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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO INTEGRADA EM SAÚDE CURSO DE NUTRIÇÃO ASPECTOS SIMBÓLICOS DA ALIMENTAÇÃO Uma análise da cultura alimentar como sistema simbólico e as dietas da atualidade. VITÓRIA - ES 2021 ANDRESSA ALVES PEREIRA DOS SANTOS FERNANDA COUTO DE MATTOS LUIZA PEREIRA GONÇALVES MARINA MAGALHÃES JOHNSON ASPECTOS SIMBÓLICOS DA ALIMENTAÇÃO Uma análise da cultura alimentar como sistema simbólico e as dietas da atualidade. Trabalho apresentado à disciplina de Psicologia aplicada à Nutrição, do Curso de Nutrição da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção de nota. Professora Dra. Adriana Elisa de Alencar Macedo VITÓRIA 2021 2 SUMÁRIO 1 1.1 INTRODUÇÃO ................................................................................... METODOLOGIA ............................................................................... 4 5 2 ANTROPOLOGIA DA ALIMENTAÇÃO ...................................... 6 3 ASPECTOS EMOCIONAIS RELACIONADOS AO HÁBITO ALIMENTAR ...................................................................................... 8 3.1 ALIMENTO E AFETO ...................................................................... 11 3.2 COMENSALIDADE → SOCIALIZAÇÃO POR MEIO DA COMIDA ............................................................................................... 14 4 4.1 GLOBALIZAÇÃO E ALTERAÇÃO CULTURA ALIMENTAR ... A MÍDIA E AS DIETAS DA MODA .................................................. 16 17 5 6 PROMOÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR PELA RETOMADA DOS ASPECTOS SIMBÓLICOS .............................. CONCLUSÃO .................................................................................... 20 23 7 REFERÊNCIAS ................................................................................... 24 3 1. INTRODUÇÃO A alimentação desempenha um papel fulcral na formação da identidade de cada um. A forma como o ser humano, individualmente ou em grupo, come permite, por um lado, afirmar a sua identidade e unicidade e destacá-lo dos restantes e, em simultâneo, identificar a sua diversidade, as suas estruturas organizativas e relações hierárquicas. O indivíduo é construído pelos alimentos que escolhe incorporar em si, quer do ponto de vista biológico, quer psicológico e social (Fischler, 1988). Comer é, sem dúvida, uma necessidade vital, mas o que comemos, quando comemos, com quem comemos e como comemos implica, não apenas o suprimento da necessidade fisiológica, mas também, um sistema complexo que subentende a atribuição de significados distintos à alimentação. Uma das funções simbólicas essenciais da comida é a formação da identidade cultural. O que comemos poderá servir para definir quem somos e de onde viemos, culturalmente falando. Os diferentes grupos sociais usam alimentos simbolicamente, resultando numa imensa variedade e património cultural. Dito de outra forma, o que transforma os alimentos em comida é a cultura, enquanto sistema simbólico, do qual faz parte um conjunto de mecanismos de controlo, planos, orientações, regras e instruções que orientam e regem o comportamento humano (e.g. Braga, 2004). Comer será, assim, uma reafirmação diária da identidade cultural de cada indivíduo (Kittler, Sucher & Nelms, 2008). 4 1.1 METODOLOGIA Realizou-se uma revisão da literatura científica sobre o tema, através da base de dados eletrônica PubMed, Google Scholar, entre outros. Para efetuar a pesquisa utilizaram-se palavras-chave como “aspectos simbólicos da alimentação”, “Comensalidade”, “Alimentação e afeto”, "Globalização'' e “mudanças no padrão alimentar”, “programa de segurança alimentar”, etc. Foram incluídos todos os artigos relevantes, incluindo artigos científicos, artigos de revisão e meta análises, publicados até 29 de 04 de 2021. Filtram-se os artigos pelo idioma, incluindo na pesquisa aqueles publicados em inglês, português e espanhol. 5 2. ANTROPOLOGIA DA ALIMENTAÇÃO O alimentar-se não mais se traduz somente como uma necessidade biológica, assume também um comportamento cultural. Relaciona-se diretamente à vitalidade do indivíduo, à necessidade fisiológica de ingerir nutrientes capazes de manter o corpo em funcionamento, sendo, sob esse aspecto, um comportamento relativo à natureza humana (LIMA, 2015). No entanto, o comer é permeado por trocas simbólicas, envolvendo uma infinidade de elementos e de associações capazes de expressar e consolidar a posição de um agente social em suas relações cotidianas (Carvalho, 2011). Pode-se afirmar que “somos o que comemos”, tanto no aspecto fisiológico como no espiritual, ao incorporar psicossocialmente os elementos culturais daquilo que ingerimos, que podem ser desde elementos ligados à espiritualidade como à memória afetiva. Pela mesma razão, defendem que “comemos o que somos”. Comemos aquilo que nos faz bem, ingerimos alimentos que são atrativos para os nossos sentidos e nos proporcionam prazer. Além disso, escolhemos as refeições de acordo com nossas características: se somos homens ou mulheres, crianças ou adultos, pobres ou ricos (CONTRERAS, 2011). Os alimentos são consumidos com base em experiências diárias e em ideias dietéticas, religiosas ou filosóficas (CONTRERAS, 2011). O jeito de comer define não só aquilo que é ingerido como também aquele que ingere (DaMatta,2001). Pode-se afirmar que, através das regras socialmente estabelecidas, criam-se vínculos com quem come, com o que se produz e com as demais dinâmicas que envolvem a comensalidade (LIMA, 2015). Um alimento deve possuir essas quatro qualidades: nutricionais, organolépticas, higiênicas e simbólicas. A atribuição de status simbólico dado ao alimento e ao ato de comer é definida, segundo alguns autores, pela diferença semântica entre “comida” e “alimento” (DaMatta,2001). Toda substância nutritiva é um alimento, mas nem todo alimento é comida. O alimento é universal e em geral, é o que o indivíduo ingere para se manter vivo; já a comida ajuda a situar uma identidade e definir um grupo, uma classe, uma pessoa. Neste sentido, comer proporciona uma relação de intimidade com o ser humano, pois há o investimento psicossocial no processo de escolha dos alimentos (LIMA, 2015). A comida contém substâncias imponderáveis e decisivas para o espírito, alegria, disposição criadora e bom humor. O homem escolhe o que comer baseado em critérios de ordem econômica, nutricional, preferências, mas também em simbologias atribuídas ao 6 alimento. Por essas razões, a comida se apresenta como elemento decisivo da identidade humana e um dos mais eficazes instrumentos para comunicá-la (Cascudo, 2004). A natureza produz os alimentos, mas a cultura faz surgir códigos importantes, como por exemplo, as diferentes opções de cardápios, as receitas, os hábitos, que por sua vez se relacionam ao paladar, ao prazer relacionado às propriedades organolépticas dos alimentos e, sobretudo, ao prazer da degustação (LIMA, 2015). 7 3. ASPECTOS EMOCIONAIS RELACIONADOS AO HÁBITO ALIMENTAR O que acontece quando sentimos aquele cheirinho do bolo da vovó? Ou de um café sendo preparado? Bom, de maneira quase instantânea nossa boca se enche de água e, muitas vezes, esse cheirinho nos traz lembranças adoráveis que aquecem o coração, não é mesmo? Mas o que leva a essa sensação? No momento em que percebemos o cheiro, muita coisa já aconteceu. Essas moléculas aromáticas viajaram através de nossas narinas e chegaram até a cavidade nasal superior, onde, após atravessar a lâmina cribriforme, finalmente encontram o bulbo olfatório. Através do bulbo, essas moléculas carreadoras de aroma encontram o nervo olfatório, onde dispara um potencial de ação. Esse estímulo caminha pelo nosso cérebro chegando até o sistema límbico, região que processa tais estímulos. O sistema límbico, também é responsável pelas memórias, instintos e sentimentos. Mais especificamente, a região olfatória, passa pela regiãodo Unco, que recebe toda a informação olfativa. Ao redor dele, está localizada a área do giro para-hipocampal, uma região que rodeia a parte inferior do hipocampo e que desempenha uma função importantíssima na codificação e recuperação das memórias. É por isso que o nosso olfato está tão ligado às nossas emoções. Ao sentir o cheiro do bolo da nossa avó, como no exemplo acima, não apenas sentimos o cheiro, mas logo fazemos associações a ele, nos permitindo reviver uma memória afetiva relacionada a esse cheiro. Essa memória é capaz de despertar nossas lembranças e emoções ligadas a aquele cheiro de maneira rápida e involuntária, levando a uma sensação de felicidade pela ativação da memória. Tais processos emocionais são regulados pelo sistema límbico através do sistema nervoso autonômico. Dentro do sistema límbico, temos uma área chamada de área de recompensa. Essa área possui circuitos neuronais capazes não só de processar as informações relacionadas às sensações de prazer e satisfação, mas também de coordenar a liberação de hormônios dopaminérgicos e, dessa maneira, orquestrar nossas emoções. Além disso, o sistema límbico também está relacionado a outras áreas cerebrais, como o hipotálamo, amígdala, tronco encefálico e córtex pré-frontal. 8 O lobo límbico atua sobre o hipotálamo através dos núcleos hipotalâmicos. É sabido que o hipotálamo controla a maioria das funções viscerais do organismo, o que ocorre através do sistema nervoso autônomo. Além disso, controla também o eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal, que está diretamente relacionado com a regulação do sistema endócrino. Por essa razão, uma desregulação do sistema límbico pode gerar situações que podem acarretar alterações emocionais e fisiológicas. Existe intensa e mútua comunicação química entre neurônios do hipotálamo e, em conjunto, esses centros coordenam os processos que controlam o comportamento alimentar e a percepção da saciedade. Esses núcleos hipotalâmicos também influenciam a secreção de diversos hormônios importantes para a regulação do equilíbrio energético e metabólico, incluindo os hormônios das glândulas tireóide e adrenal, bem como os das células das ilhotas pancreáticas. (GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 2006). Situado na cauda do núcleo caudado, o corpo amigdaloide se posiciona à frente do hipocampo. É o componente mais importante do sistema límbico, por ser responsável pelo processamento das emoções. É neste local que serão guardadas todas as nossas emoções. Nosso comportamento emocional está todo ali representado. Além disso, é na amigdala que se tem o maior receptor para o hormônio sexual do sistema nervoso, portanto, emoção, prazer, sexo e aspectos emocionais do olfato são todos processados na amigdala. Tudo que aprendemos relacionado às nossas emoções será processado no corpo amigdaloide. As informações recebidas pelo sistema límbico também serão levadas até o tronco encefálico, na formação reticular. Fibras neuronais que passam pelo tronco encefálico, terão atuação em todo encéfalo modulando, dessa maneira, as expressões das nossas emoções. Dessa maneira, é possível que haja uma manifestação da emoção, ainda que não seja pela via do sistema nervoso autônomo. As vias que liberam dopamina no tronco encefálico, são chamadas de mesolímbicas e fazem a conexão entre o mesencéfalo e o sistema límbico. Essas agem, além do sistema límbico, na área do córtex pré-frontal. Isso ocorre para que sejamos capazes de expressar essas emoções. 9 O córtex pré-frontal é a área cerebral que participa dos julgamentos. Atua no planejamento e nas tomadas de decisão, tendo grande implicação no comportamento social. Acontece que, devido à interação que possui com o sistema límbico, nem sempre consegue ser apenas racional. Enquanto o córtex pré-frontal julga se devemos ou não comer algo, o lobo límbico age trazendo à tona a nossa memória afetiva e emoções relacionadas a ela, não nos permitindo ser totalmente racionais. O sistema gustativo também tem extrema importância nas questões de percepção, sensibilidade e despertar emocional. Apesar de as identidades das substâncias químicas específicas, que excitam os diferentes receptores gustatórios não serem completamente conhecidas, estudos identificam pelo menos 13 receptores químicos prováveis nas células gustatórias. (GUYTON, A.C.; HALL, J.E. 2006). Essas substâncias gustatórias se permitem ser sentidas a partir de sua entrada no poro gustatório, que possuem a superfície receptora para o gosto. Fibras nervosas gustatórias, são estimuladas pelas células receptoras gustatórias. É o que chamamos de potencial receptor. A transmissão dos sinais gustatórios da língua e região da faringe, vão até o sistema nervoso central através dos impulsos nervosos gerados. Esses agem em áreas similares às áreas estimuladas pelo olfato. Embora não haja sozinho, o paladar é de extrema importância, pois influencia em nossas escolhas alimentares. GUYTON e HALL, apontam que são os sinais levados ao córtex cerebral (visão, olfato e paladar), que influenciam o nosso comportamento alimentar. Sendo assim, ocorre uma espécie de modulação, onde os sentimentos vividos se justificam em decorrência da ativação dos circuitos cerebrais de recompensa. Esses controlam a capacidade de sentir prazer e abrangem desde sensações simples, como pequenos prazeres do dia a dia, até sensações maiores de euforia e sentimentos experimentados. Diante do exposto, fica absolutamente claro que as nossas emoções e nossos hábitos alimentares estão diretamente ligados através de uma via de mão dupla, onde tanto as nossas memórias influenciam em nossa alimentação, quanto a maneira de nos alimentarmos influencia em nossos sentimentos e memórias, sendo o olfato o único dos nossos sentidos que tem ligação direta com a parte do cérebro que rege nossas emoções. 10 Os sentidos da gustação e da olfação permitem que separemos os alimentos indesejáveis ou mesmo letais dos que nos dão prazer e que são nutritivos. Além disso, geram respostas fisiológicas que estão envolvidas na digestão e no uso dos alimentos. Finalmente, ambos os sentidos estão fortemente ligados às funções emocionais e comportamentais primitivas do nosso sistema nervoso. (GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 2006). 3.1 ALIMENTO E AFETO Comemos para suprir necessidades nutricionais, mas também para atender a demandas afetivas. A afetividade tem lugar importante na alimentação de todas as pessoas, mesmo que estas pertençam a comunidades alimentares diversificadas. Partindo da afirmação de Mintz (2001) de que os hábitos alimentares podem mudar de acordo com o nosso crescimento, mas que a memória do aprendizado alimentar permanece em nossa consciência por toda a vida, percebemos que ainda que os ingredientes dos pratos possam mudar, essa comida não perde a carga emocional. A afetividade, uma das dimensões centrais da designada vida mental ou psicológica, é composta pelo humor, pelas emoções, pelos afetos e pelos sentimentos. A alimentação, a comida e o comportamento alimentar têm uma carga afetiva inegável e significativa, que, em determinadas circunstâncias, pode ser preponderante em relação a outras dimensões intervenientes. O humor, sendo a forma como nos sentimos por dentro, pode condicionar o que escolhemos comer, como comer e em que quantidades comer. Simultaneamente, as emoções provocadas pela ingestão de determinados alimentos têm vindo a ser estudadas. As decisões das escolhas alimentares são influenciadas por um variado número de fatores, quer externos, quer internos (e.g. Sobal & Bisogni, 2009). A comida e as decisões em torno da mesma são um processo universal, enquanto necessário à sobrevivência e saúde do ser humano, e, ao mesmo tempo, são um fenómeno individual, marcado pela cultura e contexto simbólico, pela história e pelo tempo, e pelo desenvolvimento histórico e pessoal. 11 Poulain (2002) sugere que a ingestão alimentar sedesenvolve de acordo com as regras definidas pela sociedade onde o indivíduo se insere, permitindo que o mesmo se identifique com os alimentos nas suas diversas representações simbólicas. Os indivíduos, ao identificarem os alimentos como próprios para o seu consumo, inserem- -nos num sistema global, num conjunto coerente de regras, transformando-os em comida, atribuindo-lhes um significado e uma identidade que procuram também para si mesmos (Fischler, 1988). Relativamente aos modelos motivacionais, privilegiando uma visão mais centrada no indivíduo, estes são, tendencialmente, centrados na mudança do comportamento e têm-se focado em dimensões psicológicas, tais como as intenções, as atitudes, o controlo do comportamento percebido, a autoeficácia e a tomada de decisão (e.g. McDermott et al., 2015). O Homem, apesar das suas características onívoras que, em teoria, lhe permitem consumir um vasto espectro de alimentos, baseia as suas escolhas alimentares em sistemas culturais, os quais só lhe permitem alimentar-se do que é aceito culturalmente. Desta forma, a alimentação humana torna-se ambivalente e, até certo ponto, contraditória, oscilando entre dois pólos: o da neofilia, enquanto disposição para a procura de novidade, variedade e mudança, e o da neofobia, como tendência para a precaução, para o medo e resistência à novidade e ao desconhecido, tendo subjacentes as especificidades individuais aquando da seleção alimentar. Neste contexto, o gosto, incluído na dimensão do prazer, subentende a transmissão e integração da informação cultural, que ocorre desde a infância, através de um processo de aprendizagem ou mimetização. Assim, todos os indivíduos são suscetíveis das influências sociais na adaptação dos seus gostos e preferências e, consequentemente, nas suas escolhas alimentares. A procura, a seleção, a preparação, e confeção, o consumo e as proibições alimentares são transversais a todos os grupos sociais e orientam-se por várias normas e regras sociais, carregadas de simbolismo e significados (e.g. Canesqui & Garcia, 2005, Montanari, 2006). A comida nos afeta e nos permeia de afetos. Atrelada aos sentidos, uma refeição desperta sensações não só gustativas e olfativas, mas também visuais, em decorrência de sua aparência; táteis, devido às diferentes texturas que uma preparação pode assumir; e até mesmo auditivas, como nos sons de um ingrediente que estala de tão quente. Também 12 endossamos que o alimento pode causar reações para além dos cinco sentidos, acessando nossas emoções e memória. Uma receita tem potencial de fazer aflorar sabores esquecidos e trazer à tona lembranças carregadas de sentimentos. O aspecto simbólico da comida está intimamente relacionado ao potencial do alimento de despertar memórias afetivas, lembranças carregadas de sentimentos. Essas memórias podem estar ligadas a um momento marcante específico, como também a sensações construídas ao longo da vida de um indivíduo, em situações de convívio social e comunitário. No Brasil, o bacalhau feito durante a Semana Santa, prato típico dessa celebração, ou até mesmo uma simples farofa, consumida no cotidiano alimentar da família, podem ser exemplos de pratos que apresentam esse potencial afetivo. A dimensão afetiva, como estabelece Muniz Sodré (2006), contempla as emoções, paixões e sentimentos. Nesse sentido, memória afetiva implica lembranças capazes de fazer aflorar emoções. Além da comida, outros fatores que podem desencadear essas lembranças são cheiros, sons e lugares. Tudo o que nos estimula sensorialmente, gerando uma percepção involuntária de um momento afetivo importante da vida, guarda esse potencial. Não é preciso se forçar a lembrar da situação. A memória involuntária intervém e tenta fazer a sensação antiga “se superpor, se acoplar à sensação atual” (Deleuze, 1987, p. 20). O alimento pode ser considerado um objeto sensorial total, sendo capaz de dialogar com todos nossos sentidos, como pontua Le Breton (2016). Assim, através da referência ótica de uma comida, outras sensações podem ser desencadeadas, já que é colocado que “o deleite dos olhos precede o do paladar” (Le Breton, 2016, 383). A comida é um elemento de forte carga emocional. Diferentes grupos utilizam a alimentação como forma de conexão entre indivíduos, lugares e memórias, como demonstra Hauck-Lawson (1998 apud Amon e Menasche, 2008) em pesquisa com uma família de imigrantes poloneses vivendo nos Estados Unidos. A autora relata a experiência da família ao comer a adaptação de um prato típico polonês, que alimenta também os sentimentos e é capaz de trazer lembranças e aflorar emoções. Esses indivíduos utilizavam a comida como forma de manter o vínculo com a terra natal, recriando os sabores de sua infância por meio de ingredientes alternativos, nativos da América do Norte, mas que lhes lembravam da comida de sua comunidade. Para Le Breton (2016), o melhor sabor é o que se projeta sobre o alimento, seja a partir de uma memória da infância ou de algum momento privilegiado da vida. Diz ele: “O ‘bom’ sabor de um alimento não está vinculado a sua ‘qualidade’, ao seu ‘custo’, a sua 13 ‘raridade’ (...), mas justamente ao gosto do comensal, ao seu sistema pessoal de valores, que não permite absolutizar nada” (Le Breton, 2016 p. 415). 3.2 COMENSALIDADE → SOCIALIZAÇÃO POR MEIO DA COMIDA A comensalidade pode ser descrita como o ato de compartilhar um alimento ou uma refeição. Esse ato é dotado de funções sociais e simbólicas que a tornam uma importante estratégia para a criação e o fortalecimento de laços entre pessoas. A prática de comer junto significa, na maioria dos contextos culturais, unidade social. Ser convidado para uma refeição compartilhada é um símbolo de aceitação e pressupõe a existência de uma proximidade entre as pessoas ou pelo menos da promessa desta proximidade (MINASSE,2017). A experiência de compartilhar uma refeição é uma parte importante do processo de socialização, permitindo que um indivíduo não apenas aprenda, mas também reforce de forma continuada normas sociais que incluem decisões sobre o que, como, quando e com quem realizar suas refeições. A comensalidade não apenas age como uma forma de conexão com o outro, mas também constitui um meio de aprender sobre o outro e inserir-se – bem como manter-se – simbolicamente vinculado a um determinado grupo. De forma oposta, ser excluído da mesa é ser excluído de um grupo (MINASSE,2017; FISCHLER, 2011). A escola atua como um ambiente socializador da alimentação da criança, uma vez que permite contato, novas experiências e informações, que serão alocadas na memória-aprendizado. Assim como ocorre na família, são ensinadas ações e questões sobre alimentação, seja através da oferta na alimentação escolar, ou ao garantir uma visão espelhada sobre colegas, amigos e professores. Ao alimentar-se de forma coletiva, os colegas comem melhor e experimentam maior diversidade de alimentos do que sem companhia. Nesse sentido, os pais têm o dever de estar atentos a esta formação de condutas alimentares reforçando comportamentos positivos (RAMOS & STEIN,2000). O caráter simbólico-ritual do comer se expressa claramente no hábito de convidar pessoas para jantar em nossa casa, no “jantar fora” em determinadas ocasiões ou no “almoço de domingo”. Não convidamos pessoas para jantar em nossa casa para alimentá-las, enquanto corpos biológicos, mas para alimentar e reproduzir relações sociais, isto é, para reproduzir o corpo social, o que supõe que sejamos em troca convidados a comer na casa do nosso 14 convidado. O que está em jogo é o princípio da reciprocidade e da comensalidade (MINASSE,2017). O comer é um evento psicológico e social, e estudos empíricos têm demonstrado como a presença ou ausência do outro durante uma refeição tem um impacto significativo na experiência do comer. Por exemplo, a associação entre prazer e o comer acompanhado, em contraponto ao stress do comer sozinho, ou, ainda, a percepção de que comersozinho não constitui efetivamente uma refeição. Contudo, como observam os autores, as práticas de comensalidade estão sendo enfraquecidas nos grandes centros urbanos por uma série de motivos, inclusive pelo fato de que atualmente há um maior contingente de pessoas morando sozinhas (MINASSE,2017). No Brasil, em 20 de março de 2020, foi declarado pelo Ministério da Saúde a transmissão comunitária da COVID-19 em todo território nacional e iniciou-se, assim, o distanciamento social. Neste contexto, tem-se o aumento do consumo individualizado de refeições e o consequente declínio das refeições compartilhadas, já que a comensalidade entre os colegas foi perdida com a recomendação de “ficar em casa” e ter restrições inclusive para frequentar restaurantes. Assim, a perda do prazer de comer acompanhado trouxe o stress do comer sozinho (JUSTO, 2020). Em alguns casos, a comensalidade entre os colegas foi substituída por pessoas do convívio familiar. A pandemia também trouxe a retomada de antigos hábitos como “tomar café à mesa". No mundo pré pandemia, a escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos, a sensação de viver um tempo acelerado, e o ritmo avançado para realização das demandas sociais, eram apontados como um fator para a redução dos encontros em âmbito doméstico para a realização das principais refeições do dia e da sociabilidade proporcionada através delas. Algumas pessoas relatam que esse tempo foi revertido em tempo para elaborar as refeições ( JUSTO, 2020). A recomendação do distanciamento social trouxe consigo mudanças nas relações de trabalho, modos de vida e alimentação. Entender as escolhas, os hábitos de consumo, a maneira de organizar e realizar as refeições e os comportamentos alimentares, torna-se essencial na atualidade, além de conectá-los com os processos de mudanças da humanidade (JUSTO, 2020). 15 4. GLOBALIZAÇÃO E ALTERAÇÃO CULTURA ALIMENTAR É fato que a alimentação faz parte de um processo de diversos fatores, dentre eles se destaca o âmbito sociocultural, no qual sofre constantes mudanças e alterações devido a alta globalização de culturas e produtos. O ato de globalização está ligado diretamente ao fluxo de produtos entre fronteiras de países e o principal produto é o alimento. A expressão “globalização da alimentação” significa “uma série de processos, em boa medida veiculados, que tendem a dar uma dimensão global à alimentação, e que inclui a produção e o consumo” (Navarro, 2005: 42). O que de fato impulsiona o fenômeno de globalização alimentar são as imigrações de povos das quais ocorrem desde que a atividade econômica se voltou para a exportação e “quando as populações migram para outro país, são acompanhadas dos hábitos alimentares do seu país de origem. Entre os casos mais paradigmáticos, cite-se a comida chinesa por ser considerada uma das mais internacionalizadas espalhando-se pelo mundo à custa desses imigrantes (…)” (Navarro, 2005: 43). Além da comida chinesa, a comida norte americana é a que mais está presente em grande parte do mundo por ser uma das maiores influências mundiais e é comum esses hábitos se infiltrarem e se tornarem parte da rotina, pois as trocas gastronômicas são automáticas. Já a transição nutricional está associada às transições demográfica, epidemiológica e alimentar. Ela se caracteriza por mudanças importantes nos hábitos alimentares da população brasileira nas últimas décadas, principalmente no que diz respeito à diminuição do consumo de alimentos tradicionais da dieta (como arroz, feijão e farinha de mandioca) e ao aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, bebidas açucaradas, macarrão instantâneo, biscoitos recheados, entre outros (IBGE, 2010; MONTEIRO et al., 2000; POPKINS, 1994). A globalização não trouxe apenas pontos positivos como a miscigenação de culturas, pratos e preparações típicas, com ela também vieram as comidas ultraprocessadas, fast-foods e alimentos de preparo rápido, causando uma breve ruptura na relação entre o homem e o 16 preparo de refeições. O fato de existir uma globalização da alimentação não descarta a cultura alimentar local, mesmo que ela fique cada vez menos frequente em centros urbanos e mais presentes em interiores, onde o acesso ao natural é mais fácil. Comumente ouvimos sobre “comer na rua” ou “pedir algo”, essas são características de uma ruptura na relação do alimento e o ato de comer e com a facilidade de um fast-food, e falta de tempo causado pela rotina maçante, acaba distanciando os hábitos saudáveis cada dia mais. O constante crescimento de industrializados e fast-foods, resultados dessa globalização, também acarretou um notório crescimento de doenças e níveis de sobrepeso, o que levou a criação de dietas da moda. Sob influência da globalização, ocorreu a homogeneização das práticas alimentares, sendo este talvez um caminho sem volta. O fenômeno da homogeneização do consumo em uma sociedade massificada chama a atenção para o fato de que o modo alimentar contemporâneo coloca em risco a comensalidade enquanto poder de sociabilidade, de agregação, considerando que o mundo moderno tem facilitado a individualização, inclusive no que se refere à alimentação. Exemplo disso é o número crescente de pessoas que, mesmo no ambiente doméstico, servem o seu prato e se assentam na frente da televisão ou do computador. Situações que sinalizam que outras dinâmicas têm surgido no campo da comensalidade no mundo contemporâneo (LIMA, 2015). 4.1 A MÍDIA E AS DIETAS DA MODA A palavra “dieta” deriva do grego díaita e significa “modo de vida” ou ainda, “modificação do estilo de vida” (FALCATO; GRAÇAS, 2015). A palavra “moda” refere-se a algo passageiro, que ocorre de tempo em tempo. Existe uma discordância entre as palavras dieta e moda, uma vez que dieta esteja relacionada ao estilo de vida e moda a algo passageiro. Uma boa definição para essas dietas seria dieta restritiva. A mídia distorce a palavra e transmite um conceito em que dieta é sinônimo de restrições apenas para perda de peso. Os hábitos e práticas alimentares são constituídos com base em determinantes socioculturais, entre eles os meios de mídia e comunicação. Que desempenham papel estruturador na construção e desconstrução de procedimentos e práticas alimentares, a mídia exerce forte influência veiculando por vezes matérias persuasivas que promovem culto à magreza, que aumentam a insatisfação corporal dos indivíduos e estimulam a prática de dietas 17 restritivas (SERRA; SANTOS, 2003). Segundo Betoni; Zanardo e Ceni (2010), o culto ao corpo magro ganha cada vez mais espaço nos meios de comunicação, que contribuem fortemente com a veiculação desse estereótipo de beleza e estética e propiciam a formação de conceitos errôneos sobre saúde na procura pelo corpo ideal. É nessa perspectiva que surge uma ampla oferta de dietas “milagrosas” que prometem uma perda de peso rápida e sem sofrimento: as dietas da moda. Entre as mais famosas dietas da moda atual estão, a dieta do jejum intermitente (JI), que consiste na estratégia de se alimentar em diferentes períodos de jejum, a dieta paleolítica que conta com baixas quantidades de carboidratos de elevado índice glicêmico e a dieta Low Carb que restringe os macronutrientes e o substitui por gordura (BRAGA; COLETRO; FREITAS, 2019). Dieta restritiva em carboidratos (low-carb) é a mais popularmente conhecida, seu principal foco é a restrição a carboidratos, o que bioquimicamente causa um aumento da saciedade e de gasto energético. Entretanto a restrição acarreta a diminuição do estoque de glicogênio muscular, causando uma fadiga e falta de energia, além de afetar diretamente a capacidade de realizar atividade física. As DRIs (Dietary Reference Intakes) recomendam que dietas saudáveis tenham de 45 a 65% de carboidratos para que haja um funcionamento celular integro do organismo, a low carb estipula um consumo de 50g/dia, acarretando um desenvolvimento de cetose. Ou seja, o peso é perdido emforma de água ao invés de tecido adiposo. O baixo consumo de carboidratos também leva a baixa ingestão de diversas fibras, vitaminas e minerais importantes para o funcionamento de diversas vias e células do corpo, que se expõe a doenças. O jejum intermitente (JI) pode ser agrupado em 3 categorias: jejum alternativo, jejum de um dia inteiro e alimentação com restrição de tempo. O jejum em dias alternados consiste em 1 refeição consumida na hora do almoço que contém aproximadamente 25% das necessidades calóricas basais do indivíduo alternando com dias de jejum. O jejum de dia inteiro envolve dias de abstinência alimentar completa ou restrição calórica severa. A alimentação com restrição de tempo envolve a adesão de uma rotina diária que requer jejum por um período de horas (16 horas por exemplo) e se alimentar pelas horas restantes em um período de 24 horas (TINSLEY; LA BOUNTY, 2015). O corpo utiliza as reservas de glicogênio muscular e hepático para manter o funcionamento, mas sem a reposição necessária a cetose ocorre, liberando toda água do corpo. A privação da alimentação trás como bagagem 18 uma série de déficits, desequilíbrios e distúrbios metabólicos causados pela falta de macro e micronutrientes necessários para o funcionamento de todos os sistemas do corpo. A dieta paleolítica (DP) é baseada nos regimes alimentares que nossos ancestrais realizavam na idade das pedras, que se baseava na caça, de modo que a dieta é composta principalmente de carne, frutos do mar, frutas, legumes e nozes (METZGAR et al., 2011). De todas as dietas da moda, essa é a mais julgada, pela população, como saudável por ter um consumo de alimentos considerados saudáveis e de qualidade. Entretanto, com o consumo restrito notou-se a baixa ingestão de cálcio e ferro, devido a restrição a laticínios e um alto nível de determinadas vitaminas, como a B6 e B12, devido ao excesso de proteína. Esse excesso de proteínas também causa a sobrecarga renal e desregulação do metabolismo, podendo levar a problemas sérios a longo prazo. A bibliografia nos mostra diversos registros de dietas da moda de diferentes épocas, das quais passam de geração a geração e sempre estão presentes, exemplos dessas são a dieta da sopa e dieta da lua. Ambas também consistem em uma privação de alimentos e de refeições. O que todas tem em comum é a privação a alimentos e o baixo teor nutritivo, além de todas serem feitas para alcançar uma perda rápida de peso afim de entrar em um padrão estético de beleza e alcançar a magreza que é tão bem vista aos olhos da sociedade. 19 5. PROMOÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR PELA RETOMADA DOS ASPECTOS SIMBÓLICOS Como foi demonstrado acima, manter um padrão alimentar saudável, não só do ponto de vista de nutrientes, mas também psíquico, que honre nossas raízes, e nos fundamente em nossas heranças, vivências e convívio social é de extrema importância para uma vida integralmente saudável. Afinal, não comemos apenas para nos alimentar. A comida está diretamente ligada às emoções. Sendo assim, é preciso restabelecer essa conexão para não apenas comer saudável, mas VIVER de uma forma saudável. Com conexões, com afeto e, claro, com muito sabor. A fim de resgatar alguns hábitos e costumes, criando uma relação saudável com a comida, com nosso próprio corpo, com a nossa mente e com as nossas emoções, é preciso recriar toda essa atmosfera de valorização do alimento. Retomar hábitos alimentares, valorizando o ato de preparar as refeições é também uma oportunidade de exercer a comunhão com aqueles que amamos. Seja com a família ou com amigos, o sentar-se ao redor da mesa significa além dos nutrientes ali dispostos. Esses conceitos são apontados como base nos manuais do SISVAN, que, confirma o que foi apontado quando defende que é necessário cuidar dos aspectos de segurança alimentar, apoiando as ações de saúde e nutrição, reconhecendo os espaços de produção, distribuição e comercialização dos alimentos, mas também nos traz a importância da cultura e rede de apoio relacionada ao grupo (VAN, 2015), deixando claro que se deve conhecer o estado nutricional da população, mas também os aspectos relacionados às suas práticas alimentares. Além da dimensão espacial, cabe a observação da cultura alimentar, à medida que esta não é uma atividade puramente biológica, mas que recebe interferência direta dos hábitos e das tradições alimentares que a coletividade lhe atribui, pois estes envolvem as diversas técnicas empregadas para encontrar, processar, preparar, servir e consumir os alimentos (FREITAS, 2008). 20 Portanto, para se ter uma alimentação realmente saudável e adequada, é preciso ter todo um sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável. Os guias alimentares trazem um olhar mais abrangente sobre a alimentação e sua relação com a saúde e bem-estar e, por disporem de informação clara e acessível, trazem direcionamento à população, permitindo que esta tenha maior autonomia em suas escolhas alimentares. Alimentação diz respeito à ingestão de nutrientes, mas também aos alimentos que contêm e fornecem os nutrientes, a como alimentos são combinados entre si e preparados, a características do modo de comer e às dimensões culturais e sociais das práticas alimentares. Todos esses aspectos influenciam a saúde e o bem-estar. (Guia alimentar, 2014) Além do guia alimentar, o SUS dispõe de outras estratégias bem definidas em prol de resgatar a essência de uma boa alimentação e que auxiliam no enfrentamento de questões relacionadas a doenças crônicas ou quaisquer outra decorrente de uma alimentação não adequada. Dentre essas podemos destacar como exemplo o ‘marco de referência de educação alimentar e nutricional’, lançado em 2012; e o ‘marco de referência da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica’, lançado em 2015. Esses pautam algumas estratégias discutidas acima. Entre as possíveis ações que podem compor a linha de cuidado, podem estar: (a) o estímulo a hortas comunitárias; (b) oficinas culinárias que valorizem os alimentos regionais; (c) a promoção de atividades de educação alimentar e nutricional e o incentivo às práticas corporais em escolas ou em polos do Programa Academia da Saúde; (d) a instituição de grupos de apoio para o controle do peso (perda, ganho ou manutenção do peso); (e) a organização da comunicação entre os diferentes pontos da RAS para a garantia do cuidado adequado às pessoas com obesidade; e (f) a garantia do acesso à cirurgia bariátrica, quando esta é de fato necessária, entre outras. (Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional, 2015) 21 Outros exemplos dessas ações podem ser observados em políticas públicas que promovam e apoiem modos de vida saudável, como práticas de atividade física e de alimentação adequada e saudável, como o Programa de Saúde na Escola (PSE), que articula a saúde, educação e assistência social como prática intersetorial; a Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN), que visa a de promoção da saúde na escola, por meio de equipes de saúde e educação realizam a avaliação coletiva do estado nutricional e identifiquem prevalências e tendências que darão subsídios para o planejamento de ações; o programa Academia da Saúde que incentiva a prática de atividade física através dos polos de infraestrutura; o programa Bolsa Família (PBF), que visa a superação da pobreza; a Vigilância alimentar e nutricional para a população em situação de rua (PSR), que estabelece vínculos que humanizem e facilitem a atenção à saúde; dentre outros. 22 6. CONCLUSÃO Os aspectos simbólicos de toda cultura alimentar ultrapassa os âmbitos sociais, de cultura e identificação, sendo esses de suma importância para a preservação de hábitos alimentares culturais, para que mantenha o afeto, comensalidade e para que o trabalho entre corpo e mente seja feito em conjunto pleno e saudável. A globalização tem grande influência nos hábitos, cultura, padrões e segurança alimentar, uma vez quea miscigenação de culturas e povos altera todo o conjunto e o deixa propenso a alterações. Portanto, a cultura e identidade alimentar podem ser considerados aspectos de grande importância para a vida. Como já foi dito acima, não comemos apenas para nos alimentar. A alimentação está relacionada com nossa fisiologia tanto quanto com a nossa cultura. Além disso, o ato de comer é direito do ser humano. Diante disso, entendemos que é preciso resgatar práticas alimentares, proporcionando a valorização do alimento e da comunhão. Além disso, se faz necessário que nós defendamos os guias e normatizações públicas que trazem o empoderamento da sociedade através do conhecimento e da autonomia nas escolhas alimentares. Esses, além de defender o direito de comer e de ter saúde de forma integral, também trazem estratégias para o enfrentamento dos problemas relacionados a essas questões. Vale aqui ressaltar a técnica da alimentação intuitiva, criada por Evelyn Tribole e Elyse Resch, que traz princípios que podem contribuir para uma relação mais saudável com os alimentos, visando a libertação do ciclo de dietas impostas e bem como a importância de aprender a comer de forma consciente e sem culpa. Portanto, precisamos resgatar memórias, processá-las, entender nosso corpo e emoções e, assim, praticar o verdadeiro “comer intuitivo”. 23 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Câmara Cascudo L. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global; 2004; CARVALHO, M.C.; LUZ, M. T. Simbolismo sobre"natural" na alimentação. 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