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ENSINO DA PESSOA COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO Carla Maria de Schipper Quem são os sujeitos com altas habilidades/ superdotação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os sujeitos com altas habilidades/superdotação. Explicar a importância da identificação das características dos sujeitos com altas habilidades/superdotação. Apontar os principais desafios no cotidiano desses sujeitos. Introdução Pessoas com conhecimentos superficiais sobre as altas habilidades/su- perdotação (AH/SD) constroem um ideal de aluno que se assemelha a um gênio, um cientista, um estudante focado, que aprende sozinho e facilmente, vive isolado, sabe tudo e provém de uma família abastada. Essas ideias são mitos, pois não tem comprovação real. Na verdade, o aluno com (AH/SD) apresenta algumas habilidades, específicas ou combinadas, que se desenvolvem de modo superior quando comparado a alunos da mesma idade e com os mesmos níveis de experiência e cultura. Alunos com AH/SD têm características educacionais e socioemocio- nais muito específicas e, por isso, enfrenta alguns desafios em sua vida escolar. Muitos desses desafios ocorrem, justamente, em consequência dessas ideias equivocadas. Além disso, muitos professores sentem di- ficuldades para reconhecer quais são as necessidades de seus alunos com AH/SD e como fazer para atendê-las. Esses profissionais precisam ter subsídios metodológicos e conceituais para identificar e atender às necessidades educativas de cada estudante. Neste capítulo, você vai estudar as principais características dos su- jeitos com AH/SD em uma perspectiva multidimensional. Vai também conhecer a importância de reconhecer esses alunos e os principais meca- nismos e instrumentos utilizados para isso. Por fim, você vai acompanhar os desafios enfrentados pelas pessoas com AH/SD, passando pelos mitos que cercam a sua caracterização e pelas falhas no processo de identifi- cação e no atendimento às suas peculiaridades. 1 Indicadores de altas habilidades/ superdotação Antes de conhecermos os indicadores ou sinais de AH/SD, precisamos con- siderar que não há um padrão de características em todas as pessoas. Cada pessoa com AH/SD possui seus traços e suas particularidades, que vão de- pender de múltiplos fatores. Mesmo o conceito de inteligência não é mais reconhecido como algo único e isolado. Alguns estudos, como veremos a seguir, reconheceram a existência de vários tipos de inteligência, habilidades e faculdades. Esses estudos ajudaram muito a entender o que caracteriza os sujeitos com AH/SD. Historicamente a ciência caracterizou as pessoas com AH/SD apenas pelo domínio acima da média na linguagem e na área lógica. No entanto, atualmente, utilizamos uma abordagem multidimensional tanto da inteligência quanto das AH/SD. Isso quer dizer que consideramos as variáveis específicas dos sujeitos para compreendê-los. Howard Gardner revisitou o conceito de inteligência, afirmando que trata- -se de “[…] um potencial biopsicológico para processar informações, que pode ser ativado em um cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados em uma cultura” (GARDNER, 2001, p. 47). Segundo ele, existem múltiplas inteligências, que se manifestam de modo diferente em cada pessoa a depender de seus interesses, características bio- lógicas e influências culturais: inteligência corporal-cinestésica, inteligência interpessoal, inteligência musical, inteligência lógico-matemática, inteligência linguística, inteligência naturalista, inteligência intrapessoal e inteligência espacial (GARDNER, 2001). O autor questionou os testes de aferição de coeficiente de inteligência (QI) tradicionais e ampliou a inteligência para outras áreas do conhecimento e das habilidades humanas. Explicou que, além da linguagem e do raciocínio lógico, tradicionalmente aferidos pelos testes de QI, algumas pessoas desen- volvem com maior potencial inteligências na área psicomotora, relacional ou artística (GARDNER, 2001). Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação2 Leia o artigo “A teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner e suas contribui- ções para a educação inclusiva: construindo uma educação para todos”, de Almeida et al., para saber mais sobre o conceito apresentado por Gardner. Evidentemente, o que encontramos na área das AH/SD é o desenvolvimento de uma ou mais inteligências múltiplas exponencialmente acima da média em relação à idade ou ao nível cultural de seu grupo. A pessoa pode apresentar um destaque em uma ou mais inteligências. São, por exemplo, dançarinos, atores, cantores, músicos líderes, escritores, conhecedores da natureza, líderes religiosos, palestrantes que se destacam acima da média. Além de Gardner, outro teórico que teve grande influência no conceito atual de AH/SD foi Renzulli (2004). De modo geral, o autor divide a superdotação em duas categorias principais: superdotação escolar e superdotação criativo- -produtiva. A superdotação escolar é o caso das pessoas que “[…] se saem bem na escola, aprendem rapidamente, apresentam um nível de compreensão mais elevado e têm sido os indivíduos tradicionalmente selecionados para participar de programas especiais para superdotados” (ALENCAR, 2007, p. 21-22). Já a superdotação criativo-produtiva “[…] diz respeito àqueles as- pectos da atividade humana em que se valoriza o desenvolvimento de produtos originais” (ALENCAR, 2007, p. 21-22). De abordagem multidimensional, Renzulli (1978) afirma que o compor- tamento superdotado é a interação entre três elementos: habilidade acima da média em alguma área do conhecimento, envolvimento com a tarefa e criatividade. Segundo o autor, […] as crianças que possuem ou são capazes de desenvolver os traços de comportamentos que compõem a Teoria dos Três Anéis e aplicá-las a qualquer área potencialmente valorizada do desempenho humano são superdotadas ou talentosas (RENZULLI, 1978 apud LOPES; GIL, 2016, p. 206). Veja na Figura 1 uma representação da teoria dos três anéis de Renzulli. 3Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação Figura 1. Três anéis de Renzulli. Fonte: Adaptada de Renzulli (1986). Criatividade ESCOLA PERSONALIDADE PARES FAMÍLIA Habilidade acima da média Envolvimento com a tarefa COMPORTAMENTO DE SUPERDOTAÇÃO Esta ilustração é muito conhecida pelo meio científico e pelos profissionais que atuam na área das AH/SD. De modo sintetizado, mostra as conclusões de Renzulli a respeito do comportamento superdotado. Observe que o compor- tamento de superdotação é a intersecção entre a habilidade acima da média, o envolvimento com a tarefa e a criatividade. Esses três anéis estão dispostos sob uma base triangular em que constam a família, a escola e os pares. Isso significa que estamos considerando uma análise socioemocional do compor- tamento de superdotação. Por isso, fatores sociais terão grande influência no comportamento de superdotação e nas emoções desses sujeitos. O desenvolvimento do estudante com AH/SD não ocorre em um contexto isolado. As experiências e a socialização de cada indivíduo têm importância crucial para o desenvolvimento de suas características. É importante, portanto, conhecer como é a relação com família, amigos e escola, para que possamos identificar as características individuais das AH/SD, podendo ter influências positivas e negativas no agrupamento das três características. É importante também ver como a família, os amigos e a escola compreendem o compor- tamento superdotado, para que o aluno possa desenvolver seus potencias. Um exemplo muito comum é o aluno que sofre bullying em sala de aula por ser chamado de nerd, queridinho da professora ou outros termos pejorativos. O que costuma acontecer, nesse caso, é o aluno manifestar um sub-rendimento acadêmico para ser aceito no grupo e evitar sofrimento. Outra situação que pode prejudicar o desenvolvimento pleno de um estudantecom AH/SD é um lar que não oferece condições emocionais e materiais para o desenvolvimento do potencial. Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação4 Os documentos norteadores das políticas públicas para o estudante com AH/SD no Brasil têm grande influência de Gardner e Renzulli, como pode ser visto a seguir. Notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão aca- dêmica específica; pensamento criativo produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes e capacidade psicomotora (BRASIL, 2006, p. 12). As caracterizações dos indicadores de AH/SD nos embasamentos legais no Brasil estão de acordo com a abordagem multidimensional da inteligência e das AH/SD. Confira a seguir a explicação de cada aspecto destacado. Capacidade intelectual geral: refinada capacidade de observação, habilidade de realizar abstrações, alto poder de realizar questionamentos que outras pessoas não percebem e potencial em realizar associações e generalizações. Aptidão acadêmica específica: desempenho notável na escola, muita facilidade na realização de provas ou tarefas e, até mesmo, precocidade, pela facilidade em uma ou mais áreas do conhecimento humano. Pensamento criativo-produtivo: ideias originais e não convencionais para resolver um problema ou para desenvolver um produto ou ideia, percepção múltipla de um determinado tema, soluções surpreenden- tes, utilização de recursos inusitados, tendência a reinterpretar e criar alternativas diferentes do comum. Capacidade de liderança: facilidade e sucesso em se expressar e con- vencer seus pares, humor refinado, capacidade empática, comunicação social muito eficiente. Talento especial para artes: sensibilidade estética extremamente refinada, destaque na dança, no teatro, na escultura, na pintura, na música, na fotografia ou na filmagem, por exemplo. Capacidade psicomotora: capacidade muito superior em usar o corpo, por exemplo, em esportes, dança, teatro e atividades que exigem um senso motor apurado, como os cirurgiões. Considerando os determinantes multidimensionais e a heterogeneidade de manifestações, há algumas características gerais que que se aplicam a grande maioria dos casos. A primeira delas se refere à precocidade. A criança, ainda pequena manifesta uma habilidade surpreendentemente anterior a de crianças 5Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação de sua idade. Seria aquela criança cuja alfabetização se consolida muito antes da idade prevista, ou que manifesta uma habilidade artística ou psicomotora com mais qualidade e perfeição do que as crianças de sua idade. Contudo, para ser considerada uma pessoa com AH/SD esse comportamento precoce deve ser somado a outros elementos. Além disso, esses interesses devem permanecer durante o seu desenvolvimento, caso contrário, trata-se apenas de uma criança prodígio. Nem todo prodígio será altamente habilidoso. Além da precocidade, observamos uma dedicação em realizar tarefas de sua área de interesse. Isso se manifesta em uma ânsia pelo saber, por dedicação e empenho para se aprofundar em uma determinada área do saber humano, o que resulta em um comportamento bem mais avançado do que o de colegas com a mesma idade. Há também um alto nível de desenvolvimento em alguma área do conhecimento ou da habilidade humana, ou em várias delas. Interesses muito diversos dos seus pares também são comuns. As preo- cupações de saber, conhecer e discutir estão relacionados a temas pouco convencionais para as crianças, como política, economia, meio ambiente, dilemas éticos e morais. Por isso, muitas vezes, há uma preferência por con- versar com adultos ou especialistas. Os interesses, a dedicação em realizar tarefas e a autonomia podem provocar uma preferência em trabalhar sozinho, não por uma característica de comportamento egoísta, mas porque se dedica e se concentra tanto em uma tarefa, que quer compreendê-la em profundidade. A velocidade na aprendizagem também é maior, além da capacidade de fazer ligações com vários campos do saber, propondo ideias e demonstrando uma desenvoltura na temática em discussão. Esses sujeitos, geralmente, têm um senso mais apurado para observar detalhes que passam desapercebidos por outras pessoas, sendo capaz de reinterpretar fenômenos ou situações e propor alternativas criativas e diferentes para os problemas. Outro aspecto se refere à apropriação da linguagem. Apresentam um domínio verbal lógico, com um vocabulário avançado para a sua idade. A expressão verbal é rica, fluente, nítida e concatenada, com capacidade de conexão de ideias aparentemente divergentes. Demonstram, pela sofisticação de sua linguagem, a riqueza de pensamento. Alguns podem desenvolver um ávido interesse pela leitura. Observa-se ainda, de modo geral, uma memória privilegiada. Aprendem, abstraem e relembram com muita facilidade. Como afirmam Sakaguti e Bolsanello (2012, p. 224), “Para estas crianças, não basta apenas conhecer o assunto que foi capaz de aprender, mas sim, apre- ender a lógica na resolução dos problemas, os meios usados na sua resolução”. Portanto, a diferença entre uma criança com AH/SD e uma criança sem AH/ SD é a precocidade, a profundidade e a intensidade com que as características Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação6 são apresentadas. Para que, de modo resumido, possamos compreender as classificações do comportamento superdotado, apresentamos uma síntese no Quadro 1. 2 Identificação das altas habilidades/ superdotação Tradicionalmente, há testes que medem a inteligência e instrumentos de aferi- ção do QI (coefi ciente de inteligência). Embora sejam instrumentos válidos e necessários, quando aplicados isoladamente ou descontextualizados de aspectos culturais, emocionais, sociais e de traços de personalidade, não contemplam todos os estudantes com AH/SD. Segundo Delpretto e Zardo (2010), a elaboração desses instrumentos, com base no desempenho acadêmico, linguístico e lógico-matemático, desconsidera no processo de avaliação as habilidades diversas, como aquelas relacionadas às soluções de problemas do cotidiano. Os testes de capacidade cognitiva incluem exatamente as capacidades mais valorizadas nas situações de aprendizagem escolar tradicional, que focalizam habilidades analíticas e indutivas no lugar de habilidades criativas ou práticas. Portanto, os instrumentos de identificação devem considerar a multidi- mensionalidade da inteligência e das AH/SD: O desempenho de uma pessoa deve ser observado por meio do modo como vivencia esse potencial em seus contextos de vida e isso exige uma inves- tigação mais ampla, e de preferência multidisciplinar. Os testes não devem ser o único método usado para identificar AH/SD, pois avaliam o potencial intelectual e operam com provas de desempenho funcional (SANTA CATA- RINA, 2016, p. 27). Como mencionado anteriormente, Renzulli (2014) dividiu as habilidades superiores em duas categorias distintas: superdotação escolar e superdotação criativo/produtiva. Evidentemente que a superdotação escolar é facilmente identificável com os testes de QI, pois: As habilidades medidas nos testes de QI são as mesmas exigidas nas situações de aprendizagem escolar; desta forma, o aluno com alto QI também tende a obter boas notas na escola. A ênfase, neste tipo de habilidade escolar, recai sobre os processos de aprendizagem dedutiva, treinamento estruturado nos processos de pensamento, e aquisição, estoque e recuperação da informação. Já a habilidade criativa-produtiva implica no desenvolvimento de materiais e 7Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação Fo nt e: A da pt ad o de B ra si l ( 20 06 ). In te le ct u al A ca d êm ic o C ri at iv o So ci al Es p ec ia l P si co m o to r Fl ex ib ili da de e flu ên ci a de p en sa m en to s, ca pa ci da de d e p en sa m ento ab st ra to p ar a fa ze r as so ci aç õe s, pr od uç ão id ea tiv a, ra pi de z no p en sa m en to , co m pr ee ns ão e m em ór ia e le va da , ca pa ci da de n a re so lu çã o de pr ob le m as . A pt id ão a ca dê m ic a es p ec ífi ca , a te nç ão , co nc en tr aç ão , ra pi de z de ap re nd iz ag em , b oa m em ór ia , go st o e m ot iv aç ão p el as d is ci pl in as ac ad êm ic as d e se u in te re ss e, ha bi lid ad e pa ra av al ia r, si nt et iz ar e or ga ni za r o co nh ec im en to , ca pa ci da de de p ro du çã o ac ad êm ic a. O rig in al id ad e, im ag in aç ão , ca pa ci da de p ar a re so lv er p ro bl em as de fo rm a in ov ad or a, se ns ib ili da de pa ra a s si tu aç õe s am bi en ta is , r ea çã o fo ra d o co m um , se nt im en to d e de sa fio d ia nt e da de so rd em d e fa to s, fa ci lid ad e de au to ex pr es sã o, flu ên ci a e fle xi bi lid ad e. C ap ac id ad e de li de ra nç a e se ns ib ili da de in te rp es so al , at itu de c oo p er at iv a, so ci ab ili da de ex pr es si va , ha bi lid ad e de tr at o co m p es so as d iv er sa s e gr up os p ar a es ta b el ec er re la çõ es so ci ai s, p er ce pç ão ap ur ad a da s si tu aç õe s de g ru p o, ca pa ci da de p ar a re so lv er s itu aç õe s so ci ai s co m pl ex as , al to p od er d e p er su as ão e d e in flu ên ci a no g ru p o. H ab ili da de s es p ec ia is e a lto de se m p en ho n as ar te s pl ás tic as , dr am át ic as o u cê ni ca s, lit er at ur a, m ús ic a. H ab ili da de e in te re ss e p el as at iv id ad es ps ic om ot or as , ev id en ci an do de se m p en ho fo ra d o co m um em v el oc id ad e, ag ili da de d e m ov im en to s, fo rç a, re si st ên ci a, c on tr ol e e co or de na çã o m ot or a. Q u ad ro 1 . C la ss ifi ca çã o al ta s ha bi lid ad es /s up er do ta çã o Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação8 produtos originais; aqui, a ênfase é colocada no uso e aplicação da informação (conteúdo) e processos de pensamento de forma integrada, indutiva, e orientada para os problemas reais (VIRGOLIM, 2014, p. 583). Considerando isso, os instrumentos precisam contemplar igualmente a superdotação escolar e a superdotação criativo-produtiva, para não correr o risco de perder muitos estudantes que não se encaixam na superdotação escolar. Além disso, não se pode restringir os instrumentos de identificação a apenas um elemento da vida do estudante, mas considerar o seu contexto. A ênfase deve ser pedagógica, pois, […] por identificação entende-se o conjunto de instrumentos pedagógicos que podem ser utilizados para o reconhecimento de diferentes habilidades dos alunos em diversas áreas do conhecimento, considerando as especificidades das AH/SD (DELPRETTO; ZARDO, 2010, p. 20). O professor, por sua vez, precisa saber como reconhecer os pontos fortes dos seus alunos e ajudar a desenvolvê-los com excelência (FARIAS; WE- CHSLER, 2014). Em suma, os instrumentos precisam ser variados, agregando diversas fontes de informações, como as do próprio estudante, colegas, professores e familiares, além de instrumentos validados aplicados por profissionais graduados, como psicólogos. Os instrumentos devem ser utilizados em uma perspectiva qualitativa, pois, como visto, agrega-se hoje no processo de iden- tificação pessoas com múltiplas inteligências, habilidades criativo-produtivas ou acadêmicas. Apenas instrumentos quantitativos serão insuficientes para traçar uma identificação conclusiva e de qualidade. Na abordagem qualitativa, o professor pode utilizar diferentes instrumen- tos para realizar a identificação, como questionários, entrevistas, testes de características, observação, entre outros: resultados de atividades acadêmicas; autoindicação; instrumentos validados; observação no contexto escolar; indicação pelos pares; questionário familiar; questionário com professores. 9Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação Alguns instrumentos de triagem têm a função de detectar indicadores. O primeiro deles é o questionário de autonomeação. Com ele, o aluno pode descrever quais são os seus pontos fortes. Dentre uma serie de gravuras con- tendo as múltiplas inteligências, pede-se para o aluno marcar aquelas em que se considera bom ou muito bom (FREITAS; PÉREZ, 2012). O aluno pode ainda apontar as áreas em que ele julga ter alta habilidade ou talento, descrever projetos e/ou atividades desenvolvidas por ele que ilustram seu desempenho superior na área, listar livros que ele leu relacionados a sua área potencial, justificar seu interesse em participar de um programa especia- lizado, descrever hábitos de leitura, áreas de preferência, etc. (GUIMARÃES; OUROFINO, 2007). Acesse o Portal do Ministério da Educação (MEC) e veja o modelo de sondagem inicial de identificação da superdotação, denominado “Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação”. Com alguns instrumentos de triagem, os colegas podem destacar pontos fortes de seus pares. De modo bastante lúdico e não diretivo, podemos perguntar aos alunos de uma classe: Quais colegas sempre têm muitas ideias boas? Quais colegas desenham muito bem? Quais são muito bons em matemática? Quais sempre têm ideias diferentes? Em sua sala de aula, a quem você pediria ajuda em seu dever de casa de ciências? Em sua sala, quem você considera o melhor esportista? Músico? Escritor? Quem tem mais senso de humor? Quem é o melhor aluno? (GUIMARÃES; OUROFINO, 2007, p. 58). Ainda no âmbito da triagem, há uma lista de indicadores a ser preenchida pelo professor regente e por outros professores que atuam com as diferentes disciplinas. Esses indicadores podem incluir, por exemplo, um questionário específico para a área de artes e para educação física. Já em relação aos instrumentos de identificação, há questionários mais específicos a serem preenchidos pelo aluno com AH/SD. Outros questionários devem ser preenchidos pelo professor e pelos pais do aluno. Como exemplo, se a criança ou adolescente apresenta potencial para artes e educação física, há questionários específicos para estas áreas. Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação10 Nesses questionários, o objetivo é facilitar a detecção de características gerais, habilidade acima da média, indicadores de criatividade, inteligências múltiplas, áreas da arte e da área corporal cinestésica — uma abordagem multidimensional, portanto. Leia o livro Altas habilidades/superdotação: atendimento especializado, de Soraia Napoleão Freitas e Susana Graciela Pérez B. Pérez, para conhecer instrumentos variados de triagem e identificação, além de como interpretar resultados. O professor pode indicar alunos da turma que apresentam potencial ele- vado nas diversas áreas do conhecimento: os mais curiosos, interessados e questionadores, os de melhor memória, os mais críticos, mais originais e criativos, mais solitários, os mais seguros e confiantes, os mais entediados, desinteressados, mas não necessariamente mais atrasados. O professor pode ainda fornecer informações acerca dos interesses, hobbies, atividades extra- curriculares, hábitos de leitura e características do aluno em avaliação, além de participação em projetos especiais (GUENTHER, 2000, p. 175-177). As informações que a família pode trazer ao processo de identificação são fontes seguras e que contextualizam o ambientedo sujeito. Como destacam Guimarães e Ourofino (2007, p. 58): Os pais podem ser solicitados a indicar atividades, na escola e fora do con- texto escolar, que seu filho gosta de realizar, descrever características, áreas de interesse e de destaque do filho, relatar o processo de desenvolvimento de seu filho ao longo dos anos (por exemplo, quando aprendeu a andar, a falar, a ler, a escrever, etc.), comentar sobre relacionamento do filho com membros da família e colegas, descrever o desempenho escolar do filho e seu envolvimento com as tarefas escolares. Veja a seguir uma lista de características do aluno a ser respondida pelos pais durante o processo de identificação. Nesta escala, os pais avaliam a frequência de cada comportamento ou situação (RENZULLI; REIS, 1997 apud GUIMARÃES; OUROFINO, 2007, p. 58-59). 11Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação ▪ Meu filho ou filha gasta mais tempo e energia que seus colegas da mesma idade em um tópico de seu interesse. ▪ Meu filho ou filha estabelece metas pessoais e espera obter resultados do seu trabalho. ▪ Meu filho ou filha continua a trabalhar em um projeto mesmo quando este apresenta problemas ou os resultados demoram a surgir. ▪ Meu filho ou filha sugere maneiras imaginativas de realizar atividades, mesmo que as sugestões não sejam, algumas vezes, práticas. ▪ Meu filho ou filha usa materiais de forma original. ▪ Meu filho ou filha gosta de brincar com ideais, imaginando situações que provavelmente não ocorrerão. ▪ Meu filho ou filha acha engraçadas situações que normalmente não são consideradas engraçadas pelos colegas de sua idade. ▪ Meu filho ou filha prefere trabalhar ou brincar sozinho em vez de fazer alguma coisa apenas para fazer parte de um grupo. Os testes psicológicos, compostos por inventários de inteligência, auto- conceito, liderança, habilidades são fundamentais, desde que o profissional considere em sua avaliação a abordagem multidimensional e interdisciplinar e que haja a articulação entre os instrumentos que são próprios do psicólogo com os dados obtidos pelo professor e a família. Algumas pessoas com AH/SD, principalmente as com habilidades criativo- -produtiva possuem um pensamento altamente fecundo e apresentam carac- terísticas específicas. Veja a seguir as características observadas no Teste Torrance do Pensamento Criativo (GUIMARÃES; OUROFINO, 2007). Flexibilidade: capacidade de ver o problema sob diferentes ângulos e propor soluções de acordo com a situação. Fluência: capacidade de gerar um grande número de ideias e soluções para um problema. Elaboração: capacidade de produzir ideias raras ou incomuns, que- brando padrões habituais. Originalidade: capacidade de produzir ideias variadas e incomuns. Confira uma ampla seleção de critérios de identificação no livro Desenvolver capacidades e talentos: um conceito de inclusão, de Zenita Cunha Guenther. Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação12 Conhecidos os principais instrumentos, precisamos lembrar que a identi- ficação deve ocorrer o mais precocemente possível, para não correr o risco de desestimular a criança e aflorar conflitos socioemocionais. Isso porque: […] a identificação nos primeiros anos de vida proporciona: situar o aluno em um ambiente educativo adequado, desenvolver práticas pedagógicas que estimulem suas potencialidades, proporcionar aos pais e professores melhor compreensão de como ajudar seus filhos e alunos, e, evitar problemas futuros como desajustamento social, frustração e, principalmente, desprezo do seu próprio potencial (MARQUES, 2017, p. 137). Isso significa que, quanto antes forem identificadas as AH/SD, mais cedo os pais e professores poderão desenvolver suas capacidades. Os alunos também sofrerão menos prejuízos pela falta de valorização de seus potenciais. A iden- tificação é necessária para que possamos programar as atividades pedagógicas de acordo com as necessidades do estudante, jamais para rotular e caracterizar. O professor tem uma importância nesse processo, pois ele é quem está por mais tempo em contato com o aluno. Ele, portanto, vai ver a manifestação da criatividade, das inteligências e das questões socioemocionais. A identificação pelo profissional do atendimento educacional especializado (AEE) não substitui o diagnóstico clínico realizado por médicos neurologistas ou psicólogos. A legislação vigente aborda as pessoas com AH/SD pelo viés clínico. Já a maioria dos profissionais da educação compreende os sujeitos público-alvo da educação especial pelo viés cultural e antropológico. Isso quer dizer que os profissionais da educação consideram que as diferenças são manifestações das individualidades e singularidades de cada um, e não um problema. Os instrumentos para averiguação do nível de inteligência devem ser realizados por neurologistas, neuropediatras e psicólogos. Entretanto, o conjunto de instrumentos expostos pode ser usado pelo professor, o que denota uma identificação multidisci- plinar. Profissionais da saúde e da educação devem dialogar para que a identificação seja o mais assertiva possível. 13Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação 3 Desafios das pessoas com altas habilidades/ superdotação Pessoas com AH/SD apresentam muitos desafi os na escola, no lar, na vida social e no trabalho. Cada indivíduo vai ser afetado de uma forma diferente por cada um desses desafi os. Os fatores mencionados aqui podem não ser problemáticos para algumas pessoas, mas foram observados em muitas delas. É, portanto, importante que compreendamos eles e aprendamos a minimizá- -los. Confi ra alguns a seguir. Mitos A pessoa com AH/SD apresenta habilidades de maneira superior, quando comparadas a seus pares, em alguma ou mais áreas do conhecimento ou habilidades humanas. Por isso, há uma ideia errada de que ela terá uma vida de sucesso sem muito esforço. Esse e outros mitos, além de obscurecerem o real entendimento sobre a área, prejudicam o direcionamento correto para essas pessoas na escola, na vida social e no trabalho. O primeiro grande desafio a ser vencido são os rótulos impostos a essas pessoas, que apenas gera estigmas e generalizações. Observe alguns falsos conceitos que precisam ser revisados (SANTA CATARINA, 2016, p. 26): Todo superdotado é um gênio. Todo superdotado tem o físico pouco desenvolvido, usa óculos, possui gostos eruditos. A superdotação intelectual garantirá uma vida bem-sucedida. O superdotado sempre apresentará inteligência e habilidades acima da média em todas as fases da sua vida independente das condições ambientais a que estiver inserido. Todo superdotado deverá apresentar resultados acima da média em tudo que fizer, deverá ter bom êxito em todas as disciplinas escolares. Os familiares não devem ser comunicados que a criança tem superdotação. Os superdotados não devem saber que possuem habilidades superiores. O superdotado sempre apresentará bom desempenho na escola. A superdotação é um fenômeno que ocorre com pouquíssima frequência. O superdotado não necessita de educação especial. QI alto é suficiente para determinar a superdotação. Todo ‘criativo produtivo’ possui menos inteligência que os ‘acadêmicos’. Não existe confusão entre AH/SD e Transtornos (TDAH, TEA, TA). Pessoas com superdotação provêm de classes socioeconômicas privilegiadas. A superdotação é somente inata ou somente um produto do ambiente social. Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação14 Características individuais Todas as pessoas, assim como os sujeitos com AH/SD, constituem-se de aspectos cognitivos, afetivos, personalidade e neuropsicomotores em total relação com o contexto sociocultural e econômico. O grande desafi o é como cada pessoa reage às demandas ambientais, ou seja, como são manifestadas suas características individuais na família, na sociedade e na escola. Freitas e Pérez (2012) alertam que fatores individuais e ambientais podem camuflar os indicadores, provocando subdesempenhoe afetando a identifi- cação dos indicadores de AH/SD, pois algumas pessoas podem apresentar autoestima baixa, autoconceito negativo, ansiedade e depressão. Segundo Hakim (2016, p. 26), as habilidades dos sujeitos com AH/SD podem causar tédio, aborrecimento, rebeldia, o que pode resultar em baixo rendimento na escola, além de uma difícil “[...] adaptação do superdotado com pessoas de inteligência mediana”. Isso significa que o ajustamento social, a maturidade emocional e o desenvolvimento de um autoconceito saudável dependem, em grande parte, das condições do ambiente. As pessoas com AH/SD podem ser extremamente perfeccionistas. O per- feccionismo é produtivo, mas também pode ser prejudicial quando interfere na qualidade de vida da pessoa e nas suas relações grupais. Muitas pessoas têm dificuldade em compreender o isolamento que muitos altamente habilidosos preferem. Por conta do envolvimento com a tarefa, da alta concentração e do hiperfoco, podem passar uma imagem de arrogância. A autocrítica gera sentimentos de ansiedade e culpa, pois sabem que a expectativa dos pais e da sociedade acerca do seu desempenho é alta. As condições oferecidas pelo ambiente social, familiar e escolar têm forte influência sobre o aluno com AH/SD, principalmente na sua maturidade afetiva, no desenvolvimento de um autoconceito positivo e no ajustamento ao ambiente escolar. O aluno com AH/SD é altamente questionador e apresenta uma moral muito desenvolvida. Isso não significa que não segue regras e normas, mas que questiona regras sem sentido. Essa é uma característica recorrente na pessoa com AH/SD, pois demonstra preocupação com justiça e equidade muito mais intensamente e em escala mais ampla. Apresenta um grau maior de sensibilidade e manifesta o descontentamento com uma força argumentativa que pode gerar problemas de relacionamento ou revolta, por não poder resolver questões de injustiça social, degradação ambiental, cor- rupção, etc. Observe no Quadro 2 as consequências emocionais favoráveis e desfavoráveis decorrentes das características da pessoa com AH/SD. 15Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação Características Implicações negativas Implicações positivas Habilidade cognitiva avançada Sente-se entediado com as tarefas acadêmicas curriculares. Aprende a ler mais cedo com melhor compreensão da linguagem. Curiosidade intelectual Pode ser considerado exibido. Procura constantemente os “comos” e os “porquês”. Sensibilidade e criatividade Apresenta não conformismo. Capacidade percebida como comportamento disruptivo [que causa ruptura]. Tem habilidade para produzir muitas ideias e visualizar consequências. Intensa motivação Envolve-se em muitas atividades. Ressente-se de ser interrompido. Exibe motivação intrínseca para aprender, explorar e é persistente. Grande capacidade para demonstrar emoções É vulnerável a críticas feitas por outros e ele mesmo. Pode vivenciar sentimento de rejeição e isolamento. Reage de forma intensa a questões morais e sociais. Tem empatia. Habilidade para processar informações rapidamente Sente-se entediado com as tarefas acadêmicas curriculares. Não gosta de tarefas que envolvem reprodução do conhecimento. Adquire habilidades básicas de aprendizagem mais rapidamente e com menos prática. Quadro 2. Implicações positivas e negativas das altas habilidades/superdotação (Continua) Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação16 Altos níveis de desenvolvimento da inteligência não implicam necessa- riamente em altos níveis de desenvolvimento afetivo. A pessoa pode estar acima da média no acúmulo de conhecimentos, mas pode ter dificuldades em algumas situações de sua vida, pois tem uma sensibilidade bem mais aflorada. A isso se dá o nome assincronia. Assincronia diz respeito ao desequilíbrio entre os ritmos de desenvolvimento intelectual, emocional ou motor em cada indivíduo (SANTA CATARINA, 2016). A assincronia pode ser um desafio, pois há descompasso entre o desenvol- vimento cognitivo, afetivo e psicomotor. Pode haver habilidades cognitivas e/ou psicomotoras superiores, que provêm da facilidade com que a pessoa acumula informações e emoções, mas em uma quantidade muito maior do que ela pode absorver, em virtude de sua alta sensibilidade. Apesar de ser um conceito recorrente no estudo das AH/SD a assincronia não pode ser considerada uma característica presente em todas as pessoas, pois este grupo é heterogêneo e apresenta uma variedade de características na cognição, no social e nas emoções. Fonte: Adaptado de Santa Catarina (2016). Características Implicações negativas Implicações positivas Preocupações éticas e estéticas em tenra idade Apresenta dificuldade de relacionamento com pares de mesma idade que não possuem os mesmos interesses. É cético, crítico e avaliador, rápido em detectar inconsistência e injustiça. Pensamento independente Ressente-se da rotina. Parece ser rebelde. Tem grande prazer na atividade intelectual. Gosta de realizar tarefas de modos diferentes. Habilidade de autoavaliação Busca a perfeição. Pode ser visto como compulsivo. Tem habilidade para integrar impulsos opostos como comportamento construtivo e destrutivo. Quadro 2. Implicações positivas e negativas das altas habilidades/superdotação (Continuação) 17Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação Nem todos os alunos com AH/SD apresentam alguma reação de desajuste emocio- nal. No entanto, para aqueles que apresentam necessidades sociais e emocionais, é necessário incluir serviços na escola que lhes ofereçam oportunidades de crescimento emocional e social, para prevenir problemas emocionais ou de conduta. Identificação e escolarização De acordo com o Parecer CNE/CEB 17/2001 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001a) e a Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001b), que institui diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica: Art. 5º – Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem: […] III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. Art. 8º As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na orga- nização de suas classes comuns: […] IX – atividades que favoreçam, ao aluno que apresente altas habilidades/ superdotação, o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei nº 9.394/96 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001b, documento on-line). Há, portanto, no Brasil, claras referências sobre a caracterização das AH/ SD e de como deve ser conduzido o processo educacional. Porém, não há uma unicidade nas maneiras de identificar. Os alunos contemplados com os serviços garantidos pela política pública para AH/SD têm sua identificação feita pelo professor da sala de recursos multifuncional no AEE, mas esse público é bastante restrito. Apesar de a legislação garantir atendimento, muitos alunos não chegam a ser identificados, pois os serviços ofertados são insuficientes para atender à demanda. Gama (2013, p. 176) explica que: Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação18 A educação no Brasil está longe de ser prioridade nacional e, nesse contexto, a educação de superdotados ocupa lugar quase inexistente. Em outros países, sobretudo naqueles que se destacam no panorama internacional por sua eco- nomia e desenvolvimento, não só a educação em geral tem lugar de destaque nos planos governamentais, como a educação dos mais capazes é considerada mola propulsora do desenvolvimento. Muitos alunos estão ficando à margem do processo de identificaçãoe atendimento especializado. Muitas vezes, ao não terem a sua “sede de conheci- mento” atendida, sentem enfado e podem calar-se e isolar-se, ou ao contrário, agitar-se e questionar o professor, devido ao seu alto grau de desenvolvimento de justiça e vontade de aprender. Quando os profissionais da educação não reconhecem essas características, o aluno fica invisível e seus potenciais não são desenvolvidos na escola. Outro desafio pode ser o erro de diagnóstico. Para evitar erros de diag- nóstico é necessário conhecer as características das AH/SD e reconhecer os aspectos multidimensionais e as influências socioambientais, utilizando todos os instrumentos de modo qualitativo. Os obstáculos serão menores para o aluno quando a escola reconhecer que todos são diferentes e têm maneiras diferentes de aprender. Particularmente, o aluno com AH/SD tem necessidades de enriquecimento curricular e de protagonismo no processo educacional, considerando suas características so- cioemocionais e afetivas. Venâncio, Camargo e Piske (2018, p. 141) explica que: A forma mecânica e tecnocrática de fazer a educação, que desconsidera as emoções e dicotomiza fazer e sentir, traz sérias consequências para o ensino. Defende-se a unicidade entre cognição e afeto, considerando que as emoções são eliciadoras da ação humana e sugere-se a necessidade de adequação pedagógica para redirecionar o ensino atual de forma a particulariza-lo e torná-lo, efetivamente, inclusivo. A escola, para contribuir com o pleno desenvolvimento intelectual, físico, psicológico e emocional do aluno com AH/SD, deve considerar os estilos, canais e ritmos de aprendizagem de cada aluno, com métodos e estratégias diversificadas, atividades que utilizem o corpo todo e prover momentos de escuta ao aluno, visando o seu desenvolvimento socioemocional. Precisa ofertar momentos em que o aluno manifeste suas angústias e anseios para garantir seu pleno desenvolvimento socioemocional. O aspecto emocional deve ser considerado, pois o aluno é corpo, mente e emoção. É, portanto, salutar a utilização de atividades que explorem a afetividade, concomitantes com o ensino das áreas do conhecimento. A expectativa é que ocorra o enriqueci- 19Quem são os sujeitos com altas habilidades/superdotação mento do currículo e das metodologias, para que o aluno seja atendido em seus anseios por conhecimento e criação, não apenas em volume de conhecimento e atividades, mas em qualidade. Concluindo, ao pensarmos nos indicadores de AH/SD, devemos considerar as características cognitivas, sociais e morais. Existem ainda os domínios próprios de cada um, que foram construídos de modo muito particular nas suas interações com o meio. Além disso, precisamos levar em conta seus traços de personalidade, interesses e motivações. Conhecendo a teoria das múltiplas inte- ligências, os três anéis e a influência do meio social e histórico onde a criança vive, percebemos a complexidade em descrever os indicadores de AH/SD. O comportamento superdotado é constituído por elementos heterogêneos e com muitas variáveis e, por isso, a abordagem multidimensional é tão importante. ALENCAR, E. M. L. S. Indivíduos com altas habilidades/superdotação: clarificando con- ceitos, desfazendo ideias errôneas. In: FLEITH, D. de S. (org.). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação: orientação a professores. Brasília, DF: MEC, 2007. v. 1, p. 16-23. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades edu- cacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação. 2. ed. Brasília, DF, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/altashabilidades. pdf. Acesso em: 26 fev. 2020. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CNE/CEB 17/2001 – homologado. Brasília, DF, 2001a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/parecer17.pdf. Acesso em: 4 mar. 2020. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001. Institui diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. 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