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Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Anticoagulantes e antiplaquetários São os fármacos uteis no tratamento dos distúrbios da hemostasia. No caso da trombose, tem- se a formação de um coagulo nos vasos sanguíneos; eles podem desencadear infartos agudos do miocárdio, trombose venosa profunda, embolia pulmonar e acidente vascular encefálico isquêmico agudo; essas condições são tratadas com anticoagulantes e fibrinolíticos. Tombo x Êmbolo Um coágulo que adere a parede do vaso é denominado trombo, e um coágulo intravascular que flutua no sangue é denominado êmbolo. Quando o trombo se desprende, ele é considerado um êmbolo. Eles podem ocluir o vaso, não permitindo que haja a passagem de oxigênio e nutrientes. A trombose arterial ocorre com maior frequência em vasos de tamanho médio tornados trombogênicos por aterosclerose; em geral, consiste em um coágulo rico em plaquetas. Por outro lado, a trombose venosa é iniciada pela estase sanguínea ou pela ativação imprópria da cascata da coagulação; envolve um coágulo que é rico em fibrina, com menos plaquetas do que as observadas no coágulo arterial. Resposta plaquetária à lesão vascular Os traumas provocados ao sistema vascular, inicia uma série complexa de interações entre plaquetas, células endoteliais e a cascata da coagulação. Essas interações levam à hemostasia ou à interrupção na perda de sangue por vasos sanguíneos danificados. As plaquetas são fundamentais nesse processo. A priori, para prevenir a perda de sangue excessiva, o vaso danificado gera um vasoespamo, sem seguida, tem-se a formação do tampão de fibrina e plaquetas no local da lesão OBS.: a criação de um trombo indesejado envolve várias das mesmas etapas da coagulação normal, exceto que o estímulo disparador é uma condição patológica no sistema vascular, em vez de um traumatismo físico externo. • Plaquetas em repouso As plaquetas atuam como sentinelas vasculares, monitorando a integridade do endotélio. Na ausência de lesão, as plaquetas em repouso circulam livremente, pois a sinalização química indica que o sistema vascular não está lesado. 1. Mediadores químicos sintetizados pelas células endoteliais: Mediadores químicos, como prostaciclinas e óxido nítrico, são sintetizados pelas células endoteliais intactas e atuam como inibidores da aglutinação das plaquetas. As prostaciclinas (prostaglandina I2) atuam ligando-se a receptores de membrana plaquetários que estão acoplados à síntese de monofosfato cíclico de adenosina (AMPc), um mensageiro intracelular. Níveis elevados de AMPc estão associados à diminuição no cálcio intracelular. Isso evita a aglutinação das plaquetas e a subsequente liberação de fatores de agregação plaquetária. As células endoteliais lesadas sintetizam menos prostaciclina do que as células saudáveis, resultando em níveis mais baixos de prostaciclina. Como há menos prostaciclina para ligar receptores de plaquetas, menos AMPc intracelular é sintetizado, o que leva à aglutinação das plaquetas. Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 2. Papéis da trombina, do tromboxano e do colágeno: A membrana da plaqueta contém também receptores que podem fixar trombina, tromboxanos e colágeno exposto. No vaso intacto, os níveis de trombina e tromboxano circulantes são baixos, e o endotélio intacto cobre o colágeno nas camadas subendoteliais. Os receptores das plaquetas correspondentes estão, portanto, desocupados e, como resultado, não ocorre ativação ou agregação de plaquetas; quando ocupados, cada um desses tipos de receptores inicia uma série de reações que leva à liberação de grânulos intracelulares pelas plaquetas na circulação, assim estimulando a aglutinação das plaquetas. • Adesão plaquetária Quando o endotélio está lesado, as plaquetas aderem e praticamente cobrem o colágeno exposto do subendotélio. Isso inicia uma série complexa de reações químicas, resultando na ativação plaquetária. • Ativação plaquetária Os receptores na superfície das plaquetas aderentes são ativados pelo colágeno do tecido conectivo subjacente. Isso causa alterações morfológicas nas plaquetas e a liberação de grânulos de plaquetas contendo mediadores químicos, como difosfato de adenosina (ADP), tromboxano A2, serotonina, fator de ativação plaquetária e trombina. Essas moléculas sinalizadoras se ligam aos receptores na membrana externa das plaquetas em repouso circulantes vizinhas. Esses receptores funcionam como sensores, que são ativados pelos sinais enviados das plaquetas aderentes. As plaquetas previamente dormentes se tornam ativadas e iniciam a aglutinação. Essas ações são mediadas por vários sistemas mensageiros que, no final, resultam na elevação dos níveis de cálcio e na diminuição da concentração de AMPc dentro da plaqueta. • Aglutinação das plaquetas O aumento do cálcio citosólico que acompanha a ativação decorre da liberação de estoques armazenados no interior da plaqueta. Isso leva 1) à liberação de grânulos de plaquetas contendo mediadores, como ADP e serotonina, que ativam outras plaquetas; 2) à ativação da síntese de tromboxano A2; e 3) à ativação dos receptores de glicoproteínas (GPs) IIb/IIIa que ligam fibrinogênio e, finalmente, regulam as interações plaquetas- plaquetas e a formação do trombo. O fibrinogênio, uma GP plasmática solúvel, liga-se simultaneamente aos receptores de GP IIb/IIIa de duas plaquetas vizinhas, resultando na ligação cruzada entre plaquetas e na sua aglutinação. Isso leva a uma avalanche de aglutinação plaquetária, pois cada plaqueta ativada pode recrutar outras plaquetas. • Formação do coágulo A estimulação local da cascata de coagulação pelos fatores teciduais liberados dos tecidos lesados e pelos mediadores da superfície das plaquetas resulta na formação de trombina (fator IIA). A trombina, por sua vez, catalisa a hidrólise do fibrinogênio em fibrina, que é incorporada no coágulo. Ligações cruzadas subsequentes das tiras de fibrina estabilizam o coágulo e formam um tampão fibrina- plaquetas hemostático. • Fibrinólise Durante a formação do tampão, a via fibrinolítica é ativada localmente. O plasminogênio é processado à plasmina (fibrinolisina) enzimaticamente pelos ativadores de plasminogênio nos tecidos. A plasmina limita o crescimento do coágulo e dissolve a rede de fibrina à medida que ocorre a cicatrização. Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Inibidores Plaquetários Os inibidores da aglutinação plaquetária diminuem a formação de um coágulo rico em plaquetas ou diminuem a ação dos sinais químicos promotores da aglutinação. Os inibidores da aglutinação de plaquetas descritos a seguir inibem a cicloxigenase-1 (COX-1) ou bloqueiam os receptores de GP IIb/IIIa ou ADP, interferindo, assim, no sinal que promove a aglutinação plaquetária. Como essas substâncias têm diferentes mecanismos de ação, efeitos sinérgicos ou aditivos podem ser obtidos quando fármacos de classes diferentes são associados. Esses fármacos são benéficos na prevenção e no tratamento de doenças cardiovasculares oclusivas, na manutenção de transplantes vasculares e na patência arterial e como auxiliares dos inibidores da trombina ou tratamento trombolítico no IAM. • Ácido acetilsalicílico ➢ Mecanismo de ação: a estimulação das plaquetas por trombina, colágeno e ADP resulta na ativação das fosfolipases de membrana das plaquetasque liberam ácido araquidônico dos fosfolipídeos da membrana. O ácido araquidônico é convertido inicialmente em prostaglandina H2 pela COX-1, que é metabolizada a tromboxano A2, sendo liberado no plasma, promovendo o processo de aglutinação, que é essencial para a rápida formação do tampão hemostático. O AAS inibe a síntese do tromboxano A2 por acetilação do resíduo serina no centro ativo da COX-1, inativando irreversivelmente a enzima. Isso desloca o equilíbrio dos mediadores químicos em favor dos efeitos antiaglutinantes da prostaciclina, prevenindo a aglutinação plaquetária. O efeito inibitório é rápido, e a supressão da tromboxano A2 e a consequente supressão da aglutinação das plaquetas induzida pelo AAS persistem por toda a vida da plaqueta, que é 7 a 10 dias aproximadamente. OBS.: A administração repetida do AAS tem efeito acumulativo na função das plaquetas. O AAS é o único fármaco antiplaquetário que inibe irreversivelmente a função das plaquetas. ➢ Usos terapêuticos: o AAS é usado no tratamento profilático da isquemia cerebral transitória, para reduzir a incidência de IAM recorrente e para diminuir a mortalidade nas situações de prevenção. Ocorre inativação completa das plaquetas com 75 mg diários de AAS. A dose de AAS recomendada vai de 50 a 325 mg/dia. ➢ Farmacocinética: o AAS é absorvido por difusão passiva e rapidamente hidrolisado a ácido salicílico no fígado. O ácido salicílico é biotransformado no Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 fígado, e parte é excretada inalterada com a urina. OBS.: A meia-vida do AAS varia de 15 a 20 minutos, e a do ácido salicílico é de 3 a 12 horas. ➢ Efeitos adversos: dosagens mais altas de AAS aumentam sua toxicidade, bem como a probabilidade de inibir também a produção de prostaciclina. O tempo de sangramento é alongado com o tratamento com AAS, causando complicações que incluem aumento da incidência de acidente cerebral hemorrágico e sangramento gastrintestinal (GI), especialmente com dosagens mais elevadas. AINES, como o ibuprofeno, inibem a COX-1 por competição transitória no centro catalítico. OBS.: O ibuprofeno, se tomado dentro de 2 horas antes do AAS, pode impedir o acesso do AAS ao resíduo serina e, assim, antagonizar a inibição das plaquetas pelo AAS. Por isso, AAS de liberação imediata deve ser tomado no mínimo 60 minutos antes ou pelo menos 8 horas depois do ibuprofeno. Embora o celecoxibe não interfira na atividade antiaglutinante do AAS, há alguma evidência de que ele pode contribuir para os eventos cardiovasculares, deslocando o equilíbrio dos mediadores químicos em favor do tromboxano A2. • Ticlopidina, clopidogrel, prasugrel e ticagrelor São inibidores do receptor P2Y12 ADP, o que também bloqueia a aglutinação das plaquetas, por mecanismo distinto do AAS. ➢ Mecanismo de ação: inibem a ligação do ADP aos seus receptores nas plaquetas, inibindo a ativação dos receptores de GP IIb/IIIa necessários para que as plaquetas se liguem ao fibrinogênio e umas às outras. O ticagrelor se liga reversivelmente ao receptor P2Y12 ADP. Os demais ligam-se irreversivelmente. OBS.: a inibição máxima da aglutinação das plaquetas é obtida em 1 e 3 horas com ticagrelor, 2 e 4 horas com prasugrel, 3 e 4 dias com ticlopidina e 3 e 5 dias com clopidogrel. OBS.: quando o tratamento é suspenso, o sistema plaquetário necessita de tempo para recuperação. ➢ Usos terapêuticos: o clopidogrel é aprovado para a prevenção de eventos ateroscleróticos em pacientes com IAM ou acidente vascular encefálico (AVE) recentes e naqueles com doença arterial periférica estabelecida. Ele também está aprovado para a profilaxia de eventos trombóticos na síndrome coronária aguda. Além disso, o clopidogrel é usado para prevenir eventos trombóticos associados com intervenção coronária percutânea (ICP) com ou sem stent coronário. A estrutura da ticlopidina é similar à do clopidogrel. A ticlopidina é indicada para a prevenção de ataques isquêmicos transitórios (AITs) e AVEs em pacientes com evento trombótico cerebral prévio. Contudo, devido a reações adversas hematológicas ameaçadoras à vida, a ticlopidina em geral é reservada para pacientes intolerantes a outros tratamentos. O prasugrel é aprovado para diminuir os eventos trombóticos cardiovasculares em pacientes com síndromes coronárias agudas (angina instável, IAM sem elevação ST e IAM com elevação ST tratado com ICP). O ticagrelor é aprovado para a prevenção do tromboembolismo arterial em pacientes com angina instável e IAM, incluindo aqueles submetidos a ICP. ➢ Farmacocinética: alimentos interferem com a absorção da ticlopidina, mas não com os demais. Após ingestão oral, os fármacos são extensamente ligados às proteínas plasmáticas. Eles sofrem biotransformação hepática pelo sistema CYP450 a metabólitos ativos. A eliminação dos fármacos e seus metabólitos ocorrem por via renal e fecal. O clopidogrel é um pró-fármaco, e sua eficácia terapêutica depende totalmente do metabólito ativo produzido via biotransformação pela CYP2C19. Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 OBS.: O polimorfismo genético da CYP2C19 leva a respostas clínicas diminuídas em pacientes que são “maus biotransformadores” de clopidogrel. OBS.: outros fármacos que inibem a CYP2C19, como omeprazol e esomeprazol, não devem ser administrados junto com o clopidogrel. ➢ Efeitos adversos: Estes fármacos podem prolongar o tempo de sangramento, para o que não existe antídoto. A ticlopidina é associada com graves reações hematológicas que limitam seu uso, como granulocitose, agranulocitose, púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) e anemia aplástica. O clopidogrel causa menos efeitos adversos, e a incidência de neutropenia é menor. O prasugrel é contraindicado em pacientes com histórico de AIT ou AVE. Prasugrel e ticagrelor têm advertência na bula e na embalagem para o risco sangramentos. OBS.: o ticagrelor tem advertência para diminuição de eficácia quando é usado concomitante com AAS em dose acima de 100 mg. • Abciximabe, eptifibatida e tirofibana ➢ Mecanismo de ação: O receptor GP IIb/IIIa desempenha papel fundamental na estimulação da aglutinação das plaquetas. O anticorpo monoclonal quimérico abciximabe inibe o complexo receptor GP IIb/IIIa. Ligando-se ao GP IIb/IIIa, o abciximabe bloqueia a ligação do fibrinogênio e do fator de von Willebrand e, consequentemente, não acontece a aglutinação. Eptifibatida e tirofibana atuam de modo similar ao abciximabe bloqueando o receptor GP IIb/IIIa. O eptifibatida é um peptídeo cíclico que se liga ao GP IIb/IIIa no local que interage com a sequência arginina- glicina-ácido aspártico do fibrinogênio. O tirofibana não é um peptídeo, mas bloqueia o mesmo local que a eptifibatida. ➢ Usos terapêuticos: são administrados por via IV, junto com heparina e AAS, como um auxiliar da ICP para a prevenção de complicações cardíacas isquêmicas. ➢ Farmacocinética: O abciximabe é administrado em bólus intravenoso (IV), seguido de infusão IV, alcançando o pico de inibição das plaquetas em 30 minutos. O mecanismo de ação do abciximabe é desconhecido. Quando a infusão IV de eptifibatida ou tirofibana é interrompida, ambos são rapidamente depurados do plasma. A eptifibatida e seus metabólitos são excretados pelos rins. A tirofibana é excretada, principalmente inalterada, pelos rins e nas fezes. ➢ Efeitos adversos: O principal efeito adverso destes fármacos é o sangramento, especialmente se forem usados com anticoagulantes. • DipiridamolÉ um vasodilatador coronário, aumenta os níveis intracelulares de AMPc inibindo o nucleotídeo cíclico fosfodiesterase, resultando, assim, em diminuição da síntese de tromboxano A2. Ele pode potencializar o efeito da prostaciclina no antagonismo da adesividade das plaquetas e, assim, diminuir sua aderência às superfícies trombogênicas. É usado para prevenção de AVEs e geralmente é administrado com AAS. Ele tem biodisponibilidade variável por administração oral e liga-se extensamente às proteínas. Sofre biotransformação hepática, por glicuronidação, e é excretado principalmente com as fezes. OBS.: Pacientes com angina instável não usam dipiridamol devido à sua propriedade vasodilatadora, o que pode agravar a isquemia. OBS.: O dipiridamol comumente causa cefaleia e pode causar hipotensão ortostática (especialmente na administração IV). • Cilostazol É um antiplaquetário de uso oral que tem também atividade vasodilatadora, seus metabólitos ativos inibem a fosfodiesterase tipo III que previne a degradação do AMPc, aumentando, assim, os seus níveis nas plaquetas e nos tecidos vasculares. O aumento nos níveis de AMPc nas plaquetas e nos vasos previne a aglutinação das plaquetas e promove a vasodilatação, respectivamente. O cilostazol altera de modo favorável o perfil lipídico, causando diminuição nos triglicerídeos plasmáticos e aumentando a lipoproteína de alta densidade colesterol (HDL). A via primária de Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 eliminação é renal. Os efeitos adversos mais comuns com cilostazol são cefaleia e sintomas GI (diarreia, fezes anormais, dispepsia e dor abdominal). Coagulação do sangue O processo de coagulação que gera trombina consiste em duas vias interrelacionadas: os sistemas extrínseco e intrínseco. O sistema extrínseco inicia com ativação do fator de coagulação VII pelo fator tecidual (também denominado tromboplastina). O fator tecidual é uma proteína de membrana que normalmente é separada do sangue pelas células endoteliais que revestem os vasos. Contudo, em resposta a uma lesão no vaso, o fator tecidual fica exposto ao sangue. Ali, ele pode se ligar e ativar o fator VII, iniciando a via extrínseca. O sistema intrínseco é iniciado pela ativação do fator de coagulação XII, e isso acontece quando o sangue entra em contato com o colágeno na parede lesada de um vaso sanguíneo. • Formação da fibrina O sistema extrínseco e o intrínseco envolvem uma cascata de reações enzimáticas que transformam sequencialmente vários fatores plasmáticos (pró-enzimas) em suas formas ativas (enzimas). Ao final, é produzido o fator Xa, o qual converte protrombina (fator II) em trombina (fator IIa). A trombina tem função central na coagulação porque é responsável pela produção de fibrina que forma a malha matriz do coágulo. Se não se forma trombina ou se sua função é impedida (p. ex., pela antitrombina III), a coagulação é inibida. • Inibidores da coagulação É importante que a coagulação fique restrita ao local da lesão vascular. Endogenamente, existem vários inibidores dos fatores de coagulação, incluindo proteína C, proteína S, antitrombina III e inibidor da via do fator tissular. O mecanismo de ação dos vários anticoagulantes, incluindo heparina e fármacos relacionados à heparina, envolve a ativação desses inibidores endógenos (primariamente antitrombina III). Anticoagulantes Os anticoagulantes inibem a ação dos fatores de coagulação (p. ex., heparina) ou interferem com a síntese dos fatores de coagulação (p. ex., antagonistas da vitamina K, como a varfarina). • Heparina e heparinas de baixo peso molecular: A heparina é um anticoagulante injetável de ação rápida, usado com frequência para interferir agudamente na formação de trombos. A heparina normalmente ocorre como uma macromolécula complexada com histamina nos mastócitos, onde sua função fisiológica é desconhecida. A heparina não fracionada é uma mistura de glicosaminoglicanos aniônicos de cadeias retas, com uma ampla faixa de massas moleculares. Ela é muito ácida devido à presença de sulfato e grupos de ácido carboxílico. ➢ Mecanismo de ação: a heparina atua em inúmeros alvos moleculares, mas seu efeito anticoagulante é consequência da ligação à antitrombina III, com a rápida inativação subsequente dos fatores de coagulação. A antitrombina III é uma α- globulina que inibe serinoproteases da trombina (fator IIa) e fator Xa. Na ausência de heparina, a antitrombina III interage lentamente com a trombina e o fator Xa. Quando a heparina se liga à antitrombina III, ocorre uma alteração Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 conformacional que catalisa a inibição da trombina cerca de mil vezes. ➢ Usos terapêuticos: a heparina e as HBPMs limitam a expansão dos trombos, prevenindo a formação de fibrina. Esses fármacos são usados no tratamento do tromboembolismo venoso agudo (DVT ou PE). A heparina e as HBPMs são usadas também na profilaxia da trombose venosa pós-cirúrgica em pacientes que serão operados e naqueles com IAM. A heparina e as HBPMs são os anticoagulantes de escolha para o tratamento da gestante, pois não atravessam a placenta, devido ao grande tamanho e à carga negativa. As HBPMs não exigem a mesma monitoração intensa que a heparina, poupando custos laboratoriais e tempo de enfermagem. Essas vantagens tornam as HBPMs úteis para pacientes hospitalizados e ambulatoriais. ➢ Farmacocinética: a heparina precisa ser administrada por via subcutânea (SC) ou IV, pois não atravessa membranas com facilidade. As HBPMs são administradas por via SC. A heparina com frequência é administrada por via IV em bólus para obter anticoagulação imediata. Isso é seguido de doses menores ou infusão contínua de heparina, titulando a dose de forma que o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) seja 1,5-2,5 vezes o do controle normal. Ao passo que o efeito anticoagulante com heparina ocorre minutos após a administração IV (ou em 1-2 horas após injeção SC), a atividade antifator Xa máxima das HBPMs ocorre cerca de 4 horas após a injeção SC. No sangue, a heparina se fixa em várias proteínas que neutralizam sua atividade, causando farmacocinética imprevisível. Embora geralmente restrita à circulação, a heparina é captada pelo sistema monócitos/macrófagos e sofre despolimerização e dessulfatação a produtos inativos. ➢ Efeitos adversos: a principal complicação da heparina e das HBPMs é o sangramento. É necessária uma monitoração cuidadosa do paciente e das variáveis laboratoriais para minimizar sangramentos. O sangramento excessivo pode ser controlado interrompendo o uso da heparina ou administrando sulfato de protamina. É muito importante que a dosagem de sulfato de protamina seja titulada cuidadosamente, pois o sulfato de heparina é um anticoagulante fraco, e seu excesso pode iniciar sangramento ou piorar a hemorragia. Possíveis reações adversas incluem calafrios, febre, urticária e choque anafilático. A trombocitopenia induzida por heparina (TIH) é uma condição grave na qual o sangue circulante tem uma quantidade anormalmente baixa de plaquetas. Essa reação é imunomediada e traz risco de embolismo venoso e arterial. O tratamento com heparina deve ser interrompido em pacientes que apresentam trombocitopenia acentuada. OBS.: no caso de TIH, a heparina pode ser substituída por outro anticoagulante, como a argatrobana. • Argatrobana É um anticoagulante sintético parenteral derivado da L-arginina. É um inibidor direto da trombina. A argatrobana é usada preventivamenteno tratamento da trombose em pacientes com TIH e aprovada para uso durante ICP em pacientes que apresentam ou estão sob risco de TIH. Como com os outros anticoagulantes, o principal efeito adverso é a hemorragia. • Bivalirudina e desirudina São anticoagulantes parenterais análogos à hirudina, um inibidor da trombina derivado da saliva da sanguessuga. Esses fármacos são inibidores diretos seletivos da trombina e inibem reversivelmente o centro catalítico da trombina livre e da ligada ao coágulo. A bivalirudina é uma alternativa à heparina em pacientes que serão submetidos a ICP que têm ou poderão ter risco de Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 desenvolver TIH, e também pacientes com angina instável a ser submetidos a angioplastia. A desirudina é indicada para prevenção da TVP em pacientes que serão submetidos a cirurgia de substituição de bacia. Como os outros, a hemorragia é o principal efeito adverso desses fármacos. • Fondaparinux É um pentassacarídeo anticoagulante derivado sinteticamente. Esse fármaco inibe seletivamente apenas o fator Xa. Ligando-se seletivamente à antitrombina III, o fondaparinux potencializa a neutralização inata do fator Xa pela antitrombina III. Ele é bem absorvido pela via SC com perfil farmacocinético previsível e, por isso, exige menos monitoramento do que a heparina. O fondaparinux é eliminado com a urina principalmente inalterado, com meia-vida de eliminação entre 17 a 21 horas. É contraindicado em pacientes com insuficiência renal grave. Hemorragia é o principal efeito adverso do fondaparinux. TIH é menos provável com fondaparinux do que com heparina, mas é uma possibilidade. • Etexilato de dabigatrana ➢ Mecanismo de ação: o etexilato de dabigatrana é o pró-fármaco da molécula ativa dabigatrana, que é um inibidor direto de trombina de uso oral. A trombina livre e a ligada ao coágulo são inibidas por dabigatrana. ➢ Usos terapêuticos: ele é aprovado para a prevenção de AVE e embolismo sistêmico em pacientes com fibrilação atrial não valvar. Devido à sua eficácia, à biodisponibilidade oral e a propriedades farmacocinéticas previsíveis, a dabigatrana pode ser uma alternativa à enoxaparina para a tromboprofilaxia em cirurgias ortopédicas. ➢ Farmacocinética: é administrado por via oral. Devido à hidrólise do produto e à redução da potência quando exposto à umidade, as cápsulas devem ser armazenadas na embalagem original e ingeridas inteiras. Ele é hidrolisado ao fármaco ativo, dabigatrana, pelas várias esterases do plasma. O sistema CYP450 não tem função na biotransformação da dabigatrana. ➢ Efeitos adversos: o principal efeito adverso é a hemorragia, como com outros anticoagulantes. A dabigatrana deve ser usada com cautela na insuficiência renal ou em pacientes com mais de 75 anos, pois o risco de hemorragia é maior nesses grupos. A dabigatrana não requer monitoração de rotina da relação internacional normalizada (INR) e, comparada com a varfarina, tem poucas interações com outros fármacos. Efeitos adversos GI são comuns com este fármaco e podem incluir dispepsia, dor abdominal, esofagite e sangramento GI. A interrupção abrupta deve ser evitada, pois os pacientes estarão sob risco de eventos trombóticos. • Rivaroxabana e apixabana ➢ Mecanismo de ação: rivaroxabana e apixabana são inibidores do fator Xa, de uso oral. Ambos se ligam ao centro ativo do fator Xa, prevenindo, assim, sua habilidade de converter protrombina em trombina ➢ Usos terapêuticos: rivaroxabana é aprovado para o tratamento e a prevenção da TVP, do EP e do acidente vascular em fibrilação atrial não valvar. Apixabana é usada para prevenção do AVE na fibrilação atrial não valvar. ➢ Farmacocinética: ambos os fármacos são adequadamente absorvidos por administração oral e amplamente ligados a proteínas. ➢ Efeitos adversos: O sangramento é o efeito adverso mais grave dos inibidores do fator Xa. Não há antídoto disponível para reverter a hemorragia causada por rivaroxabana ou apixabana. Ambzs são eliminados por via renal. Função renal insuficiente pode prolongar o efeito desses fármacos e, assim, aumentar o risco de hemorragia. Nenhuma das duas Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 devem ser usadas em disfunção renal grave (depuração de creatinina menor do que 15 mL/min). A interrupção abrupta deve ser evitada. • Varfarina Os anticoagulantes cumarínicos devem sua ação à habilidade de antagonizar a função de cofator da vitamina K. O único anticoagulante cumarínico terapeuticamente relevante é a varfarina. A varfarina tem um índice terapêutico estreito. Por isso, é importante que a INR seja mantida dentro da faixa ideal o máximo possível, podendo ser necessário monitorar com frequência. ➢ Mecanismo de ação: os fatores II, VII, IX e X precisam da vitamina K como um cofator para sua síntese pelo fígado. Esses fatores sofrem uma modificação pós-translacional dependente de vitamina K, na qual alguns de seus resíduos de ácido glutâmico são carboxilados para formar resíduos de ácido γ-carboxiglutâmico. Os resíduos de γ-carboxiglutamil ligam íons cálcio, que são essenciais para a interação entre os fatores de coagulação e as membranas das plaquetas. Nas reações de carboxilação, a carboxilase dependente de vitamina K fixa CO2 para formar os novos grupos COOH no ácido glutâmico. O cofator vitamina K reduzido é convertido em epóxido de vitamina K durante a reação. A vitamina K é regenerada do epóxido pela vitamina K epóxido redutase, a enzima que é inibida pela varfarina. O efeito anticoagulante da varfarina pode ser anulado com a administração de vitamina K. Contudo, a reversão após a administração da vitamina K demora 24h. ➢ Usos terapêuticos: a varfarina é usada na prevenção e no tratamento da TVP e da EP, na prevenção do AVE e do AVE na condição de fibrilação ventricular e/ou válvulas cardíacas prostéticas, na deficiência de proteína C e S e na síndrome antifosfolipídica. OBS.: Ela é também usada para a prevenção do tromboembolismo venoso durante cirurgias ortopédicas ou ginecológicas. ➢ Farmacocinética: é rapidamente absorvida após administração via oral. Os fármacos que tenham maior afinidade pelo local de ligação da albumina, como as sulfonamidas, podem deslocar os anticoagulantes e levar a um aumento transitório da atividade. Fármacos que afetam a ligação da varfarina às proteínas plasmáticas causam variabilidade na resposta terapêutica à varfarina. A varfarina atravessa facilmente a placenta. Após conjugação ao ácido glicurônico, os metabólitos inativos são excretados na urina e nas fezes. Os fármacos que afetam a biotransformação da varfarina podem alterar seus efeitos terapêuticos. ➢ Efeitos adversos: o principal efeito adverso da varfarina é a hemorragia, e as embalagens advertem para o risco. Por isso, é importante monitorar com frequência a INR e ajustar a dosagem do fármaco. Pequenos sangramentos são controlados com a suspensão da varfarina ou com a administração de vitamina K1 por via oral, mas sangramentos graves exigem doses maiores da vitamina K administrada por via IV. Sangue total, plasma congelado e concentrados plasmáticos dos fatores sanguíneos também podem ser usados para reverter a ação da varfarina rapidamente. Trombolíticos A doença tromboembólica aguda em determinados pacientes pode ser tratada com a administração de fármacos que ativam a conversão de plasminogênio em plasmina, uma serinoprotease que hidrolisa fibrina e, assim, dissolve coágulos. A estreptoquinase,um dos primeiros desses fármacos aprovados, causa um estado fibrinolítico sistêmico que pode levar a problemas de sangramento. A alteplase atua mais Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 localizadamente na fibrina trombótica para produzir fibrinólise. A uroquinase é produzida naturalmente nos rins humanos e converte diretamente plasminogênio em plasmina ativa. • Características comuns dos trombolíticos ➢ Mecanismo de ação: os trombolíticos apresentam algumas características comuns. Todos atuam direta ou indiretamente convertendo plasminogênio em plasmina, que, então, hidrolisa a fibrina, hidrolisando, assim, os trombos. Estratégias para evitar a formação de coágulos e trombos incluem a administração de antiplaquetários, como AAS, ou antitrombóticos, como heparina. ➢ Usos terapêuticos: usados originalmente para o tratamento de TVP e EP grave, os trombolíticos hoje são usados menos frequentemente para essas condições. Para o IAM, a aplicação intracoronariana do fármaco é a forma mais confiável em termos de obter a recanalização. Assim, os trombolíticos são administrados em geral por via IV. ➢ Efeitos adversos: Os trombolíticos não diferenciam entre a fibrina de um trombo indesejado e a fibrina de um tampão hemostático benéfico. Assim, a hemorragia é o principal efeito adverso. Esses fármacos são contraindicados em gestantes e pacientes com ferimentos em cicatrização, histórico de AVE, tumor cerebral, traumatismo na cabeça, sangramento intracranial e câncer metastático. • Alteplase, reteplase e tenecteplase Alteplase, é uma serinoprotease originalmente derivada de cultura de células de melanoma humano. Reteplase é um derivado menor de APt recombinante, engenhado geneticamente. Tenecteplase é outro APt recombinante com meia- vida mais longa e maior afinidade pela fibrina do que a alteplase. A alteplase tem baixa afinidade pelo plasminogênio livre no plasma, mas ativa rapidamente o plasminogênio que está ligado a fibrina em um trombo ou um tampão hemostático. Sendo, em doses baixas, considerada seletiva para fibrina. Ela é aprovada para o tratamento de IAM, EP massiva e AVE isquêmico agudo. Reteplase e tenecteplase são aprovados somente para uso em IAM, embora reteplase possa ser usada extrabula na TVP e na EP massiva. A alteplase pode causar angiedema orolingual, e o risco desse efeito aumenta quando há associação com inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs). • Estreptoquinase É uma proteína extracelular purificada de caldos de cultura de estreptococos β-hemolíticos do grupo C. Ela forma um complexo ativo um-a-um com plasminogênio. Esse complexo é enzimaticamente ativo e converte o plasminogênio não complexado na enzima ativa plasmina. Além da hidrólise dos tampões de fibrina, o complexo também catalisa a degradação do fibrinogênio, bem como dos fatores V e VII de coagulação. • Uroquinase A uroquinase É produzida naturalmente no organismo, pelos rins; ela hidrolisa diretamente a ligação arginina-valina do plasminogênio, formando plasmina. A uroquinase só está aprovada para a lise de êmbolos pulmonares. Usos extrabula incluem o tratamento de IAM, tromboembolismo arterial, trombose artéria coronária e TVP. Anti-hemorrágicos Os problemas de sangramentos podem ter sua origem em condições patológicas de ocorrência natural, como a hemofilia, ou resultar de estados fibrinolíticos que aparecem depois de cirurgia GI ou prostatectomia. O uso de anticoagulantes também pode originar hemorragias. Preparações concentradas desses fatores estão disponíveis a partir de doadores humanos. • Ácido aminocaproico e ácido tranexâmico Os estados fibrinolíticos podem ser controlados pela administração de ácido aminocaproico ou ácido tranexâmico. Ambos são fármacos sintéticos, ativos por via oral, excretados Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 na urina, e que inibem a ativação do plasminogênio. O ácido tranexâmico é dez vezes mais potente do que o ácido aminocaproico. O efeito adverso potencial é trombose intravascular. • Sulfato de protamina Antagoniza o efeito anticoagulante da heparina. A protamina de cargas positivas interage com a heparina de cargas negativas, formando um complexo estável sem atividade anticoagulante. Os efeitos adversos da administração da protamina incluem hipersensibilidade, bem como dispneia, rubor, bradicardia e hipotensão, quando injetada rapidamente. • Vitamina K A administração de vitamina K1 (fitonadiona) pode interromper o sangramento devido a varfarina, aumentando a oferta de vitamina K1 ativa e inibindo, assim, o efeito da varfarina. A vitamina K1 pode ser administrada por via oral, SC ou IV. Referências: EDITORIA DE WANNMACHER, Lenita; FERREIRAS, Maria Beatriz Cardoso (editora). Farmacologia clínica para dentistas. 3.ed. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 545. p GOODMAN & GILMAN. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 12ª Ed. Rio de Janeiro; Editora Guanabara Koogan. 2012. WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
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