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Editora 1ª Edição | Dezembro | 2012 Impressão em São Paulo/SP DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Estratégias Educacionais para o Trabalho de Inclusão Regina Bonat Pianovski Unidade FATORES DE RISCO PRÉ-NATAIS, FATORES DE RISCO PERINATAIS E FATORES DE RISCO PÓS-NATAIS 3 67 Caro(a) aluno(a) A seguir, destacaremos os fatores que corroboram para o aparecimento da Deficiência Intelectual e a relevância da Etiologia para o controle e tratamento das doenças. Citaremos as síndromes relacionadas a esta deficiência e suas principais características. Objetivos da unidade Ao concluir esta unidade, você deverá ser capaz de: ► Destacar a importância da Etiologia da Deficiência Intelectual. ► Reconhecer os fatores de risco para a Deficiência Intelectual. ► Identificar as síndromes relacionadas à Deficiência Intelectual. Conteúdos da unidade ► A Etiologia da Deficiência Intelectual. ► Fatores de risco pré-natais, perinatais e pós-natais. ► Síndromes relacionadas à Deficiência Intelectual. 69 3.1. A ETIOLOGIA DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL A Etiologia da Deficiência Intelectual é de grande impor- tância, pois permite compreender os fatores causais responsáveis, proporcionando condições favoráveis para a prevenção e controle da Deficiência Intelectual. Muitos fatores podem estar envolvidos no processo, devendo-se identificar os primários e os secundários. Segundo a AAMR, a Etiologia consiste em: “Um construto multifatorial composto de quatro categorias de fatores de risco (biomédicos, sociais, comportamentais, e educacio- nais) que interagem no tempo, inclusive durante a vida do indivíduo e entre gerações, passando de pai para filho. A intenção desta abordagem da Etiologia é descrever todos os fatores de risco que contribuem para o funcionamento atual do indivíduo. Isto, então, permite aos provedores identificar estratégias para apoiar o indivíduo e a família para que estes fatores de risco possam ser evitados ou melhorados por meio de estra- tégias primárias, secundárias ou terciárias.” (AAMR, 2006, p. 121) Desta forma destacam-se alguns aspectos importantes da Etiologia (AAMR, 2006, p. 121): ► A Etiologia pode estar associada a problemas de saúde que po- dem interferir no funcionamento físico e psicológico. ► A Etiologia pode ser tratável, sendo que uma intervenção ade- quada pode prevenir ou minimizar o retardo mental. ► É necessária informação precisa para um planejamento e inter- venção adequada. ► É importante a formação de grupos homogêneos com a mesma 70 Etiologia ou com etiologias similares para fins de pesquisa. ► A Etiologia pode estar associada a um fenótipo comporta- mental específico. ► A identificação da Etiologia facilita o aconselhamento genético promovendo escolhas familiares e tomadas de decisão. ► Encaminhar os indivíduos e as famílias a outras pessoas e famí- lias com o mesmo diagnóstico. ► O conhecimento da Etiologia possibilita o autoconhecimento e o planejamento de vida. ► Entender a Etiologia da condição, ajuda na condução de crises enfrentadas pelos adultos. ► A prevenção da incapacidade depende do esclarecimento dos fatores de riscos sociais, comportamentais e educacionais. 3.1.1. Fatores de risco O manual da AAMR destaca quatro agrupamentos com relação aos fatores de risco da Deficiência Intelectual: biomédicos, sociais, comportamentais e educacionais. 1. Fatores pré-natais: fatores que acontecem antes da concepção: ► Biomédicos: distúrbios cromossômicos, distúrbios de gene úni- co, síndromes, distúrbios metabólicos, disgênese cerebral, doenças maternas, idade dos pais. ► Sociais: pobreza, má-nutrição materna, violência doméstica, falta de acesso ao cuidado pré-natal. ► Comportamentais: uso de drogas, álcool e fumo pelos pais. ► Educacionais: deficiência cognitiva dos pais sem apoio, e falta de preparação para serem pais. 2. Fatores perinatais: envolvem a problemática decorrente ao atendi- 71 mento materno infantil e representa um dos fatores mais importantes da deficiência mental: ► Biomédicos: prematuridade, lesão no nascimento, distúrbios neonatais. ► Sociais: falta de acesso aos cuidados do nascimento. ► Comportamentais: rejeição dos pais ao cuidar da criança; abandono da criança pelos pais. ► Educacionais: falta de encaminhamento médico para serviços de inter- venção na alta hospitalar. 3. Pós-natal: após o parto. ► Biomédicos: lesão cerebral traumática, má-nutrição, meningoencefali- te, distúrbios convulsivos, distúrbios degenerativos. ► Sociais: cuidador da criança incapacitado, falta de estimulação adequa- da, pobreza familiar, doença crônica na família, institucionalização. ► Comportamentais: abuso e negligência da criança, violência domésti- ca, medidas de segurança inadequadas, privação social, comportamentos difíceis da criança. ► Educacionais: incapacidade dos pais, diagnóstico atrasado, serviços de intervenção precoce inadequados, serviços educacionais especiais inade- quados, apoio familiar inadequado. Os autores Assumpção Jr. e Sprovieri (2000, p. 44) apresentam a seguinte organização com relação às Etiologias da Deficiência Intelectual: 1. De Etiologia definitivamente ambiental: ► Causas pré-natais: agentes físicos, agentes químicos, doenças maternas. ► Causas perinatais-prematuridade: parto distócico, incompatibilidade materno fetal, hiperbilirrubinemias. ► Causas: pós-natais – trauma com lesão de SNC: infecções - ação de 72 tóxicos, perturbações vasculares cerebrais, má-nutrição. 2. De Etiologia genética: ► Causas gênicas e cromossômicas. 3. Com participação desconhecida dos fatores ambientais e genéticos. Como destaca a AAMR (2006) usar um rótulo etiológi- co pode ter efeitos positivos como também efeitos indesejáveis, pois o conhecimento do fenótipo comportamental não é o mes- mo que um diagnóstico. O fenótipo possibilita uma expectativa acerca do desenvolvimento, e também a escolha dos apoios ne- cessários, porém é baseado em outros indivíduos. Desta forma, deve-se considerar cada caso de forma individual, não limitando seu desenvolvimento em função de um diagnóstico. Há que se considerar as suas potencialidades. (2006, p. 134) 3.2. SÍNDROMES RELACIONADAS À DEFICIÊNCIA INTELECTUAL 3.2.1. Síndrome de Rett Segundo informações do Laboratório Rett (2011), o qual realiza o exame para o diagnóstico desta síndrome, a mesma repre- senta a segunda causa mais comum de deficiência mental genética em crianças do sexo feminino. Em homens é quase sempre letal o que, desta forma, a torna uma doença quase exclusivamente femi- nina. Comumente ocorre isoladamente na família e caracteriza-se 73 pelo caráter progressivo. “A maioria das pacientes típicas é normal ao nascimento e evolui bem até os 6-18 meses de vida, quando ocorre um período de estagnação do desenvolvimento, seguido de rápida regressão da linguagem e do controle motor.” (RETT, 2011) Ainda, de acordo com informações do Laboratório Rett, os sintomas referem-se: a perda de controle de movimentos cons- cientes das mãos e a sua substituição por movimentos automáticos, repetitivos e estereotipados; episódios de gritos e choro com fre- quência no final do segundo ano de vida; em alguns casos com- portamento autístico, ataques de pânico, bruxismo, problemas de respiratórios, instabilidade ao caminhar, tremores, convulsões e mi- crocefalia adquirida. Também, existem pacientes atípicas que apre- sentam autismo ou deficiência mental inespecífica, com um quadro parecido com a Síndrome de Angelman. 3.2.2. Síndrome de Down Segundo Moraes e Wederson (2011), a Síndrome de Down refere-se a uma combinação específica de características fenotípi- cas, com retardo mental e uma face típica, causada pela existência de três cromossomos 21 (um a mais, do que o normal, trissonomia do cromossomo 21), uma das anormalidades cromossômicas mais comuns em nascidos vivos. Características mais comuns (MORAES e WEDERSON, 2011): tamanho menor, desenvolvimento físico e mental mais len- to, retardo mental de levea moderado; algumas não apresentam retardo, mas se situam entre as faixas limítrofes e médias baixas. Estes autores afirmam que existe uma grande variação na capaci- dade mental e no progresso do desenvolvimento dessas crianças. 74 Aprendem a andar entre 15 e 36 meses e apresentam um atraso na aquisição da linguagem. Algumas das características físicas das crianças com sín- drome de Down são: achatamento da parte de trás da cabeça; pe- quenas dobras de pele no canto interno dos olhos; língua proemi- nente; ponto nasal achatada; orelhas, ligeiramente, menores; boca pequena; tônus muscular diminuído; ligamentos soltos; mãos e pés pequenos; pele na nuca em excesso. Em média, cinquenta por cento (50%) destas crianças têm uma linha que cruza a palma das mãos (linha simiesca), com um espaço aumentado entre o primeiro e se- gundo dedos do pé. Podem apresentar malformações congênitas maiores. (MORAES e WEDERSON, 2011) (imagem: http://cienciasavidaprecisadelas.blogspot.com/2010/09/cariotipo.html) 75 A AAMR (2006, p. 134) destaca alguns comportamentos da Síndrome de Down: ► Melhor desempenho nas tarefas visuoespaciais. ► Ponto forte do comportamento adaptativo relativo à inteligência. ► Personalidade agradável e sociável. ► Depressão comum no adulto. 3.2.3. Síndrome de Williams É considerada uma síndrome mais rara que a síndrome de Down. É a síndrome do X Frágil. Na maioria dos casos, são muito so- ciáveis, com boa percepção musical, ótimos contadores de histórias, com dificuldades relativas ao raciocínio espacial, à solução de proble- mas e à coordenação motora fina, como também dificuldade para aprender a ler e escrever. (HONORA e FRIZANCO, 2008, p. 115). Comportamentos destacados pela AAMR (2006, p. 134): ► Pontos fortes na linguagem, memória auditiva e no reconheci- mento facial. ► Limitações: funcionamento visuoespacial, planejamento percep- tual-motor e habilidades motoras finas. ► Pontos fortes: inteligência interpessoal. ► Prejuízo na cordialidade e inteligência social. ► Transtornos de ansiedade comum em todas as idades. 76 3.2.4. Síndrome de Angelman A Síndrome de Angelman não é reconhecida logo no nasci- mento, pois os problemas de desenvolvimento são inespecíficos duran- te este tempo. A idade mais comum de diagnóstico está entre três e sete anos, frente a condutas e traços mais evidentes. Para que o diagnóstico possa ser realizado, não há necessidade que todos os traços estejam presentes, principalmente quando no sexo masculino. (ASA, 2011) Características: crises convulsivas, dificuldade no andar, hi- peratividade, riso e felicidade, problemas na fala e na linguagem, re- tardo mental, hipopigmentação, estrabismo, albinismo ocular, pro- blemas na estrutura do cérebro, transtornos do sono, problemas de alimentação, comportamento bucal e problemas no crescimento. Comportamentos destacados pela AAMR (2006, p. 134): ► Surtos de riso inadequado, comum nos mais jovens. ► Disposição feliz em todas as idades. ► Hiperatividade e transtornos do sono, nos mais jovens. Henri Angelman (imagem: http://www.frankvanhof.nl) 77 3.2.5. Síndrome do X Frágil Esta síndrome refere-se a uma alteração no cromossoma X, o qual causa deficiência intelectual e alterações no comporta- mento, tais como: hiperatividade e dificuldade de atenção. Ocorre com mais frequência em homens com uma correspondência de um para 600 nascimentos. Entre as características principais destacam- -se: dificuldade na aquisição da linguagem, dificuldades de aprendi- zagem, formato do rosto alongado com leve projeção da mandíbula para frente, orelhas proeminentes e maiores que o normal e macro- orquidismo. (HONORA e FRIZANCO, 2008, p. 115) Comportamentos segundo a AAMR (2006, p. 134): ► Melhores habilidades verbais que visuoespaciais. ► Pontos fortes: habilidades na vida diária e autocuidado. ► Desatenção, hiperatividade, comportamento do tipo autista. ► Transtornos de ansiedade comuns a todas as idades. (imagem: http://www.brasilescola.com/biologia/sindrome-x-fragil.htm) 78 3.2.6. Síndrome Alcoólica Fetal Atualmente, reconhecida como a maior causa de retardo intelectual no ocidente. “A expressão Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) foi criada em 1973 para descrever um padrão de malforma- ção física e Deficiência Intelectual observado em filhos de mães alcoólatras.” (HONORA e FRIZANCO, 2008, p. 117). É caracterizada por: déficit de crescimento, dismorfismo facial, como espaço exagerado entre os olhos, também apresentam evidência de anormalidades do sistema nervoso central, como cé- rebros pequenos com giros anormais. Somam-se a estas anoma- lias alguns sintomas, tais como: vários graus de incapacidade para aprender, hiperatividade e outros problemas sociais. Honora e Franco destacam que: “A Síndrome Alcoólica Fetal não é uma síndrome radical. As anomalias induzidas pelo álcool podem variar desde efeitos físicos e psicológicos pouco notáveis para a Síndrome Alcoólica Fetal completa. Acredita-se que a gravidade dos efeitos esteja relacionada a: quando, quanto, e com que frequência o álcool é consumido.” (2008, p. 118) Segundo Ribeiro e Gonzalez (2011, p.46) o diagnóstico da SAF é mais fácil de ser realizado após o período neonatal, no entan- to, os recém-nascidos de mães alcoólatras devem ser examinados cuidadosamente à procura dos sinais da SAF. 79 Cérebro normal Síndrome alcoólica fetal (Fonte/Imagem: http://www.faslink.org/fasmain.htm) 81 Síntese da Unidade A etiologia da Deficiência Intelectual é de grande impor- tância, pois permite compreender os fatores causais responsáveis, proporcionando condições favoráveis para a prevenção e controle da deficiência. Neste capítulo foram abordados os fatores de risco que podem estar envolvidos neste processo. Tratam-se de fatores pré-natais, peri natais e pós-natais, e também algumas síndromes que tem como característica a deficiência intelectual. Exercícios Propostos ► Busque maiores informações sobre as síndromes citadas no capítulo. ► Pesquise outras síndromes associadas à deficiência intelectual. 82 SAÚDE MENTAL E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Unidade 4 85 Caro(a) aluno(a) Neste capítulo, procuraremos estabelecer a diferença entre Deficiência Intelectual e Doença Mental. Ao esclarecermos as ca- racterísticas da Doença Mental, buscamos contribuir para o enten- dimento e aceitação da pessoa que apresenta esta patologia. Objetivos da unidade Ao finalizar esta unidade, você deverá ser capaz de: ► Definir Doença Mental. ► Diferenciar Deficiência Intelectual de Doença Mental. ► Destacar as formas de tratamento das pessoas que apresentam Doença Mental. Conteúdos da unidade ► Deficiência Intelectual e Doença Mental. ► Características e classificação de Doença Mental. ► Etiologia e tratamento da Doença Mental. 87 4.1. DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS Durante muito tempo, Deficiência Intelectual e Saúde Mental foram termos análogos, constantemente associados pelas semelhanças que podem apresentar. Essa confusão deu-se pelo fato de não apenas os nomes serem parecidos, mas também porque, para muitos, as situações envolvidas são similares. Pode-se dizer que a ideia geral para grande parte das pesso- as é a associação entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental, visto que o doente mental costuma ser encarado como um indivíduo que não é capaz de pensar, ao mesmo tempo em que detém o estigma de sujeito perigoso. A mente não é um órgão separado de nós, por isso quando estamos desestruturados, nossa saúde física também é afetada de alguma maneira. (ACCIOLLY, s/data) Em alguns casos, além da Deficiência Intelectual, o indivíduo poderá apresentar doença ou transtorno que lhe afeta a mente, para o que se faz necessário definir e diferenciar as principais características existentes entre esses dois diagnósticos clínicos. (SANTANA, 2009) Segundo a Associação Americana de Deficiência e o Ma- nual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,entende-se por Deficiência Intelectual, o estado de redução notável do funcio- namento intelectual, significativamente inferior à média, associado a limitações, pelo menos em dois aspectos do funcionamento adap- tativo: comunicação e cuidados pessoais, competências domésticas, 88 habilidades sociais, utilização dos recursos comunitários, autonomia, saúde e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho. Todos esses aspectos devem ocorrer durante o desenvolvimento infantil, ou seja, antes dos 18 anos, para que um indivíduo seja diagnosticado como deficiente intelectual. (SANTANA, 2009) Deve-se ressaltar, ainda, que a Deficiência Intelectual não é uma doença transmitida através do contato com outras pessoas, nem o convívio com o Deficiente Intelectual pode provocar qual- quer dano em pessoas que não o sejam. Assim, não faz sentido esperar ou procurar a cura para a deficiência, mas faz-se necessário, mais tempo, auxílio de professores e profissionais, especializados, regras e apoio à família, pois a maioria das crianças com esta defici- ência consegue aprender a fazer muitas coisas úteis e de bem-estar para a comunidade onde vivem. Quanto aos fatores causadores da Deficiência Intelectual, Kaplan (1997) salienta as condições genéticas, isto é, herdadas e cromossômicas, exposição pré-natal a infecções e toxinas, trauma perinatal como prematuridade, condições adquiridas e fatores so- cioculturais. A gravidade da Deficiência Intelectual pode estar re- lacionada ao momento de ocorrência e a duração da exposição do sistema nervoso central. Assim, vale ressaltar que muitas vezes (em 42% dos casos), mesmo com a utilização de sofisticados recursos diagnósticos, não é possível definir com clareza a Etiologia da Deficiência Intelectual, se ela, invariavelmente decorre de complexas e inúmeras causas, salientando-se os fatores genéticos (29%), hereditários (19%) e am- bientais (10%). 89 Dados levantados no ano de 2000, através do Censo De- mográfico do IBGE, citado por Accioly (s/data), indicam que 8.3% dos tipos de deficiência são de natureza intelectual, o que equivale a 2.844.936 pessoas, sendo 1.545.462 homens e 1.299.474 mulheres. Para Kaplan (1997), o retardo mental leve é significativa- mente mais prevalente entre as pessoas de classe socioeconômica mais baixa, com privação cultural. Diz o autor que muitos dos mem- bros da família ou parentes são afetados com graus semelhantes de Deficiência Intelectual e nenhuma causa biológica foi identificada nesses casos. As crianças de famílias pobres, de nível socioeconômico baixo, estão sujeitas a condições potencialmente patogênicas e ad- versas ao desenvolvimento. O ambiente pré-natal é comprometido pela deficiência de cuidados médicos e nutrição materna. A gravi- dez de adolescentes é frequente e está associada a complicações obstétricas, prematuridade e baixo peso ao nascer. 4.2. A COMPREENSÃO E TRATAMENTO DA DOENÇA MENTAL: SUPERANDO MITOS E PRECONCEITOS Já, a Doença Mental consiste em distúrbio grave que causa alterações biológicas no cérebro e debilidades em diferentes graus. A Psiquiatria clássica considera os sintomas como sinal de um dis- túrbio orgânico, ou seja, equipara a Doença Mental à doença ce- rebral, argumentando que sua origem é endógena, aparece dentro do organismo, e refere-se a alguma lesão de natureza anatômica ou distúrbio fisiológico cerebral. Hoje, fala-se na química da loucura, sendo que inúmeras pesquisas nesse sentido estão em andamen- 90 to. Nessa abordagem, algum distúrbio ou anomalia da estrutura ou funcionamento cerebral leva a distúrbios do comportamento, da afetividade, do pensamento. Desde há muito tempo, a Doença Mental vem sendo acompanhada de medo e mistério. Em uma breve retrospectiva his- tórica é possível observar a associação frequente entre Deficiência Intelectual e Doença Mental e as raras internações em hospitais. No Renascimento, as internações ocorriam de forma semelhante quan- to ao atendimento prestado, ou seja, os pacientes acometidos de uma Doença Mental recebiam o mesmo tratamento que os demais doentes como sangrias, purgações, ventosas. Nos séculos XVII e XVIII, não havia diagnósticos médicos para esses quadros, porém a rotulação de loucura era dada por instituições como a Igreja, a Justiça e a Família, baseada em transgressões da lei e da moralidade. Embora, já houvesse hospitais no século XVII para os excluídos da sociedade (doentes mentais, inválidos, mendigos, criminosos, portadores de doenças venéreas e libertinos), a medicina ainda não estava desenvolvida a ponto de diagnosticá-la. Apenas, no século XVIII, é que Phillipe Pinel, considerado o pai da Psiquiatria, liber- tou os doentes mentais dos grilhões que os prendiam. Com isso, apareceram os manicômios, dirigidos apenas aos doentes mentais, em substituição aos asilos e desenvolveram-se muitas experiências e formas de tratamento nos hospitais La Bicêtre e Salpêtrière, da França para toda a Europa. O início da Modernidade trouxe reflexões médicas e filo- sóficas que situaram a loucura como algo que ocorria no interior do próprio homem. Assim, o médico ganhou a autoridade máxima para resolver os assuntos ligados a esse mal, sendo uma de suas atri- buições a recuperação do louco, a partir da medicação. Posterior- mente, aparece a Psiquiatria como especialidade médica destinada a esses tratamentos. 91 Freud trouxe importantíssimas contribuições ao tema com o desenvolvimento da Psicanálise, que afirma existirem as mesmas estruturas de personalidade e de conteúdos nos indivíduos “nor- mais” e nos “anormais”. O que se diferencia são as “ativações”, maiores ou menores, que podem ocorrer no indivíduo, capazes de produzir os distúrbios. Sabe-se que as repercussões psicossociais que podem advir de um diagnóstico de comprometimento mental são estigmatizantes e excludentes, o que pode acarretar maiores danos ao estado men- tal dos sujeitos. Daí, a importância de um diagnóstico profissional que se preocupe em não patologizar aspectos do comportamento, mas em demonstrar a relatividade do conceito de normalidade e, a necessidade de relativizar as diferenças históricas e socioculturais ao se determinar a conduta de uma pessoa. Por conseguinte, é fun- damental considerar os aspectos biopsicossociais uma vez que o ser humano deve ser visto em sua totalidade, o que significa que diante da saúde mental, é indispensável pensar na cura, através de um em- basamento teórico consistente e do uso de medicação adequada, e na prevenção, que implica na implementação de ações pertinentes, no contexto social. (BOCK, 1991; SANTOS, 2011). No emergir deste modelo holístico – biopsicossocial – a concepção tradicional que vê a doença, o órgão e desvaloriza as rami- ficações pessoais, familiares, sociais e culturais, deu lugar a uma com- preensão sistêmica que vê a doença como pertencente a uma pessoa que é parte integrante de um sistema de unidades hierarquicamente organizadas, unidas por um sistema de regulação. Assim, saúde e do- ença são processos dinâmicos, em constante evolução, multicausais influenciados por variáveis biológicas e socioculturais, o que determi- na o caráter de construção social da doença. (SANTOS, 2011) 92 Santos (2011) cita Ingleby (1982), que afirma que a expres- são “construção social das doenças” visa descrever uma interação particular entre fatores sociais, culturais – atitudes, crenças, relações sociais, ideias e as descobertas científicas que permitem a definição e/ou transformação dos significados atribuídos às doenças. Assim, Santos (2011) diz que para o autor dizer que a doença mental é social- mente construída não quer dizer que não existe, não significa negar a realidade dos sintomas ou do sofrimento das pessoas. Mas, significa dizer que, ao explicar o sofrimento, ao colocar a doença no plano dis- cursivo, o profissional de saúde, médico ou outros técnicos de saúde, podem influenciar a evolução dos sintomas. (SANTOS, 2011)Nos dias de hoje, enormes progressos no entendimento e compreensão, da Doença Mental têm sido feitos, principalmente pela disponibilidade e capacidade de oferta de tratamentos eficazes. Mas, ainda assim, pairam dúvidas que se não esclarecidas acabam por impedir que as pessoas procurem ajuda adequada. A Reforma Psiquiátrica tenta desconstruir os mitos e es- tigmas que se desenvolveram a partir das concepções de saúde e Doença Mental, buscando um novo estatuto social que garanta ci- dadania, respeito aos direitos e a individualidade do doente men- tal. Neste modelo, intenta substituir a internação, tida como for- ma de exclusão, por uma rede de serviços de atenção psicossocial, composta por centros de atenção psicossocial (CAPS), centros de convivência e cultura assistidos, cooperativas de trabalho protegi- do (economia solidária), oficinas de geração de renda e residências terapêuticas, de modo a mudar o sistema de tratamento clínico da doença, promovendo a integração do doente mental à comunidade. Ao descentralizar e territorializar o atendimento em saúde, confor- me previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, busca 93 desativar os manicômios, transformando o modelo arcaico de aten- dimento aos transtornos mentais. A Doença Mental engloba uma série de condições que afe- tam o desempenho da pessoa na sociedade, como por exemplo, alterações no humor, concentração e bom senso, que trazem como consequência alteração na percepção da realidade. Bock (1991) refere os sintomas e, portanto, a Doença Mental como uma desorganização da personalidade que se instala na personalidade do indivíduo levando a uma alteração de sua es- trutura ou a um desvio progressivo em seu desenvolvimento. Dessa forma, as doenças mentais são definidas a partir do grau de pertur- bação da personalidade, ou seja, do grau de desvio, do que é consi- derado como personalidade normal ou comportamento padrão. As doenças mentais dividem-se em dois grandes grupos: as neuroses e as psicoses. As neuroses são características encontradas em qualquer pessoa, como medo e ansiedade, porém, nos quadros patológicos encontram-se de modo exacerbado. Já as psicoses são fenômenos psíquicos anormais, como os delírios, perseguição e confusão mental. Pode-se citar como exemplos: a depressão, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), transtorno bipolar, esquizo- frenia, dentre outros. De acordo com a NAMI (Aliança Nacional de Doenças Mentais Americana) as doenças mentais são (ACCIOLY, s/data): ► Distúrbios graves que causam alterações biológicas no cérebro e são debilitantes em diferentes graus. ► Os sintomas de doenças mentais tipicamente começam a aparecer na adolescência ou idade adulta jovem. Doença mental atinge cerca de 5% 94 dos adultos e 9% das crianças e dos adolescentes dos Estados Unidos. ► Não tratada, a Doença Mental pode resultar em desemprego, abuso de substâncias psicoativas, deterioramento das relações inter- pessoais, e nos casos mais graves encarceramento e suicídio. ► Doenças Mentais são doenças como quaisquer outras, e com intervenções modernas, são altamente tratáveis. Doenças Mentais são comuns, assim como suas condições mais leves. Levantamentos epidemiológicos demonstram que cerca de 30% a 50% da população brasileira apresenta pelo menos um episódio de algum transtorno mental durante a vida. Por conta desses trans- tornos, aproximadamente 20% a 40% desta população necessita de algum tipo de atendimento e ajuda profissional. (ACCIOLY, s/data) Já, as Doenças Mentais mais graves e persistentes apresen- tam-se de forma menos comum, atingindo cerca de 3% da popula- ção. A grande maioria dos indivíduos continua a funcionar na sua vida, embora apresentando diferentes dificuldades. As causas exatas da Doença Mental são desconhecidas, mas muitas pesquisas vêm aproximando-se de muitas respostas. Pode-se dizer que o fator hereditariedade interage com fatores am- bientais desencadeantes. Seja qual for a causa, o indivíduo que de- senvolve a doença ou o transtorno mental, muitas vezes se sente em sofrimento, desesperançado e incapaz de levar sua vida de forma plena. Portanto, caracteriza-se como uma variação mórbida do nor- mal, sendo capaz de produzir prejuízos no desempenho global das pessoas nos âmbitos social, familiar, pessoal e ocupacional. A Doença Mental deve ser compreendida com a mesma naturalidade com que se encara outra doença, sem conotações e estigmas. Todas as pessoas estão sujeitas a problemas no âmbito psicológico, mais ou menos graves. 95 4.3. RELAÇÃO ENTRE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DOENÇA MENTAL Falar em Doença Mental implica pensar em cura e preven- ção. Prevenção em Doença Mental significa criar formas e estraté- gias para evitar o seu aparecimento. Portanto, pensando em Saúde Mental e Deficiência Inte- lectual, pode-se salientar como a principal diferença a limitação no desenvolvimento das funções necessárias para compreender e inte- ragir com o mundo que o cerca, no que diz respeito à Deficiência Intelectual, enquanto que na Doença Mental, essas funções existem, mas ficam comprometidas pelos fenômenos psíquicos aumentados ou anormais. É necessário ressaltar que as duas podem apresentar- -se juntas em um paciente. Pessoas com Deficiência Intelectual po- dem ter associada à Doença Mental, de modo que, o tratamento deve levar em conta as duas situações. (PINHEIRO, 2009) Quando se fala em saúde, tanto do deficiente intelectual, como do indivíduo doente mental, significa pensar em saúde men- tal como um todo, no homem como um ser biológico, psicológico e sociológico, e ao mesmo tempo, em todas as condições de vida que lhe possam propiciar bem-estar físico, mental e social. Entender Saúde Mental e Deficiência Intelectual é o ponto de partida para, que se possa intervir, apoiar, identificar e promover os cuidados e atendimento a direitos. Esses procedimentos influen- ciam pessoalmente um grande grupo de pessoas, bem como também a qualidade de vida de seus familiares e de todos os que o cercam. 96 Texto Complementar O Nariz Era um dentista, respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, só- brio sem opiniões surpreendentes, mas uma sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas, o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa do almoço – sempre almoçava em casa com retidão costumeira, quieto e algo distraído. E com o nariz postiço. ― O que é isso? – perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos. ― Isto o quê? ― Esse nariz? ― Ah! Vi numa vitrina, entrei e comprei. ― Logo você, papai... Depois do almoço, ele foi recostar-se no sofá da sala, como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se: ― Tire esse negócio. ― Por quê? ― Brincadeira tem hora. ― Mas, isto não é brincadeira. Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta. A mulher o interpelou. ― Aonde é que você vai? 97 ― Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório. ― Mas, com esse nariz? ― Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. Se fosse uma gravata nova você não diria nada. Só porque é um nariz... ― Pense nos vizinhos. Pense nos clientes. Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risadas (“Logo o senhor, doutor”), fizeram per- guntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consul- tório com dúvidas. ― Ele enlouqueceu? ― Não sei – respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos. Nunca o vi assim. Naquela noite, tomou seu chuveiro, como fazia sempre an- tes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi deitar-se. ― Você vai usar esse narizna cama? – perguntou a mulher. ― Vou. Aliás, não vou mais tirar esse nariz. ― Mas, por quê? ― Por que, não? Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixi- nho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo tro- cado por um nariz postiço. ― Papai... ― Sim, minha filha. ― Podemos conversar? ― Claro que podemos. ― É sobre esse seu nariz... 98 ― O meu nariz, outra vez? Mas, vocês só pensam nisso? ― Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra um homem como você resolve andar de nariz pórtico e não quer que ninguém note? ― O nariz é meu e vou continuar a usar. ― Mas, por que papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social. ― Não tem porque não quer... ― Como é que ela vai sair na rua com um homem de nariz postiço? ― Mas, não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai. Continuo o mesmo homem. Um nariz de borracha não faz nenhu- ma diferença. ― Se não faz nenhuma diferença, então por que usar? ― Se não faz diferença, por que não usar? ― Mas, mas... ― Minha filha... ― Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai! A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele, há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço. Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra. ― Você vai concordar – disse o psiquiatra, depois de concluir que não havia nada de errado com ele – que seu comportamento é um pouco estranho... ― Estranho é o comportamento dos outros! – disse ele. Eu conti- nuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem 99 de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom ma- rido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas, as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz? ― É... – disse o psiquiatra. – Talvez você tenha razão... O que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for, não se entregou. Continua a usar nariz postiço. Por que, agora, não é mais uma questão de nariz. Agora, é uma questão de princípios. Luis Fernando Veríssimo. O analista de Bagé. 28ª ed. Porto Alegre, L&PM, 1981. p 39-42. (Retirado do livro de Ana M. Bahia Bock, Psicologias, 4.ªed. São Paulo. Saraiva, 1991) 101 Síntese da Unidade Nesta unidade foram apresentadas as definições de defi- ciência intelectual como contraponto a definição de saúde mental, no intuito de estabelecer uma diferenciação entre estes termos. São apresentadas características das doenças mentais, classificação, for- mas de tratamento, bem como orientações para que as pessoas que possuem esta patologia possam ser inseridas na sociedade. Exercícios Propostos ► Quais os critérios que usamos para rotular alguém como normal ou como louco? ► Que tipo de coisas, devemos mudar na sociedade no sentido de promover a saúde mental?
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