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DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA

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DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA
DEFINIÇÃO
A doença articular degenerativa (DAD), ou osteoartrite, é uma degeneração
não inflamatória, não infecciosa da cartilagem articular, acompanhada por
formação óssea nas margens sinoviais e pela fibrose do tecido mole
periarticular. Embora classificada como não inflamatória, um processo
inflamatório em andamento, de baixo grau (mononuclear), está associado a
esta condição.
CONSIDERAÇÕES GERAIS E FISIOPATOLOGIA
CLINICAMENTE RELEVANTE
A DAD pode ser classificada como primária ou secundária, dependendo da
causa. A osteoartrite primária é um distúrbio do envelhecimento, no qual há
degeneração cartilaginosa por razões desconhecidas. A osteoartrite secundária
ocorre em resposta às anormalidades que causam a instabilidade articular (p.
ex., ruptura do LCC) ou sobrecarga anormal da cartilagem articular (i.e.,
anormalidades do desenvolvimento ou anatômicas, como a displasia
coxofemoral ou trauma levando à má união articular), ou em resposta à outra
afecção articular reconhecida (p. ex., infecção e inflamação imunomediada).
A osteoartrite secundária é mais comum que a osteoartrite primária em cães
e gatos (Quadro 34-1). A mobilidade articular anormal aumenta as cargas
fisiológicas exercidas em algumas porções da cartilagem articular normal,
dando início a alterações moleculares que levam à osteoartrite. O estresse
normal sobre a cartilagem anormal (i.e., lesionada por distúrbios
cartilaginosos genéticos ou metabólicos, inflamação ou respostas
imunológicas) inicia alterações idênticas. Inicialmente, a fibrilação da
camada cartilaginosa superficial torna a superfície articular áspera, com
fissuras estendendo-se, eventualmente, ao osso subcondral. Fragmentos
livres de cartilagem podem iniciar uma resposta inflamatória da sinóvia, com
a formação de mediadores inflamatórios (i.e., citocinas e prostaglandinas). A
degradação da cartilagem resulta da alteração dos condrócitos, da depleção
dos proteoglicanos da matriz e da lesão da rede de fibrila de colágeno. A
ruptura do colágeno é induzida pelas citocinas (i.e., interleucina 1 [IL-1] e
fator de necrose tumoral [TNF]) e pela suprarregulação da liberação de
enzimas destrutivas (i.e., metaloproteinases da matriz [MMPs] e agrecanase)
pelos condrócitos, sinoviócitos e células inflamatórias. A cartilagem afetada é
mais suscetível à ruptura a partir de cargas e sobrecargas. O resultado é um
círculo vicioso de inflamação e destruição da cartilagem. Portanto, a
fibrilação articular, a perda de cartilagem, a esclerose do osso subcondral, a
formação de osteófitos, a fibrose de tecidos moles periarticulares e a
inflamação da membrana sinovial causam dor e perda de função na
osteoartrite.
DIAGNÓSTICO
Apresentação Clínica
Predisposição.
A osteoartrite pode afetar qualquer idade ou raça de cão e gato. As doenças
displásicas que levam à osteoartrite são, frequentemente, específicas às raças;
no entanto, a osteoartrite causada por trauma não é específica para idades ou
raças.
Histórico.
O sinal clínico mais comum da osteoartrite é a claudicação, que pode ser
aguda ou crônica, persistente ou intermitente. A maioria dos animais possui
histórico de intolerância a exercícios, particularmente quando diversas
articulações são afetadas (p. ex., displasia coxofemoral). Pode haver um
histórico prévio de fraturas articulares, osteocondrite dissecante, luxações
articulares congênitas ou crônicas, doença articular inflamatória, artrite
séptica e/ou neuropatias. Outras causas nos membros dianteiros incluem
processos coronoides fragmentados (PCFs) (p. 1268), má união do processo
anconeal (NUPA) (p. 1282), ossificação incompleta do côndílo umeral (p.
1285) e deformidade do membro angular (p. 1154). Nos membros
posteriores, a displasia coxofemoral, a necrose asséptica da cabeça do fêmur,
a luxação patelar e a ruptura do ligamento cruzado também podem causar a
osteoartrite.
Exame Físico
Geralmente, a claudicação unilateral é evidente quando os animais afetados
permanecem em estação ou caminham. As condições bilaterais (p. ex.,
displasia coxofemoral) frequentemente aparecem como claudicações
unilaterais se uma articulação for afetada mais gravemente que a outra. As
articulações com lesões agudas podem estar edemaciadas devido à efusão
articular, mas o edema é mais comumente causado pela fibrose articular na
doença crônica. A redução na amplitude dos movimentos, a crepitação
palpável durante a locomoção e a instabilidade articular são comuns. A
palpação da articulação pode desencadear dor.
Diagnóstico por Imagem
A gravidade da alteração radiográfica depende da cronicidade. Sinais
radiográficos observados incluem (Fig. 34-6, A) esclerose óssea subcondral,
formação de osteófito articular e periarticular, estreitamento do espaço
articular, efusão articular, maior proeminência de tecido mole periarticular
(Fig. 34-6, B) e atrofia muscular. Como a maioria das alterações radiográficas
está associada a alterações articulares crônicas, a osteoartrite e o dano
significativo da cartilagem podem existir muito antes de as alterações
radiográficas serem aparentes.
FIG. 34-6 A, Radiografia lateral de joelho de cão com DAD. Observar os osteófitos
periarticulares ao longo dos sulcos trocleares (seta) e da patela (ponta de seta). A
efusão articular está causando o deslocamento cranial do coxim de gordura
infrapatelar e a distensão caudal da cápsula articular. B, Na vista craniocaudal, os
osteófitos periarticulares (ponta de seta) estão evidentes no aspecto lateral,
proximal ao platô tibial e distal à fabela medial. Um aumento da proeminência dos
tecidos moles periarticulares pode ser observado medial e lateralmente.
Artroscopia.
Geralmente a artroscopia permite a detecção precoce da osteoartrite. Os
achados artroscópicos na osteoartrite incluem graus variáveis de lesão
cartilaginosa e proliferação sinovial (Fig. 34-7).
FIG. 34-7 Vista artroscópica da osteoartrite. Observar os osteófitos e a
proliferação sinovial.
Alterações Laboratoriais
As anormalidades laboratoriais associadas à doença sistêmica raramente
estão presentes na osteoartrite. Os resultados dos testes de fator reumatoide,
preparações de SLE e anticorpo antinuclear (ANA) são geralmente normais.
A análise do líquido sinovial pode revelar uma redução da viscosidade do
líquido sinovial, aumento dos volumes desse líquido e números elevados de
células fagocíticas mononucleares (6.000 a 9.000 leucócitos por microlitro
[Leucócitos /µl]).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial da osteoartrite deve ser feito com a artrite séptica, a
neoplasia e o trauma articular.
CONDUTA MÉDICA
Em geral, a osteoartrite em pequenos animais desenvolve-se
secundariamente a outros problemas ortopédicos; portanto, o problema
subjacente deve ser corrigido, se possível. Frequentemente há necessidade de
tratamento cirúrgico associado a tratamento médico para reduzir ou eliminar
os sinais clínicos. Entretanto, a correção do problema incitante, embora seja
necessária para o restabelecimento da função, geralmente não elimina ou
evita a progressão das alterações degenerativas. A correção do problema
primário não é possível ou não é indicada para alguns animais. Diversos
animais com sinais radiográficos de osteoartrite são assintomáticos, podendo
ou não desenvolver claudicação no decorrer da idade. Os donos devem ser
advertidos sobre a condição do animal; no entanto, devem ser assegurados
de que este pode ter um desempenho normal com pouco ou nenhum
tratamento.
A sinovite inflamatória é, frequentemente, responsável por sinais clínicos
de dor e claudicação associados à osteoartrite. A reabilitação física pode ter
um papel fundamental no fortalecimento das estruturas periarticulares, o
que propiciará mais conforto, uma musculatura mais forte para sustentar as
articulações comprometidas e um aumento na amplitude funcional de
movimento. Essas alterações no estilo de vida podem melhorar
significativamente o conforto e a qualidade de vida desses pacientes (Cap.
13). Devido ao fato de exercícios excessivos ou não controladosexacerbarem e
prolongarem a inflamação, o descanso por dois a três dias, somado ao uso
prudente de medicamentos anti-inflamatórios, pode ser necessário para
interromper o ciclo e retornar o animal a níveis controlados de atividade.
 NOTA • Não tratar cães assintomáticos apenas por apresentarem sinais
radiográficos de osteoartrite.
Muitos cães que apresentam sinais clínicos de osteoartrite são obesos. A
obesidade pode ser um fator causador ou desencadeador do
desenvolvimento da osteoartrite, podendo também ser uma resposta à dor
crônica. Os cães que são relutantes ao exercício podem ganhar peso se a
ingestão de alimentos não for controlada. A perda ou o controle do peso para
um cão com osteoartrite devem ser enfatizados ao dono. A perda de peso
pode estar associada à redução da dor e ao aumento da função em animais
com osteoartrite crônica. Assim que a fase inflamatória da doença estiver sob
controle, a prática regular de exercícios moderados (com uma intensidade
que não cause claudicação) será importante para a manutenção da
mobilidade articular, da força muscular e da sustentação articular. A natação
parece manter a força muscular, sem aumentar as cargas sobre as
articulações.
Os AINEs veterinários são eficazes no alívio da dor associada à osteoartrite
e, geralmente, apresentam poucos efeitos colaterais gastrointestinais
clinicamente óbvios (Tabela 34-4, p. 1221); no entanto, pode haver
ulceração/erosão gástrica, necrose hepatocelular e doença renal com o uso de
qualquer AINE. O tratamento com AINEs desenvolvidos para humanos pode
ser particularmente perigoso. A sensibilidade da mucosa gástrica aos AINEs
e outros efeitos colaterais podem se manifestar por anorexia, vômitos,
diarreia, anemia, dispneia e/ou melena. É importante notar que muitos cães
com ulceração/erosão gástrica substancial possuem anorexia como o único
sinal clínico. Se for observado qualquer um desses sinais, o uso do AINE
deve ser descontinuado, a fim de prevenir a piora da doença.
Corticosteroides possuem efeitos anti-inflamatórios nos tecidos
articulares. Deprimem o metabolismo dos condrócitos e alterarem a matriz
cartilaginosa, o que causa a redução da síntese de proteoglicanos e colágeno
(p. 1223). Por isso, e devido aos efeitos adversos sistêmicos da administração
de corticoesteroides por longo prazo, esses medicamentos devem ser
utilizados em animais com osteoartrite apenas como um último recurso. Se
forem utilizados, devem ser administrados infrequentemente e o animal
deve ser privado de exercícios por várias semanas após o tratamento, para a
proteção da cartilagem.
 NOTA • Os donos devem ser sempre informados quanto aos efeitos
colaterais dos AINEs e esteroides, e especialmente sobre a combinação dos
dois. Esses medicamentos não devem ser administrados de forma
concomitante a menos que haja razões específicas para necessitar de tal
abordagem. Os donos precisam ser aconselhados sobre os riscos de tal
terapia de combinação.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
O tratamento cirúrgico da doença subjacente pode ser indicado para
controlar os sinais da osteoartrite (p. ex., estabilização dos joelhos com
rupturas do LCC). A dor incontrolável e a perda da função do membro
associadas à osteoartrite justificam a intervenção cirúrgica. Diversos
procedimentos cirúrgicos estão disponíveis para a recuperação da função do
membro. Técnicas de artroplastia, como a osteotomia da cabeça e do colo do
fêmur (p. 1313) e a ressecção da cavidade glenoide (p. 1258), foram descritas
em pacientes veterinários. A ressecção óssea permite a formação de uma
articulação de tecido fibroso, ou pseudoartrose. A função é variável após
esses procedimentos. Embora a mecânica da articulação não seja normal, em
muitos casos a função do membro é satisfatória. A substituição de uma
articulação artrítica por uma prótese oferece melhores chances para a função
normal do membro e um alívio superior da dor. Substituição de articulações
prostéticas estão disponíveis para bacia, cotovelos e joelhos, embora as taxas
de sucesso variem imensamente com a articulação sendo substituída. A
natureza biomecânica da articulação do cotovelo torna o desenvolvimento e a
colocação de uma prótese articular de cotovelo significativamente mais
complicados do que para a substituição total do quadril (STQ). As
substituições de joelho estão prontamente disponíveis, embora nenhuma
informação de resultados em longo prazo esteja disponível. Uma
substituição de quadril foi descrita no gato. A artrodese (fusão cirúrgica da
articulação) pode aliviar a dor e permitir um bom funcionamento do
membro, quando utilizada no tratamento da instabilidade do carpo ou do
tarso. A artrodese do cotovelo, joelho ou ombro resulta em uma função fraca
ou ruim. A amputação é um procedimento de salvamento, que deve ser
considerado apenas em determinados pacientes – aqueles que não carregam
excessivo peso e apresentam uma doença unilateral, causando dor
incontrolável, não responsiva a outras terapias. As alografias de articulações
foram realizadas em um número limitado de pacientes com bons resultados.
Conduta Pré-operatória
Reportar-se à seção anterior sobre Tratamento Clínico. O tratamento pré-
operatório específico depende da doença subjacente.
Anestesia
O tratamento anestésico de animais com doença ortopédica é fornecido nas
Tabelas 32-5 e 32-6 nas páginas 1046 e 1047, respectivamente.
Anatomia Cirúrgica
A anatomia cirúrgica das articulações é fornecida sob os procedimentos
específicos.
Posicionamento
O posicionamento depende do procedimento a ser realizado (ver adiante).
TÉCNICA CIRÚRGICA
Para as técnicas de artroplastia (i.e., osteotomia da cabeça e colo do fêmur e
ressecção da cavidade glenoide), reportar-se às páginas 1258 e 1313.
MATERIAIS DE SUTURA E INSTRUMENTOS
ESPECIAIS
Os materiais de sutura e instrumentos especiais requeridos para a cirurgia
articular são listados nos procedimentos específicos.
AVALIAÇÃO E CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS
Para os cuidados pós-operatórios após cirurgia articular, reportar-se aos
procedimentos específicos.
PROGNÓSTICO
O prognóstico para pacientes com osteoartrite varia enormemente,
dependendo da gravidade da doença, do número de articulações afetadas e
da condição clínica do paciente. Em vários casos de osteoartrite leve a
moderada, o tratamento clínico adequado pode devolver ao paciente uma
função próxima do normal. Nos casos mais graves, particularmente quando
diversas articulações estão envolvidas, é reservado o prognóstico para o
retorno da atividade normal. Entretanto, na maioria dos casos, com a exceção
da osteoartrite grave e em estádio terminal, a função de animal de estimação
pode ser restaurada. Considerações importantes sobre o tratamento e o
prognóstico de animais com osteoartrite estão listadas no Quadro 34-6.
 QUADRO 34-6
C onsiderações I mportantes sobre a D oença A rticular
D egenerativa
• Na maioria dos casos de doença articular degenerativa (osteoartrite) em
cães, um problema articular primário (p. ex., displasia coxofemoral,
fragmentação do processo coronoide ou ruptura do ligamento cruzado) foi
a causa desencadeadora. A doença subjacente deve ser diagnosticada e
tratada adequadamente.
• Em geral, a osteoartrite é progressiva, independentemente do tratamento.
• O diagnóstico da osteoartrite é baseado na avaliação radiográfica, mas o
tratamento é baseado nos sinais clínicos.
• A abordagem médica da osteoartrite inclui o controle do peso, exercícios ou
fisioterapia para a manutenção da mobilidade articular e da massa
muscular, repouso durante os sinais clínicos agudos e medicação.

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