 4.2.1.5. Relação com a gestão central A unidade de atendimento socioeducativo e a entidade à qual está vinculada – a FUNDASE – devem atuar em constante diálogo, a fim de otimizar o processo de socioeducação. É imprescindível o estabelecimento de um fluxo de comunicação que permita à gestão central se inteirar das ações da unidade com o menor lapso de tempo possível, para assim acompanhar a constituição das demandas e poder atendê-las com celeridade, evitando comprometimentos ao processo socioeducativo. Assim, ao mesmo tempo em que é esperado que a unidade comunique à gestão central suas necessidades, como aquisição de produtos variados, é também esperado que a gestão central atenda às demandas, observadas particularidades como quantidade e tamanho – no caso de roupas, calçados etc. Não obstante um bom fluxo de comunicação buscar dar conta de demandas dessa ordem, o mínimo de autonomia financeira deve ser garantida à unidade, de modo que esta possa resolver demandas urgentes e imprevistas, em que qualquer espera pela iniciativa da gestão central signifique aumento do problema, como é o caso de pequenos reparos em equipamentos ou na estrutura física. Para tanto, deve-se efetivar o dispositivo de suprimento de fundos nas unidades. 4.2.1.6. Alinhamento de regimento interno entre as unidades de mesma natureza de medida A execução de ações socioeducativas dentro das unidades da FUNDASE deve seguir um alinhamento, mantendo as especificidades de cada região administrativa, orientado pelo Projeto Político Pedagógico Institucional. As unidades que executam medidas socioeducativas semelhantes devem alinhar suas ações e normas, previstas em seus regimentos internos, quanto a alguns procedimentos de ordem pedagógica e de garantia de direitos. Nessa direção, reuniões periódicas entre as unidades de mesma medida e a gestão 34 central podem se constituir importantes espaços de discussão sobre dificuldades enfrentadas, algumas das quais comuns às unidades-, bem como sobre práticas que auxiliam na realização da socioeducação. 4.2.1.7. Alinhamento do fluxo de ações ao Projeto Político Pedagógico da unidade Tendo em vista que o projeto pedagógico deve ser o documento alicerce das ações na unidade, considera-se importante que: O planejamento das atividades da unidade o considere como ponto de partida, a fim de conferir maior sintonia entre os diversos setores da unidade; Sejam realizadas reuniões de avaliação a fim de verificar como o projeto pedagógico tem se efetivado, bem como os limites e as possibilidades de sua efetivação no cotidiano da unidade; Os novos funcionários se apropriem do conteúdo do projeto da unidade, como forma de assegurar a continuidade das ações realizadas naquele espaço. 4.2.2. Sub-eixo GESTÃO DE PESSOAS E PROCESSOS DE TRABALHO A consolidação de um projeto político-pedagógico no âmbito da socioeducação
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