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CASO 4 - SISTEMA RENAL IV: EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO Larissa Gabriela, 26 anos, ciclista, participante da Volta da França, foi voluntária em uma pesquisa que avaliava diariamente o pH sanguíneo. Os resultados evidenciaram uma acidose no primeiro dia, seguida de uma normalização do pH a partir do segundo dia. Os estudantes envolvidos na pesquisa questionam ao orientador: - Qual a explicação para os resultados observados? TÓPICOS ABORDADOS: 1. Fisiologia do equilíbrio acidobásico. CONTEÚDOS RELACIONADOS: - Produção de ácidos e bases no organismo; - Sistemas tampões no organismo: defesa contra variações na concentração de H+; tempo de ação, localização; - Tamponamento de H+ nos líquidos corporais; sistemas tampão bicarbonato, fosfato e proteínas; - Alcalose e acidose: metabólica e respiratória; - Papel do sistema respiratório no equilíbrio acidobásico; - Produção de ácido titulável pelos rins; - Secreção de H+ ao longo dos túbulos renais; - Reabsorção de bicarbonato nos túbulos renais e seu uso como tampão para H+; - Transporte do excesso de íons H+ dos túbulos para a urina: tampões fosfato e amônia; - Reposição dos estoques de bicarbonato via produção de íon amônio; - Características gerais da alcalose e da acidose (respiratórias e renais); - Ação da enzima anidrase carbônica. PERGUNTAS DISPARADORAS: 1. Quais sistemas controlam o pH do organismo? 2. Como o rim controla uma situação de acidose? E de alcalose? 3. O controle do pH tem um tempo para ocorrer? É rápido ou lento? 4. O rim pode ajudar no controle das concentrações de bicarbonato de sódio no sangue? Como? 5. Como o rim controla a quantidade de ácido titulável na urina? 6. Quais são as substâncias tampões que controlam o pH? 7. Os túbulos renais participam da secreção de H+? Em todas as suas porções? 8. Como os túbulos renais neutralizam o H+? EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO ➔ Estudo da homeostasia do pH; ➔ O pH normal do corpo é 7,4 (ligeiramente alcalino - 7,38 a 7,42); ➔ Uma mudança de 1 unidade de pH = mudança de 10 vezes na concentração de H+; ➔ O pH da urina pode variar entre 4,5 a 8,5, a depender da necessidade do organismo. E essa regulação é feita pela excreção de H+ ou HCO3-; DISTÚRBIOS GERAIS DA CONCENTRAÇÃO DE H+ ➔ Podem alterar a estrutura tridimensional de proteínas (desnaturação), de modo que elas percam suas atividades; ➔ Acidose (pH baixo): depressão do SNC devido aos neurônios tornarem-se menos excitáveis. Sintomas: confusão, desorientação, coma e até morte, quando os centros respiratórios deixam de funcionar; ➔ Alcalose (pH alto): neurônios tornam-se hiperexcitáveis, disparando potenciais de ação mediante pequenos sinais. Sintomas: primeiramente, alterações sensoriais (formigamento e falta de sensibilidade). Depois, abalos musculares que podem evoluir para tetania e paralisia dos músculos respiratórios; ➔ Há uma forte relação com o equilíbrio do K+, pois o transporte renal realiza a regulação de H+ por meio de um antiporte (H+ K+ ATPase). Assim, na acidose, há excreção de H+ e reabsorção de K+, ocorrendo o contrário na alcalose. É também por isso que o desequilíbrio de potássio se manifesta com distúrbios em tecidos excitáveis, como o coração; FONTES DE ÁCIDOS E BASES A. Ganho de ácidos: - Ácidos orgânicos: provenientes do metabolismo e da alimentação, se ionizam e liberam H+. Exemplos: aas, ácidos graxos, intermediários do ciclo do ácido cítrico e lactato (metabolismo anaeróbio); - Condições patológicas: choque circulatório (ácido lático pela produção excessiva de lactato) e cetoacidose (formação de cetoácidos no diabetes melito pelo metabolismo anormal de gorduras e aas); - CO2: produzido durante a respiração aeróbia, não é um ácido em si, mas reage com água, formando o ácido carbônico que se dissocia liberando H+ (reação catalisada pela anidrase carbônica). Principal fonte de ácidos no organismo sob condições normais; B. Ganho de bases: pouco significativo, sendo que os desequilíbrios são mais comuns pelo excesso de ácido. Exemplo de fonte seriam frutas e vegetais contendo ânions que são metabolizados a HCO3-; HOMEOSTASIA DO PH A. TAMPÕES: A PRIMEIRA LINHA DE DEFESA ➔ Atuam se combinando com o H+ ou liberando-o, atenuando alterações de pH; ➔ Intracelulares: proteínas celulares, íons fosfato e hemoglobina; ➔ Extracelular: bicarbonato produzido a partir do metabolismo de CO2; ➔ Princípio da lei de ação das massas; ➔ O aumento nos níveis de CO2 provoca uma redução de pH (acidez). Isso porque o bicarbonato atua como tampão apenas quando ele se liga ao H+ e forma ácido carbônico; ➔ Já um aumento nos níveis de H+ (a partir do ácido lático, por exemplo), faz com que o bicarbonato atue como tampão ao se ligar aos íons H+; ➔ A concentração de HCO3- já é bastante alta em condições normais. Por isso, um aumento relativo dele passa despercebido em contraste com um aumento de H+; ➔ Um deslocamento para a esquerda, gerando aumento de CO2 no plasma, provoca aumento na ventilação; B. VENTILAÇÃO ➔ Resposta rápida regulada reflexamente; ➔ Mudanças podem corrigir ou causar alterações no equilíbrio acidobásico; ➔ Hipoventilação: PCO2 aumenta, equação desloca para a direita = acidose; ➔ Hiperventilação: PCO2 reduz, H+ reduz = aumento de pH, alcalose; ➔ Reflexos ventilatórios: a ventilação é desencadeada apenas por alterações de pH, as quais podem ser provocadas por H+ ou CO2; - O aumento na concentração plasmática de H+ estimula os quimiorreceptores no corpo carotídeo (artérias carótidas junto a receptores sensíveis ao oxigênio e à PA), que então sinalizam para os centro bulbares do controle respiratório aumentarem a ventilação. Com isso, há maior excreção de CO2; - Essas mudanças no pH alteram então a PCO2 e o CO2 atua nos quimiorreceptores centrais do bulbo; - O H+ não atravessa a barreira hematoencefálica, daí a necessidade dessa combinação de quimiorreceptores centrais e periféricos; C. RINS ➔ Alteram o pH através da excreção ou reabsorção de H+ (diretamente) ou, indiretamente, através da alteração da taxa na qual o bicarbonato é reabsorvido ou excretado; ➔ É uma compensação lenta cujo efeito pode não ser percebido antes de 24 a 48h; ➔ Acidose: - Os rins secretam H+ no lúmen tubular por transporte ativo; - A amônia derivada dos aas atua como tampão ao converter H+ em NH4+ (tampão intracelular); - Os íons fosfato também atuam como tampões ao reagirem com H+ formando H2PO4- (tampão da urina); - Assim, a urina preserva um pH sem tantas variações, ainda que o pH possa chegar a 4,5, tornando a urina bastante ácida; - Em paralelo a isso, os rins sintetizam HCO3- a partir de CO2 e água para que seja reabsorvido e atue como um tampão, aumentando o pH; ➔ Alcalose: - Excretam HCO3- e reabsorvem H+. CONTROLE RENAL DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE ➔ Os rins controlam o equilíbrio ácido-base ao excretar urina ácida ou básica; ➔ Basicamente, a todo instante, são filtradas grandes quantidades de bicarbonato para os túbulos e secretadas grandes quantidades de H+ do sangue para os túbulos. Assim, é a situação desse equilíbrio que prediz a acidez da urina. Isto é, se grandes quantidades de H+ forem secretadas, superando a quantidade de bicarbonato filtrada, haverá perda real de ácido do líquido intersticial; ➔ Todos os dias o corpo produz cerca de 80mEq de ácidos não voláteis, ácidos que não são o H2CO3 e, portanto, não podem ser eliminados pelos pulmões, demandando excreção renal; ➔ Paralelamente, os rins filtram cerca de 4.320 mEq de HCO3- todos os dias, demandando reabsorção nos túbulos para evitar a perda excessiva; ➔ Todo mecanismo se dá em função do H+ secretado. Isso porque ele reage com os íons de bicarbonato para formar H2CO3 antes da reabsorção. Assim, o mínimo diário de H+ que precisa ser secretado é de 4.320 mEq para reabsorver o bicarbonato filtrado, acrescido de no mínimo 80 mEq para eliminar os ácidos não voláteis produzidos diariamente; ➔ Portanto, na alcalose, a redução de H+ no LEC aumenta a excreção de bicarbonato. Da mesma forma, na acidose, aumento de H+ aumenta a reabsorção de bicarbonato. TRANSPORTADORESENVOLVIDOS 1. Trocador apical Na+ H+ (NHE): transportador ativo indireto que leva o sódio para a célula e o H+ para o lúmen, atuando também na reabsorção de sódio do TCP; 2. Simporte basolateral Na+ HCO3-: movimenta o sódio e o bicarbonato para o líquido intersticial. Usa a energia criada pela difusão do bicarbonato a favor do gradiente de concentração para movimentar o sódio contra o seu gradiente; 3. H+ ATPase: usa a energia do ATP para acidificar a urina, transportando o H+ contra o seu gradiente de concentração para o lúmen do néfron distal. Bomba de próton; 4. H+ K+ ATPase: transfere o H+ para a urina e reabsorve K+; 5. Trocador Na+ NH4+: transporta o NH4+ para o lúmen tubular em troca de um íon Na; 6. Outros: Na+ K+ ATPase e trocador HCO3- Cl-; TÚBULO PROXIMAL ➔ Reabsorve a maior parte do HCO3- e indiretamente porque não há nenhum transportador apical de membrana para a entrada nas células tubulares; ➔ Primeira via de reabsorção: HCO3- → CO2 → HCO3- - Secreção de H+ no lúmen em troca de absorção de Na pelas células; - Esse H+ secretado se combina com o bicarbonato filtrado e forma o CO2 (catálise pela anidrase carbônica); - O CO2 formado retorna para a célula tubular e lá reage com a água, formando H2CO3 e, este, H+ e HCO3-; - Esse H+ pode retornar ao início da via, sendo secretado para o lúmen do túbulo ou pode reagir com HCO3- ou ainda ser tamponado por um íon fosfato e ser excretado; - Pelo simporte HCO3- Na+ da superfície basolateral, bicarbonato é transportado das células para os capilares; - Resultado: reabsorção de sódio e bicarbonato e secreção de H+; ➔ Segunda via de reabsorção: metabolismo do aas glutamina - A glutamina, dentro das células tubulares, é metabolizada a alfa-cetoglutarato e dois grupos amino; - Os grupos amino formam a amônia e a amônia tampona o H+, formando NH4+. Este é transportado para o lúmen em troca de um íon Na+; - Em paralelo, o alfa-cetoglutarato é metabolizado a HCO3- que é transportado para o sangue junto ao sódio; - Resultado: secreção de H+ e reabsorção de bicarbonato de sódio; NÉFRON DISTAL ➔ Regulação fina do equilíbrio acidobásico; ➔ Células intercaladas (células I) são as principais responsáveis; - Elas possuem uma alta concentração de anidrase carbônica, a qual auxilia na conversão de CO2 e água em H+ e HCO3-; - Os íons H+ são bombeados para fora das células I pela H+ ATPase e pela H+ K+ ATPase ao passo que o bicarbonato pelo HCO3- CL-; ➔ Em acidose, as células intercaladas do tipo A secretam H+ e reabsorvem bicarbonato; ➔ Em alcalose, as células intercaladas do tipo B secretam bicarbonato e reabsorvem H+; ➔ Em resumo, percebe-se que a polaridade das células é invertida, ocorrendo os mesmos transportes em lados opostos da célula; ➔ A H+ K+ ATPase ajuda a gerar distúrbios paralelos no equilíbrio acidobásico e no equilíbrio do K+; - Na acidose, o rim secreta H+ e reabsorve K+. Por isso, a acidose pode cursar com hipercalemia. O contrário ocorrendo para a alcalose (hipocalemia); DESEQUILÍBRIOS ACIDOBÁSICOS ➔ A faixa normal de pH do sangue é de 7,38 a 7,42, mas se o corpo falha em manter o pH ao menos entre 7 e 7,7 a acidose ou a alcalose podem ser fatais; ➔ Podem ser: respiratórios (mudanças na PCO2 causadas pela hiper ou hipoventilação) ou metabólicos (não relacionados com o CO2); ➔ A perda da capacidade de tamponamento deixa o corpo com 2 opções: compensação respiratória e compensação renal, mas somente a renal está disponível nos casos de origem respiratória; ACIDOSE RESPIRATÓRIA ➔ Hipoventilação alveolar causando acúmulo de CO2 e elevação da PCO2 plasmática; ➔ Possíveis etiologias: depressão respiratória ocasionado por drogas, aumento da resistência das vias aéreas (asma, p ex), distúrbios na troca de gases e fraqueza dos músculos na distrofia muscular; ➔ Lembrando da lei de ação das massas, há um aumento de H+ e HCO3-; ➔ Solução: excreção de H+ para aumentar o pH e reabsorção de HCO3- para tamponar; ACIDOSE METABÓLICA ➔ Ganho de H+ pela dieta e pelo metabolismo superam a sua excreção; ➔ Possíveis etiologias: acidose lática (do metabolismo anaeróbio) e cetoacidose (decorrente da quebra excessiva de gorduras e aas, como na diabetes melito tipo 1 e dietas pobres em carboidratos) ou ainda ingestão de substâncias, como o metanol, o ácido acetilsalicílico e etilenoglicol (anticongelante) ou ainda perda de HCO3- (como na diarreia, em que o HCO3- não é reabsorvido após liberado no intestino delgado); ➔ Lembrando da lei de ação das massas, o aumento de H+ aumenta CO2 e há consumo do bicarbonato; ➔ Nesse caso, não há um aumento da PCO2 porque a compensação é quase instantânea. Isso porque as concentrações elevadas de PCO2 e de H+ estimulam a ventilação, de modo a “derrubar” a PCO2; ➔ Sinal clínico: hiperventilação; ➔ A compensação renal também ocorre (secreção de H+ e reabsorção de HCO3-), mas leva dias para ser evidente; ALCALOSE RESPIRATÓRIA ➔ Decorrente da hiperventilação em descompasso com um aumento da produção metabólica de CO2; ➔ A PCO2 cai e o equilíbrio é deslocado para a esquerda, reduzindo H+ e HCO3-; ➔ Possíveis causas: ventilação artificial excessiva (causa clínica) ou hiperventilação histérica causada por ansiedade (causa fisiológica); ➔ Respira-se num saco para que o paciente respire o CO2 exalado, aumentando a PCO2 arterial para corrigir o problema; ➔ Compensação renal: o bicarbonato filtrado não é reabsorvido no TCP e é secretado no néfron distal. Ainda, há reabsorção de H+; ALCALOSE METABÓLICA ➔ Possíveis etiologias: excesso de vômito do conteúdo ácido estomacal e ingestão excessiva de bicarbonato de antiácidos; ➔ O H+ cai e o equilíbrio é deslocado para a direita, reduzindo CO2 e aumentando HCO3-; ➔ Compensação respiratória: hipoventilação (rápida - para conservar CO2 e aumentar a PCO2, produzindo mais H+). Porém, essa compensação é limitada pois pode causar hipóxia. Quando abaixo de 60 mmHg a PO2, a hipoventilação é interrompida; ➔ Compensação renal: excreção de HCO3- e reabsorção de H+.