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S�O LUIZ GONZAGA PADROEIRO DA JUVENTUDE CATHOUCA •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ESBOÇO BIOGRAPHICO E DEVOCIONARIO CASA MAYENÇA SÃO PAULO 1926 http://alexandriacatolica.blogspot.com.br http://alexandriacatolica.blogspot.com.br IMPRIMA-SE Por deleg. do Exmo. Revmo. Snr. Are. Met. S. Paulo, 3/ de Maio de 1926 P. João B. Du Dréneuf S. J. �!flUIU 111111 I li 11111! 11111111111 I 11111111111111111111111 !li 1111111 11111111111 i 1111111111 I li 11 111111111111 1111111111�· - - - - - - - "' � � � � � � � � � $. :1Lttí3 � - ;alll!lll I li! IIJ 111111111 11111! I I li li I I 1111111 I I llllllllllllll 111 I li H I til !J llllllllllltllll !Jillllll 111111 I li !li llllllfi. EPISTOLA APOSTOLICA DE SUA SANTIDADE PIO XI, PAPA PELA PROVIDENCIA DIVINA AO FILHO DILECTO - WLADIMIRO LEDOCHOW SKI- P. GERAL DA COMPANHIA DE JESUS - NO SEGUNDO CENTENARIO - DO DECRETO DE CANONISAÇÃO - DE S. LUIZ GONZAGA. FILHO DILECTO - SAUDE E BENÇÃO APOSTOLICA Na vida do Divino Mestre resumbra como nota caracteristica es pecial predilecção pela jnventude. Assim Elle chama a si e attrahe a infancia innocente (Marc. 1 O, 13-16); com palavras terriveis reprehende . os seus corruptores e os ameaça de gravissimos castigos, emquanto ao jovem intemerato, como premio e convite, propõe o ideal justo e per feito da santidade. - Esse mesmo espirito a Igreja recebeu do seu fundador, como herdeira da missão divina e da sua obra, e porisso foi, desde o inicio do christianismo, continuando sempre a ser e a se mos trar tomada da mesma predilecção pela juve ntude. VII Dahi a protecção dispensada á infancia para a sua integridade physica e moral; dahi as escolas abertas para ella desde as elementa res ás academicas, para a conduzir dos primeiros estudos Jitterarios até as mais altas disciplinas; dahi as Ordens e as Congregações religiosas não s6mente approvadas, mas promovidas, com o intuito certo de pro vêr a devida formação da mocidade com a fundação de universidades, de collegios, de escolas publicas e de associações. E da educaçãq da juventude a Igreja reivindicou para si em todo tempo, como proprio e inviolavel, o direito, não podendo deixar de patentear, perante toda a sociedade humana que lhe fôra confiada, que Ella é a unica deposita ria da moral genuína, Ella a unica e infallivel mestra da arte difficilli ma de christanmente formar o verdadeiro caracter do homem. N6s, portanto, presentemente, muito Nos regosija.mos por ver em toda parte numerosos grupos de jovens, dos dois sexos e de toda condição social, com o mais intenso affecto, se acercarem de seus Sa cerdotes e de seus Pastores, desejosos ao summo gráu de se apertei-· çoarem nos pontos doutrinarias e praticos da vida christã e de coadju varem, com o p.roprio esforço, a Igreja, na obra que esta: cumpre do melhoramento e salvação das almas . . E rememorando as multidões juvenis que, no passado Anno San to, vieram até N6s de toda parte, renovam-se os suaves sentimentos de alegria que então experimentaramos, em pensar que de taes agru pamentos de moços organisados em todas as nações, poder-se-ia for mar em dada época poderoso exercito pacifico, de que se utilisára a Santa Sé, em a reforma do Mundo que precipita para a decadencia. Ademais, o amor que nutrimos para com a mocidade, ainda mais se avoluma em Nosso coração, ante o espectaculo das numerosas insi dias infernaes, tendidas á sua fé e á sua in nocencia: do que frequen temente, pela aspereza da luta espiritual, se verifica o enfraquecimen to e se apaga até o vigor da edade e da virtude em tantos moços que poderiam praticar o bem, para a Igreja e para a sociedade. Portanto, o 11. Centenario da Canonisaçil.o de S. Luiz Gonzaga, a •• completar no proximo 31 de Dezembro, traz comsigo tão grandes nnta1en11 de proveito espiritual para a mocidade, que, emquanto di- VIII rigimos a ti, filho dilecto, a nossa palavra, sentimo-nos impellidos a volver nosso pensamento e D.osso discurso a todos os jovens nossos filhos, que, em toda parte do mundo, representam as esperanças do reino de Christo. Porque, se os jovens, nas provações e nos perigos da Vida, devem recorrer a esse prestimoso e potente Patrono celestial, seguil-o-ão assim mesmo, como modelo maravilhoso de toda virtude. ·_ Porque se bem estudarem a vida, se lhes antojarão claramente quaes os caminhos -a percorrer para alcançar a perfeição- quaes os meios adequados para a conseguir - quaes os fructos preciosos da virtude colhidos se forem nas pégadas de Luiz. E se contemplarem Gonzaga: na sua luz verdadeira e qual é Elle por verdade - isto é, mui diverso da·falsa effigie em que o pintaram os inimigos da Igreja e tambem es criptores menos conscienciosos, - como não encontrar n'Elle singu lar modelo de virtudes juvenis, mesmo após os mais rece.ntes exem plos de santidade verificados na Igreja? Porisso, percorrendo a his toria ecclesiastica, é facil averiguar que os moços mais em evidencia pela pureza de sua vida, illuminados pelo Divino Espirito, desde a morte de S. Luiz, até nossos dias, em sua maior parte se modelaram pela sua escola. Entre os mais, para dar algum exemplo, Nos apraz re lembrar sómente João Berchmans, que, alumno do Collegio Romano, outra cousa não ambicionou, se não em si proprio encarnar Luiz; Nun cio Sulprizio, jovem operario, o qual desde menino imitou o •Anjo de Castiglione•, conservando-se firme até morrer; Contardo Ferrinio que, apellidado mui justamente de •novo S. Luiz, pelos contempora a,eos, teve por Elle grande devoção, tomando-o como modelo de candu ra; Bartolomea Capitanio, que em vida e depois de morta copiou Gon zaga, de qflem fôra singularmente .devota, e que de Gonzaga, neste seu centenario, dir-se-ia teve a paga, participando de sua gloria com a elevação ás honras dos Altares. · Nem de contrario affirmar-se-ia que o nosso Santo influísse por não pequena parte na mutação intima e santificação de Gabriel da Senhora das Dôres: o qual, apezar de desde sua adolescencia se mos trar algo leviano e perdulario, mesmo assim não interrompeu nunca sua devoção a Gonzaga, que havia apprendido a venerar como Patrono da mocidade. E, -citando um dentre os mais recentes educadores e .mestres da juventude- D. João Bosco, não sõmente foi assaz de voto de S. Luiz, mas essa devoção, que deixou como herança a seus IX filhos, costumava sinceramente aconselhar a todos os meninos que tomava sob o seu Magisterio educativo; e entre elles sobresaiu, co mo i.m.l.tador de S. Luiz, a alma candidissima de Domingos Savio, por mui breve tempo por Deus assignalado á admiração dos homens sobre a terra. Certo, pode parecer que por mysteriosa disposição da Providencia Divina, o nosso Luiz fosse arrebatado, por morte prematura, qusndo apenas se encontrava na flôr dos annos e seus reaes dotes de mente e de coração, firme e expansiva vontade, singular prudencia, quasi di vina, e junto a esse zelo da religião e das almas, promettiam e faziam esperar os fructos de fervoroso apostolado. Porque Deusquizqueos moços aprendessem deste santo jovem, cuja flôr commum da idade teria por certo tomado amavel e imitavel, aprendessem, dizíamos, qual fosse o particular e precípuo dever de sua adolescencia, isto é, de se preparar á pratica da vida, educando-se solidamente e aperfei çoando-se nas virtudes christãs. Aquelles, pois, que são privos destas virtudes intimas, de que S. Luiz foi exemplo frizante, não poderem()s considerar idoneos e escudados contra os perigos e as lutas da vida, e capazes de exercer o apostolado: mas sim semelhantes ao aes sonans e ao cymbalum tinniens (I- Cor., 13,1) ou não prestarão, ou talvez prejudicarão aquella mesma causa ainda que a propugnarem e defen derem, como acontecera, e está patente, não sómente uma vez, em tempos idos. Quem não vê, pois, opportuna aos nossos tempos a com memoração centenaria de Gonzaga, emquanto, com o exemplo da propria existencia, aos mancebos, propensospor índole, á exteriorida de e promptos a se jogarem no campo de acção, Elle faz comprehender que, antes de cuidar de extranhos e da influencia catholica, devem elles primeiro aperfeiçoar-se no estudo e na pratica da vida intima. E, antes de tudo, Gonzaga indica aos moços que a essencia da educação christã basea-se no espírito da fé ardente, pela qual a hu manidade, illuminada como de um clarão que explende em logar tene broso (II, Petr., 1,19), reconheçam plenamente a natureza e a impor tancia da vida mortal. Pelo que, S. Luiz, havendo-se prefixo de dispôr sua vida, pelas normas das razões •temporaes» mas •eternas» - das quaes se afastando, se não pode mais ser ou julgar homem espiritual - essas razões hauridas na revelação divina, considerou e meditou X longa e profundamente na solidão dos exercícios espirituaes, nos quaes apenas sabido da meninice e logo inscripto na Companhia de Jesus, se absorvia com sum.mo proveito e gozo de sua alma. Em verdade, pensamos ser desnecessario que nossa juventude, com o exemplo de Gonzaga, grave bem em seu animo esta asserção incontestavel, isto é, que a humana vida se não deve amesquinhar ao ponto de se restrin gir sómente 4 procura dos prazeres e bens passageiros, do que, não raro, a tendencia natural, os sentidos dos jovens, se deixam levar, mas que pelo contrario devemos julgar como conducta em que, servin do só a Deus tendemos á mansão eterna. E este justo conceito da vida formar-se-â facilmente pela com prehensão dos nossos jovens, se, como o celestial Patrono, de vez em vez, sahindo do borborinho das humanas paixões, se applicarem por al guns dias aos exercícios espitituaes que, pelos ensinamentos de nossa longa experiencia, nasceram simplesmente para grangear util e ra dicalmente os animos malleaveis e doceis da mocidade. Luiz, como dizíamos, esclarecido pela luz das verdades eternas, propondo-se a nada esquecer afim de conservar Vida innocentissima, foi tão persistente em seu proposito que se conservou immune de to- · da mancha de peccado, desde sua primeira comprehensão ao derra deiro alento: e particularmente guardou cioso a flôr de sua pureza, merecendo dos companheiros o nome de anjo - aquelle mesmo no me com que, desde essa hora, o povo christão o tem appellidado - e o Beato Roberto Bellarmino, atilado preceptor do santo moço, consi derando-o confirmado na graça divina. Nem se diga que S. Luiz attin gisse essa perfeição e summa de virtudes, porque, por um favor ex traordinario de Deus, ficou isento das lutas intimas e exteriores que infelizmente devemos nós combater contra a nossa natureza decahida da primordial justiça. De facto, embora, por privilegio muito proprio, nunca se visse perturbado por excitação sensual, mesmo assim, de a nimo superior que era, se não viu livre dos momentos de ira e dos pru ridos da vaidade: cuja propensão natural não sõmente refreiou por ferrea vontade, mas submetteu em tudo e por tudo ao imperio da ra zão. E como não ignorasse a fraqueza innata das humanas prerogati vas e de si mesmo desconfiasse, procurou obter o auxilio da graça divi na, orando dia e noite e por muitas horas consecutivas, e se re- XI commendando l divina clemencia, sob o patrocínio da Virgem Mie de Deus, de cuja devoção era entre todos o primeiro. E, especialmente, conhecendo que o manancial sustentaculo de toda a vida espiritual se encontra na SS. Eucharistia - costumava approximar-se l Sagrada Mesa, toda vez que então se lhe permittia, afim de auferir forças sempre novas. E como da graça divina se não deve nunca destacar a humana co operação, nosso Santo, para manter illibada a innocencia da vida e a candura dos costumes, reuniu o abandono absoluto das mundanas paixões e o tolhimento dos sentidos ao culto fervoroso do SS. Sacra mento e da Mãe do Senhor- cousa que os demais poderão admirar, mas nunca igualar. E' quasi, de facto, incrível que em meio a tanta · corrupção de costumes, Gonzaga, pela candura de sua alma, se equi parasse aos espíritos celestes; entre tanta ansia de prazeres, o moço santo se distinguisse por admiravel abstinencia e por austeridade e aspereza do seu viver; entre tantos desejos de honrarias, estas Luiz desprezasse até a abdicação espontanea do principado, que lhe era reservado por hereditariedade, e pedisse sua entrada naquella fa milia religiosa, em que, por especial promessa, é vedado o accesso até ls dignidades sacerdotaes. Finalmente, entre tão desmesurado culto das antigas civilisa ções grega e romana, Luiz foi tão assíduo no estudo e na pratica das normas celestes, que por particular concessão de Deus e por singular propriedade, vivia todo entregue ao Senhor, sem que, em sua contem plação, soffresse o menor distrahimento. São estas, em verdade, culminancias extraordinarias de santi dade e, diriamos, inaccessiveis até aos homens de grandes virtudes; porém isso servirá de ensinamento aos nossos jovens, para lhes mos trar quaes procedimentos convenham afim de conservar incolume aquillo que é decoro e ornamento mais bello da mocidade: a innocen cia e a honradez dos costumes. E, a proposito, não ignoramos que mui tos educadores - impressionados pela depravação actual dos costu mes, â qual se deve a extrema ruína em que tantos jovens precipitam, com incrível detrimento do espirito- para que se afaste do seio social esse mal ingente de extermínio - cogitam todos de novos systemas educativos. XII N6s, porém, desejaremos que estes bem c:ompreheodessem que nenhuma utilidade trarão A coisa publica, se negligenciarem methodos e disciplinas, que, emanados da fonte da sapiencia christã e experi mentados pelo uso de tantos seculos, Luiz averiguou em si proprio ef ficazes ao summo grAu; a fé ardente, dizemos, o afastamento das se ducções; a norma, a abstenção da alma; uma devoção fervorosa para com Deus e a Beatissima Virgem; a vida emfi.m, quanto mais frequen temente confortada e revigorada pelo banquete sagrado. Porque, se os moços observarem Gonzaga com attenção, como perfeito modelo de castidade e santidade, nilo s6mente aprenderão a refrear a sensualidade, mas ainda evitarão o estorvo em que trope çam, se- embevecidos pelos dictames de certa sciencia que de Chris to e da Igreja despreza a doutrina - se deixarem transviar por des commedido desejo de liberdade, por orgulho intellectual e por inde pendencia de vontade. Luiz, ao contrario, embora conhecendo-se o herdeiro do principado avoengo, deixara-se guiar docilmente por aquel les que foram seus mestres nos estudos e na piedade, e mais tarde, professado religioso na Companhia de Jesus, submettera-se perfei tamente ás ordens e aos conselhos dos superiores, de modo a se não afastar um instante siquer, mesmo nas pequeninas cousas, das pres cripções do Instituto. A ninguem escapará quanto essa attitude expli que advertencia severa para os jovens, que illudidos por falsos ouro peis e de insoffrido recato avassallados, desprezam irreflectidamente os conselhos da velhice. Portanto, quem quer pugnar sob as insígnias de Christo, deve crêr firmemente que, desejando sacudir de seus hombros o jugo dis ciplinar, em vez de colher triumphos, só acarretará com ignobeis der rotas, visto como a propria natureza requer, por divina vontade, que os moços nenhum verdadeiro proveito alcançarão , quer na vida in tellectual e moral, quer no preparo da prop ria conducta ao espírito christilo- se não debaixo da alheia d isciplina. E se em tudo mais - e mais ainda no que conceme o campo de acçilo do apostolado- se requer grande docilidade; essas prerogati vas,por certo, que incumbem a um dos predestinados por Jesus Chris to A santa Igreja, nunca poderão ser exercidas com resultado, se não XIII quando se expletem com amorosa dependencia, respeito aos que o Espirüo Santo prepoz á regencia da Igre}a de Deus. Como já no paraiso terrestre, Satan, deixando entrever grandes e phantasiicas promessas, como premio da desobediencia, aos nossosprimeiros paes, os induziu a se revoltarem contra Deus - assim, em os tempos actuaes, pretextando liberdades, elle seduz e deixa arrui nados centenares de moços envaidecidos por ephemera soberba, em quanto sua dignidade repousa no respeito devido ás legitimas autori dades. Pelo contrario, Luiz, que, com a sua grande prudencia, era cercado de tamanha admiração entre os seus que repunham no futuro principado as esperanças mais fagueiras e pelos adeptos jâ indicado como futuro Geral da Ordem- elle tão s6mente se amesquinhava e obedecia a todos que se lhe propunham, em Jogar do seu etemo Senhor e Rei, com humillima e contemporaneamente digna submissao. Dessa norma de viver, tão santa e aclarada pela luz e pelos dicta mes da fé, Luiz colheu os mais suaves e preciosos fructos: n'Elle os dons da natureza e da graça se completavam em perfeita harmonia, representando assim modelo exemplar da mocidade. Não é, pois, verdade, que Elle, seja por excellencia de talento, seja por maturidade de sensatez, seja por nobreza e força de sentimentos, ou por doçura e suavidade de maneiras, se nos apresenta como mode lo ideal ? Assim, pela elevação e perspicacia de sua intelligencia, livre das nuvens que surgem de paixões enfermas, com assiduidade dedicado á contemplação da verdade e da justiça - são testemunho o curso de estudos por Elle brilhantemente concluido, as publicas contendas phi losophicas, apoiadas universalmente e com applauso sustentadas, e por fim os escriptos deixados, especialmente as cartas, que, embora em reduzido numero, devido á sua idade juvenil, se admiram por sabio conhecimento e ponderação. das cousas. Do seu recto juizo e finura de observação deu provas luminosas, em difficillimos negocios que lhe confiAra o. proprio progenitor e por elle tratados com prudencia e terminados felizmente: entre outros, em XIV aquelle, bastante arduo, pelo qual, depois de ter morrido o pae, conse guira reconciliar o proprio irmão com o Duque de Mantua, fazendo des apparecer aleivosias e rancôres. De seu nobre coração e da amabiü dade do seu trato teciam unanimes e amplos louvores, todos que tive ram com elle relações, quer na vida commum, quer nos esplendores da côrte, concidadãos e domesticos, príncipes e palacianos e, sobremodo, superiores e irmãos da Companhia, onde despertou, entre todos, geral amiração. Sabemos por fim como resplandecia n'elle, em modo parti cular, a firmeza de caracter em seus propositos. Desde a idade mais tenra, o pequeno herdeiro do marquez de Castiglione, tendo firmado o projecto de sua santificação, nesse em penho, concebido inabalavelmente, permaneceu fiel até sua morte. De maneira que a asc:ensão espiritual, nelle começada com o uso da razão, não conheceu, depois, nem estacionamento, nem regresso. Pode haver, pois, modelo mais exacto, e mais opportuno para se propOr co mo exemplo de imitação, em especial modo á juventude estudiosa? E sta, por verdade, não sómente deve enriquecer de sadia e solida cultura a mente e o coração, mas deve ainda possuir criterio vigoroso, equilibrado, sereno, afim de poder juigar e sentir, com rectidão, dos homens e dos acontecimentos, sem que se deixe transviar por illusões enganadoras, por enervantes e violentas paixões, ou pela publica opi nião; deve assignalar-se por animo suave, afim de promover e manter espírito de concordia no seio da família e da sociedade civil; por fir meza e constancia de vontade, afim de poder dirigir a si mesma e aos outros na pratica do bem. E nada falta a Luiz, nem siquer essa admiravel concepção para vantagem do proximo - apostolado que mais frequentemente seduz a idade e a alma juvenis. Embora a contemplação das cousas celestiaes e a intima conver sação com Deus era occupação principal e assídua de Gonzaga, tanto que sua vida bem podia se dizer •occulta com Christo em Deus•- as llim mesmo de seu coração emanavam, desde então, faiscas de ardôr apostolico, que de algum modo preannunciavam as chammas do incen dio que dellas seguira. Assim, logo sabido de sua meninice, vêmol-o XV enthusiasmar, com o exemplo e com a palavra, todos os que a elle se dirigem, incitando-os opportwiamente 4 pratica da virtude; e após, com o andar dos annos, eil-o, attrahido por mais singelo ideal, aspirar lis mais elevadas e arduas emprezas para a saude das almas, e acari ciar a idea de dedicar-se ás missões apostolicas entre os hereges e pagãos .. - Roma admirou Luiz, alumno do Collegio Romano, percorrendo praças, ruas, reductos da cidade, ensinando os elementos da doutriqa christã lis crianças e aos pobres: foi ella testemunha da caridade heroi ca a que elle, em meio ao recrudescer da peste horrível, se dediclira, na assistencia aos inficionados, contrahindo o inicio daquelle morbo, que, depois de poucos mezes, mancebo de apenas 24 annos, o conduzi ra ao sepulcro. Pois bem; são taes, justamente, os campos de acção que, im mensos., se abrem aos nossos jovens que queiram, de facto, seguir a norma de Luiz, isto é: imitai-o e seguir os seus exemplos edifican tes; a efficacia dos bons discursos, o amor e o desejo das sagradas Missões, o ensino da doutrina christã e finalmente as obras de carida de nas suas formas varias. Bastlira que a isso se dedicassem as grandes phalanges da mocidade catholica, para que reflorescesse a essencia do Apostolado Aloisiano, adaptando-se-o opportunamente ás necessidades hodiernas; aquelle Apostolado Aloisiano, dizemos, que, longe de se haver extinguido, com a morte de Luiz, continúa ainda e efficaz mente do Céo. Em verdade, da séde bemdita dos Eleitos, onde foi contemplado, em visão de extase, pela virgem carmelita Magdalena de'Pazzi, rei nar em gloria, onde, ha dous seculos, Benedicto Xlll, Nosso Prede cessor de saudosa memoria, declarou-o enthronizado entre os com prehensores, inscrevendo-o, com solemne Decreto, entre os Santos, Luiz nunca cesslira de baixar copiosas bençams sobre seus fieis de to da casta, porém, em particularidade sobre a juventude. Porisso é que muitas são as sociedades que se in titulam a seu nome e se honram do seu patrocínio: quasi innumeraveis os adolescentes de ambos os se xos que, seguindo o seu exemplo, entrelaçam os espinhos das mortifi cações aos lyrios da candura; e assim, entre Gonzaga e a mocidade XVI christã, parece estabelecida innocente mas benefica porfia: Elle a pro digalizar dons celestiaes, esta a in vocal-O como celestial patrono. - Que admiração, pois, se os Romanos Pontífices escolheram Luiz por modelo e protector dos moços ? N6s, portanto, animados pelo vivo desejo, que mais de qualquer sentimos, da perfeita educação e da salvação da juventude, em espe cial nos tempos actuaes, em que ella se encontra exposta aos maiores perigos, seja pelos beneficios ji conseguidos, seja para conseguir ainda de Luiz beneficios mais copiosos, insistindo na trilha dos Nossos Pre decessores, particularmente de Benedicto XIll e de Leão XIII, confir mamos solemnemente e, sendo preciso, com a Nossa Autoridade A postolic:a, declaramos S. Luiz Gonzaga celestial patrono de toda a mo cidade christã. E, emquanto confiamos esta eleita descendencia da família catholica i tutela de Luiz, para que prospére e se tome sem pre mais florescente e exemplar na luminosa e singela profissão da fé e na pureza dos costumes - exhortamol-a ardentemente e com affec to paternal esconjuram.ol-a para tomar sempre Luiz como exemplo e não cessar nunca de O venerar e invocar, ainda com os exercícios de devoção, como a piedosa pratica dos 6 Domingos, que uma longa ex periencia demonstrou fecundos de muitos e não pequenos beneficios. Entretanto, conforta-nos saber que a Commissão preposta aos solemnes festejos centenarios, sob a vigilante direcção do nosso Car deal Vigario - tenha indicado aos jovens que, após algum tempo de retiro espiritual, renovem a promessa de uma vida christãmente in tegra e pura, e a registrem, subscrevendo-a de proprio punho, confirmando-a quasi como juramento, em listas proprias que, reunidas e encadernadas em volume, serão aqui trazidas pelos delegados da mo cidade de todo o mundo catholico, e depois de ratificadas pelo Sum mo Pontífice, como penhor de piedade e recordação, serão depostas no templo Ludovisiano, onde repousam os ossos venerandos de Luiz. :t'f em podéra se imaginar cousa mais adequada para despertar gene roso fervor no animo dos jovens; pelo que, a celebração desta festa bicentenaria, que tem em mira a renovação do espírito religioso da juventude de todo o mundo, não seri certamente falha de salutares effeitos. XVII Todos aquelles que são parte da immensa família da juventude catholica, que intervierem nesta Alma Cidade, na occasião fixada,' pe los progammas dos fllstejos, serão por Nós recebidos e por Nós en tretidos com paternal affecto, quaes encarregados de missões verda deiramente nobres e profícuas e os acompanharemos com o pensa mento e com o coração ao tumulo de Luiz, fazendo votos para que to dos nossos filhos experimentem sempre mais efficaz a tutela desse celestial patrono. E como, nesse mesmo dia, junto a Luiz, fosse inscripto no numero dos Santos tambem Estanislau Kostka, que viveu e voôu aos Céos poucos annos antes, na Companhia de Jesus, assim convem que os nossos moços, nesta faustosa data, volvam ainda sua attenção ao se raphico jovem polaco, a quem Nosso Senhor •com um dos prodígios de sua sapiencia, concedeu «a graça de alcançar, no verdor dos annos, amadurecida santidade». Elle tambem descendente de nobre família, tambem elle de animo forte e generoso, fôra angelica flôr de pureza, aspirante aos mais sublimes ideaes; lutou largamente com um irmão seu dado á vida mundana e aos prazeres desenfreados; superou as in sidias de uma familia de hereges e de companheiros dissolutos; e confortado após pelo Pão Eucharistico, ministrado, não só uma vez, pela mão dos anjos, iniciou a pé grandes viagens, p ara seguir a vóz de Deus que o chamava a empresas mais nobres, e da Beata Virgem que o incitava para entrar na Companhia de Jesus; veiu a Roma, mas qua si sómente para daqui, logo após, subir á eterna Jerusalem, o mais moço dos Santos Confessores, consumido na idade de sómente 18 an nos, e noviço ainda, pelo fogo ardente da caridade. E parece que Deus quiz premiar em especial modo a força moral e a constancia de Esta nislau, tributando ao innocentissimo mocinho tanto esplendor de glo ria, afim de offerecer, mediante o seu patrocínio, invencível defesa á sua nação, ou melhor, á christandade inteira, contra o maior perigo daquella época: as incursões dos turcos. A sua intervenção prodigiosa nos críticos momentos da patria era tão evidente para todos, que o grande Cezar christão, João Sobieski, o libertador do terrível assedio de Vienna, não tinha duvidas em affirmar que as suas victorias se deveram, não tanto 4s suas armas, quanto á protecção de Estanislau. XVIII Queira Deus que, pelas supplicas juntas dos dous Santos, seja aos nossos moços concedida a graça de os emularem, desejando com melhor enthusiasmo, e alcançando mais rapidamente a conquista da quella unica grandeza christã, que é o belli!rsimo ornamento da pureza e da santidade. Auspice entretanto dos dons celestiaes, e penhor da Nossa pater nal affeição, a ti, filho dilecto, a todos os religiosos da Companhia de Jesus, e a seus alumnos, concedemos de todo coração a Benção Apostolica. DADO EM ROMA, JUNTO DE S. PEDRO, AOS 13 DE JUNHO DE 1926, ANNO QUINTO DO NOSSO PONTIFICADO. PIO XI PAPA �ida dt $. ( ttil fonzaDa ti' Duas palavras de apresentação 31 de dezembro de 1926, haverá dois seculos que São Luiz Gonzaga rece •a='---·iTl beu da Santa Sé a suprema glorificação dos altares. Seculos de indizivel gloria no céu. s�culos de beneficios espalhados a flux pela terra. Seculos do mais fecundo apostolado pos thumo. . Ao côro que, por toda parte, se alevanta para enaltecer os meritos dêste anjo em carne humana, quiz eu tambem juntar a voz - voz fraca, insignificantes encómios ; ainda assim, voz animada do desejo mais intenso de ser util á no�a juventude sitiada ·de implacaveis inimi gos, que empenham todos os esforços em cor- 2 S. LUIZ GOXZ.\G.\ romper-lhe a innocencia, que _recorrem a to�os os ardis para: seduzi-la e apagar em 8eús arden· tes corações os mais sublimes, os unicos Impe recedouros ideaes. Pelo mundo alastra-se uma onda de impu reza e de descrença. Na guerra irreconcilia't-el entre o espírito e a carne, a carne - que fenece e morre Como- ílôr do campo - ameaça cada vez mais afogar as nobres aspirações do espí rito immortal. Para nossa juventude, que vive nessa atmos phera vicíada, é São · Luiz Gonzaga uma .vi_são do céu, a apontar, num horizonte que não -�ó - me, eternos destinos que não f enécem. A esses jo vens, mergulhados na materia, repete Luiz, com a irresistivel força do exemplo : O tempo é breve e passageiro, a eternidade, sem fim. E' uma bandeira, que chama em volta de suas dobras invencíveis, as almas que têm brios e estão f a mintas de pureza e de luz; as que ouviram ecoar, no _solemne silencio da prece, a meiga voz que os convidava a seguir as pisadas de Luiz nas regiões serenas e imper turbaveis do idealismo christão ; as que ardem no fogo abrasador do a pos to lado e querem, como Luiz, pelejar os heroi- DUAS PM.AVRAS DE APRESF.NTAÇAO 3 cos combates de Christo nas gloriosas phalan ges de Santo Ignacio, em alguma família reli giosa ou nas fileiras do clero secular ; as que vivem na terra para merecer o céu ; as que esquecem o transitorio para pensar no eterno. A estes, a todos nossos jovens vão estas pa ginas singelas proporcionar um instante de re colhimento intenso e de fervorosa prece, fóra do ruido que atordôa, fóra das perturbações que desasocegam, fóni. do mundo que seduz. Julho de 1926. Aug. Magne, S.]. PREFACIO L1 S vidas dos Santos são nórmas de bem vi p ver, e mostram o caminho direito do Pa raiso, com muito mais efficácia do que os livros escriptos e as palavras. As vidas dos Santos an tigos, como de pessôas muito afastadas de nossa época, comquanto perfeitíssimas, não teem para todo8 aquella força de mover que deveriam têr. Por isso, com particular Providência, Deus fáz que no jardim de sua Igreja brotem novas plan tas, floresçam novos Santos, que, pelo recto ca minho, chegam ao céu e nos mostram que não está encolhida a mão do Senhor e que, agora como sempre, se póde servir a Deus com santi dade e perfeição. , Estas palavras, com que o P. Cepári pre facia sua V ida de São Luiz, ouso eu, com teme ridade talvez, applicá-las ao presente escôrço biographico do amavel Santo. 6 S. LUIZ Gú�Z.\G.\ Não duvido que desta leitura alguns jo vens côlham imp.ressõe� duradoiras, fortes reso luções. No emtanto, apenas sobre um ponto quizé ra, desde já, chamar a attenção dos que por Yen tura me lêrem. Póde-se �izer que o episódio mais saliente da vida externa de São Luiz foi a escolha do es tado. Altamente compenetrado do fim ultimo ao qual tudo na vida humana deve ser subordinado, com que esmero se não deu a encarar este pro blema capital! Que de preces não fez, que de lagrimas não derramou, que de asperrimas pe nitencias e sangrentas macerações se não impôz, para alcançar do Espírito Santo os raios illumi nadores de sua graça! E depois de sériamente tomada, aos pés do Crucifixo, nos degráus do Tabernaculo, a resolução definitiva, com que valor heroico soube vencer os mil obstaculos q�e se lhe oppunham, até vêr plenamente reali zado seu sublime ideal! E como ao pé delle desapparecem tantos jovens, em quem um leve sorriso de escárneo ou um simples mover de ombros, dissipa as primeiras velleidades de uma vida mais concorde com os princípios da fé. de que se proclamam inabalaveis observadores! PREFACIO 7 Nem me digam: " São Luiz Gonzaga ha via nascido para Santo; não é, pois de extra nhar -que se deixasseatrair por um mystico ideal. . . Nós, porém, estamos contentes, com nos podermos salvar . . . " Por ventura, nascem alguns para santos, outros para medicos ou engenheiros? A verdade é que só os santos sabem em tudo harmonizar sua vida com os princípios da fé que professam, ao passo que nós, as mais das vezes, admittimos as verdades sohrenaturaes sem lhes tirarmos as consequencias praticas. Todos nascemos para o céo, e ao céo é que, na ordem da Providencia, deve levar toda a carreira conscienciosamente es colhida. Umas, porém, descrevem largos rodeios e estão cercadas de profundos ahysmos ou emba raçadas de mil impecilhos, que as tomam, mui tas vezes, impraticaveis. Mas ha, para cada um de nós, um caminho mais recto, mais livre, mais desimpedido. E este é o que devemos· escolher. Infelizmente, porém, hem poucos jovens en tendem a gravidade da escolha, e quasi todos costumam inverter os termos do problema, abra çando, sem mais, uma carreira qualquer, por motivos quasi sempre futilissimos, e ponderan do, depois, para socegar todo escrupulo da con sciencia, como n' aquelle estado poderão conse guir o· ultimo fim, salvar sua alma. A desfazer 8 S. LUIZ GONZAGA este engano deveria bastar o simples bom senso, que nos induz a escolher não o estado em que rigorosamente nos possamos salvar, senão aquel le em que, dadas nossas condições particulares, nos poderemos salvar mais segura, facil e per feitamente. E para acertar num passo de tanta monta, o que antes de tudo cumpre fazer, é recorrer· com tempo a Deus, sem hesitações. " Atiremo nos com confiança ao seio de Deus, diz S. Agos tinho : Deus não se desviará para nos deixar cair, mas antes nos receberá em seus braços e socegará as perplexidades de nosso coração." Queira nosso angelico São Luiz inculcar a muitos jovens a importancia da verdade que aqui deixo levemente esboçada ! S. LUIZ GüNZAG.A I. NASCIMENTO E PRIMEIROS ANNOS DE SÃo Lmz �'� REZE annos após a morte de São Luiz .,. � '"i\\�'-''T" Gonzaga, sua imagem, cercada de ��� luzes, era exposta á veneração dos fieis '�(� em Castiglione, cidade natal deste anjo, \ ·' como o chama a Santa Igreja. Dona Martha Tana, com o coração a transbordar de suavissima alegria, ajoelhara-se para orar ante a imagem do seu heroico filho: "O' mãe ventu rosa, exclamou então· o orador da festa, o P. Ugolitti, dominicano, lá no céo immortaes lau reis cingem agora a fronte de Luiz. Que filLo mais glorioso poderia desejar uma rainha ou uma imperatriz? Desappareçam pois deante de vós as mães dos conquistadores mais i Ilustres." lO S. LUIZ GONZAGA Nasceu Luiz Gonzaga aos 9 de março de 1568, no castello de Castiglione, situado a pou cas leguas das cidades de Solferino e Villa Fran ca. Era o primogenito dos oito filhos do mar quez Fernando Gonzaga e de sua piedosa espo sa Martha Tana Santena. Os pacs <.lt• S. Luil D. Fernando Gonzaga, príncipe do Imperio e marquez de Castiglione delle Stiviere na Lom bardia,' era primo em terceiro grau do duque de Mantua D. Guilherme. Dona Martha descendia tambem das prin cipaes famílias do Piemonte e era prima-irmã do Cardeal J eronymo della Rõvere, arcebispo de Turim. O Marquez, que tinha abraçado com ardor a carreira das armas, tencionava fazer de Luiz PHDIEIROS ANXOS li um valente soldado e illustre cavalheiro. Muito din"'rsos, porém, eram os desígnios de D. Martha: fizera voto de ir em romaria a Loreto com seu filho, e desde o instante em que elle nascera o tinha consagrado a Deus e á Virgem Maria. Sen tia particular desejo de têr algum filho religioso, e firme nesta santa tenção, muitas vezes o pedia a Deus em suas orações. Os acontecimentos de monstráram que Deus a ouviu, porque este seu primogenito, como ao deante veremos, entrou mais tarde na Companhia de Jesus, onde viveu c morreu santamente. Muitas testemunhas depuzeram sob jura mento, no processo de beatificação e canoniza ção do nosso santo que, sendo elle ainda muito criança, se sentiam dominadas por um senti mento de grande respeito e veneração, quando o tinham nos braços : "Parecia-nos trazer não uma criança da terra, mas um anjo do céo!" Com effeito, Luiz conservou com tanto esméro a gra ça do baptismo, que este sentimento de venera ção e respeito se apoderava de todos aquelles com quem tratava, como havemos de ver no de curso de sua vida. 12 11. S. LUIZ GO::\Z.\GA PRIMEIRA EDUCAÇÃO DE S. LUIZ. V AE A CASAL m MoNFERRATo. SuA " CONVERSÃO". Desejava a marqueza, como pia senhora, que o filho se acostumasse desde pequeno ás praticas de piedade. Ella mesma lhe ensinou lo go o signal da Cruz, os nomes de Jesus e de .!\Ia ria, o Pater, Ave e outras orações : o mesmo que ria que fizessem as pessôas que o serviam e acompanhavam. O menino tornava-se tão devoto, que pela claridade daquella aurora, bem se po dia inferir quão grande havia de ser o esplen dor do seu meio dia. A mãe sentia nisto parti cular gosto, mas o marquez, que se prezava de seguir o caminho das armas, desejava que Luiz lhe seguisse o exemplo. Mal entrára Luiz nos quatro annos, quando o pae entendeu dever tira-lo da vida socegada da familia e inicia-lo na carreira militar. Rece bera D. Fernando ordem de Philippe 11 para reforçar com tres mil homens a expedição con· tra os Turcos de Tunis. Nesta occasião, mandou fazer para Luiz couraça, capacete e outras ar mas apropriadas ao seu tamanho, e o levou a Casal di Monferrato, onde devia assisrir ás ma nobras do exercito. Dur11nte a revista da� tropas, punha-o á frente das fileiras, revestido de uma SUA "CO:.;VERSAO" 13 leve armadura e go!'tava de vêr o prazer com que o menino acompanhava os exercícios militares. Mas !IPmclhante vida não era isenta de pe rigos para a edade de Luiz. Pouco a pouco, o espiritó militar assenhoreou-se delle. Um dia, quiz tentar uma façanha. Na hora em que os soldados dormiam á sesta, corre ao acampamen to, passa de mansinho por meio delles, carrega uma peçasinha de artilharia · e deita-lhe fogo. Carrl')lH uma peçnslnhn ue al'tilharia ,. delta-llw fogo Poueo faltou para que a carreta, recuando com a descarga, o não esmagasse debaixo das rodas. O marquez, acordando com o estampido e sa bendo o que succedera, quiz castigar a criança .. mas os soldados, que gostavam de vêr tanto ar- 14 S. LUZ o_W)OZ,\(ii\ dor no joven principe, obtivéram-lhe o perdão. Mais tarde Luiz contava este facto como pro\'a da divina bondade, que o ]ivrára da morte, c a'ccrescentava ingenuamente : "Durante muito tempo affligiu-me o pensamento de ter tirado aquella polvora aos soldados, mas emfim con solei-me pensando que, se a houvesse pedido, elles de bôa vontade m'a teriam dado." A esta culpasinha, que o servo de Deus amargamente chorou, devemos accrescentar ou· tra, que, como elle mesmo disse, foi o maior pec cado de sua vida. Vivendo entre soldados, ouvi ra-os a miudo usar de palavras livres, como é costume de tal gente. Começou a repeti-las, sem saber o que significavam, mas, reprehendido um dia pelo aio, nunca mais as pronunciou, senão que as chorou toda a vida como um gravissimo peccado. Partindo o marquez para 'funis mandou le var Luiz a Castiglione, onde o menino seguiu o modo de viver apprendido em Casal. "Attingindo porém a edade de sete annos, conta o Cardial Bellarmino, seu confessor, Luiz consagrou-se a Deus com tanto fervor e genero sidade que, desde aquelle momento, não viveu s�náo para as consas divinas, (lesprezando e cal cando aos pés tudo o que o mundo ama e estima. 15 Disse-me el le proprio, muitas vezes, que o seti mo anno de sua edade fôra o de sua conversão. E desde aquelle momento abraçou a vida chri!'; lan em toda a sua perfeição.'' Marcava desde então horas certas para a oração, e cada dia rezava, de joelhos e sem se encostar, o officio de Nossa Senhora e os sete Psalmos Penitenciaes. Depois da jornada de Tunis, o manJnez de morou-se cêrca de dois annos na côrtede Espa nha. Tornando ao seu domínio, não achou mais Luiz inclinado ás armas, como o deixára, mas lodo recolhido e devoto; pelo que tanto se admi rava 1le vêr nelle grande siso e circumspccção, eomo s� alegrava imaginando quanto seria apto para governar o seu marquezado. Mas o menino, eontando apenas oito armos, já tinha desígnios muito mais altos e de muito maior perfeição. Um dia resolveu abrir-se com sua mãe, á qual muitas vezes ouvira que, tendo-lhe Deus <lado outros filhos, se alegraria de vêr a algum d'elles religioso. "Senhora e mãe, disse-lhe es tando a sós com ella, costumaes dizer que g�sta�, rieis de têr um filho religioso. Creio que o Se· nhor vos f ará esta mercê." Tomando outro dia, a repetir-lhe no quarto as m�smas palavras, ac crescentou: " E creio que serei eu." A marque- 16 S. LUIZ GONZM<A za fingiu não lhe querer dar ouvidos, por ser elle o primogenito, ma8 começou a persuadir-se que assim seria, por vê-lo tão dado á devoção . . III. VAE A FLORENÇA. FAz voTo DE cASTIDADE DA SANTA VlDA QUE ALLI LEVOl' Tinha Luiz nove annos, quando o marquez D. Fernando o levou para Florença com Rodol pho, seu irmão menor, afim de que alli estudas sem latim e italiano, aos cuidados de Pedro Francisco dei Turco, homem de reconhecida fi delidade e prudencia. O santo menino ahi . pas sou dois annos, durante os quaes fez grandes progressos nos estudos e tanto se adiantou na sciencia dos santos, que mais tarde costumava chamar Florença "mãe de sua devoção". Alli mesmo, em Florença, aos pés de uma imagem milagrosa, que representa a Annunciação de Maria, Luiz apprendeu a amar a Virgem-Mãe com um affecto verdadeiramente filiaL Diante daquella sagrada imagem, o coração puro de Luiz achava as suas delicias, porque hauria the souros de ternura e de amor para com sua Mãe do céo. Um dia, junto áquelle altar de Nossa Se nhora, entretinha-se na leitura dum opusculo sobre os mysterios do Rosario, escripto pelo P. ·..;. LUIZ F.!\1 1-"I.ORENÇA 1 7 Loarte, da Companhia de . Jesus, quando, dei xando subitamente de lêr,' levanta os olhos para a imagem e pensa um instante no que poderia fa zer para agradar á Virgem lmmaculada. Após um momento de reflexão, ajoelha-se e, sob o olhar de Maria, faz a Deus voto de perpetua vir gindade. Tinha então dez annos. ;\jOf'lhu-sr e, sob o olhar de Mario, faz a Deus voto de prrpetun virgindude. A divina Mãe acceitou o voto do seu queri do filho e mostrou-lhe o contentamento que nis to tivéra, preservando-o de qualquer tentação eontra aquella virtude. Entretanto, posto que Luiz tivesse recebido de Nossa Senhora mercê tão assignalada, não dei xava de castigar sevéramente o corpo com jejum 18 S . Lt;I7. GONZ.\(j!�; f" penitencias, para preservar de qualquer peri-' go a sua· pureza. Não· entraremos a pormenori· sar os rigores com que o santo crucificou seu eorpo innocente: hasta dizer que sua vida foi um perpetuo jejum e martyrio voluntario. Deste modo, ajudado da divina graça, Luiz Gonzaga alcançou aquelle profundo recolhi� mento na oração, que a todos causava espanto. "Tendo eu um dia perguntado, refere tl Cardial Bellarmino, como podia permanecer horas inteiras rezando sem se distrahir, respolt deu-me que não entendia -como se podiam têr distracções na presença de Deus. Com effeito, assim como na oração seu cor po permanecia immovel, assim o espírito se lhe fixava em Deus e não percebia nada do que se fizesse ao redor d'elle." Nestas communicações com Deus, recebia tantas graças, que as lagrimas lhe corriam de continuo pelas faces, e molhavam até o logar onde estava ajoelhado. Nem se julgue que a santidade lhe estor vasse os estudos, porquanto, desejoso de agradat· a Deus em todas as cousas, a elles se applicava com ardor, e não se avantajou menos na scien cia que no exercício das virtudes. Quando queria descançar o espírito, lia vi das de santos, escriptas por Súrio, ou os Evau- S. l.t:ll'. DI F l.OHE� \.:.\ 19 gelhos, ou rezava o Officio. Entretanto tambem se exercitava no apostolado : aos domingos e dias santos, reunia em tôrno de si alguns meninos, e explicava-lhes com uncção maravilhosa a dou trina christan, não esquecendo nunca alguns bons conselhos e palavras de animação. ll•·unla 111eninos e C'XJ)liCaY.;l-lhr.s n doul1·in<t christan Aos superiores era tão obediente que, co mo affírma seu aio, nem em cousas mínimas se apartava de suas ordens. Se via Rodolpho resen· tir-se com as reprehensões deste ou do mestre, logo com muito amor o exhortava á obediencia. Em Florença costumava confessar-se a miu do. Quando o fez pela primeira vez, sentiu tão sincera e profunda dôr, que caiu sem sentidos aos pés do sacerdote. O aio, tomando-o nos hra- 20 S. LUIZ GONZ.\GA ços, levou-o para casa e, recobrados que teve os sentidos, exprobrou-lhe tanta sensibilidade : "Agora, disse, · todos hão de crer que sua Alteza não tem coragem !" - "Ah, retorquiu o angeli co joven, Deu·s é tão bom e eu o offendi tantas vezes ! " Renovou depois a confissão, accrescen tanto mav; tarde que della tirára grande c�hiu s_.n1 �wntidos aos ))(··s do sacerdote. proveito. Abor recendo c a d a vez mais toda a sorte de conver sação e entre gando-se todo a Deus, determi nou afinal ce der o marque zado a Rodol pho e fazer-se re ]igioso, não pa ra alcançai di gnidades, q u e sempre recusou, mas para poder com mais l iberdade occupar-se no divino serviço. Por isto pediu ao pae que o dispensasse das visitas á côrte, para poder appli car-se mais ao estudo, mas não lhe manifestou o proposito que formára de abraçar um esta�o de vida mais perfeita. J•HIMEIRA COMML'�IUO 2 1 IV. PRIMEIRA COMMUNHÃO. TORNA A CASAL, CORRENDO NO CAMINHO GRANDE PERIGO. SuA vocAçÃo. Em Novembro de 1579, partiu Luiz para Mantua com seu pae nomeado governador de Monferrato ; mas, findo o inverno, tomou a Cas tiglione. Ahi estava sempre retirado, fugindo de con versações, par3: se poder dar todo á piedade. Achando-o Deus bem disposto, começou então a sêr-lhe mestre e director na pratica da contem plação e oração mental. As pessoas de casa viam o santo menino estar ás vezes horas inteiras aos pés de um Crucifixo, com os braços já abertos _já cruzados no peito, e outras vezes ficar immo vel, como que arrebatado em extase. Iniciado assim na pratica da meditação, mas não sabendo que ordem devia nella seguir, .�ncontrou um livrinho do Beato Padre Pedro Canisio, da Companhia de Jesus, no qual vinham flispostos alguns pontos de meditação. Este livro t' as Cartas da lndia muito o affeiçoaram á Com panhia : o livro, porque lhe agradava o metho (Jo e ainda mais o espírito com que estava escri pto ; as Cartas, porque por ellas sabia o que fa zia Deus por meio dos Padres da Companhia, naquellas regiões, para a conversão dos infieis. 22 S. LUZ GONZAG .\ Entretanto o arcebispo de Milão, S. Carlc;.,; Borromeu, durante a visita pastoral passou por Castiglione e ahi teve noticias de S. Luiz. Dese· jou vivamente conhecê-lo e teve com elle uma longa conversa, que encheu de consolação a al ma do santo prelado, pois nunca vira tanta peJ.;• feição em edade tão tenra. Sabendo que aind•t. não fizera a primeira communhão, quiz propor cionar-lhe esta ventura, e foi das mãos do san· to cardeal que Luiz, após fervorosa preparação, recebeu, no seu casto peito, aquell� Deus que tanto amava. Este facto deu-se pelo meado dt� 1580. Pelo fim do mesmo anno, D. Martha, Luit: e R.odolpho puzeram-se a caminho de Monfer rato, onde se achava então D. Fernando. Neste� viagem São Luiz correu grande perigo de vida . Ao passar a váo o rio Ticino, naquelles dias mui to augmentado pelas chuvas, o carro em que ian1 Luiz, Rodolpho e o aio, no meio da correnk quebrou-se em duas partes : a da frente, em que estava Rodolpho, tendo ficado presa aos cavai. lo�;, poude attingir a margem opposta não sem trabalho e perigo. Quanto á outra, em qllf� ia Lui:r. com oaio, foi arrebatada pelo ímpeto dn_:-; aguas e levada pela correnteza, com manif estü perigo de ambos. Mas a Divina Providencia ve: Java sobre nosso santinho com particular sol í · PRil\IJo:IRA CO�L\fCSHXO 23 Pri n1eira Connnunhõ.o de S. I .. u iz 24 S. J.UIZ GONZAGA citude. De repente, um grosso tronco de arvore, levado até alli pelas aguas, fez parar o carro no meio do rio. Dalli tirados por um homem pra· tico do logar, foram todos juntos a uma igreja vizinha, afim de agradecer a Deus c á Virgem o têrem-n'os ]ivrado de tão grande risco. Esteve São Luiz em Casal mais de meio ao no. Continuou os estudos de latim e aproveitou ainda mais no espírito, com a companhia dos Padres, vulgarmente chamados Bamabitas. Con versando com elles a miudo e f requentando os Santos Sacramentos na sua igreja, adquiriu em pouco tempo luz muito maior para adiantar-se nos caminhos de Deus, e desapegar-se cada vez ma is de todas as cousas da terra. O marquez quiz distrai-lo com passatem· pos, mas ella não se deixou afastar dos costuma dos exercícios espirituaes. Seus divertimento:. "lram ir á igreja ou aos conventos dos religioso8 e discorrer com elles das cousas de Deus. Admi rava aquella expressão de alegria que geralmen· 1e via em todos, aquelle menosprezo das cousas temporaes, aquella observancia de tempos de t.�rminados para orar e psalmodiar, aqueHa tranquil1idade de suas casas, aquella indiffe rença completa ácerca da vida' e da mort�. Tudo lhP inspirava o desejo de escolher para si esta do semelhante. Um dia, entra em casa dos Bar- A VOCA('.AO 25 nabitas e, considerando que os religiosos, com renunciar a tudo por amor de Deus, obrigavam o mesmo Senhor a velar por elles, começa a re flectir, conforme ao que depois contou : "Vê, Luiz, que grande bem é a vida religiosa. Es tes padres estão livres de todas as ciladas do mundo e afastados de toda a occasião de pec car. O tempo que os mundanos perdem atraz de bens vãos e passageiros, atraz dos prazeres vis e enganosos, estes o empregam todo em conquis tar o Céo. Na verdade, são os religiosos que vi vem segundo a razão e se não deixam tyranni �r dos sentidos. Não desejam honras nem bens, nem invejam os que os teem, contentam-c;;e com �rvir a Deus, a quem servir é reinar. Que admiração pois, que estejam sempre alegres, sem temor da morte, nem do juizo, nem do inferno? E tu que fazes? Porque não poderás tamLem tu escolher este estado? Se te fazes re ligioso, córtas por todos os impecilhos, cerraR a po11a a todos os perigos, livras-te de torlo o res peito humano, e estarás em condição de gozar de inteiro repouso e servir a Deus com toda n perfeição." Depois de muitas preces e comm1mhões feitas para pedir ao Céu luz a este respeito, as sentou comsigo deixar inteiramente o mundo � entrar numa ordem religiosa. Como porém ape- 26 S. Lt.;IZ GO�ZAGA 11as eontasse treze annos, acautelou-se sábiamen· le . de revelar o seu segredo a quem qu�r que fôsse. Começou a apertar mais o modo de viver e a seguir no século e na côrte vida de religioso. Muito mais do que antes, conservava-se retirado no aposento, fugindo tambem de ir aonde hou· vf'sse concurso de gente, e ainda mais s� esqui · vava de comedias, banquetes e festins, aos quae!' nunca foi, apesar do enfado que nisto sentia seu pae . Em summa, póde-se dizer que passou a me uinicc� sem sêr menino, pois nunca se notou nelle a menor leviandade. Discorria tão judiciosamen te �obre as virtudes e assumptos espiritw.lf"í', qu� Lodos se espantavam de sua muita eloquencia e fervor, dizendo que tal sciencia parecia infusa, por exceder a capacidade de creança. Dahi vi nha lambem que os de casa, embora reparassem eomo procedia, e não gostassem de vêr tanta reclusão e austeridade de vida, comtudo, admt· rando-1he a singular prudencia e virtude, não ousavam perguntar-lhe porque fazia isto ou aquillo, mas o deixavam livre em suas devoções. "' · IXIZ EM CAS"I'l"GI.I0:\1-: Y. VoLTA A CASTICLIONE. CoM:o Freou LIVRE DE UM INCENDIO. Terminando o marquez D. Fernando o prazo tio seu governo em Monferrato, voltou com a fa rniJia a Castiglione. Ahi a Divina Providencia ia tirar Luiz de não menor perigo que o passado ao atravessar o Ticino. Costumava elle levantar se todas as noites para meditar e orar, sempre de joelhos ; muitas vezes, extenuado pelo jejum e penitencias, caia por terra, continwfndo deste lll<'Ôo a oração que não queria interromper. Uma noite, sentindo-se extremamente can sado, deitára-se bastante cêdo, e, lembrando-se IJUC naquelle dia não tinha rezado os sete Psal mos Penitenciaes, quiz antes cumprir com esta devoção. Mal findára, quando, vencido pelo !'-omno e pela dôr de cabeça, adormeceu, esque cendo-se de apagar a vela,. que de todo se con sumiu e acabou por pegar fogo á cama. O in cendio, lavrando pouco a pouco, foi queimando o · cortinado, o enxergão e tres colchões. Desper tou Luiz e sentindo-se todo abrasado, julgou que tinha febre, mas percebendo logo o que se pas sava, pulou da cama e abriu a porta do quarto, para chamar os creados. Apenas esteve no limiar da porta, levantou-se uma grande labareda que queimou o restante do leito. Acudiram logo os 28 S. LUI� GONZ.\G,\. soldados e atiráram a cama pela janella, afim de não pegar fogo á casa. Sem a menor duvida . se Luiz se houvesse demorado mais um instante a sair da cama, seria reduzido a cinzas pelo fogo ou suffocado pelo fumo. A noticia deste acontecimento espalhou-se logo, e conhecida na côrte de Mantua, a duqueza Leonor de Austria quiz ouvir do proprio Luiz os pormenores d(> facto. Elle não hesitou em reconhecer a prote cção milagrosa da Divina Providencia, e accres centou sirrgelamente: "Nunca recommendei a Deus cousa alguma, quér grande, quér pequena, sem alcançar o fim que desejava, ainda que não poucas vezes se tratasse de negocios embaraça dos com muita difficuldade e, no parecer do,., homens, quasi inteiramente perdidos." VL S. LUIZ NA CÔRTE DE ESPANHA. SEl�S ESTUDOS E MODO DE VIVER EM MADRID. · Em 1581, encontramos São Luiz na côrte de Felippe 11 de Espanha. A imperatriz Dona Maria de Austria, viuva do imperador Maximi liano 11, passando pela Italia em demand<l da Espanha, manifestára o desejo de levar com sigo Dona Martha, o marquez D. Fernando e seus tres filhos. Este foi o motivo que naquelle S. u;Iz EM ESPANHA 29 anno conduziu a família Gonzaga para a Espa nha . Chegados á côrte, o marquez proseguiu no seu antigo officio de camareiro, e foram Luiz e Rodolpho nomeados meninos, isto é, pagens de honor do príncipe D. Diogo, filho de Felippe IL Nos dois annos que alli esteve Luiz applicou-se lambem aos estudos, com grande diligencia. Re cebeu lições de Lógica e Mathematicas, e todos os dias ia a uma aula de Philosophia e Theolo gia natural de Raymundo Lullo. Aproveitou tanto que, passando por Alcalá e sendo convidado para argumentar naquella idade tão juvenil, na presença do P. Gabriel Vas quez S. 1 ., a todos deixou maravilhados. Entre as occupações da côrte e dos estudos, advertiu a principio o nosso santo joven, que não tinha a commodidade que desejára, para en tregar-se á vida espiritual como dantes. Algumas vezes não lhe sobrava tempo para as orações costumadas e f requencia dos Santos Sacramen tos, de modo que . parecia ir esfriando no primi tivo fervor e desejo de deixar o mundo, e já não sentia aquelles vivos e abrasados affectos que antes experimentava. Todavia, ajudado da gra ça divina, resolveu romper com todo o respeito humano e mesmo na côrte levar vida santa e re ligiosa. 3o S: "LI:IZ GONZAGA Com este intento foi têr com seu confe&<>or, o P. Francisco Paterno, S. J., e, seguindo seus conselhos, continuou a cmnmungar com fr·equen cia e a consagrar largas horas á oração, afas tando-se o mais possível das festas da côrte. De resto, tão admiravel foi sempre sua mo .destia, que durante a viagem da ltalia para a Espanhà, e no tempo quealli esteve, confessou que nunca lt:vantára os olhos para a imperatriz, sendo que cada dia tinha occasião de a vêr : não poderia, portanto, reconhecê-la entre as outras senhoras da côrte. Acostumára-se desde pequeno a guardar com extraordinaria diligencia seus sentidos, es pecidmente os olhos, que conservava sempre mortificados, para não acontecer que fixassem algum objecto de qualquer modo offensivo da �anta virtude da pureza. Por esta razão, andava �empre de olhos baixos pelas ruas. Se ainda por brinquedo lhe diziam cousas que cheirassem a pouca modestia, logo corava e mostrava no sem blante intimo sentimento. Quando lhe falavam de cousas espirituaes e contavam que alguem en trára numa ordem religiosa, mostrava grande jubilo e dizia suspirando: " Oh! como devem ser grandes as alegrias do céo, se só a falar dellas na terra se experimenta tanta consolação ! " A COMPANHIA DE ,JESUS 3 1 Quando vivia em Florença, numa côrte mergulhada nas delicias e opulencias, o angelica Luiz se consagrára a Deus com o voto de casti dade. Agora, cercado das magnificencias reaes de Madrid, vae dar mais um passo, remmcian do a todas as grandezas terrestres, para perten : ·er só a Jesus na Companhia de seu nome. VII. RAzÕES QUE O MOVERAM A ENTRAR NA CoMPANHIA DE JEsus. MANIFESTA A VOCAÇÃO AOS PAES. Estava já São Luiz, havia anno e mew, na Espanha, quando, animado cada vez mais do Espírito Santo, julgou chegado o tempo de en trar em religião. Querendo escolher a Ordem que lhe con vinha, deu-se mais que nunca á oração, pedindo luzes a Deus. Como era muito austéro e dado �s penitencias, sentiu-se, a principio, inclinado para os Franciscan"as Descalços ; mas deixou este plano, temendo, por sua fraca compleição, não poder resistir ás regras e têr que sair do convento. Deixando lambem de parte muitas ordens que não pareceram conformes á sua in clinação, por se darem puramente á vida activa e ao exercicio das obras de misericordia corpo- 32 S. I.l.:Iz GO�ZAGA ral, viu outras religiões que na solidão gozam de um santo socêgo, occupando-se só da perfei ção da propria alma, entregando-se todas ao canto dos Psalmos, á leitura espiritual e contem plação das cousas de Deus e do céo. Para estas sentia grande attractivo, porém, tendo em vista não só o proprio descanso e a gloria de Deus, mas a nwior gloria de Deus, viu que na solidão occultaria talentos recebidos para p�der apro veitar ás almas. Dizem tambem que lêra em São Thomaz que teem a palma das religiões aquellas que, a exemplo de Jesus Christo, alliam a vida contem plativa á activa, attendendo não só á propria salvação e perfeição, mas tamhem á salvação e pé-feição do proximo. Muitas são, na Igreja, estas religiões de vida mixta santamente observantes, cada uma segundo o seu instituto. Luiz, depois de compa rá-las, julgou bem escolher a Companhia de Jesus, então á mais recente, tendo-a como muito adequada ao seu proposito. Entre outras razões que o moveram a esta preferencia, quatro havia que, como elle mesmo dizia, lhe deram grande consolação. A primeira, que nella a observancia estava em seu primitivo vigor; a segunda, por que na Companhia se faz particular voto de nunca procurar dignidades e de não as acceitar A COMPANHIA DE JESUS 33 l{Uando offerecidas, senão por ordem do Santo Padre. Temia que, entrando nalguma outra or dem, fosse um dia tirado della, a pedido da fa mília, e promovido a alguma prelazia, o que viria mais difficilmente a dar-se, se entrasse na Companhia. Outro motivo era vêr na Compa nhia tantas escolas e congregações para ajudar a mocidade a criar-se santamente no temor de Deus : e achava que se presta grande serviço á Igreja e a Deus cultivando-a, defendendo-a com os anteparos dos bons conselhos e dos Santos Sacramentos. A quarta razão era porque os Pa dres da Companhia se dedicam particularmente a trazer ao gremio da Igreja Catholica os herejes e a trabalhar pela conversão dos gentios do Ja pão, das Indias e do Novo Mundo ; e assim tinha esperança de sêr algum dia mandado áquellas partes, para converter almas á nossa santa fé. Revolvendo na sua mente taes idéas e de terminado a deixar o mundo para melhor ser· vir a seu Senhor, quiz certificar-se ainda mais da dh·ina vontade em relação a si. Era o dia da Assumpção de Nossa Senho ra, 15 de agosto. Luiz, preparado com fervoro �as preces e com angelica devoção, approximou· se da Sagrada Mesa Eucharistica. Emquanto, por intercessão da Virgem, pedia instantemente a Deus a luz de que precisava, sentiu-se movido, 34 S. LUIZ GONZAGA no intimo da alma, a entrar na Companhia de Jesus. Levantou-se . e correu, muito alegre, a re ferir ao confessor o que se passára. O Padre re conheceu que a vocação era divina, mas accres centou que elle deveria alcançar licença do mar quez, seu pae, para poder entrar na Companhia . Naquelle mesmo dia, Luiz se abriu com a mãe. O tuarquez expulsou-o com pnlavras duras c aspe1·as Esta experimentou grande alegria ao saber da resolução do filho, dando graças a Deus, , e co mo Anna, mãe de Samuel, de bôa vontade o o f fereceu e consagrou todo á Divina Majestade. l . liTANnO J'EL!\ VOC/Ir.ÇÃO 3S Pouco tempo depois Luiz, com o maior res peito e humildade, expoz ao pae o seu intento. O marquez, fóra de si, expulsou·o com palavras duras e asperas, ameaçando mandá-lo açoitar. "Prouvéra a Deus, respondeu mansamente o Santo, padecer eu tal coisa por seu amor! " Fernando Gonzaga reconhecera em seu pri mogenito grandes dotes de espírito e de cora ção, e destinava-o a sustentar o brilho do seu no me e a continuar gloriosamente as tradições da familia. Por isso, ao saber da resolução do filho, ficou inconsolavel e lançou mão de todos os meios para fazer com que elle desistisse de tal determinação, empregando ora ternas supplicas, ora desusado rigor. VJII . LuTANDo PE LA vocAçÃo. Em 1584, voltou a família Gonzaga para a ltalia : lá devia São Luiz sustentar os mais terrí veis combates. Apenas de volta a Castiglione, D. Fernando determinou que fosse com Rodol pho, cumprimentar, em seu nome, todos os Prin· cipes e Senhores de Italia. Esperava deste modo tirar-lhe a idéa de entrar em religião. Obedeceu o nosso santo e supportou com coragem mais es ta prova. A sua viagem foi uma continua oração 36 S. LUIZ GONZAGA e nunca deixou os costumados jejuns e peniten cias. De volta a Castiglione, o marquez o achou mais firme do que nunca em seus designios. Foi então que o pobre Luiz soffreu varios assaltos de grandes personagens, quér parentes quér ami gos. Entre estes, o duque de Mantua mandou a Castiglione um bispo, para dizer-lhe que ao me nos escolhesse sêr ecclesiastico no mundo ; pois não faltavam exemplos de santos, tanto antigos como modernos (qual o Eminentíssimo Cardial Carlos Borro meu) que investidos de dignidades ecclesiasticas, tinham sido mais uteis á Igreja que muitos religiosos. O duque promettia, de sua parte, empregar toda a diligencia para que Luiz fosse promovido aos cargos mais honrosos. A resposta do santo f oi que, tendo renun ciado ás regalias de sua casa, renunciava lam bem ás mercês de sua Alteza, e dizia que a ra zão particular de têr escolhido a Companhia, fôra por não acceitar dignidade alguma, deter minado como estava a não querer senão Deus nesta vida . Semelhante resposta deu a outros, alguns dos quaes, ao vêr que uma vocação tão firme não podia deixar de ser verdadeira, acabaram trocando a embaixada e indo falar a D. Fernan do em favor do filho. Nem por isso perdeu o marquez a esperança de dissuadi-lo. LUTANDO PELA VOCAÇÃO 37 Estando um dia de cama com gôta, per guntou a Luiz que determinação havia tomado. Respondeu elle, respeitosa mas claramente, que sua intenção era e fôra sempre servir a Deus na religião. lrou-se muito o pae e mandou que saísse de sua presença e não tornasse a apparecer-lhe deante dos olhos. O joven, tomando estas pala vras comoordem, retirou-se a um convento, a uma milha de Castiglione. Passados porém alguns dias, o marquez o mandou chamar e o reprehendeu do atrevimento de sair de casa sem sua l icença. Luiz respondeu que assim fizéra por cumprir seu mandado. D . Fernando ordenou então que se retirasse, c o santo baixando a cabeça, disse : "Por ohedien· . " cta vou. Chegando ao quarto pôz-se a orar e a pedir a Deus constancia no meio de tantos trabalhos. O marquez, receiando têr maguado o filho, man dára entretanto que o aio fosse ver o que Luiz fazia ; o aio, olhando pelas gretas da porta, viu-o a açoitar-se rijamente as costas ao pé de um Crucifixo. Tornando com as lagrimas nos olhos para D. Fernando, contou-lhe o que · se passava. O pae mal o creu, mas avisado no dia seguinte que a scena se repetia, fez-se. levar em uma ca deira á porta do quarto de Luiz e espreitando 38 S. LUJZ GONZA.GA pela fenda, eonveneeu-se de que lhe haviam dito a verdade. Em consequencia de espectaculo tão com movente e das instancias do filho, resolveu por fim dar o desejado consentimento. Escreveu lo go Luiz ao Padre Geral da Companhia, para pedir a admissão, recebendo pouco depois res posta affirmativa. Cheio de jubilo apressou-se a agradecer : '' Faltam-me palavras com que dat a Va. Rcia. as graças por tão grande favor. Se não sigo logo para Roma, é porque meu pae exige uma renuncia em forma de todos os meU!o direitos em favor de Rodolpho. Para isso é ne cessario o consentimento imperial , mas espero concluir tudo quanto antes . . . IX. E' MANDADO A MILÃO. Emquanto se tratava da renuncia, foi São Luiz mandado a Milão, afim de, em nome do pae, tratar de certos negocios summamente im portantes. Demorou-se nove meses naquella cidade, não deixando passar occasião alguma de calcar aos pés as pompas mundanas. Um dia de Car naval, fazendo-se em Milão um grande torneio, em que concorriam os jovens fidalgos montadof' F.S'IUOOS K'>l :MILÃO 39 6m cavallos ricamente ajaezados, elle, para morrer mais ao mundo, resolveu ir tamhem. Compareceu, para humilhar-se, cavalgando um jumento oniinario, acompanhado apenas por dois criados, e assim atravessou as ruas cheias de todos aquelles cavalheiros. Hesu] VI"U il· C'�n·algandQ ll lll junw11h1 urdiuar·i«; Nem foi perdido o tempo all i passado. por que, tendo cursado toda a Logica na Espanha, como dissemos, estudou Physica em :Milão, no Collegio Brera dos Padres da Companhia ; e co mo tinha bella intell igencia e era diligentü:si mo, muito aproveitou. Assistia todos os dias de �anhã e de tarde ás aulas, e quando pelos negocios era obrigado a faltar, mandava que lhe escrevessem a lição, 40 S. LUIZ GONZAGA para poder estuda-la em casa. A's disputas não só queria estar presente, mas argumentava e de fendia theses como os outros estudantes, não querendo isenção alguma em seu favor. Na argumentação mostrava a agudeza de seu engenho, porém com tanta modestia o f azia que, como testifica o proprio mestre, nunca dei xou escapar palavra inconsiderada, nem alguma leviandade de rapaz, quér nos gestos, quér no f alar. Esta singular modestia, que brilhava em todas as suas acções, o tornára mui querido de lodos. Ouvia, além disto, u� curso de Mathema tica no mesmo collegio, e como o lente a não di tava, elle para se não esquecer, logo em tomando á casa, a ditava a um camareiro, com tanta fa cilidade, clareza e felicidade, que quando estes apontamentos foram mostrados em ·Castiglione ao P. Virgílio Cepári, o padre ficou admirado, vendo que Luiz nunca se esquecera da demons Lração nem trocára � numeros, as medidas, as contas, os pontos, as ' linhas e os termos proprios d'aquella sciencia . ' A CAMINHO DE ROMA X. NovA OPPOSIÇÃo DO PAE. VIcTORIA FINAL DE LUIZ 4 1 Era j á chegada a licença do imperador para a renuncia ; e, tendo Luiz dezesete annos com pletos, esperava a cada momento ser chamado pelo pae a Castiglione e poder finalmente voar á Companhia de Jesus. Senão que, de improviso, chega a Milão o marquez D. Fernando e lhe pergunta o que de terminava fazer. Porém, achando-o inaLalavel, concebe grandíssima afflicção. Mostra-lhe pri meiro indignação e resentiÍnento ; depois, come ça a falar-lhe amorosamente, dizendo que "não era cl1e tão mau christão que quizesse offender a Deus nem ir de encontro á divina vontade. Comtudo, accrescentou, a razão me dita ser aquelle desígnio mais um capricho que chama mento divinõ, porquanto a piedade filial e o proprio serviço de Deus exigem justamente o contrario." Mostrou-lhe a bôa natureza que ha via recebido de Deus, quasi inteiramente isenta do perigo de ser desviada do bem, de modo que não devia ter medo de ficar no mundo, onde po deria viver como um religioso. Recordou-lhe mais a reverencia e affecto que lhe consagravan� seus vassalos e como descr javam ser governados por elle, ao passo que Ro- 42 S. LUIZ GONZAG,\ rlolpho, a quem queria passar o estado, por ser de natureza muito ardente e ter pouca idade, não revelava tanta aptidão para o governo. Fi nalmente : " Vê, disse, como estou doente. Se en tras rw Companhia, sobrevirão negocias a que wo poderei attender, e succumbirei a tantos :nales e desgostos, de modo que serás causa de 1ninha morte." Dizendo isto prorompeu num grande pranto, accrescentando outras palavras eheias de dôr e de affecto. Respondeu o santo que conhecia seus deve res, e que se não fosse chama-lo Deus a outro estado, faria mal em não obedecer aos conse lhos de seu pae, mas que querendo seguir o im lmlso do Espírito Santo, Nosso Senhor, que tudo vê e sabe, haveria de dispor as cousas do melhor moc.lo, em relação ú casa e estado de sua família. Vendo o marquez ao filho convencido de que Deus o chamava, achou ser neCPSSario tira lo desta crença e o mandou examinar na sua pre- . sença durante uma hora, pelo P. Achilles Ga gliardi, S. J. Findo o exame, o marquez, persua dido de que a vocação era verdadeira, disse a Luiz que, terminados os negocias, partisse para Castiglione, afim de dar cumprimento á renun Cia . Quando veiu () tempo de sair de ·Milão, Luiz, presagiando alguma nova borrasca, resol- .\ CAMINHO DE I\OMA 43 veu fazer primeiro os Exercícios esp1ntuaes de S. lgnacio no collegio da Companhia de Mantua, parte por consolar-se, parte para confirmar-se na vocação. Chegando a Castiglione, o pae, constrangi do a dar o sim ou o não, respondeu que nada sabia de ter concedido alguma licença, nem a daria, emquanto a vocação não amadurecesse mais e elle tivesse forças para segui-la : devia, pois, esperar até os vinte e cinco annos pelo me nos. Luiz ficou corno semimorto ao ouvir tal res· posta, e retirou-se ao quarto para chorar e re· commendar-se a Deus. E assim, constrangido pelo pae a respon der logo, disse que embora nada o maguasse tanto, comtudo, por amor ao pae, a quem de via obedecer, e por seguir o conselho do P. Ge ral, de buscar por todos os meios o consentimen- 1 to paterno, condescenderia com duas condições : primeira, que o tempo da espera iria passa-lo em Roma, para melhor conservar a vocação ; se gunda, que o ;rnarquez daria desde já uma licen ça escripta ao P. Geral para o tempo que tinha determinado. Cedeu por fim D. Fernando, não sem muito relutar. Todavia, como surgissem algumas diffieul dades ácêrca da estada em Roma, Luiz, cohran- 44 S. LUIZ: GONZAGA do novo fervor, augmenta penitencias e orações, e prepara-se para um lance decisivo. Um dia, permanecendo sempre D. Fernan do de cama por causa da gôta, entra-lhe o joven no quarto, e, com grande energia e seriedade, diz: "Senhor pae, entrego-me inteiramente nas vossas mãos, mas protesto-vos que fui chamado Vnc, nl!eu f lho, paro onde o Senhor te chaDlU por Deus á Co111panhia de Jesus, e que fazendo opposição a este desígnio, resistis á vontade de Deus. " ADRUS AO MUNDO 45 Dito isto, saiu do quarto sem esperar a res posta . O marquez ficou tão impressionadoque não soube articular palavra. Começou então a ter escrupulo da resistencia que fizera, e depois de chorar largo tempo, pela dôr que sentia em · perder tal filho, mandou que o chamassem: "Fi lho, disse, meu coração sangra de dôr pela tua resolução. Amo-te, e este amor tu o mereces; em ti puzera todas as esperanças da fa-milia; mas visto que outra é a vontade de Deus, vae, men filho, para onde o Senhor te chama, e eu te dou a minha benção." Agradeceu o santo em poucas palavras, e indo para seu quarto, pôz-se a dar muitas gra ��as a Deus, pelo feliz exito de suas supplicas e a off erecer-se-lhe todo em holocausto. XI. RENUNCIA AO MARQUEZADO E PARTE PARA RoMA. Pouco depois, partiu finalmente Luiz com D. Fernando para Mantua, onde, no dia 2 de no vembro de 1585, em presença dos parentes mais proximos da f amilia Gonzaga, que deveriam succcder á descendencia do marquez, se esta se estinguisse, foi firmado solemnemente o acto da renuncia. 46 S. LVIZ GONZAG.\ Feito isto, retirou-se Luiz por alguns ins tantes, e de repente appareceu vestido com a roupeta de Jesuíta, na sala de jantar, onde os fi d'l]gos estavam reunidos. A tal vista, jorram lagrimas dos olhos de todos e o marquez D. Fernando prorompe em novas exclamações e gritos de dôr. Luiz appro xima-se, beija-lhe a mão, consola-o e depois fala com tanto acerto e autoridade dos perigos do mundo e difficuldades que teem os príncipes c senhores para se salvarem, que todos os que o ouviam ficaram admirados. Ao dia seguinte, Luiz, ajoelhado deante de seu extremoso pae e da piedosa mãe, pedia-lhes humildemente a benção antes de partir. D. Fer nando e Dona Martha, com o rosto banhado em amargo pranto, abençoaram e apertaram ao co· ração aquelle filho, que os ia deixar. Feita!ÕI as despedidas, o santo mancebo, com o coração cheio da mais celestial alegria, pôz-se a caminho para a Cidade Eterna. Chegado a Roma, hospedou-se em casa do Patriarca Scipião Gonzaga, seu tio. No dia 19 de novembro, foi admittido á presença do Papa Sixto V. O Santo Padre fez-lhe varias pergun tas ácêrca da vocação, ás quaes elle respondeu tão acertadamente, que fez em todos os prest"n• tes optima impressão. De resto, os Cardeaes a .\ D E u S AO MUNDO 47 quem, naquelles dias, visitára e que tiveram en sejo de conversar com elle, apregoavam :1 l ta men�e as suas virtudes, que transpareciam nas maneiras modestas, nobres e delicadas, no juizo recto e na sabedoria de suas palavras. S. Luiz recebido na Companhia de Jesus "Causa pasmo, referia mais tarde o Car deal Scipião Gonzaga, vêr como elle, tão moço ainda, sabe pesar e calcular tudo o que diz, a ponto de nunca proferir palavra que se não dis tinga pela sua precisão e conveniencia!" '46 S. LUIZ GONZAGA XII. ENTRA NA CoMPANHIA DE JEsus. SUAS VIRTUDES. No dia 27 de novembro, inundado de gozo, aportava finalmente ao termo de seus votos o nosso santo joven, a quem aquelle passo pare cia a entrada para o paraiso. Do seu coração transbordou então este versículo das Escriptu ras, que por certo bem traduzia os seus sentimen tos em tal circumstancia. "Aqui será o meu des canso para sempre; aqui habitarei, pois escolhi este logar para morada." Despediu-se então dos ecclesiasticos e fi dalgos que o acompanhavam. "Ide, disse-lhes, e levae a meu pae, como ultima lembraru;a, esta sentença dos Livros Santos : Esquece teu povo e a casa de teu pae. E a Rodolpho est'outra: Quem teme a Deus, pratica a virtude." O patriarca Gonzaga, que conhecia Luiz desde sua meninice, não podia conter as lagri mas : "Meu filho, disse-lhe commovido, esco lheste a melhor parte, reza por mim!" e depois, dirigindo-se aos padres presentes, accrescentou : "Posso assegurar-vos que hoje recebestes um anjo do Céu." Luiz, ficando só , ajoelhou-se e , cheio de consolação, agradeceu a Deus, com lagrimas de amor, havê-lo tirado do Egypto e trazido á terra S. LUIZ RELIGIOSO 49 da Promissão, que mana o leite e o mel das do çuras celestiaes. Offereceu-se e consagrou-se to do á Divina Majestade, pedindo graça para ha bitar dignamente na casa do Senhor, perseverar e morrer no seu santo serviço. Contava dezesete annos, oito mezes e deze seis dias de idade. O povo christão celebrava nesse dia a festa de S.Catharina, Virgem e Mar tyr. D'alli em diante, Luiz Gonzaga não pas sa de um humilde noviço da Companhia de Jesus, desejando ser tido pelo ultimo da casa, julgando os outros superiores a si e nutrindo uma santa inveja para com aquelles aos quaes tem na conta de mais virtuosos e amigos de Deus. Desde os primeiros dias, resolveu confor· mar-se em tudo com a vida commum. Em vão os Superiores, receiando que uma tão repentina mudança de regimen causasse algum mal á sau· de, lhe propuzeram que abraçasse pouco a pou co e brandamente as obrigações da regra, pois tinha a constituição debilitada pelos rigores da penitencia e pelas lutas terríveis empenhadas para salvaguardar a sua vocação. Nosso santo esteve tão longe de acceitar es ses favores, que supplicou aos Superiores não usassem para com elle de nenhuma considera· ção, antes em tudo o humilhassem, porque assim 50 S. LUIZ GONZAGA gozaria da felicidade de ser verdadeiro noviço da Companhia. "Póde haver para mim, dizia el le, maior consolação do que ser o ultimo nesta casa abençoada, para onde Deus me conduziu ao sair do Egypto? " Julgava obrigação não só expiar, como se fôra peccado, o seu titulo de príncipe, mas ain da procurar que seus irmãos lhe perdoassem esse cnme. "Só póde haver verdadeira grandeza, dizia, na continzia immolação que o religioso faz da vida, pela gloria de Deus e em vista da eterni dade." Guiado por estes princípios, mortificava continuamente o amor proprio e a vaidade, per suadido de que estas victorias são mais uteis e mais importantes que as austeridades corporaes. Por esta razão pedia a miu�o ao Superior licen ça para sair pelas ruas de Roma, com vestidos pobres e remendados e de alforge ás costas, e assim pedir humildemente esmola pelas portas. Perguntaram-lhe uma vez se sentia repugnancia naquillo. Respondeu elle que não, porque tra zia sempre o exemplo de Jesus Cliristo deante dos olhos : De resto, accrescentou, não é porven tura glorioso abraçar a pobreza de Nosso Se nhor?" S. LUIZ RELIGIOSO 5 1 Na obediencia não era menos perfeito. "Du rante todo o tempo que vivi com elle, conta o Bemaventurado Cardeal Bellarmino, nunca lhe ouvi uma palavra de queixa ou uma observação contra as ordens dos Superiores." Sentia parti· cular contentamento nos officios humildes. Pediu. huin i l tl('lllPJlte, esnwln pelas portns. De resto, tudo sujeitava á obediencia. Um dia estava occupado em dobrar uns pannos em companhia de outros noviços, quando se lembrou \ de que naquelle dia não havia lido, como costu - 52 S. LUIZ GONZAGA mava, algumas paginas de S. Bernardo. Quiz sair para cumprir com esta devoção, porém disse logo comsigo mesmo. " Poderia deixar este trabalho, pois não me f oi determinado o tempo que nelle devo empregar, mas se o deixasse para lêr S. Bernardo, que cousa me ensinaria este santo, senão que devo obedecer? Continuarei pois esta acção por espirito de obediencia." Certa manhã, entrou na sacristia para f alar com elle o Cardeal della Rôvere, seu parente: "Queira desculpar, Eminencia, disse-lhe Luiz, mas não tenho licença." "Longe de mim, meu caro Luiz, obrigar-vos a faltar á regra, retorquiu o Cardeal, porém como o negocio que aqui me trouxe é · muito importante, irei pedir eu mesmo a licença ao P. Geral. " - E assim o fez. XIII. VAE PARA NAPOLES. DE VOLTA A RoMA, FAZ OS VOTOS E PROSEGUE · SEUS ESTUDOS. Estava para findar o mes de outubro de 1586, quando Luiz recebeu ordem de acompa nhar a Napoles o P. Pescatore, mestre de novi ços, que uma doença de peito obrigava a mudar de clima. Os Superiores, aproveitando a occa sião, determinaram mandar tambem para alli S. LUIZ
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