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Hanna MED 16 POLIDRÂMNIO A polidramnia foi originalmente definida como volume de líquido amniótico (LA) acima de 2.000 mℓ no momento do parto. A incidência da polidrâmnio varia entre 0,2 e 2,0%, sendo a maioria dos casos classificada como idiopática (50 a 60%). São descritas duas formas clínicas: aguda e crônica. A forma aguda, que representa apenas 1,6% dos casos, é caracterizada por aumento de volume do LA em poucos dias, sendo precoce (antes da 24a semana) e, geralmente, de prognóstico sombrio. A outra forma, a crônica, corresponde à maioria absoluta dos casos, de instalação lenta e progressiva, ocorrendo ao fim do 2º trimestre e no 3º trimestre da gestação. As causas do aumento de LA podem ser fetais, maternas ou placentárias e, consequentemente, o prognóstico perinatal dessas gestações varia em função da causa primária. ETIOLOGIA A etiologia da polidramnia está sempre relacionada com a alteração do balanço entre a produção e a absorção de LA, e 50 a 60% dos casos não têm causa definida, sendo classificados como idiopáticos. O diabetes materno é descrito como causa primária da polidramnia em 8 a 20%, e as malformações fetais estão associadas em 4 a 45% dos casos. No diabetes, a hiperglicemia materna determina diurese osmótica fetal e a maior concentração de solutos na cavidade amniótica. Nas malformações fetais, os mecanismos de reabsorção podem estar prejudicados por compressões intrínsecas (atresia esofágica) ou extrínsecas (hérnia diafragmática), alterações da deglutição (micrognatia) ou, então, por aumento na produção de LA por exsudação anômala através dos tecidos (defeitos do tubo neural). Nos casos idiopáticos, apesar de o mecanismo fisiopatológico do acúmulo excessivo ser desconhecido, é provável que as membranas tenham papel predominante. Diversos fatores, como endotelina-1, peptídio natriurético cerebral humano, aquaporinas (AQP1, AQP3, AQP8, AQP9) e fator de crescimento endotelial vascular, estão envolvidos no transporte de água das membranas amnióticas, mas a importância relativa desses fatores na alteração do volume de LA ainda não é conhecida. DIAGNÓSTICO CLÍNICO A polidramnia só tem expressão clínica ao exame físico quando alcança o volume de 3 a 4ℓ. O diagnóstico clínico é suspeitado inicialmente a partir da observação da altura do fundo uterino acima do esperado para a idade gestacional, da dificuldade na palpação do feto e da ausculta convencional (estetoscópio de Pinard), e pela consistência cística do útero. O agravamento do quadro é acompanhado de hipertonia uterina, dor abdominal e lombar, edema no andar inferior do abdome e membros inferiores, pele do abdome lisa e brilhante com extensas estrias, varizes de membros inferiores, hemorroidas, metrossístoles e ruptura prematura das membranas (RPM). O trabalho de parto prematuro é extremamente comum, mas somente nas gestações complicadas com diabetes e malformações congênitas o grau de polidramnia irá influenciar o risco dele ocorrer. ULTRASSONOGRAFIA A avaliação subjetiva depende essencialmente da experiência do observador, podendo haver dificuldade maior na comparação dos resultados. No entanto, quando se comparam examinadores experientes há pequena variação interobservador. Já os métodos semiquantitativos incluem o cálculo do ILA, ou a medida do MBV. O ILA é calculado após a divisão do útero em quatro quadrantes no nível da cicatriz umbilical e com a medida do maior bolsão vertical encontrado em cada um deles, livre de partes fetais e de cordão umbilical. O somatório dessas medidas consiste no ILA. A técnica do maior bolsão vertical, por sua vez, consiste na medida do diâmetro vertical do maior bolsão de LA também livre de partes fetais e de cordão umbilical. O conceito mais aceito de polidramnia na ultrassonografia a define como identificação do maior bolsão vertical (MBV), com mais de 8 cm, ou por índice do líquido amniótico (ILA) superior a 18 cm, usando os parâmetros semiquantitativos. A polidramnia pode, ainda, ser classificada em: leve (ILA: 25 a 29 cm; ou MBV: 8 a 11 cm) Hanna MED 16 moderada (ILA: 30 a 34,9 cm; ou MBV: 12 a 15 cm) grave (ILA: ≥ 35 cm ou MBV: ≥ 16 cm). O quadro de polidramnia pode ser facilmente identificável por meio da ressonância magnética (RM) quando esta é usada como método complementar para pesquisas de malformações fetais. Nos casos mais graves, a placenta pode aparentar espessura reduzida pela distensão da cavidade uterina. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA É fundamental a investigação da etiopatogenia, que costuma estar associada a: Diabetes materno; Infecções congênitas (sífilis, toxoplasmose, citomegalovirose, parvovirose); Doença hemolítica perinatal; Malformações fetais; Anomalias placentárias. A investigação das malformações pela ultrassonografia (nível II) é de suma importância. O examinador deve estar atento às malformações congênitas mais comumente associadas e às anormalidades placentárias, como a placenta circunvalada e os corioangiomas. As malformações do sistema nervoso central são as mais comumente observadas nos casos de polidramnia (32,4%), seguidas pelas cardíacas (25,9%) e as do sistema gastrintestinal (16,8%), tórax (12%), craniofaciais (10%), outras (7%). Quanto maior o grau de polidramnia, maior a prevalência das malformações fetais, que pode variar de 8% (nas leves) a 31% (nas graves). Quando a polidramnia cursa com o crescimento intrauterino restrito (CIR), a investigação ultrassonográfica torna-se imperiosa em função do aumento significativo da mortalidade perinatal e neonatal, além da morbidade neonatal. A associação entre polidramnia e macrossomia fetal é amplamente descrita, podendo causar complicações intraparto (distocia de ombro) e neonatais (hipoglicemia), entre outras. Vale considerar a indicação individualizada da investigação genética nos casos de polidramnia idiopática, contemplando os demais aspectos que cotejam o risco das pacientes para as aneuploidias fetais. A polidramnia idiopática na gravidez com 34 semanas ou mais, é associada com desfechos obstétricos e neonatais adversos – parto cesáreo, fase da dilatação prolongada, traçados da frequência cardíaca fetal anormais ou intermediários, descolamento prematuro da placenta (DPP), distocia de ombros e síndrome de angústia respiratória. O papel dos testes de avaliação da vitalidade fetal na polidramnia idiopática é incerto. Nos casos de polidramnia associados às patologias fetais ou maternas, a avaliação pré-natal da viabilidade fetal deve seguir os protocolos de condutas pertinentes a cada condição. TRATAMENTO As intervenções terapêuticas nas causas primárias durante o período pré-natal, sejam maternas (controle glicêmico para as gestantes diabéticas), fetais (coagulação a laser das anastomoses arteriovenosas na síndrome de transfusão gêmeo-gemelar) ou placentárias (coagulação a laser de um corioangioma), devem diminuir o volume de LA, amenizando ou até mesmo revertendo o quadro em alguns casos. Na polidramnia idiopática ou naquelas condições em que não há terapêutica eficaz no período pré- natal podem ser usadas medidas paliativas (medicamentosas ou cirúrgicas) que visam apenas reduzir o volume de LA, independentemente da causa primária. Entretanto, essas medidas só devem ser instituídas nos casos sintomáticos, nos quais se observam dispneia, metrossístoles ou hipertonia importante. AMNIODRENAGEM A amniodrenagem precede em décadas a ultrassonografia. A técnica consistia na elevação da apresentação fetal com posterior inserção da agulha às cegas. Desde então, com o desenvolvimento da ultrassonografia, o monitoramento em tempo real aumentou significativamentea segurança do procedimento. Tradicionalmente, recomenda-se a drenagem de volume total de, no máximo, 2.000 mℓ. Tal recomendação visa reduzir o risco de complicações relacionadas com o procedimento, dentre elas a mais temida é o descolamento prematuro de placenta. A técnica de amniodrenagem sob pressão negativa constante, ou amniodrenagem rápida, promove o esvaziamento de mais de 3,5ℓ em menos de 30 min, com limite máximo de 5ℓ por procedimento. Estudos recentes demonstraram que o risco de complicação dessa técnica varia de 0 a 15%. A complicação mais comum foi a RPM. Hanna MED 16 Na maioria das vezes a amniodrenagem rápida é aceitável, desde que se respeite o limite de 5ℓ, considerando o conforto que proporciona à paciente e a segurança aceitável do procedimento. INDOMETACINA A descrição da associação entre o uso materno da indometacina, como tocolítico, e a diminuição do volume de LA data do final da década de 1980. Desde então, esse fármaco vem sendo usado no tratamento da polidramnia; o mecanismo de ação é essencialmente a diminuição do débito urinário fetal. Os efeitos colaterais indesejáveis são a regurgitação tricúspide, a disfunção ventricular direita e o fechamento do ducto arterioso; este último, o mais temido, é dose-dependente, podendo ser observado a partir de 24 semanas. Na 27ª semana ocorre em 5% dos casos, chegando a 50% na 32ª semana de gestação. A dose de indometacina geralmente usada no tratamento da polidramnia varia entre 1 e 3 g/dia (250 mg a 500 mg de 6/6 h), podendo chegar à dose máxima de 3 mg/kg/dia. Iniciado o tratamento, é imprescindível o monitoramento pelo Doppler do ducto arterioso. SULINDAC É um inibidor das prostaglandinas que também pode ser usado no tratamento medicamentoso da polidramnia. Por se tratar de um fármaco que necessita de metabolização hepática para produzir o princípio ativo, é provável que o sulindac tenha menos efeitos colaterais no feto que a indometacina. A concentração do metabólito ativo do sulindac é 50% menor no sangue fetal do que no materno. De acordo com estudos comparando o sulindac com a indometacina, e observaram que o sulindac apresentou menor efeito constritivo no ducto arterioso quando comparado à indometacina (30% para o sulindac e 70% para a indometacina). O efeito no débito urinário fetal também é menor com o sulindac; consequentemente, o efeito terapêutico também é menos efetivo. A pouca experiência no manuseio desse fármaco sugere cautela e atenção às pesquisas em curso. CONDUTA INTRAPARTO As condutas intraparto visam evitar, mas também conduzir, as complicações mais frequentes desse período. Optando pela via transpélvica, deve-se sempre avaliar, com generosidade, os benefícios da amniodrenagem ao início do trabalho de parto, que é imprescindível na maioria dos casos de polidramnia moderada e grave. O obstetra no primeiro período deve estar atento à atividade uterina. Distinguem-se dois tipos de polidramnia, no que se refere à atividade uterina: um de baixa contratilidade e outro de alta contratilidade. Nos de baixa contratilidade, a hipertonia é leve ou está ausente, e a resposta à ocitocina é fisiológica. Na polidramnia de alta contratilidade, observam-se hipertonia e hipossistolia, a resposta à ocitocina é ineficiente e, consequentemente, o amadurecimento do corpo e do colo é laborioso. A redução do volume de LA atenua as anormalidades da dinâmica uterina. A amniorrexe, espontânea ou artificial, também é extremamente delicada e deve ser bem conduzida. Na amniotomia, a criteriosa avaliação da altura da apresentação, a elevação das nádegas da paciente e a condução do escoamento do LA mantendo-se os dedos na vagina da paciente são aconselháveis. Desse modo, evitam-se casos de prolapso de cordão e apresentações anômalas. O terceiro e o quarto período devem ser conduzidos com atenção especial; a sobredistensão uterina secundária à polidramnia predispõe às hemorragias pósparto. A profilaxia com uterotônicos é imprescindível nesses casos. REFERÊNCIAS: FEBRASGO