Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 2 APRESENTAÇÃO 8 AULA 1: CONSTITUIÇÃO E PROCESSO 9 INTRODUÇÃO 9 CONTEÚDO 10 PROCESSO CONSTITUCIONAL 10 A RIGIDEZ CONSTITUCIONAL E A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO COMO PREMISSAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS 12 TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE 17 CRITÉRIO QUANTO AO OBJETO: INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL E INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL 18 CRITÉRIO QUANTO À CONDUTA: INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO (COMISSIVA) OU INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (OMISSIVA) 20 CRITÉRIO QUANTO AO TEMPO: INCONSTITUCIONALIDADE ORIGINÁRIA OU INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE 24 CRITÉRIO QUANTO À RELAÇÃO QUE MANTÉM COM A CONSTITUIÇÃO: INCONSTITUCIONALIDADE DIRETA OU INCONSTITUCIONALIDADE INDIRETA (POR DERIVAÇÃO) 25 ATIVIDADE PROPOSTA 25 REFERÊNCIAS 26 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 26 AULA 2: CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 30 INTRODUÇÃO 30 CONTEÚDO 30 SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM PERSPECTIVA COMPARADA 31 JUDICIAL REVIEW: O SISTEMA DIFUSO NORTE-AMERICANO 31 O SISTEMA AUSTRÍACO OU EUROPEU DE CONSTITUCIONALIDADE (CONTROLE ABSTRATO) 33 O MODELO FRANCÊS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE (CONTROLE POLÍTICO)36 3 OS SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA ALEMANHA E DA ITÁLIA (CONTROLE CONCENTRADO E INCIDENTAL) 38 VISÃO PANORÂMICA DO SISTEMA BRASILEIRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 39 CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO BRASILEIRO 43 CONTROLE PREVENTIVO POLÍTICO 43 CONTROLE PREVENTIVO JUDICIAL 45 CONTROLE REPRESSIVO POLÍTICO 48 ATIVIDADE PROPOSTA 50 REFERÊNCIAS 50 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 51 AULA 3: CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE 54 INTRODUÇÃO 54 CONTEÚDO 55 A PETIÇÃO INICIAL E A SENTENÇA NO CONTROLE POR VIA INCIDENTAL 56 LEGITIMAÇÃO PARA O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE 59 A CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO E A CISÃO FUNCIONAL DE COMPETÊNCIA 61 EFEITOS DA DECISÃO FINAL DE MÉRITO PELO STF EM SEDE DE ARGUIÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE 69 O PAPEL DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE 73 A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 52, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO E A TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES 76 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA 79 ATIVIDADE PROPOSTA 80 REFERÊNCIAS 81 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 81 AULA 4: CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE 86 INTRODUÇÃO 86 CONTEÚDO 87 ELEMENTOS TEÓRICOS DO CONTROLE CONCENTRADO 87 ELEMENTOS TEÓRICOS DO CONTROLE PRINCIPAL 87 ELEMENTOS TEÓRICOS DO CONTROLE ABSTRATO 88 4 O REGIME JURÍDICO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI): ASPECTOS GERAIS 89 CONCEITO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 90 OBJETO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 90 COMPETÊNCIA 90 LEGITIMADOS ATIVOS 91 OS LEGITIMADOS UNIVERSAIS E ESPECIAIS 91 A FIGURA DO AMICUS CURIAE 95 PAPEL DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO 95 PAPEL DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA 96 EFEITOS E MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DO STF EM SEDE DE ADI 96 O REGIME JURÍDICO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC) 97 A RELEVANTE CONTROVÉRSIA JUDICIAL 97 OBJETO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 98 A NATUREZA DÚPLICE DA ADI/ADC 99 O REGIME JURÍDICO DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF) 100 CONCEITO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 100 OBJETO E TIPOS DE ADPF 101 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE EM SEDE DE ADPF 102 ATIVIDADE PROPOSTA 104 REFERÊNCIAS 104 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 105 AULA 5: RI E ADINT 109 INTRODUÇÃO 109 CONTEÚDO 110 A REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE (RI) E O CONTROLE ABSTRATO NOS ESTADOS-MEMBROS 110 CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE 111 OBJETO DAS REPRESENTAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE 112 COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DAS REPRESENTAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE 113 A JURISPRUDÊNCIA DO STF E AS REPRESENTAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE 114 5 A NATUREZA POLÍTICA DA INTERVENÇÃO FEDERAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 117 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA (ADINT) 118 HIPÓTESES DE CABIMENTO DA ADINT 119 LEGITIMIDADE PASSIVA E ATIVA AD CAUSAM PARA PROPOR ADINT 120 PROCEDIMENTO DA AÇÃO INTERVENTIVA REGULADO PELA LEI N. 4337/64 120 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SENSÍVEIS 121 JURISPRUDÊNCIA DO STF 122 ATIVIDADE PROPOSTA 123 REFERÊNCIAS 123 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 124 AULA 6: HABEAS CORPUS E HABEAS DATA 127 INTRODUÇÃO 127 CONTEÚDO 128 CONTEXTO HISTÓRICO DO HABEAS CORPUS 131 A DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS 133 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO HABEAS CORPUS 136 CONCEITO CONSTITUCIONAL DO HABEAS DATA 140 COMPARAÇÃO COM O DIREITO DE PETIÇÃO E COM O DIREITO DE OBTER CERTIDÕES 141 DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO A OBTENÇÃO DE CERTIDÕES 141 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO HABEAS DATA 143 ATIVIDADE PROPOSTA 145 REFERÊNCIAS 145 EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO 146 AULA 7: MANDADO DE SEGURANÇA E AÇÃO POPULAR 150 INTRODUÇÃO 150 CONTEÚDO 151 CONCEITO CONSTITUCIONAL DO MANDADO DE SEGURANÇA 152 OBJETO, LEGITIMIDADE E MODALIDADES DO MANDADO DE SEGURANÇA 153 CONCEITO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO 158 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO MANDADO DE SEGURANÇA 158 AÇÃO POPULAR 167 ATIVIDADE PROPOSTA 168 6 REFERÊNCIAS 169 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 169 AULA 8: MANDADO DE INJUNÇÃO E AÇÃO POR OMISSÃO 174 INTRODUÇÃO 174 CONTEÚDO 175 NEOCONSTITUCIONALISMO, ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA 175 COMPARAÇÃO ENTRE A ADO E O MANDADO DE INJUNÇÃO 181 ATIVIDADE PROPOSTA 189 REFERÊNCIAS 189 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 190 CHAVES DE RESPOSTA 194 AULA 1 194 ATIVIDADE PROPOSTA 194 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 195 AULA 2 196 ATIVIDADE PROPOSTA 196 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 196 AULA 3 197 ATIVIDADE PROPOSTA 197 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 198 AULA 4 199 ATIVIDADE PROPOSTA 199 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 200 AULA 5 201 ATIVIDADE PROPOSTA 201 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 202 AULA 6 203 ATIVIDADE PROPOSTA 203 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 203 AULA 7 204 ATIVIDADE PROPOSTA 204 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 204 AULA 8 205 7 ATIVIDADE PROPOSTA 205 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 206 CONTEUDISTA 207 8 Esta disciplina insere-se no conjunto do módulo de Direito Constitucional e dedica-se ao estudo do processo constitucional. Para tanto, contempla temas do controle de constitucionalidade e das ações constitucionais. Nesse sentido, está constituída em torno da jurisdição constitucional e dos remédios constitucionais. Com efeito, a importância do processo constitucional aumenta em tempos de leitura moral da Constituição em virtude da busca de realização do princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos: 1. Analisar o complexo sistema brasileiro de controle de constitucionalidade exercido pelos três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), bem como compreender as influências sofridas do direito comparado; 2. Compreender a configuração dos processos regulamentados pela Constituição no que tange às garantias voltadas para a tutela dos direitos fundamentais. 9 Introdução Na presente aula, serão estudadas as conexões entre a supremacia constitucional e a rigidez constitucional no âmbito do controle de constitucionalidade, bem como os diferentes tipos de inconstitucionalidade. Com efeito, desde o surgimento do Estado de Direito, por ocasião dos grandes movimentos revolucionários liberais do século XVIII, desponta a ideia de que a Constituiçãoé lei fundamental de hierarquia superior sobre todos os demais atos estatais e poderes constituídos, daí, portanto, a necessária compreensão da sua relação com o conceito de rigidez constitucional. Na sequência dos estudos, pretende-se analisar as espécies de inconstitucionalidade. Nesse sentido, é importante compreender que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade volve-se, tradicionalmente, para a fiscalização da atuação normativa do Estado, tratando de forma diferenciada os diversos tipos de inconstitucionalidade existentes. Sendo assim, é objetivo desta aula: 1. Analisar as conexões entre a supremacia constitucional, a rigidez constitucional e o controle da constitucionalidade, identificando as diferentes espécies de inconstitucionalidade. 10 Conteúdo Processo Constitucional Antes de enfrentar as questões centrais da aula 1, é importante examinar a construção doutrinária que circunscreve o conceito de processo constitucional. Destarte, é importante, inicialmente, relacionar o processo constitucional com o respeito à Constituição e com a garantia dos direitos fundamentais. Em essência, a ideia de processo constitucional está diretamente ligada ao ramo do direito processual que regula o controle de constitucionalidade (verificação da compatibilidade vertical das normas infraconstitucionais com o texto constitucional) e que traz, na sua esteira, a verificação da efetividade do regime jurídico de proteção dos direitos fundamentais. Em linhas gerais, é possível definir o direito processual constitucional como o ramo do direito que se ocupa do conjunto de atos dos poderes estatais que objetivam garantir a supremacia da Constituição e o respeito ao catálogo de direitos fundamentais do cidadão comum, não se limitando, por conseguinte, ao processo judicial. Nesse sentido, a lição de Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi, quando afirmam que: Alguns autores definem o processo constitucional como sequência de atos que objetiva permitir uma decisão judicial sobre a constitucionalidade de certas normas (processo de fiscalização da constitucionalidade). Essa definição é indevidamente restritiva, pois não leva em consideração que o processo constitucional não se limita ao processo judicial. Os demais poderes do Estado também utilizam processos específicos para verificar a constitucionalidade de normas.1 Com efeito, o processo constitucional não abarca tão somente a legitimidade dos órgãos de fiscalização do cumprimento da Constituição e as teorias da decisão 1 DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. Controle de constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011. p. 9. 11 judicial sobre a constitucionalidade de normas jurídicas, mas inclui, também, a estrutura prática do controle de constitucionalidade realizado por todos os entes do poder estatal (judicial e não judicial). Porém, nem todo ato que atua conforme a vontade das normas constitucionais é ato do processo constitucional. Como bem destacam Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi, verbis: O guarda do trânsito que constata infração aplica leis que foram criadas de acordo com a Constituição e quer preservar a vida, a integridade corporal e a liberdade de locomoção das pessoas. Nesse sentido, atua de acordo com a vontade das normas constitucionais. Mas nem por isso o fato de fiscalizar o trânsito e aplicar multas é um processo constitucional.2 E mais adiante arrematam os referidos doutrinadores: Finalmente, alguns autores consideram processo constitucional o conjunto de tipos de processo regulamentados pela Constituição. Nessa perspectiva, se estuda a configuração de vários processos regulamentados na Constituição sob a denominação de "processo constitucional". A Constituição Federal de 1988 menciona e regulamenta vários tipos de processo que objetivam garantir o respeito a direitos fundamentais ou a regras de organização do poder do Estado. Encontramos, entre outros: habeas corpus, mandado de segurança individual e coletivo, habeas data, mandado de injunção, desa- propriação, ação popular, ação civil pública, procedimento especial no Tribunal do Júri, ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão, ação declaratória de constitucionalidade, arguição de descumprimento de preceito fundamental, processo legislativo, impeachment. Isso significa que não há um processo constitucional e sim multiplicidade de processos constitucionais. 3 Em suma, o conceito de processo constitucional está, induvidosamente, atrelado 2 Ibid, p. 10. 3 Ibid, p. 9-10. 12 tanto aos elementos teóricos e práticos do controle de constitucionalidade, quanto aos remédios constitucionais, aqui percebidos como ações constitucionais que tutelam os direitos fundamentais do cidadão comum. Assim, o processo constitucional seria o ramo do direito processual voltado para a análise do conjunto de instrumentos processuais garantidores do respeito à Constituição e objetivaria assegurar a efetividade das normas constitucionais, notadamente, aquelas garantidoras dos direitos e garantias fundamentais. A Rigidez Constitucional e a Supremacia da Constituição como Premissas do Controle de Constitucionalidade das Leis Desde os grandes movimentos revolucionários liberais do século XVIII (Revolução americana de 1776 e Revolução francesa de 1789), a Constituição passa a ser percebida como lei fundamental de hierarquia superior sobre os demais atos normativos do Estado. Esta superioridade conquistada pela Constituição foi fruto da estratégia hermenêutica do Estado liberal no seu afã de afastar os abusos do rei-legislador do constitucionalismo não democrático do Estado absoluto. Com efeito, o princípio da supremacia da Constituição nasce atrelado ao constitucionalismo liberal-burguês, que, por sua vez, traz na sua esteira o conceito de Estado de Direito como resposta ao absolutismo monárquico. Ou seja, a ascensão da burguesia no plano econômico já não mais se coadunava com a estrutura de poder político do Estado Absoluto, cuja ordem jurídica não reconhecia nem mesmo a igualdade formal perante a lei, ao revés, fixava privilégios odiosos para a nobreza em detrimento da burguesia e do povo, notadamente no campo tributário. Assim, o constitucionalismo liberal, desde sua origem, justifica a normatividade superior da Constituição a partir de nova lógica jurídico-política, qual seja: a 13 Carta Constitucional é instrumento superior gerado pelo poder constituinte originário, único detentor de legitimidade democrática para criar o novo Estado, limitando seu poder até então absoluto, seja pela separação de poderes, seja pela fixação de um catálogo de direitos fundamentais que se colocam acima das próprias razões de Estado. Eis aqui os pilares de sustentabilidade do Estado Democrático de Direito, quais sejam: o princípio da separação de poderes como limitador do poder estatal e a garantia de direitos fundamentais do cidadão comum posicionados acima do próprio Estado. Isto significa dizer que os poderes executivo, legislativo e judiciário, na qualidade de poderes constituídos pelo poder constituinte originário (Assembleia Nacional Constituinte), são poderes autônomos e harmônicos entre si, porém sem predominância de uns sobre os outros. E o que é mais importante destacar: são poderes limitados pelos comandos de uma Constituição dotada de supremacia, que necessita de umprocesso legislativo especial e mais rigoroso para ser modificada (rigidez constitucional), escrita e que, a um só tempo, garante direitos fundamentais dos cidadãos comuns, distribui competências dos entes estatais e fixa regras para a elaboração dos atos normativos do Estado (processo legislativo). À luz de tais considerações, fácil é perceber a relevância do exame das conexões entre o controle de constitucionalidade e as ideias de supremacia da Constituição, rigidez constitucional, proteção de direitos fundamentais e limitações do poder constituinte derivado reformador. Dessarte, quando o poder constituinte derivado reformador viola direitos fundamentais ou fere de morte a supremacia de uma Constituição rígida e escrita, o mecanismo de controle de constitucionalidade é acionado como elemento garantidor da restauração de equilíbrio do sistema jurídico. 14 É por isso que Manoel Gonçalves Ferreira Filho, destacando as diferenças entre rigidez e flexibilidade constitucional, bem como de poder constituinte originário e poder constituinte derivado, ensina que: A distinção entre Constituição rígida e Constituição flexível, entre Poder Constituinte originário e Poder Constituinte derivado, implica a existência de um controle de constitucionalidade. De fato, onde este [controle de constitucionalidade] não foi previsto pelo constituinte, não pode haver realmente rigidez constitucional ou diferença entre o Poder Constituinte originário e o derivado. Em todo Estado onde faltar controle de constitucionalidade, a Constituição é flexível; por mais que a Constituição se queira rígida, o Poder Constituinte perdura ilimitado em mãos do legislador.4 Resta indubitável que os conceitos de rigidez constitucional e supremacia da Constituição estão atrelados diretamente à ideia de controle de constitucionalidade. Nesse sentido, Luis Roberto Barroso destaca com precisão que “duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais”.5 Na mesma toada, ensina José Afonso da Silva: A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para a sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial consequência, o princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, “é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito público”. 6 4 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 34. 5 BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1. 6 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 45. 15 Portanto, a ideia de controle de constitucionalidade não está ligada apenas à de Constituição rígida e escrita, mas, também, à supremacia da Constituição, à proteção dos direitos fundamentais e ao Estado Democrático de Direito. A questão que se impõe é saber: Como defender a supremacia da Constituição contra violações do poder constituinte derivado reformador? Como garantir que a superioridade das normas constitucionais seja efetivamente observada pelos poderes constituídos? É o controle de constitucionalidade que garante a rigidez constitucional e a supremacia da Constituição, ou, é o contrário, isto é, são estas que garantem aquele? Hans Kelsen muito se aproxima de tais questionamentos quando alerta que “uma Constituição que não dispõe de garantia para anulação de atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória, (...) não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante”. De fato, a inexistência de controle de constitucionalidade inviabiliza a rigidez constitucional, aqui, compreendida como a imposição de um processo legislativo mais dificultoso para alterar as normas constitucionais em comparação às normas infraconstitucionais. É certo afirmar que os conceitos de controle de constitucionalidade e rigidez constitucional se misturam de tal sorte que um Estado onde inexistir controle de constitucionalidade será um Estado de plasticidade constitucional (flexibilidade constitucional), ainda que tente se autodenominar Estado de Constituição rígida, pois nele o poder constituinte derivado continuará soberano, ilimitado, incondicionado, tal qual o poder constituinte originário, ou seja, não haverá nenhuma distinção entre eles. Em sede de plasticidade constitucional (flexibilidade constitucional), não existe aquela imagem de uma Constituição superior como fonte primária de validade normativa da produção legislativa ordinária de grau inferior (pirâmide normativa kelseniana). 16 Nesse sentido, a Constituição se apresenta com o signo da verticalidade normativa fundamentadora, conferindo validade para os demais atos normativos do sistema jurídico. A lição de José Afonso da Silva é precisa neste ponto: As normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores. Essa incompatibilidade vertical de normas inferiores (leis, decretos etc.) com a constituição é o que, tecnicamente, se chama inconstitucionalidade das leis ou atos do Poder Público. 7 Dessarte, para que se possa falar em controle de constitucionalidade no plano jurídico, há que se examinar a adequação das leis infraconstitucionais à Constituição, aferindo-se tanto a supremacia formal quanto a material. Ou seja, a supremacia da Constituição caracteriza-se tanto pelo seu conteúdo (supremacia material) quanto pelo processo de elaboração de suas normas (supremacia formal). Portanto, é certo dizer que, nos países em que a Constituição é histórica, não escrita, consuetudinária, como no Reino Unido, por exemplo, onde impera a flexibilidade constitucional, não subsiste controle de constitucionalidade, porque a lei fundamental pode ser modificada pelo mesmo procedimento da legislação ordinária. Em linhas gerais, a supremacia material, também denominada de superlegalidade material, implica a subordinação do conteúdo de todos os atos normativos estatais aos princípios e regras constitucionais, enquanto que a supremacia formal, também denominada superlegalidade formal, impõe a 7 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 45. 17 obediência aos ditames constitucionais ligados à competência e ao processo legislativo como um todo. Assim sendo, a questão – de saber se é o controle de constitucionalidade que garante a rigidez constitucional e a supremacia da Constituição, ou, se é o contrário, isto é, se são estas que garantem aquele – é facilmente respondida. Com efeito, já não resta mais nenhuma dúvida de que os conceitos de rigidez constitucional e supremacia da Constituição são pressupostos para o controle de constitucionalidade, da mesma forma que o controle de constitucionalidade é premissa para a preservação da supremacia da Constituição e para a rigidez constitucional. Para que haja controle de constitucionalidade, é necessário que a Constituição determine qual éo órgão ou quais são os órgãos com legitimidade democrática para aferir possíveis violações à Constituição. Realmente, se não houver tal órgão próprio destinado a negar validade às leis atentatórias aos princípios e regras da Constituição, não há como resguardar sua superioridade perante as leis ordinárias. Uma vez compreendida a conexão entre a rigidez constitucional, a supremacia da Constituição e o controle de constitucionalidade, importa, agora, prosseguir com a análise do fenômeno e dos tipos ou formas de inconstitucionalidade. Tipos de Inconstitucionalidade Entre outros, os seguintes critérios serão aqui analisados: a) quanto ao objeto; b) quanto ao tipo de conduta; c) quanto ao tempo ou momento e d) quanto à relação que mantém com a Constituição. 18 Critério Quanto ao Objeto: Inconstitucionalidade Material e Inconstitucionalidade Formal Na inconstitucionalidade material, há violação de uma conduta imposta pela Constituição, ou seja, há um descompasso entre o conteúdo do ato público e a Constituição. No dizer de Gilmar Mendes, “a inconstitucionalidade material envolve, porém, não só o contraste direto do ato legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativo”. Assim sendo, destaca o eminente jurista que: A doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, que se revela mediante contrariedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. No direito constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade ou ao princípio da proibição de excesso, qualidade de norma constitucional não escrita, derivada do Estado de Direito. 8 Em essência, a inconstitucionalidade material se caracteriza pela violação do conteúdo das normas constitucionais, sendo por isso mesmo insanável. Ou seja, a inconstitucionalidade material será observada quando a lei infraconstitucional contrariar alguma norma substantiva da Constituição, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana ou a regra da aposentadoria compulsória aos 70 anos. Diferente é o conceito de inconstitucionalidade formal que se caracteriza pela violação das normas do processo legislativo ou pelo descumprimento das normas relativas à repartição constitucional de competência dos entes federativos. No dizer de Luís Roberto Barroso: “Ocorrerá inconstitucionalidade formal quando um ato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de 8 Cf.ob.cit.pp. 1013-5. 19 competência ou com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico”.9 A inconstitucionalidade ligada à repartição de competência é denominada pela doutrina de inconstitucionalidade orgânica, vale dizer uma espécie do gênero inconstitucionalidade formal que se relaciona com a incompetência do órgão emissor do comando legislativo, como por exemplo, uma lei estadual que regula matéria de direito penal sem a respectiva lei complementar de autorização da União. Outro exemplo de inconstitucionalidade orgânica seria o de uma lei federal que disponha sobre aumento de remuneração de servidores do Poder Executivo federal e não seja de iniciativa do Presidente da República (art. 61, § 1.º, II, a da CRFB/88). Da mesma forma, estará eivada do vício de inconstitucionalidade orgânica a lei federal que conceda isenção aos contribuintes de imposto estadual ou municipal (art. 151, III da CRFB/88). Além disso, parte da doutrina costuma ainda classificar a inconstitucionalidade formal da seguinte maneira: Inconstitucionalidade formal objetiva (vício de rito ou procedimento). Inconstitucionalidade formal subjetiva (vício de iniciativa). Nessa última modalidade de inconstitucionalidade formal subjetiva por vício de iniciativa, é sempre bom lembrar que a súmula 5 não mais vigora, pois o atual entendimento do STF é no sentido de que a sanção do presidente da república não sana o vício de iniciativa, isto é, o fato de o chefe do poder executivo ter sancionado uma lei cuja iniciativa legislativa era sua, não livra tal ato de ser declarado inconstitucional por vício de iniciativa (inconstitucionalidade formal 9 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. Rio de Janeiro: Saraiva, 2009. p. 26. 20 subjetiva). Assim sendo, se um Senador ou Deputado Federal apresentar projeto de lei aumentando os salários dos servidores públicos federais, ocorrerá vício classificado como inconstitucionalidade formal subjetiva. Critério Quanto à Conduta: Inconstitucionalidade por Ação (Comissiva) ou Inconstitucionalidade por Omissão (Omissiva) A inconstitucionalidade será por ação quando ocorrer uma transgressão ativa dos limites jurídicos impostos pela Constituição da República. Trata-se, portanto, de um ato positivo contrário à Constituição. Na inconstitucionalidade por ação a conduta é positiva, imputável aos três poderes. Já a inconstitucionalidade por omissão será configurada quando o Estado deixar de agir positivamente diante de um comando constitucional. Ou seja, ocorre a omissão inconstitucional quando um não fazer do Estado impede que a norma constitucional se torne efetiva. Da mesma forma, a inconstitucionalidade por omissão é imputável aos três poderes. No Brasil, a inconstitucionalidade por omissão é tratada em duas grandes figuras jurídicas, a saber: o mandado de injunção (MI) previsto no art. 5º, LXXI e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) fixada no art. 103, § 2º. Ainda sobre a inconstitucionalidade por omissão, seja no MI, seja na ADO, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a esta somente se caracteriza quando o não fazer estatal deixa de regulamentar normas constitucionais de eficácia limitada, exatamente porque são as únicas cuja aplicabilidade depende da intervenção legislativa superveniente do legislador. 10 O mesmo não ocorre com as normas de eficácia plena e as normas de eficácia contida, que já adentram no mundo jurídico com aplicabilidade direta e imediata, sendo que estas últimas (normas de eficácia contida) podem ser restringidas pelo legislador ordinário em leis reguladoras posteriores. 10 STF, Tribunal Pleno, Ação direta de inconstitucionalidade por omissão n.º 297, julgamento em 25/04/96, Relator Ministro Octávio Gallotti, votação unânime. 21 Leia o texto extraído do livro controle de constitucionalidade dos autores Guilherme Sandoval e Cleyson de Moraes constante da biblioteca virtual da disciplina: Distinção entre os conceitos de inconstitucionalidade por omissão e a lacuna de legislação Com efeito, a configuração da lacuna técnica, ao contrário da omissão inconstitucional, não demanda intervalo de tempo. A lacuna técnica pode ser suprida pela aplicação da analogia, bons costumes e princípios gerais do direito, enquanto a omissão inconstitucional poderá ser suprida pelo Mandado de Injunção (art. 5º, inc. LXXI) ou pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103§ 2º). Com relação ao mandado de injunção (MI), foi sancionada a Lei nº 13.300/16, que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo, inovando a ordem jurídica, na medida em que faz referência direta à expressão“falta total ou parcial de norma regulamentadora”, expressão esta que não se encontra positivada na Constituição de 1988. Portanto, agora, a figura jurídica do Mandado de Injunção também é instrumento hábil para combater a omissão parcial, vale repetir, situações em que, apesar da existência de regulamentação, esta for insuficiente, nos termos do art. 2º, caput, e parágrafo único da referida lei. Nesse sentido, resta indubitável que tal remédio constitucional ganhou regulamentação que o encaminha na direção daquilo para o que foi vocacionado, isto é, suprimir omissões normativas do legislador democrático que tenham latitude para esvaziar completamente direitos e liberdades dos cidadãos, como no caso das normas constitucionais de eficácia limitada, em que a garantia de sua eficácia positiva ou simétrica fica dependente, necessariamente, de lei regulamentadora ulterior. Com isso, o direito que é garantido pela Constituição fica sem ser exercido porque condicionado à edição normativa superveniente. Constitucionalmente previsto, o mandado de injunção é o instrumento que 22 permite ao jurisdicionado exigir do poder estatal (Executivo, Legislativo ou Judiciário) a edição de normas ou outros atos estatais que garantam a eficácia positiva do núcleo essencial dos direitos e as garantias previstas na Constituição. Também tem o condão de reparar a inexistência ou a insuficiência de normas regulamentadoras necessárias ao exercício das prerrogativas ligadas à nacionalidade, à soberania e à cidadania. A inconstitucionalidade por omissão pode ainda ser classificada como total ou parcial. A primeira, também denominada de omissão absoluta, ocorre quando o não fazer estatal não atende ao dispositivo constitucional por completo, isto é, o mandamento constitucional não é cumprido integralmente. Já a inconstitucionalidade por omissão parcial ocorre quando houver o descumprimento da norma constitucional de eficácia limitada apenas parcialmente ou de modo deficiente ou insuficiente. Por modo deficiente ou insuficiente deve-se compreender a regulamentação que não viabiliza o pleno gozo dos efeitos pretendidos pela norma constitucional ou, ainda, quando a regulamentação feita viola o princípio da isonomia, não permitindo que a regulamentação integral seja aproveitada por todos os beneficiários possíveis. No dizer de Gilmar Mendes, essa exclusão pode verificar-se de forma concludente ou explícita. É concludente se a lei concede benefícios apenas a determinado grupo; a exclusão de benefícios é explicita se a lei geral que outorga determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros segmentos. 11 Nossa Suprema Corte já se manifestou acerca da inconstitucionalidade por omissão parcial no caso da lei que regulamentou artigo 7.°, IV, da Constituição, na medida em que fixou o salário mínimo em condições insatisfatórias em relação ao determinado na norma constitucional ut supra. 11 Cf.ob.cit.p. 1027. 23 Salário Mínimo. Valor Insuficiente. Situação de Inconstitucionalidade por Omissão Parcial. - A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7.º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. - A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. 12 Finalmente, vale fazer o alerta de que há uma diferença entre os conceitos de inconstitucionalidade por omissão e lacuna de legislação, ou seja, esta última, ao contrário da inação inconstitucional, não exige ato normativo faltante, podendo, portanto, ser suprida pela aplicação da analogia, bons costumes e princípios gerais do direito, enquanto que a omissão inconstitucional somente poderá ser 12 STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade - Medida Cautelar n.º 1458, julgada em 23/05/96. 24 superada pelo mandado de injunção ou pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Critério Quanto ao Tempo: Inconstitucionalidade Originária ou Inconstitucionalidade Superveniente A terceira classificação da tipologia da inconstitucionalidade no Brasil se refere ao tempo, daí sua subdivisão em inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente. A inconstitucionalidade originária é aquela em que a inconstitucionalidade da norma é aferida no momento de sua criação ou ocorrer em momento posterior em virtude de alteração da Constituição. No dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira, citados por Manoel Jorge e Silva Neto: a inconstitucionalidade tanto pode existir no momento da formação da norma, como ocorrer apenas posteriormente, por efeito de alteração da constituição. 13 Já a inconstitucionalidade superveniente se caracteriza quando uma norma inicialmente constitucional perde tal qualidade no momento em que ocorre uma alteração ou ruptura constitucional, isto é, por emenda ao seu texto ou pelo advento de uma nova ordem constitucional ou até mesmo uma mutação constitucional (nova interpretação sem mudança de texto). A jurisprudência da nossa Corte Suprema não admite a tese da constitucionalidade superveniente, vale explicitar uma lei anteriormente inconstitucional, após uma alteração no texto da Constituição, torna-se constitucional (compatível com um novo comando constitucional). Com efeito, no RE nº 390.840/MG, julgado em 9/11/2005, relator Ministro Marco Aurélio, o STF não contemplou a figura jurídica da constitucionalidade superveniente. Em suma, a jurisprudência do STF não reconhece a possibilidade de que uma alteração na Constituição venha a tornar constitucional uma norma infraconstitucional anteriormente incompatível com a Carta ápice. Da mesma forma, no âmbito do direito intertemporal, não há a chamada inconstitucionalidade formal 13 Cf Ob. cit. pg. 173. 25 superveniente na medida em que toda e qualquer norma infraconstitucional anterior à Constituição que seja materialmente com ela compatível será recepcionada com o novo status conferido pelo novo paradigma constitucional, não importando a sua qualificação formal anterior. Critério Quanto à Relação que Mantém com a Constituição: Inconstitucionalidade Direta ou Inconstitucionalidade Indireta (por derivação)A inconstitucionalidade direta ocorre quando uma norma viola a Constituição sem intermediação de qualquer outro ato ou veículo normativo. Há, portanto, uma relação direta com a Constituição. É o caso, por exemplo, de uma norma infraconstitucional primária (lei complementar ou ordinária) violando um dispositivo constitucional. Diferente é a inconstitucionalidade indireta como, por exemplo, na hipótese de um decreto editado pelo Presidente da República para regulamentar uma determinada lei infraconstitucional e feito de forma incompatível com a Constituição. Nessa situação, a hipótese é de mera ilegalidade e não de inconstitucionalidade. Destarte, podemos dizer que o direito brasileiro, notadamente a jurisprudência do STF, não reconhece a existência de uma inconstitucionalidade por derivação, indireta, derivada, mediata, uma vez que a verticalidade fundamentadora não é a Constituição, mas, sim, a lei infraconstitucional sendo regulamentada. Atividade Proposta Suponha que uma lei ordinária federal, dispondo sobre o aumento da remuneração dos servidores públicos da União, cujo projeto de lei foi apresentado por Senador, tenha sido sancionada pelo próprio Presidente da República que concordou plenamente com o percentual do aumento concedido. Nessa hipótese, é válido afirmar que a referida lei é plenamente compatível com a Constituição porque a sanção do Presidente afastou possível vício de iniciativa? 26 Referências BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013. GÓES, Guilherme Sandoval, MELLO, Cleyson de Moraes. Controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. O controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 2012. _____. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Estudos de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. Exercícios de Fixação Questão 1 Com o objetivo de incrementar a arrecadação tributária, projeto de lei estadual, de iniciativa parlamentar, cria uma gratificação de produtividade em favor dos Fiscais de Rendas que, no exercício de suas atribuições, alcancem metas previamente estabelecidas. O projeto é aprovado pela Assembleia Legislativa e, em seguida, encaminhado ao Governador do Estado, que o sanciona. Com base no cenário acima, assinale a única resposta correta: a) A lei estadual é compatível com a Constituição da República, desde que a Constituição do Estado não reserve à Chefia do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos estaduais. 27 b) A lei estadual é constitucional, em que pese o vício de iniciativa, pois a sanção do Governador do Estado ao projeto de lei teve o condão de sanar o defeito de iniciativa. c) A lei estadual é formalmente inconstitucional, uma vez que são de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos da administração direta e autárquica estadual. d) A lei estadual é materialmente inconstitucional, uma vez que os projetos de lei de iniciativa dos Deputados Estaduais não se submetem à sanção do Governador do Estado, sob pena de ofensa à separação de poderes. Questão 2 Projeto de lei estadual de iniciativa parlamentar concede aumento de remuneração a servidores públicos estaduais da área da saúde e vem a ser convertido em lei após a sanção do Governador do Estado. A referida lei é: a) Compatível com a Constituição da República, desde que a Constituição do Estado‐membro não reserve à Chefia do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos estaduais. b) Constitucional, em que pese o vício de iniciativa, pois a sanção do Governador do Estado ao projeto de lei teve o condão de sanar o defeito de iniciativa. c) Materialmente inconstitucional, uma vez que os projetos de lei de iniciativa dos Deputados Estaduais não se submetem à sanção do Governador do Estado, sob pena de ofensa à separação de poderes. d) Formalmente inconstitucional, uma vez que são de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos da administração direta e autárquica estadual. 28 Questão 3 Sabendo-se que o sistema financeiro deverá ser regulado por lei complementar, nos termos do art. 192, da Constituição Federal, caso eventual lei ordinária venha a discipliná-lo, essa lei padecerá de: a) Inconstitucionalidade formal, não podendo ser controlada pelo Judiciário, pelo fato de a aprovação equivocada da lei ser matéria interna corporis do Poder Legislativo. b) Inconstitucionalidade formal, podendo ser controlada pelo Judiciário, tanto pela via difusa, como pela via concentrada. c) Inconstitucionalidade material, podendo ser controlada pelo Judiciário, apenas pela via difusa. d) Inconstitucionalidade material, podendo ser controlada pelo Judiciário, apenas pela via concentrada, por ser norma de âmbito nacional. e) Inconstitucionalidade formal e material, pois viola tanto o processo legislativo como também o princípio da predominância do interesse. Questão 4 No que concerne ao controle de constitucionalidade, assinale a opção correta: a) Controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade de qualquer norma infraconstitucional com a CF. b) Entre os pressupostos do controle de constitucionalidade, destacam-se a supremacia da CF e a rigidez constitucional. c) O controle concentrado de constitucionalidade origina-se do direito norte- americano, tendo sido empregado pela primeira vez no famoso caso Marbury versus Madison, em 1803. d) O controle concentrado de constitucionalidade permite que qualquer juiz ou tribunal declare a inconstitucionalidade de norma incompatível com a CF. 29 Questão 5 Uma lei ordinária expedida pela Câmara Legislativa do Espírito Santo determinou que os aprovados em concurso público para o provimento de cargos na administração estadual direta, dentro do número de vagas fixados no respectivo edital, deveriam ser nomeados no prazo máximo de 180 dias, contados da homologação do resultado do concurso. Nessa situação, a referida disposição: a) Apresenta inconstitucionalidade material. b) Apresenta inconstitucionalidade formal superveniente. c) Apresenta inconstitucionalidade formal orgânica. d) Não apresenta nenhum tipo de inconstitucionalidade. e) Inconstitucionalidade formal e material, pois viola tanto o processo legislativo como também conteúdo da Constituição de 1988. 30 Introdução Nos últimos anos, notadamente a partir da redemocratização do país com a promulgação da Constituição de 1988, tem-se observado a expansão da jurisdição constitucional, cabendo ao Supremo Tribunal Federal papel ativo na proteção dos direitos fundamentais e na garantia da força normativa da Constituição. Nesse sentido, temos um dos sistemas de controle de constitucionalidade mais completos e complexos do mundo. Assim sendo, na presente aula, vamos estudar as diferentes modalidades de controle de constitucionalidade deste complexo sistema brasileiro, desde o controle prévio ou preventivo (feito antes mesmo de a norma entrar no mundo jurídico) até o controle repressivo, sejana esfera política, seja na esfera judicial. Com efeito, o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade merece tal designação, na medida em que mescla o controle difuso norte-americano (judicial review), o controle abstrato (sistema austríaco - kelseniano) e o modelo político francês. Sendo assim, é objetivo desta aula: 1. Analisar as modalidades de controle de constitucionalidade que levam em consideração diferentes critérios atinentes ao momento de realização do controle, à natureza do órgão controlador, ao órgão judicial que exerce o controle e à forma de controle judicial. Conteúdo O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade é um dos mais complexos e completos do mundo, na medida em que optamos por combinar diferentes modelos ou paradigmas de controle de outros países, bem como criamos figuras 31 jurídicas que nos são peculiares, como, por exemplo, a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Com efeito, diversos fatores permitem afirmar que o Brasil ostenta o mais perfeito sistema de controle de constitucionalidade do mundo, entre eles o aspecto indelével da completude. Sem nenhuma dúvida, existem diversos mecanismos, situações, oportunidades e instrumentos de controle de constitucionalidade que só se encontram no Brasil, não se tendo notícia de similares no resto do mundo. Vale, pois, adentrar ao estudo do direito comparado. Sistemas de Controle de Constitucionalidade em Perspectiva Comparada O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade é fruto da imbricação de diferentes sistemas de controle existentes no mundo atual, daí a importância de investigar as principais características dos modelos adotados nos Estados Unidos, na França e na Áustria (sistema kelsiano-europeu). Judicial Review: o Sistema Difuso Norte-Americano Nesta segmentação temática, vamos examinar a primeira influência que vem do sistema norte-americano, que se caracteriza pelo controle de constitucionalidade feito por todos os graus de jurisdição do poder judiciário e dentro de um determinado caso concreto. Trata-se do controle difuso de constitucionalidade, também denominado de arguição incidenter tantum ou arguição incidental de inconstitucionalidade. Assim, a primeira nota relevante do sistema dos Estados Unidos é que todo e qualquer órgão jurisdicional tem competência para efetuar o controle de constitucionalidade das leis e demais atos do Poder Público a partir de um caso concreto. 32 É o chamado judicial review que surge em 1803, no célebre caso Marbury v. Madison, no qual o Justice John Marshall deixou de aplicar uma lei infraconstitucional por julgá-la violadora da Constituição. E assim é que, a partir deste caso, consagra-se a supremacia da Constituição em face do ordenamento jurídico como um todo. Compete ao magistrado e, portanto, a qualquer órgão do poder judiciário, deixar de aplicar normas infraconstitucionais incompatíveis com a norma jurídica superior. No dizer de Luis Roberto Barroso: Marburyv. Madison, portanto, foi a decisão que inaugurou o controle de constitucionalidade no constitucionalismo moderno, deixando assentado o princípio da supremacia da Constituição, da subordinação a ela de todos os Poderes estatais e da competência do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidar os atos que lhe contravenham. Na medida em que se distanciou no tempo da conjuntura turbulenta em que foi proferida e das circunstâncias específicas do caso concreto, ganhou maior dimensão, passando a ser celebrada universalmente como o precedente que assentou a prevalência dos valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas. 14 Nesse sentido, desponta o tão propalado controle difuso de constitucionalidade das leis, feito por qualquer juiz ou tribunal, dentro de um determinado caso concreto e onde a questão da constitucionalidade ou não do ato normativo não é a questão principal do processo, constituindo-se em mera questão incidental necessária para a fixação da norma-decisão solucionadora da lide. Concreto pelo fato de que a discussão acerca da constitucionalidade da norma se dá com vistas à solução da causa a ser julgada; e não abstratamente. Um ponto importante de perscrutação no direito comparado está relacionado aos efeitos da decisão final de mérito da Corte Suprema no controle difuso. 14 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. Rio de Janeiro: Saraiva, 2009. p. 10. 33 Como evidencia a figura abaixo, nos Estados Unidos, predomina a ideia-força do chamado stare decisis, isto é, o efeito vinculante das decisões da Suprema Corte em relação aos demais órgãos do poder judiciário e da administração pública, direta e indireta. Ou seja, no âmbito do judicial review norte-americano, a declaração de inconstitucionalidade feita pela Corte Máxima do país retira a norma do mundo jurídico, pois tal decisão tem efeitos vinculantes, contra todos (erga omnes). E assim é que, a partir de um caso concreto, de um processo subjetivo de controle de constitucionalidade, declara-se, com efeitos vinculantes e contra todos, uma determinada norma ou lei inconstitucional, acarretando, por via de consequência, a sua retirada do ordenamento jurídico como um todo. Assim, mesmo em se tratando de controle incidental, difuso, indireto, a decisão a partir da concepção do stare decisis ganha efeitos abstratos e gerais. Diferentemente, quando se fala em controle concreto de constitucionalidade no Brasil, a decisão final de mérito do Supremo Tribunal Federal tem apenas “efeitos inter partes”, cabendo ao Senado Federal, nos termos do artigo 52, inciso X, editar resolução suspensiva retirando a norma do mundo jurídico. Esta temática será retomada ao longo dos próximos capítulos, porém, impende aqui destacar bem essa RELEVANTE diferença entre o sistema brasileiro e o judicial review estadunidense. O Sistema Austríaco ou Europeu de Constitucionalidade (controle abstrato) O sistema austríaco ou europeu ou kelseniano de constitucionalidade foi concebido, em 1920, com o objetivo de colocar o controle de constitucionalidade 34 das leis e atos normativos do poder público sob a égide de um Tribunal Constitucional, órgão de cúpula do Poder Judiciário. Dessarte, a tarefa de controlar a constitucionalidade das leis é exclusiva dessa Corte Constitucional, o que evidentemente afasta os demais órgãos do poder judiciário de tal controle, proibindo-os de declararem a inconstitucionalidade das leis em nome do princípio da presunção de constitucionalidade das leis. Somente ao Tribunal Constitucional, em atuação principal e abstrata, é dado revogar tal presunção, daí, por conseguinte, a ideia-força de controle concentrado, abstrato, objetivo e direto de constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público. Enfim, no modelo austríaco de controle de constitucionalidade das leis, não há caso concreto, a constitucionalidade é aferida pelo Tribunal Constitucional de forma objetiva, abstrata e direta. Foi Jellinek o grande mentor do sistema constitucional de controle concentrado em oposição ao judicial review estadunidense. Jellinek concordou com a decisão de Marshall no caso Marbury x Madison, porém discordou que o controle fosse feito pelos juízes e tribunais, tendo em vista as discrepânciasde decisões entre diferentes julgadores. É nesse sentido a recomendação de que o controle fosse feito pela Corte Constitucional, órgão cupular do poder judiciário e criado especificamente para executar essa tarefa de fiscalizar as leis do Parlamento.15 Em linhas gerais, vale fazer agora uma análise comparativa entre o judicial review norte-americano e o sistema austríaco ou europeu: Sistema americano: todos os órgãos jurisdicionais estão autorizados a efetuar o controle de constitucionalidade (o controle é difuso); 15 DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. Controle de constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011. p. 47. 35 Sistema austríaco: o controle de constitucionalidade é tarefa exclusiva do Tribunal Constitucional (controle concentrado num órgão cupular do Judiciário); Sistema americano: o controle de constitucionalidade surge na solução de um caso concreto sobre o qual se cogita aplicar uma determinada lei – justamente a que se discute quanto à sua constitucionalidade – (controle concreto subjetivo); Sistema austríaco: a análise de constitucionalidade é feita da lei em tese, não vinculada a um determinado caso concreto (o controle abstrato e objetivo); Sistema americano: a questão constitucional não passa de uma parte do fundamento da decisão – apoiada nas articulações do autor, do réu, do Ministério Público ou mesmo de ofício pelo juiz–, figurando como um obstáculo a ser vencido pelo julgador para que a solução dada à lide específica não termine por afrontar o texto constitucional; Sistema austríaco: a questão constitucional é a única que se discute na ação, habitando, pois, tanto a fundamentação (sem o que não seria possível quebrar a presunção de constitucionalidade das leis) quanto o decisum (parte dispositiva da sentença) do acórdão do Tribunal Constitucional. Exemplo: O quadro abaixo sintetiza as modalidades de jurisdição, concreta e abstrata. Jurisdição Constitucional Concreta O controle de constitucionalidade desenvolvido no âmbito do Poder Judiciário pode levar em consideração a incidência da norma 36 constitucional numa dada relação jurídica – concreta, real. Jurisdição Constitucional Abstrata O controle de constitucionalidade desenvolvido no âmbito do Poder Judiciário pode avaliar a compatibilidade de uma norma com a Constituição sem vinculação a um caso concreto, ou seja, de forma abstrata, em tese. O Modelo Francês de Controle de Constitucionalidade (controle político) A doutrina costuma afirmar que, na França, impera o controle político e preventivo de constitucionalidade feito exclusivamente pelo poder legislativo, o que significa dizer por outras palavras que não há controle jurisdicional feito pelo poder judiciário, inabilitado que está para declarar a inconstitucionalidade das leis francesas. Com efeito, na França, é o Conselho Constitucional, o órgão encarregado de examinar previamente a constitucionalidade dos projetos de lei que tramitam no Parlamento, o que evidentemente faz com que o controle francês seja classificado como controle preventivo e político (feito por uma entidade que não é um órgão de jurisdição constitucional). O Conselho Constitucional está ligado ao Parlamento da França, sendo que seus nove conselheiros são escolhidos pelo próprio Parlamento e pelo Presidente da República, aí incluídos os ex-Presidentes. No dizer de Luis Roberto Barroso: Embora o modelo francês seja frequentemente referido como o arquétipo do controle político de constitucionalidade das leis, afigura-se mais apropriada a designação de controle não judicial. É que, no fundo, é o fato de não integrar o Poder Judiciário e de não exercer função jurisdicional o que mais notadamente 37 singulariza o Conseil Constitutionnel – junto com o caráter prévio de sua atuação. 16 Além disso, é importante destacar que o Conselho Constitucional é um órgão que não delibera sobre a conveniência e/ou oportunidade da proposta legislativa (não faz aferição de natureza política), mas verifica tão somente a constitucionalidade ou não dos projetos de lei que lhe são apresentados. Ou seja, o Conselho Constitucional afere previamente as propostas legislativas com o desiderato de verificar se existe alguma inconstitucionalidade. Essa ideia de controle não judicial (político para a grande maioria da doutrina) tem razões históricas e filosóficas, como bem destaca Luis Roberto Barroso, isto é, remonta ao período revolucionário de grande desconfiança por parte do povo em relação ao poder de juízes e tribunais, daí a visão de controle político, não judicial, de constitucionalidade. Um ponto importante no que tange à classificação do sistema de controle de constitucionalidade francês é levantado pelo Ministro Gilmar Mendes. Para o autor, essa referência de controle prévio e estritamente político não é mais condizente com a nova realidade dominante na França a partir da lei de reforma constitucional n. 724, de 23 de julho de 2008. Nas palavras de Gilmar Mendes: Ao lado do art. 61 da Constituição francesa de 1958, foi adicionado o art. 61-1, que autoriza o Conselho Constitucional, em face de uma disposição de lei que “atente contra os direitos e liberdades que a Constituição garante”, e quando provocado pelo Conselho de Estado ou pela Corte de Cassação, a declarar a inconstitucionalidade da norma. 17 16 DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. Controle de constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011. p. 43. 17 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1010. 38 Em suma, a doutrina costuma classificar o modelo francês como sendo um arquétipo de controle preventivo e político de constitucionalidade, pois é exercido antes de se concluir o processo legislativo relativo ao ato controlado e, ainda, levado a cabo pelo próprio Poder Legislativo, através do Conselho Constitucional. Essa classificação é contestada com propriedade pelo Ministro Gilmar Mendes, a partir da lei de reforma constitucional de 2008, que permite o controle repressivo de constitucionalidade (controle feito depois de a norma já estar no mundo jurídico). Os Sistemas de Controle de Constitucionalidade da Alemanha e da Itália (controle concentrado e incidental) Na Alemanha e na Itália, o que ocorre é uma mistura dos sistemas de controle jurisdicional americano e austríaco. Isto pelo fato de que a tarefa de controlar a constitucionalidade das leis naqueles países só pode ser desempenhada pelos respectivos tribunais constitucionais. No entanto, isso decorre de um incidente ocorrido no bojo dos processos comuns, onde se discute acerca da aplicação de uma norma na solução da lide específica. Significa que, se, por exemplo, o juiz de primeira instância se depara com uma arguição de inconstitucionalidade e entende que a mesma tem procedência, dada a sua incompetência funcional para afastar a sua incidência, ele provoca a atuação do Tribunal Constitucional, que se pronunciará sobre a constitucionalidade ou não da norma, devolvendo a sua conclusão ao juízo a quo, para que este, com base naquele pronunciamento, decida a causa. Temos, então, que o controle de constitucionalidade na Alemanha e na Itália é concentrado, mas incidental. O queainda se pode questionar é sobre se ele é feito de forma concreta ou abstrata. A dúvida se deve ao fato de que, muito embora a análise da constitucionalidade da lei derive da necessidade de se julgar uma determinada lide concreta, o que se destaca do processo é apenas a 39 questão constitucional, que deverá ser analisada pelo Tribunal Constitucional de forma abstrata, pois que essa decisão terá efeitos vinculantes para todas as demais situações. Por esse motivo, ela não pode se dirigir apenas à solução da causa que motivou a sua prolação, devendo assumir foro de abstração, para que possa ser aplicada às demais situações, ainda que, por certos aspectos, sejam diferentes e reclamem a incidência da norma controlada. Uma vez identificados os principais modelos em perspectiva comparada, é importante agora apresentar o complexo sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. Visão Panorâmica do Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade Como já amplamente mencionado, o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade abarca, ainda que de modo não rigorosamente igual, as características dos sistemas francês, americano, austríaco, italiano e alemão. Por isso, existe no Brasil uma plêiade de modalidades de controle de constitucionalidade, que vai desde o controle preventivo, seja político, seja judicial, até o controle repressivo, que no âmbito do controle judicial, ocorre nas modalidades difusa e concentrada, incidental e principal e, ainda, concreta e abstrata. 40 O quadro abaixo mostra, em visão panorâmica, as diferentes modalidades de controle de constitucionalidade do nosso sistema: Veja-se a seguir algumas considerações acerca dessas diferentes modalidades. Levando em consideração a natureza do órgão julgador, o controle político é aquele que é exercido pelos poderes legislativo e executivo, ou seja, é o controle de constitucionalidade feito pelos poderes do Estado encarregados das decisões de caráter político, legitimados pelo voto popular. Como vamos brevemente constatar, existem diversas instâncias de controle político no sistema brasileiro, podendo-se citar, por exemplo, o veto feito pelo chefe do poder executivo no processo legislativo dos projetos de leis Quanto ao momento de realização do controle Controle Preventivo - feito antes de a norma entrar no mundo jurídico. Controle Repressivo - feito depois de a norma ter entrado no mundo jurídico. Quanto à natureza do órgão controlador Controle Político (feito pelos poderes legislativo e executivo). Controle Judicial ou jurídico (feito pelo poder judiciário). Quanto ao órgão judicial que exerce o controle Controle difuso (feito por qualquer órgão do poder judiciário. Controle concentrado (feito exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal). Quanto à forma de controle judicial Controle por via incidental (feito a partir de um caso concreto). Controle por via principal (feito de forma abstrata de lei ou ato normativo em tese). 41 infraconstitucionais ou então a resolução do Congresso Nacional que susta o decreto regulamentador de lei que exorbita seu poder regulamentar. Por outro lado, designa-se controle judicial ou técnico aquele que é exercido por órgãos do poder judiciário, que é poder do Estado cujas atribuições são, na sua maior parte, de fiscalização da aplicação das leis. No Brasil, por tradições do direito romano-germânico, evidentemente predomina o controle de natureza judicial. Diferentemente, no âmbito do direito constitucional de tradição da common law, impera o controle político a partir da assim chamada supremacia do Parlamento. Nesse sentido, Luis Roberto Barroso traz a lume a lição de Dicey que sistematiza os elementos essenciais que compõem a supremacia do Parlamento sob os influxos da common law da seguinte maneira: I. Poder do legislador de modificar livremente qualquer lei, fundamental ou não; II. Ausência de distinção jurídica entre leis constitucionais e ordinárias; III. Inexistência de autoridade judiciária ou qualquer outra com o poder de anular um ato do Parlamento ou considerá-lo nulo ou inconstitucional. Com rigor, em termos epistemológicos, o único aspecto relevante decorrente da distinção entre controle político e controle judicial reside na obrigação ou não de fundamentação do ato decisor controlador da constitucionalidade, isto é, a fundamentação somente seria necessária no caso do controle judicial, sendo desnecessária na hipótese de controle político. Não obstante, é importante ponderar que, em um verdadeiro Estado Democrático de Direito, a Constituição impõe aos órgãos políticos o dever de fundamentação de sua atuação. 42 Assim é que o Presidente da República estará obrigado, sempre, a motivar e expor as razões de seu veto, seja ele político (contrário ao interesse público) ou jurídico (contrário à Constituição), para que o mesmo possa ser apreciado pelo Congresso Nacional em sessão conjunta. Já com relação ao momento de seu exercício, o controle de constitucionalidade pode ser preventivo ou repressivo. Será preventivo ou prévio quando a tarefa de fiscalização for realizada ainda durante o processo de elaboração do ato legislativo, isto é, antes mesmo de ele se completar; de adentrar ao mundo jurídico. Seu desiderato é evitar a entrada em vigor de um ato inconstitucional. Esse controle incide, portanto, sobre projetos e não sobre normas já formadas. Não há, portanto, declaração de nulidade do ato, mas, sim, eliminação de seus vícios de inconstitucionalidade, tornando-os compatível com a Carta Ápice. Diferentemente, o controle será repressivo quando incidir sobre normas cujo processo de elaboração já tenha sido concluído. Também chamado de controle sucessivo ou a posteriori, o controle repressivo é exercido contra leis ou atos normativos que já se encontram em vigor, após o término do devido processo constitucional legislativo. Seu desiderato, por via de consequência, é paralisar sua eficácia; retirar do mundo jurídico ato normativo inquinado de vícios de inconstitucionalidade. Com todos esses dados conceituais bem consolidados, é importante agora sistematizar, por completo, os controles preventivo, repressivo, político e judicial do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. Este é o nosso próximo passo científico. 43 Controle Preventivo de Constitucionalidade das Leis no Direito Brasileiro Como dito alhures, o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil congrega todos os sistemas anteriormente estudados. Isto significa dizer que o sistema brasileiro é, a um só tempo, preventivo e repressivo, político e judicial. É por isso que vamos em seguida sistematizar o controle exercido preventivamente, seja pelos poderes executivo e legislativo (controle preventivo político), seja pelo poder judiciário (controle preventivo judicial). Controle Preventivo Político Em linhas gerais, o controle preventivo no Brasil é desempenhado pelo poder legislativo e pelo poder executivo. Trata-se, portanto, do controle preventivo político que é feito antes de a norma entrar no mundo jurídico. A doutrina destaca duas grandes modalidades desse tipo de controle, a saber: Controle preventivo político feito pelo poder legislativo e exercido pelas Comissões de Constituição e Justiça das casas legislativas que julgam preliminarmente a constitucionalidadedos projetos que serão enviados para a sessão plenária do parlamento, nos termos do art. 58 da CRFB/88. Controle preventivo político feito pelo poder executivo e executado por intermédio do veto do chefe do poder executivo na elaboração das leis infraconstitucionais (leis complementares e leis ordinárias) conforme o artigo 66, § 1.º da Constituição de 1988. O quadro abaixo destaca essas duas modalidades de controle. 44 O controle preventivo político de constitucionalidade Feito pelo poder legislativo Comissões de Constituição e Justiça Feito pelo poder executivo Veto jurídico do Presidente da República Portanto, o sistema constitucional brasileiro comporta duas hipóteses de controle preventivo político, nos moldes do sistema francês. A primeira reside na atuação das Comissões Permanentes de Constituição e Justiça, que tem sua base jurídica fincada no art. 58 da CRFB/88 e cuja função é avaliar previamente a compatibilidade dos projetos que serão apreciados pelo poder legislativo, seja do ponto de vista formal ou material. Cumpre destacar, no entanto, que o parecer dessas Comissões nem sempre tem força vinculante, pois cabe recurso para o plenário da respectiva Casa Legislativa, apesar de o Regimento Interno do Senado Federal estabelecer que o parecer pela inconstitucionalidade ou injuridicidade de qualquer proposição a tornará rejeitada e arquivada definitivamente. Além disso, vale lembrar que tal tipo de controle preventivo não ocorre nos projetos de medidas provisórias, resoluções dos tribunais e decretos. A segunda hipótese está relacionada à atuação do Presidente da República e demais Chefes de Governo de âmbito regional e local, que ocorre, como vimos, por meio do chamado veto jurídico (veto baseado na compreensão de que o projeto de lei aprovado pelo Legislativo se incompatibiliza com a Constituição por algum motivo). Fora essa hipótese, portanto, o veto político é oferecido, quando se entende que o projeto contraria o interesse público. 45 Finalmente, impende destacar que o controle preventivo político feito pelo poder executivo não ocorre nos projetos de emenda constitucional. Controle Preventivo Judicial Como se acabou de constatar, em regra, no sistema brasileiro, o controle preventivo é político, porém, existe uma hipótese na qual o controle preventivo será judicial e, não político. Trata-se aqui de mandado de segurança impetrado por parlamentar, em nome de seu direito líquido e certo de participar do devido processo legislativo. Tal mandado de segurança será interposto diretamente no Supremo Tribunal Federal, que avaliará se a questão suscitada pelo parlamentar (deputado federal ou senador) é efetivamente uma violação ao seu direito líquido e certo de participação democrática no processo legislativo ou se se trata de questão interna corporis. Nesse último caso, o mandado de segurança será julgado inepto, sem apreciação do seu mérito. Assim, é importante compreender que, muito embora ao poder judiciário, em geral, não se atribua competência para o exercício do controle preventivo de constitucionalidade, o direito brasileiro admite tal hipótese nos projetos de emenda à Constituição que vão de encontro às cláusulas pétreas. De acordo com o disposto no § 4.º do art. 60 da CRFB/88, as propostas de emenda à Constituição (PEC) tendentes a abolir as cláusulas pétreas não deverão sequer ser deliberadas (tais cláusulas de superconstitucionalidade são limitações materiais ao poder constituinte derivado reformador). Por isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de afirmar que os parlamentares estão legitimados para pleitear, mediante a impetração de mandado de segurança perante aquela Corte, o trancamento do processo legislativo nessas hipóteses, ou seja, os deputados federais e os 46 senadores da República têm o direito-função de participar de um processo legislativo hígido, vale dizer têm o direito público subjetivo de não deliberar qualquer proposta de emenda tendente a abolir qualquer das cláusulas pétreas. É certo dizer que tal entendimento vem em homenagem ao princípio da separação de poderes, um dos pilares de sustentabilidade do Estado Democrático de Direito, uma vez que, muito embora o poder judiciário não tenha, em regra, competência para o exercício do controle preventivo de constitucionalidade, a posição firme do STF no sentido de reconhecer legitimidade ad causam para os parlamentares impetrarem o mandado de segurança transforma-se em instrumento de garantia do núcleo constitucional intangível das cláusulas de imutabilidade. A ideia aqui é evitar que propostas de emenda tendentes a abolir as cláusulas pétreas não sejam nem mesmo deliberadas. Vale, pois, conhecer o teor da dicção pretoriana constante da ementa do acórdão que julgou o mandado de segurança n.º 20.257/DF: Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso Nacional que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente à abolição da república. Cabimento de mandado de segurança em hipótese em que a redação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando sua apresentação (como é o caso previsto no parágrafo único do art. 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer – em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas – que sequer se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar 47 em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição. Inexistência, no caso, da pretendida inconstitucionalidade, uma vez que a prorrogação de mandato de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da Federação, não implica introdução do princípio de que os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção de fatos. Mandado de segurança indeferido.18 Observe, com olhos de ver, que o mandado de segurança de parlamentar perante o STF é um controle jurisdicional, muito embora a sua provocação tenha se originado de ato de parlamentar (deputado ou senador). Foi, afinal, o próprio STF, órgão cupular do poder judiciário, que determinou o trancamento do processo legislativo em questão, daí a designação de controle preventivo judicial ou jurisdicional. Em conclusão, a imagem abaixo mostra as três modalidades de controle preventivo, seja político (veto jurídico e parecer negativo das Comissões de Constituição e Justiça), seja judicial (Mandado de Segurança impetrado por Parlamentar). O CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE • Veto jurídico do Presidente da República; • Parecer negativo das Comissões de Constituição e Justiça; • Mandado de Segurança impetrado por Parlamentar perante o STF 18 STF, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, Mandado de Segurança n.º 20.257/DF. 48 Uma vez investigado o controle preventivo de constitucionalidade, vale agora examinar os aspectos característicos do controle repressivo de constitucionalidade, cujo objetivo é retirar do ordenamento jurídico uma norma inconstitucional. Da mesma forma que o controle anterior, o controle repressivo ou posterior
Compartilhar