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1 5º SEMESTRE 2021.2 – UNIFTC PEDIATRIA JULIANA OLIVEIRA DOR ABDOMINAL NA INFÂNCIA Quando se está diante de uma criança com dor abdominal o que devemos pensar? A dor é um mecanismo de defesa, ou seja, está sinalizando alguma coisa, ainda que não haja lesão de órgão, essa dor está sinalizando que há algo de errado. ➔ Epidemiologia: ▪ 10 a 20% das crianças e adolescentes vão ter queixa de dor abdominal durante o período da infância. ▪ Vai corresponder a 4% das consultas pediátricas de emergência. ▪ Tem um leve predomínio no sexo feminino. ➔ Classificação: Essa dor deve ser classificada quanto ao tempo. ▪ Aguda: É uma dor aguda quando se tem duração de mais ou menos 21 dias. Estão mais associadas a doenças orgânicas e outros sinais e sintomas p.ex. vômito e febre além da queda de estado geral e da fácies de dor apresentadas no caso. ▪ Crônica: É uma dor crônica quando tem duração de mais de 2 meses. Essa dor pode ser constante ou intermitente, ou seja, as pessoas podem apresentar diferentes padrões de dor. Há duas faixas etárias que são mais comuns à dor abdominal crônica: - 4 a 6 anos. - Entre 7 a 12 anos. ABDOME AGUDO Quando se tem uma dor aguda, o que será caracterizado como abdome agudo? Toda dor abdominal aguda vai ser avaliada como se fosse um abdome agudo, deve-se olhar para a criança e ver que aquela dor abdominal é a apresentação inicial de alguma doença grave e deve-se buscar rapidamente afastar as emergências clínicas cirúrgicas, que é o que tende a matar mais rápido. ➔ O que avaliar? ▪ Idade do paciente. (4 faixas etárias) ▪ Anamnese bem feita para fazer a temporalização da dor, sintomas associados, sinais de alarme, sintomas sistêmicos, a fim de definir se é uma dor de origem intra abdominal, extrabdominal, sistêmica ou funcional. ▪ Exame físico minuncioso. ▪ Observação clínica: a criança está comunicativa ou chorosa? Fácies de dor? Posição antálgica? ▪ Exames subsidiários disponíveis. Quais seriam os sinais de alarme? - É uma dor que começou subitamente e vem e vai de maneira rápida? - É uma dor que a criança estava dormindo e acordou? - Dor que a criança estava brincando e parou de brincar por conta da dor? - Está acompanhada de choro? - Pode-se ter vômitos persistentes, em jato, biliosos e concomitantes a dor, logo, é importante saber se o vômito surgiu antes, durante ou depois da dor. - Apresenta sinais sistêmicos como febre, queda do estado geral, sinais de toxemia como aumento da frequência cardíaca, frequência respiratória, má perfusão, rebaixamento de sensório? - Tem alteração física? Massas palpáveis. - Há alteração da evacuação como a presença de sangue? Diarreia? É necessário avaliar os sinais de alarme quando presentes. ➔ Medidas iniciais: Se ao fazer a avaliação inicial do paciente ele estiver instável deve-se estabilizar a parte respiratória e circulatória, fazer a solicitação dos exames de imagem e laboratoriais e pedir a avaliação da cirurgia para avaliar necessidade de intervenção cirúrgica imediata. Qual a principal hipótese diagnóstica na pediatria? ▪ Apendicite aguda. ▪ Perfuração intestinal. ➔ Diagnósticos diferenciais: ▪ Nas crianças menores de 2 anos, eles vão se mostrar mais irritados e chorosos, o que dificulta o diagnóstico, deve-se buscar ao fazer o exame físico, independente da idade, massas e sinais de peritonite. Para essa idade considera-se como emergência cirúrgica o volvo, intussuscepção, hérnia encarcerada, apendicite e tumores. No entanto, o mais comum é gastroenterite, constipação e infecção urinária. ▪ Nas crianças de 2 a 5 anos é possível ter uma melhor descrição dessa dor, melhor localização, e uma melhor diferenciação entre causas cirúrgicas e clínicas. Deve-se buscar sinais de peritonite ou massas que vão sugerir que seja causa cirúrgica, mas assim como os menores de 2 anos a gastroenterite continua sendo a principal causa de dor abdominal, a apendicite, no entanto, tem uma maior ocorrência nessa faixa etária, diferente da constipação e infecções urinárias, as quais são estatisticamente inferiores a apendicite, mas também ocorrem. As causas cirúrgicas ficam em segundo plano visto que são menos frequentes e os traumas 2 5º SEMESTRE 2021.2 – UNIFTC PEDIATRIA JULIANA OLIVEIRA passam a ocorrer com maior frequência. Além disso, tem-se as causas infecciosas como as pneumonias de base que causam uma dor referida em abdome e adenites mesentéricas. ▪ Nas crianças de 5 a 12 anos mantêm-se as 4 principais causas como gastroenterite, apendicite, constipação e ITUs, mas há um aumento da ocorrência dos traumas, visto que são crianças que são destemidas e acabam estando mais expostas. ▪ Nas crianças maiores de 12 anos as gastroenterites ocorrem em menor intensidade, desse modo, ocorrem as apendicites, constipação e ITUs. No entanto, já é uma fase em que se tem desenvolvimento puberal, logo, nas meninas pode-se ter dismenorreia, torção ovariana, gravidez ectópica, dor da ovulação. DOR ABDOMINAL CRÔNICA ➔ Classificação: ▪ Funcional: Não tem lesão de órgão alvo, logo, os exames serão todos normais. Nesses casos, solicita-se exame na minoria dos casos. Ocorre sem lesão tecidual, com períodos de surto e remissão. Deve-se utilizar os critérios de Roma IV para dizer que é uma dor funcional, assim, deve-se fazer uma criteriosa avaliação médica, de modo que os sintomas não podem ser atribuídos a qualquer outra condição médica. ▪ Orgânica: É a dor que tem lesão de órgão, que tem alteração sistêmica e que se tem alteração do organismo. A criança tem aparência de doente. Nesses casos, os sintomas são potencialmente causados por enfermidades orgânicas, as quais, são definidas como anormalidades anatômicas, inflamatórias, neoplásicas e bioquímicas. É importante perceber se há sinais de alerta para que se possa fazer a diferenciação entre dor funcional e orgânica. ➔ História clínica e exame físico: Na hora da realização do exame físico, deve-se conversar sobre quaisquer outras coisas para tirar a atenção da criança daquela situação e enquanto isso palpar o local que a dor foi referida. ➔ Dor abdominal crônica funcional: ▪ Transtornos funcionais de náuseas e vômitos: Síndrome dos vômitos cíclicos: 3 5º SEMESTRE 2021.2 – UNIFTC PEDIATRIA JULIANA OLIVEIRA - Vômitos intensos, paroxísticos que não melhoram e quepodem ter duração de horas à dias dentro de um período de 6 meses. - Episódios estereotipados para cada paciente. - Episódios são separados por semanas ou meses com - retorno a condição basal de saúde entre os episódios. - Após avaliação médica apropriada os sintomas não podem ser atribuídos à outras condições. Náusea funcional e vômito funcional: - Episódios isolados. - O vômito funcional é um episódio por semana por pelo menos 2 meses, não há recorrência regular nem outro sintoma associado. - Chama-se atenção para adolescentes devendo afastar transtornos alimentares e diferenciar de ruminação. - No vômito tem-se uma contração da musculatura abdominal que comprime o estômago e causa o vômito, na ruminação a passagem é livre. - Quando a náusea é o sintoma predominante, diz que é uma náusea funcional. - Não tem nenhuma relação com os alimentos e pode ou não estar associada ao vômito. Síndrome de ruminação: - É a criança que começa a se alimentar e a comida que ela já engoliu volta para a boca, é uma regurgitação repetitiva. - Pode ser causada por privação social, TOC, depressão, ansiedade e é mais prevalente no sexo feminino. - Não é precedido de eructação e não se enquadra em nenhum outro quadro clínico. Aerofagia: - Excessiva ingestão de ar ocasionando dor abdominal. - Eructações e flatulência. - Deve-se apresentar por pelo menos 2 meses antes de fechar o diagnóstico. ▪ Transtornos da dor abdominal funcional: Dispepsia funcional: - A criança ou adolescente apresenta plenitude gástrica pós prandial, saciedade precoce, dor ou queimação em região epigástrica e que não irradia. - Deve-se fazer avaliação clínica. - A acomodação gástrica é prejudicada, justificando a saciedade precoce. - Pode ser dividida em dois subtipos: Dor epigástrica → Síndrome de dor epigástrica Queimação epigástrica → Não é localizada, não irradia e não melhora nem piora com evacuação ou liberação de flatos. Síndrome do intestino irritável: - Eventos médicos como distensão abdominal, processo inflamatório seja por infecção ou por alergia e desordem de motilidade. - Eventos psicossociais: depressão, ansiedade. À associação desses tem-se dor abdominal + alguma outra coisa. É um transtorno neurológico, de modo que precisa ter dor abdominal por pelo menos 4 dias em um mês associada a um desses ou mais de um desses. Enxaqueca abdominal: - Dor que vai ter mecanismos deflagradores p.ex. estresse, fadiga, viagem. - É uma dor intensa, paroxística que começa periumbilical e se mantêm na linha média ou pode ser difusa que vai durar pelo menos 1 hora ou mais. Entre um surto e outro tem-se semanas a meses. É uma dor incapacitante. - Podem estar associados a sintomas como p.ex. anorexia, náusea e vômitos. - Fator de melhora: Repouso e sono. - Corresponde a cerca de 1 a 4% das crianças de 7 a 12 anos. - História familiar de enxaqueca. - Precursora de cefaleia na vida futura. - Esses sintomas precisam se fazer presentes por pelo menos 6 meses. Dor abdominal funcional inespecífica: - É um diagnóstico de exclusão. - Dor episódica ou contínua que vai ocorrer somente durante eventos fisiológicos. - Não é possível fechar o diagnóstico para SII, DF ou EA ▪ Transtornos funcionais da evacuação: Constipação funcional: - Apenas para as crianças desfraldadas, ou seja, no mínimo 4 anos. - Tem-se um padrão de evacuações 2 ou 3x por semana. - Dejeções de alto calibre, evacuações dolorosas com fezes endurecidas. - Tem sinais de alarme próprio p.ex. demora para evacuar, fezes em fita, alteração da velocidade de crescimento 4 5º SEMESTRE 2021.2 – UNIFTC PEDIATRIA JULIANA OLIVEIRA Incontinência fecal não retentora: - Tem-se dejeção em lugares inapropriados dentro do contexto sociocultural. - Não tem evidência de retenção fecal. - Ao avaliar, não conseguimos aplicar outra condição médica. - Está muito associado à traumas como abuso sexual, de modo que esses episódios ocorrem quando a criança se sente em perigo. - Diferenciar do escape fecal que consiste em uma borrada na cueca. - O melhor tratamento é a terapia comportamental. Regurgitação do lactente: - Consiste no retorno involuntário do alimento previamente deglutido para a boca ou para o meio externo. - Não tem eructação excessiva e nem faz a recusa de mamada. - Apresenta regurgitação duas ou mais vezes por dia durante 3 ou mais semanas. Cólica do lactente: - Choro inconsolável, prolongado, após a alimentação, distensão abdominal, flatulência. - Irritabilidade paroxística, irritação ou choro que se inicia e finaliza sem uma causa óbvia. - Episódio com duração de 3 ou mais horas por dia e que ocorrem por pelo menos 3 dias por semana com início de pelo menos uma semana. ➔ Dor abdominal crônica orgânica: ▪ Sinais de alerta: ▪ Causas: Esofagite de refluxo: - Dor → Processo inflamatório mucoso secundário à exposição ácida ou alcalina contínua, com contrações esofágicas descoordenadas durante a ingestão. - É uma dor que surge coma a alimentação e cursa sempre do mesmo jeito: Dor em queimação, localizada em abdome superior ou retroesternal. - Pode estar associada a regurgitação ou vômito, eructações ou soluções excessivos, sintomas otorrinolaringológicos e sintomas respiratórios. - O diagnóstico é clínico, indica-se a endoscopia quando não há resposta do tratamento empírico ou na presença de hematêmese, melena, disfagia, odinofagia, perda de peso, aversão alimentar e anemia ferropriva inexplicada ou refratária. Gastrite, duodenite e úlcera péptica: - Lesão da mucosa do estômago ou duodeno. - Dor em abdome superior ou periumbilical no caso de crianças menores. - Pode ter sintomas associados como p.ex. náusea, vômitos. - Úlcera péptica → infecção por H. Pylori. - Diagnóstico é clínico. Intolerância à lactose: - Redução da enzima lactase. - Dor abdominal tipo cólica, distensão abdominal, flatulência ou diarreia após a ingestão de lactose. - Geralmente se inicia na fase pré-escolar. - Secundária a infecção, alergia alimentar ou doença celíaca → diarreia. Doença inflamatória intestinal: - Retocolite ulcerativa: É algo mais abrupto, causando perda de peso, sangramento retal, diarreia com muco e dor abdominal tipo cólica de forma súbita. Envolve reto e áreas proximais e tem acometimento contínuo, atingindo mucosa e submucosa. - Doença de Crohn: É um quadro mais arrastado, causa dor abdominal, diarreia e perda de peso. É mais comum manifestações extraintestinais p.ex. anemia, alterações neurológicas, alterações de anexos e infertilidade. 5 5º SEMESTRE 2021.2 – UNIFTC PEDIATRIA JULIANA OLIVEIRA Acomete qualquer porção do TGI, com inflamação transmural, podendo apresentar fístulas, úlceras, granulomas e vasculite. Doença céliaca: - Pode ser relacionada ou não ao glúten e é uma doença imunoimediata.- Tem-se anticorpos específicos ao glúten. - Diarreia, alterações do crescimento, anemia, distensão abdominal, alterações dermatológicas e endocrinológicas. - O diagnóstico se baseia na dosagem de IgA, antitransglutaminase humana e antiendomísio. ➔ Abordagem à dor abdominal: ▪ É uma causa orgânica ou funcional? - Se orgânica deve-se tratar de modo específico para cada doença. - Se funcional deve-se garantir para a família que o quadro é benigno, ou seja, não tem gravidade. ▪ O tratamento deve ser individualizado e as metas terapêuticas visarão diferentes aspectos nas diferentes doenças. ➔ Abordagem dietética: ▪ Deve-se avaliar para aquela criança se ela tem alguma piora com a ingesta dos carboidratos fermentáveis não absorvíveis, com base nisso, deve-se orientar esses pais a fazer substituições. ▪ Avaliar a suspensão da ingesta de glúten naqueles que possuem doença celíaca. ▪ Em casos de intolerância à lactose deve-se retirar o alimento para ver se há melhora. ▪ Dispepsia funcional atenção à cafeína, picantes e gordurosos. ➔ Abordagem farmacológica: ▪ Manipulação da microbiota intestinal é um potencial alvo terapêutico p.ex. Lactobacillus rhamnosus GG ou reuteri DSM. ▪ Para dor abdominal aguda não se tem indicação de usar anticolinérgico, pois, ele vai parar o trânsito intestinal, no entanto nas dores funcionais e crônicas pode-se fazer uso desses. P.ex. escopolamina. ▪ Alterações relacionadas ao aumento do trânsito intestinal associado à um caso de trauma, pode-se usar antidepressivos, o qual irá diminuir o trânsito intestinal, melhorar o sono e induzi a analgesia. ▪ A enxaqueca abdominal trata-se da mesma maneira que a enxaqueca do tipo cefaleia com ciproheptadina, amitriptilina, propranolol, pizotifeno e flunarizina, avaliando caso a caso. ▪ Para a dispepsia funcional utiliza-se bloqueio ácido com antagonistas dos receptores de histamina ou inibidores da bomba de prótons. ➔ Abordagem psicológica: ▪ Boa relação médico- paciente-família. ▪ Buscar fatores psicológicos. ▪ Encaminhar para a terapia em vários eixos.
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