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Patologia do Fígado e Vias Biliares Doença Hepática Alcoólica e Doença Hepática Metabólica Doença Hepática Alcoólica · O consumo excessivo de álcool (etanol) é a principal causa de doença hepática na maioria dos países ocidentais. · O álcool é responsável por 3,8% das mortes em todo mundo. · Três formas da doença: esteatose hepatocelular ou alteração gordurosa, hepatite alcoólica ou esteato-hepatite e esteatofibrose. · A cirrose se desenvolve em uma pequena fração de alcoolistas crônicos. · Morfologia: · Esteatose hepática: gotículas de lipídios se acumulam nos hepatócitos empurrando o núcleo para a periferia, macroscopicamente ele é grande, macio, amarelo e untuoso. Reversível se houver abstinência do álcool. · Hepatite alcoólica: tumefação e necrose dos hepatócitos (devido ao acúmulo de gordura, água e proteínas), corpos de Mallory-Denk (material amorfo eosinofílico em hepatócitos balonizados, constituídos por filamentos intermediário como queratina 8 e 18 e proteínas como ubiquitina) e reação neutrofílica. · Esteatofibrose alcoólica: fibrose começa com a esclerose das veias centrais em um padrão de cerca de tela de arame. Com o desenvolvimento de nódulos, a cirrose se estabelece. O uso contínuo do álcool leva a novas teias de cicatrizes perissinusoidais gerando a clássica cirrose micronodular ou cirrose de Laennec. · Patogenia: · A ingestão diária de 80g de etanol, ou mais, gera um risco significativo de lesão hepática severa, e a ingestão de 160g ou mais por 10 a 20 anos está associada, de modo mais consistente, à lesão hepática severa. · Apenas 10% a 15% dos alcoolistas desenvolvem cirrose. · Gênero: mulheres parecem ser mais susceptíveis, mas homens são a maioria dos pacientes. Parece que o estrogênio aumenta a permeabilidade do intestino a endotoxinas, as quais, aumentam a expressão do receptor CD14 de LPS nas células de Kupffer que predispõe ao aumento de citocinas pró-inflamatórias. · Diferenças étnicas e genéticas: maiores em consumidores afro-americanos do que em americanos brancos. Polimorfismos genéticos em enzimas desintoxicantes e alguns promotores de citocinas podem contribuir. A ALDH*2 é uma variante da aldeído desidrogenase encontrada em 50% dos asiáticos, ela tem uma atividade muito baixa. · Condições comórbidas: sobrecarga de ferro e infecções por HCV e HBV aumentam a gravidade da doença hepática. · A exposição ao álcool causa esteatose, disfunção das membranas mitocondriais e celulares, hipóxia e estresse oxidativo. Ele afeta diretamente as funções microtubular e mitocondrial e a fluidez da membrana. · A esteatose resulta de desvios dos substratos normais do catabolismo para a biossíntese de lipídios como resultado do aumento do NADH pela álcool desidrogenase e acetaldeído desidrogenase, prejuízo na formação e secreção de lipoproteínas e aumento do catabolismo periférico de gorduras, liberando mais ácidos graxos. · O acetaldeído induz a peroxidação e formação do aduto acetaldeído-proteína, desorganizando ainda mais o citoesqueleto e a função das membranas. · O metabolismo pelo citocromo P-450 produz ROS que reagem com as proteínas celulares e danificam as membranas e alteram a função hepatocelular. · O álcool prejudica o metabolismo hepático da metionina, o que provoca a diminuição dos níveis de glutationa, consequentemente sensibilizando o fígado à lesão oxidativa. A indução do citocromo P-450 pelo álcool aumento o catabolismo do álcool do retículo endoplasmático e intensifica a conversão de outros medicamentos em metabólitos tóxicos. · O álcool causa a liberação de endotoxinas bacterianas do intestino para a circulação porta, induzindo respostas inflamatórias. · Ele estimula a liberação de endotelinas pelas células endoteliais sinusoidais, causando vasoconstrição e a contração de células estreladas miofibroblásticas ativadas, levando à diminuição da perfusão sinusoidal hepática. · Clínica: · Esteatose hepática: hepatomegalia, elevação de bilirrubinas e fosfatase alcalina; a retirada do álcool constitui um tratamento eficiente. · Hepatite alcoólica tende a aparecer de modo agudo, após um episódio de ingestão intensa de álcool. · Sintomas inespecíficos: mal-estar, anorexia, perda de peso, desconforto abdominal superior, hepatomegalia dolorosa e achados laboratoriais de hiperbilirrubinemia, elevação de aminotransferases séricas e fosfatase alcalina, e muitas vezes, leucocitose neurtofílica. · AST sérico tende a ser mais elevado que ALT sérico numa proporção de 2:1 na doença hepática alcoólica. · O prognóstico é imprevisível, cada surto de hepatite acarreta um risco de morte de aproximadamente 10% a 20%. · As manifestações da cirrose alcoólica são semelhantes as de outras formas de cirrose. Os achados laboratoriais refletem disfunção hepática. · Na doença alcoólica em estagio final, as causas de morte são: coma hepático, hemorragia gastrointestinal maciça, infecção intercorrente, síndrome hepatorrenal após crise de hepatite alcoólica e carcinoma hepatocelular. Doença Hepática Metabólica Doença Hepática Gordurosa não Alcoólica (DHGNA) · Representa um espectro de distúrbios que tem em comum a presença de esteatose hepática, em indivíduos que não consomem álcool ou o fazem em quantidades muito pequenas (menos de 20g de etanol/semana). · É a causa mais comum de doença hepática crônica nos EUA. · O fígado gorduroso sem outras complicações pode não ser detectado clinicamente. · Características histológicas são mais consistentemente associadas à síndrome metabólica. · A epidemia de obesidade resultou em um aumento de DHGNA. A prevalência em crianças aumentou. A DHGNA contribui para a progressão de outras doenças hepáticas, como infecção por HCV e HBV e aumenta o risco de carcinoma hepatocelular. · A prevalência varia entre grupos étnicos e provavelmente está relacionada, pelo menos em parte, a diferenças genéticas. · Patogenia: · Resistência à insulina que dá origem à esteatose hepática e lesão oxidativa hepatocelular resultando em necrose celular hepática e reações inflamatórias secundárias. · Ocorre um excesso de alimentação rica em calorias, diminuição de exercícios e mecanismos genéticos/epigenéticos. · O tecido adiposo aumenta e se torna disfuncional. Ocorre a redução da adiponectina e aumento de citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa e IL-6). · As células carregadas de gordura são altamente sensíveis aos produtos de peroxidação lipídica gerado pelo estresse oxidativo, causando apoptose. · A diminuição da autofagia também contribui para a lesão mitocondrial e formação dos corpos de Mallory-Denk. · As células de Kupffer via TNF-alfa e TGF-beta e as células T natural killer via de sinalização hedgehog ativam as células estreladas gerando tecido cicatricial. · Morfologia: · A esteatose patológica é definida como envolvendo mais do que 5% de hepatócitos. · Na extremidade benigna, não há inflamação apreciável, morte de hepatócitos ou cicatrização, apesar da elevação das transaminases. · Quase sempre as características histológicas se sobrepõem com hepatite alcoólica. · As células mononucleares podem ser mais proeminentes que neutrófilos e corpos de Mallory-Denk são menos proeminentes. Embora a fibrose portal possa ser mais evidente. · Na faixa pediátrica, apresentam uma forma mais difusa, mais fibrose portal do que central e inflamação mononuclear portar e parenquimal, mais do que neutrófilos no parênquima. · Clínica: · A esteatose simples geralmente os pacientes são assintomáticos, mas podem ter sintomas de síndrome metabólica, como resistência à insulina e diabetes melito. · A biópsia hepática é o método de diagnóstico mais confiável e para avaliar a cicatrização. · Doenças virais, autoimunes e outras doenças metabólicas devem ser excluídas antes. · AST e ALT estão elevadas em 90% dos pacientes. · Fadiga e desconforto abdominal devido a hepatomegalia podem estar presentes. · A doença cardiovascular é uma causa de morte frequente. · O objetivo do tratamento é reverter a esteatose e prevenir a cirrose, corrigindo os fatores de risco subjacentes, como obesidade de dislipidemia, etratar a resistência à insulina. Hemocromatose · É provocada pela absorção excessiva de ferro, a maioria do qual é depositada em órgãos parenquimatosos, tais como fígado e o pâncreas, seguido do coração, articulações e órgãos endócrinos. · A taxa de ferro corporal total varia de 2 a 6 gramas em adultos normais e aproximadamente 0,5 é armazenado no fígado. Nas formas graves, o acúmulo pode exceder 50g e um terço armazenado no fígado. · Casos totalmente desenvolvidos exibem cirrose micronodular em todos os pacientes, diabetes melito (75%) e pigmentação cutânea anormal (75%). · O prejuízo causado pelo excesso de ferro é lento e progressivo; portanto, os sintomas geralmente começam entre a 4ª e 5ª década em homens e mais tarde nas mulheres, uma vez que o sangramento menstrual contrabalança o acúmulo. · Hemocromatose hereditária afeta mais homens que mulheres (5 a 7:1). · Hemocromatose Hereditária: mutações de genes que codificam HFE, receptor de transferrina 2 ou hepicidina ou mutações de genes que codificam HJV (hemojuvelina: forma juvenil). · Hemossiderose (Hemocromatose secundária): · Sobrecarga parenteral (transfusões, hemodiálise a longo prazo, anemia aplásica, doença falciforme, síndromes mielodisplásicas, leucemias, injeções de ferro-dextrano). · Eritropoiese indeficaz com aumento da atividade eritroide (beta-talassemia, anemia sideroblástica, deficiência de piruvato-cinase). · Aumento da ingestão oral de ferro. · Atransferrinemia congênita. · Doença hepática crônica (doença hepática alcoólica e porfiria cutânea tardia). · Hemocromatose neonatal. · Patogenia: · O conteúdo corporal de ferro é regulado pela absorção intestinal. · Na forma hereditária, o acúmulo de ferro de 0,5 a 1 g/ano. · Lesão hepática ocorre por peroxidação de lipídios por reações de radicais livres catalisados pelo ferro, estimulação de colágeno por ativação das células estreladas, interação de espécies reativas de oxigênio e o ferro com DNA. A remoção do excesso pode promover a recuperação da função renal. · O principal regulador da absorção do ferro é a proteína hepcidina, codificada pelo gene HAMP e secretada pelo fígado. · A transcrição da hepcidina é aumentada pelas citocinas pró-inflamatórias e pelo ferro e diminuída por deficiência de ferro, hipóxia e eritropoiese ineficaz. · A hepcidina liga-se ao canal de efluxo férrico celular, ferroportina, causando sua internalização e proteólise, inibindo a liberação de ferro das células intestinais e macrófagos. · A hemojuvelina que é expressa no fígado, coração e músculo esquelético e o receptor de transferrina 2 também atuam no metabolismo. · A diminuição da síntese de hepcidina causada por mutações na hepcidina, HJV, TRF2 e HFE desempenham um papel fundamental. · A forma adulta da hemocromatose é quase sempre causada por mutações do HFE, a mutação do TRF2 é menos comum. O gene do HFE está localizado no braço curto do cromossomo 6. A mutação mais comum do HFE é a substituição de cisteína por tirosina no aminoácido 282 (C282Y) que inativa a proteína, outra mutação comum é H63D (histidina na posição 63 para aspartato). · A mutação C282Y é mais comum em populações brancas de origem europeia, euquanto a H63D tem distribuição mundial. · A hemocromatose adulta geralmente é uma doença mais branda que a forma juvenil. As mutações de HAMP e de HJV causam hemocromatose juvenil grave. · Morfologia: · Fígado: grânulos amarelo-dourados de hemossiderina no citoplasma dos hepatócitos periportais, que são corados com azul da Prússia, inflamação ausente. No início, o fígado se apresenta um pouco maior, denso e marrom-chocolate, depois se torna menor com padrão micronodular de cirrose com um tom marrom-escuro a preto. · Teste genético recentemente disponível, então a avaliação quantitativa do teor de ferro não é mais necessária. · Pâncreas: intensamente pigmentado, fibrose intersticial difusa, atrofia do parênquima e depósito de hemossiderina. · Coração: aumentado e apresenta grânulos de hemossiderina. · Pele: pigmentada por hemossiderina dentro de macrófagos e fibroblastos dérmicos por aumento da produção de melanina. · Sinovite aguda: deposição de hemossiderina. Pseudogota: deposição de pirofosfato de cálcio. · Testículos podem estar pequenos e atróficos por perturbação no eixo hipotálamo-hipófise. · Clínica: · Hepatomegalia, dor abdominal, pigmentação anormal da pele, alteração da homeostase da glicose ou DM, disfunção cardíaca e atrite atípica. Pode ocorrer hipogonadismo. · Raramente ocorre antes dos 40 anos de idade. · Uma causa de morte significativa é carcinoma hepatocelular, cirrose e doença cardíaca. · Triagem de familiares é importante. · Atualmente, a maioria dos pacientes com hemocromatose é diagnosticada no estágio subclínico, pré-cirrótico, devido a mensurações de rotina do ferro sérico. · O tratamento por flebotomia regular constante esgota as reservas de ferro do tecido. · A hemocromatose neonatal é uma doença de origem desconhecida, manifestada por doença hepática grave e deposição de hemossiderina extra-hepática. Pode estar relacionada com a lesão aloimune materna no fígado fetal. Doença de Wilson · Distúrbio autossômico recessivo causado pela mutação do gene ATP7B, resultando na diminuição da excreção de cobre na bile ou incapacidade para incorporar cobre na ceruloplasmina. · O acúmulo de cobre acomete o fígado, cérebro e olhos. · 40% a 60% do cobre ingerido é absorvido no duodeno e no intestino delgado proximal e transportado para a circulação portal pela albumina e histidina. O cobre livre pode ser captado pelos hepatócitos e se liga a alfa2-globulina para formar a ceruloplasmina, que é secretada no sangue. O cobre em excesso é transportado para a bile. A ceruloplasmina é dessializada e sofre endocitose pelo fígado e é degradada pelos lisossomos, e depois é excretada na bile. · Patogenia: · As mutações no gene ATP7B no cromossomo 13 codifica uma ATPase transmembrana transportadora de cobre. · A maioria dos pacientes consiste em heterozigotos compostos, contendo diferentes mutações no alelo. · Prevalência de 1:30.000 a 1:50.000. · A mutação causa uma diminuição do transporte do cobre para a bile, prejudica sua imcorporação a ceruloplasmina e inibe a secreção de ceruloplasmina no sangue. · A lesão ocorre por formação de radicais livres pela reação de Fenton, ligação com grupos sulfidrilas de proteínas celulares e deslocando outros metais das metaloenzimas hepáticas. · No aparecimento de doença sistêmica aguda, ocorre por transbordamento de cobre não ligado à ceruloplasmina do fígado para a circulação, causando hemólise e alterações cerebrais, oftalmológicas, renal e óssea. · Morfologia: · Inflamação moderada a grave, necrose dos hepatócitos, alteração gordurosa e características de esteato-hepatite. Eventualmente cirrose. · Colorações especiais: rodanina para cobre, orceína para a proteína ligada ao cobre. · Histologia não consegue distinguir doença de Wilson de uma hepatite viral ou tóxica. Apenas com a demonstração do teor de cobre hepático acima de 250 microgramas de peso seco. · Lesão tóxica no cérebro afeta principalmente os núcleos da base, particularmente o putâmen, que exibe atrofia e até cavitação. · Anéis de Kayser-Fleischer: deposito verdes a castanhos de cobre na membrana de Descement. · Clínica: · Idade de início entre 6 e 40 anos. · A apresentação incial pode ser de doença hepática aguda ou crônica. · Neurológico: distúrbios do movimento ou distonia rígida, confundido com parkinsonismo. Psiquiátrico: depressão, fobias, comportamento compulsivo e humor lábil. Anemia hemolítica. · O diagnóstico bioquímico da doença é baseado na diminuição da ceruloplasmina sérica e no aumento de cobre hepático e no aumento da excreção urinária de cobre. · O reconhecimento precoce e a quelação de cobre em longo prazo (com D-penicilamina ou Trientina) ou a terapia à base de zinco alteram dramaticamente o curso de deterioração progressiva usual. Deficiência de alfa1-Antitripsina · Distúrbio autossômico recessivo de dobramento proteico, marcado por níveis muito baixos de alfa1-antitripsinacirculante. · A função dessa enzima é inibir proteases, particularmente elastases de neutrófilos, catepsina G e proteinase 3. · A deficiência leva ao enfisema pulmonar. A doença hepática é causada por acumulo de proteínas desdobradas. · A paniculite necrotizante cutânea pode ocorrer em um número menor de pacientes. · A enzima é produzida pelos hepatócitos, faz parte da família de inibidores da serina protease e seu gene é localizado no cromossomo 14 (polimórfico). · A mutação mais clinicamente significativa mais comum é a PiZ; os homozigotos para a proteína PiZZ apresentam níveis circulantes que correspondem a 10% do normal. · É o distúrbio hereditário hepático mais comum diagnosticado em lactentes e crianças. · Patogenia: defeito seletivo na migração da proteína do retículo endoplasmático para o complexo de Golgi. O polipeptídeo mutante é anormalmente dobrado e polimerizado, criando estresse no retículo endoplasmático e desencadeando a resposta de proteína desdobrada, uma cascata que pode levar a apoptose. Todos os indivíduos com genótipo PiZZ acumulam no retículo endoplasmático dos hepatócitos, mas apenas de 10 a 15% dos indivíduos com PiZZ desenvolvem doença hepática clinicamente evidente. · Morfologia: inclusões citoplasmáticas globulares esféricas a ovais nos hepatócitos. · Clínica: hepatite neonatal com icterícia colestática aparece em 10% a 20% dos RN com deficiência. Em adolescentes podem ocorrer hepatite, cirrose ou doença pulmonar. Os ataques hepáticos podem ceder ou cronificar levando a cirrose. O carcinoma hepatocelular se desenvolve de 2 a 3% dos adultos com PiZZ.