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DISCURSOS SOBRE A INCLUSÃO DISCURSOS SOBRE A INCLUSÃO Eliana Lucia Ferreira Eni P. Orlandi (organizadoras) Niterói Intertexto 2014 © 2014 by Eliana Lucia Ferreira, Eni P. Orlani Direitos desta edição reservados à Editora Intertexto. É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios, sem autorização expressa da editora. Capa: André Luiz da Fonseca Junior Projeto gráfico, diagramação e editoração: Camilla Pinheiro Os textos são de responsabilidade total de seus autores. Intertexto Editora e Consultoria Ltda Telefax: (21) 2613-3732 e-mail: intertextoeditora@terra.com.br Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) D611 Discursos sobre a inclusão / Eliana Lucia Ferreira, Eni P. Orlandi (organizadoras) – Niterói : Intertexto, 2014. 286 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografias. ISBN 978-85-7964-046-9 1. Educação especial. 2. Educação inclusiva. I. Ferreira, Eliana Lucia. II. Orlandi, Eni P. CDD 371.9 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................9 EQUÍVOCOS QUE CONSTITUEM O MACRODISCURSO POLÍTICO- EDUCACIONAL DA INCLUSÃO Juliana Santana Cavallari ............................................ 11 1 INTRODUÇÃO ...........................................................13 2 SOBRE O EQUÍVOCO NA PRODUÇÃO DE SENTIDOS OUTROS .................................................17 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............. 20 4 ANÁLISE DOS REGISTROS ..................................... 23 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................... 39 REFERÊNCIAS ........................................................... 47 O DISCURSO DA INCLUSÃO PELA DIFERENÇA NA RELAÇÃO MÍDIA E SOCIEDADE CaCiane Souza de MedeiroS ..........................................51 1 INTRODUÇÃO .......................................................... 53 2 UMA INCLUSÃO PARTIDA ..................................... 54 3 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA INCLUSÃO .......................................................... 62 4 OS SENTIDOS DA INCLUSÃO NEOLIBERAL: A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO ENGAJADO ........................................77 5 POR UMA RETOMADA DA DISCUSSÃO SOBRE O CONCEITO DE INCLUSÃO .................. 82 REFERÊNCIAS ........................................................... 87 DISCURSIVIDADES DE INCLUSÃO E A MANUTENÇÃO DA EXCLUSÃO GreCiely CriStina da CoSta ......................................... 89 1 INTRODUÇÃO ...........................................................91 2 DISCURSO: SENTIDOS E SUJEITOS .................... 94 3 A SOCIEDADE DA SEGREGAÇÃO ......................... 96 4 SENTIDOS PARA A DIFERENÇA ...........................101 5 CONCLUSÕES .........................................................133 REFERÊNCIAS ..........................................................135 FORMAÇÃO OU CAPACITAÇÃO?: DUAS FORMAS DE LIGAR SOCIEDADE E CONHECIMENTO eni PuCCinelli orlandi ...............................................141 1 INTRODUÇÃO ........................................................ 143 2 SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E/OU SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO? ........................ 148 3 EDUCAR É FORMAR: A LÍNGUA ENTRA EM CENA .....................................................153 4 O SUJEITO E O SENTIDO OUTRO: A FORMAÇÃO NA RELAÇÃO DA LINGUAGEM COM A SOCIEDADE .......................161 5 HISTORICIDADE, ALTERIDADE .......................... 170 6 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS ......................178 REFERÊNCIAS ......................................................... 183 ACESSIBILIDADE: SENTIDOS EM MOVIMENTO débora MaSSMann .......................................................191 1 INTRODUÇÃO ........................................................ 193 2 DIVERSIDADE E ACESSIBILIDADE .......................197 3 DO SENTIDO POSTO AO SENTIDO FLUIDO .....................................................................202 4 SOBRE O(S) SENTIDO(S) DE ACESSIBILIDADE ....................................................208 REFERÊNCIAS ..........................................................221 TRAÇO, CORPO, SENTIDO: SOBRE A ESCOLA, A CRIANÇA E A ESCRITA renata ChryStina bianChi de barroS ........................ 225 1 INTRODUÇÃO ........................................................ 227 2 A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL CONTEMPORÂNEA: A PEDAGOGIZAÇÃO DO CORPO ..............................................................234 3 DO CORPO BIOLÓGICO AO CORPO-SENTIDO ..................................................246 4 O SUJEITO DA ESCOLA CONTEMPORÂNEA ............................................... 255 5 DO APRISIONAMENTO À SUBVERSÃO: CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................260 REFERÊNCIAS .........................................................265 EDUCAÇÃO FÍSICA: EM BUSCA DE UMA NOVA A RE-SIGNIFICAÇÃO eliana luCia Ferreira .................................................269 1 INTRODUÇÃO .........................................................271 2 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................... 281 REFERÊNCIAS .........................................................285 9 APRESENTAÇÃO Atualmente, o processo de inclusão escolar e social é um “movimento em movimento”, com ra- mificações em compromissos individuais em prol de compromissos coletivos, com a pretensão de resol- ver as insuficiências de um sistema social, se posi- cionando como um desejo de completude político/ educacional. Portanto, os discursos sobre a inclusão aqui apresentados inserem-se em um contexto de de- bates e posicionamentos trazidos pela legislação, pela educação e pela política na sua dimensão so- cial mais ampla. O que se percebe é que há um jogo de diver- gências e convergências entre os movimentos so- ciais legitimados para se instaurarem na diversidade, mas há também uma resistência silenciada. E é nes- te contexto que o movimento da inclusão recobre- -se de sentidos, agregando valoração simbólica. 10 Portanto, as questões, aqui, não somente con- tribuem para a inclusão social, mas também encon- tram ressonância em práticas inclusivas voltadas para a educação de um modo geral. Sendo assim, esta obra é marcada pela plura- lidade de discursos que recolocam a questão da inclusão em um universo mais amplo de possibili- dades de compreensão das marcas históricas e dos sentidos das relações sociais. Juliana Santana Cavallari** EQUÍVOCOS QUE CONSTITUEM O MACRODISCURSO POLÍTICO- EDUCACIONAL DA INCLUSÃO* * Uma versão primeira deste trabalho foi publicada na Revista Brasileira de Linguística Aplicada (RBLA). ** Doutora e pós-doutora pela UNICAMP. Professora do Programa de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS). Não há verdade que, ao passar pela atenção, não minta. laCan 13 1 INTRODUÇÃO Na tentativa de promover a democratização da escola e do ensino, uma série de ações políticas foi adotada pelo governo, sobretudo a partir da déca- da de 1990 (VIZIM, 2003). Através da Declaração da Educação para Todos (1990), da Política Nacional de Educação Especial (1994), dentre outras propostas, buscou-se, por meio da adoção depráticas inclusi- vas, atender às necessidades dos excluídos, isto é, daqueles que sofrem algum tipo de privação social, física ou cognitiva. Assim sendo, o macrodiscurso político-educacional, difundido não só por gover- nantes ou representantes legais, mas, em especial, por agentes educacionais1 tende a reforçar e a asse- gurar a aplicação de políticas inclusivas, o que, ima- ginariamente, possibilitaria um processo de ensino e aprendizagem mais justo e igualitário. Recentemente, o Governo Federal anunciou um grande investimento na Educação Especial, com vistas à efetivação de práticas inclusivas e à oferta de educação de qualidade para todos. Vale desta- car que o enunciado “educação para todos” exerce o efeito de slogan ou propaganda do atual gover- 1 Neste estudo, adotamos o termo “agente educacional” não no sentido de agenciar ou de agenciadores, mas sim para designar os sujeitos que exercem funções que incidem diretamente no ato educativo, como professores, diretores, coordenadores, supervisores etc. klevi Realce klevi Realce 14 no, além de ser frequentemente empregado como promessa primordial de campanha de futuros go- vernantes, de modo geral. Não é por acaso que, ao longo deste texto, adotamos o termo “macrodiscur- so político-educacional da inclusão” para nos re- ferirmos ao objeto de análise deste texto, graças a aparente fusão, ou melhor, (con)fusão que parece afetar o discurso político e o discurso da educação formal acerca da inclusão, já que passam a funcionar quase que indistintamente, na tentativa de viabilizar a educação inclusiva e suas diretrizes já anunciadas e prescritas em documentos oficiais. Tomamos essa (con)fusão de discursividades que, por sua vez, nos remete a uma mesma formação discursiva acerca da inclusão, como um macrodiscurso que se apresen- ta como verdadeiro e já legitimado e que, portanto, incide direta e indiretamente nos diversos âmbitos sociais e, sobretudo, no contexto educacional. O objetivo específico deste estudo é desve- lar o modo como intra e interdiscursivamente2 o discurso da inclusão – que se materializa em prá- ticas inclusivas tidas como politica e moralmente corretas – produz efeitos de sentido e de verda- de em nosso meio sócio-histórico. Para tanto, nos 2 De acordo com a Análise de Discurso de linha francesa, que fundamenta este estudo, o intradiscurso se refere à aparente linearidade do dizer, ao passo que o interdiscurso, que atravessa o fio discursivo à revelia do sujeito de linguagem, nos remete ao “conjunto de formulações feitas e já esquecidas (já-ditos) que determinam o que dizemos” (ORLANDI, 1999, p. 33). klevi Realce klevi Realce klevi Realce 15 pautamos nos seguintes questionamentos: como as noções de inclusão e diferença (con)formam e engendram o dizer-fazer de agentes educacionais? Como educação e inclusão se relacionam e afetam as práticas discursivo-pedagógicas? Partindo do pressuposto de que a prática e política inclusivas evocam noções e representações que significam em oposição e por meio de pares dicotômicos (in- clusão x exclusão; igualdade x diferença) já natura- lizados no contexto escolar, levantamos a hipótese de que a educação inclusiva (EI) silencia e apaga a(s) diferença(s) e o diferente, já que “incluir” pro- duz o efeito de sentido de “normalizar” ou de “tor- nar o outro meu semelhante”. Como material de pesquisa foram utilizados alguns depoimentos proferidos por agentes edu- cacionais (professores, assistentes, coordenadores de cursos, diretores, pedagogos e psicólogos), por ocasião de algumas palestras e seminários realiza- dos em um congresso nacional cujo tema era “in- clusão e diversidade”. Trata-se de um amplo even- to realizado anualmente, no estado de São Paulo, e que reúne profissionais da educação de diversos campos do saber e de diversas áreas de atuação. klevi Realce 16 Do ponto de vista teórico, os pressupostos da Análise de Discurso de linha francesa (ADF), que postula a determinação inconsciente e ideológica do sujeito e da linguagem, fundamentam a análise dos registros e as considerações aqui propostas. Em última instância, o presente estudo sugere o acolhimento das diferenças e da ingovernabilidade que, vez por outra, irrompem no contexto escolar, de modo que possamos atuar como agentes edu- cacionais, no sentido de não temermos ou ficarmos passivos diante do inesperado, mas de concebermos a diferença e o diferente como fatores produtivos que provocam transformações em todos os partici- pantes do contexto escolar, independentemente da função exercida, deslocando saberes pré-construí- dos ou já normalizados sócio-historicamente. A seguir, abordamos o conceito de equívoco que se mostrou bastante produtivo para o desenvol- vimento da parte analítica deste estudo. 17 2 SOBRE O EQUÍVOCO NA PRODUÇÃO DE SENTIDOS OUTROS Tendo em vista a problemática levantada neste estudo “o equívoco no discurso da inclusão”, faz- -se necessário adentrarmos o conceito de equívoco que viabilizou o recorte discursivo efetuado no ma- terial de análise. De acordo com a perspectiva discursiva, o equívoco produz uma falha materializada na/pela língua, à revelia do sujeito enunciador. Essa falha não pode ser recoberta, levando à produção de sentidos outros, por vezes indesejáveis, e que denunciam a posição discursiva, portanto ideológica, ocupada pelo sujeito de linguagem, bem como as formações discursivas em que seu dizer se inscreve para pro- duzir efeitos de verdade e de evidência enunciativa. Nesse prisma, não é o sujeito que fala a língua, mas sim a língua que fala e (d)enuncia o posicionamento do sujeito enunciador, uma vez que aponta para as suas formações ideológicas e para os vários discur- sos que legitimam seu dizer. klevi Realce klevi Realce klevi Realce 18 Convém ressaltar que o sujeito constituído na/ pela linguagem, tal como postula Pêcheux, não é causa nem origem dos sentidos que produz ao enunciar, pois surge como efeito do assujeitamento à linguagem que, por sua vez, não pode ser tomada como mero instrumento de comunicação, dada sua opacidade e não transparência. Estabelecendo um possível diálogo entre as perspectivas que embasam este estudo, tanto para a AD como na Psicanálise, o dizer não é transparente ao enunciador, pois o sen- tido lhe escapa, irrepresentável, em sua determina- ção pelo inconsciente e pelo interdiscurso. Essa duplicidade, que faz referir um discur- so a um discurso outro para que ele faça sentido, na psicanálise, envolve a questão do inconsciente. Na análise de discurso, essa duplicidade, esse equívoco, é trabalha- do como a questão ideológica fundamen- tal, pensando a relação material do discurso à língua e a da ideologia ao inconsciente (ORLANDI, 1996, p. 81-82). A noção de equívoco ou de equivocidade que suporta o duplo, o heterogêneo ou, ainda, tudo klevi Realce klevi Realce 19 aquilo que ultrapassa a vontade do sujeito enun- ciador, também se faz presente na psicanálise. Em ambas as perspectivas teóricas, a verdade não se apresenta na aparente unidade discursiva, mas se dá a escutar através de formações do inconsciente ou da equivocidade que é própria da linguagem. Nas palavras de Lacan (1986, p. 302), “nossas palavras que tropeçam são as palavras que confessam. Elas revelam uma verdade de detrás”. Com base nas considerações arroladas é pos- sível afirmar que, estruturalmente, todo e qualquer dizer é tomado pelo equívoco ou pela possibilida- de de deriva de sentidos, uma vez que o sujeito de linguagem é duplamente marcado: pela ideologia e pelo inconsciente. Ao encontro de tais afirmações, Mariani (2006, p. 8) postula que o equívoco se ins- taura nos sentidos produzidos por um determinado acontecimento discursivo, à revelia do sujeito enun- ciador, e “faz falhar a vontade de unidadee trans- parência da comunicação, pois incorpora o real em suas análises do simbólico e do imaginário”. São justamente esses pontos de equívoco ou de deslize de sentidos que se dão a escutar na materialidade posta, que buscamos resgatar e problematizar na klevi Realce klevi Realce klevi Realce 20 análise dos acontecimentos discursivos, de modo a melhor compreender como a prática inclusiva signi- fica no contexto escolar. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Como já mencionado anteriormente, lança- mos um olhar discursivo ao corpus, para entendê- -lo não como conteúdo ou testemunho de verda- de, mas para desvelar, nos enunciados analisados, a formação discursiva em que o sujeito de lingua- gem se inscreve, para que suas palavras tenham sentido (ORLANDI, 1996). Em suma, a abordagem discursiva ancora a análise dos registros na ma- terialidade linguística, “desnudando” os aspectos sócio-histórico-ideológicos que atuam na consti- tuição dos sentidos e que são “esquecidos” pelo sujeito que enuncia. Vale salientar, ainda, de que forma os pressu- postos da ADF e da psicanálise dialogam entre si, fornecendo as balizas teórico-metodológicas des- te estudo. Para a AD, o funcionamento discursivo é 21 engendrado pela articulação entre a ideologia e as condições de produção do discurso, isto é, o con- texto sócio-histórico de sua enunciação e o lugar discursivo ocupado pelo falante. Na teoria psica- nalítica, por sua vez, a determinação dos sujeitos e dos sentidos é inconsciente e atemporal e só se faz acessível por meio da linguagem que comporta fa- lhas ou buracos. Feitas essas colocações, postula- -se uma relação da ideologia com o inconsciente, por meio da linguagem, ou seja, a ideologia, assim como o inconsciente, embora oculta ao sujeito enunciador, se mostra no funcionamento do discur- so: da estrutura ao acontecimento. Pêcheux (1997) reflete sobre a materialidade da linguagem como região de equívoco em que se ligam materialmente o inconsciente e a ideologia. Dito de outro modo, o sujeito da estrutura é afetado pela determinação inconsciente que faz com que as redes de memória e as formações ideológicas, às quais o discurso e o sujeito se filiam para produzir sentidos, escapem ao saber consciente do eu. Observa-se, portanto, que o funcionamento da ideologia não constitui um saber consciente, embora seja condição de existência do sujeito e do discurso, uma vez que governa e atribui sentidos ao fazer-dizer. 22 Nas análises que se seguem, foram destacadas algumas regularidades que constituem equívocos de ordem ideológica e que, em função dos senti- dos que produzem, para além do saber consciente do enunciador, apontam para a posição discursiva e ideológica do sujeito de linguagem em relação à proposta de educação inclusiva. Convém retomar que os excertos analisados foram coletados durante um congresso nacional, sediado em uma instituição particular de ensino su- perior do Estado de São Paulo, cuja proposta era dis- cutir questões acerca da inclusão e da diversidade. Durante a realização de algumas palestras e semi- nários, agentes educacionais que exercem funções distintas no contexto escolar como: professores, re- presentantes do MEC, diretores, pedagogos, entre outros, formularam algumas considerações sobre o referido tema. Algumas dessas formulações foram transcritas e, posteriormente, selecionadas para este estudo, a fim de elucidarmos alguns questionamen- tos aqui propostos. A análise empreendida não tem a pretensão de concordar ou discordar com o teor do que está sendo dito, tampouco de acusar ou cul- par os sujeitos de pesquisa pelos equívocos desta- 23 cados em suas formulações, mas sim de compre- ender como essas formulações produzem sentidos, ao evocarem outros domínios discursivos. Dito de outro modo, não se trata de individualizar ou res- ponsabilizar o sujeito de pesquisa por suas supostas falhas ou equívocos de ordem inconsciente, mas de compreendermos como as práticas discursivas fun- cionam e provocam efeitos de legitimidade. 4 ANÁLISE DOS REGISTROS De modo a elucidar as perguntas de pesquisa que direcionam a análise dos registros discursivos – como os conceitos de inclusão e diferença (con)formam e engendram o dizer-fazer de agentes educacionais? Como “educação” e “inclusão” se relacionam e afetam práticas discursivo-pedagógicas? – faz-se necessário rastrearmos a presença do interdiscurso que interpela e legitima os depoimentos proferidos pelos sujeitos pesquisados. Passemos à análise do corpus. Por ocasião da palestra de abertura do referido congresso, o reitor da universidade onde o evento foi sediado proferiu: 24 [RD 1]3 Incluir na pauta um congresso de in- clusão e diversidade visa a resolver melhor esta situação no Brasil. De mãos dadas pre- tendemos caminhar neste tema com a par- ticipação efetiva da universidade. A inclusão é abrangente e parece imposta. Podemos dar uma contribuição social, ao propor o desmonte de mecanismos de exclusão. Com base no excerto acima, observa-se que o sujeito de linguagem, ocupando o lugar de reitor de uma instituição de ensino superior, inicia sua fala reiterando a necessidade de promover a inclusão “com a participação efetiva da universidade”. A ma- terialidade posta põe em evidência a função política e social que a escola e seus agentes devem exercer e que parece se sobrepor, ou até mesmo se impor, à função de ensinar e de transmitir saberes. Mais especificamente, a universidade e seus represen- tantes passaram a exercer a função de hospedar o diferente sem, de fato, incluí-lo de modo significa- tivo, tendo em vista que é para os normais e para os profissionais que têm seu saber cientifica e social- mente legitimado que é dado o direito e o poder de construir saberes, julgamentos e verdades sobre os 3 RD 1, 2, 3… é o símbolo adotado para representar os recortes discursivos analisados. 25 que são representados e marcados como anormais e excluídos. Nesse sentido, o processo de constru- ção do saber sobre o excluído acaba por exclui-lo dessa construção, pois este é tomado como objeto do olhar e do saber do outro, cujo lugar enunciativo tem certo valor e reconhecimento social. Ferre (2001) salienta a contradição inerente ao saber produzido na/pela universidade, via práticas discursivo-pedagógicas. Nas palavras da autora (FERRE, 2001, p. 199), O que na Universidade se produz pode ser tudo ao contrário: nenhuma reflexão sobre um sujeito próprio, nenhum saber ou sabor acerca de nossa intimidade e um acúmulo de conteúdos sobre o outro que o define, o identifica e o encerra em um opaco en- voltório tecnicista que faz dos demais os especiais, os descapacitados, os diferentes, os estranhos, os diversos e de nós os ob- viamente normais, os capacitados, os nati- vos, os iguais; e, por isso, dois são os tipos de identidade que a Universidade segue produzindo ao transmitir o conhecimento 26 acadêmico, científico e técnico que alude à diferença e à diversidade na educação: a identidade normal e a identidade anormal; é a esta segunda a que se passou a chamar de diferente, especial ou diversa. A repetição redundante do termo “incluir”, que no recorte acima é pronunciado três vezes, sem que haja qualquer questionamento do tipo: incluir o que, quem e como? sugere a naturalização de verdades discur- sivamente construídas e que se materializam no/pelo macrodiscurso político-educacional, ao representar a proposta de educação inclusiva como um compromis- so de todos ou, segundo o enunciador, como um meio de “dar uma contribuição social e de resolver melhor esta situação no Brasil”. Na formulação em questão, o sujeito de linguagem deixa escapar que a inclusão é uma situação problemática que ainda não se resolveu no Brasil, tendo em vista que o que já está resolvido não requer melhoras,nem necessita de compreensão. O vocábulo “resolver”, empregado na formulação “in- cluir na pauta um congresso de inclusão e diversida- de visa a resolver melhor esta situação no Brasil”, nos remete a um problema a ser endereçado, no caso: a inclusão que “parece imposta”, segundo o enunciador. 27 Ao formular “incluir na pauta”, o enunciador atri- bui um efeito de formalidade e de certa superficia- lidade ao tema abordado no congresso: inclusão e diversidade, tendo em vista que o vocábulo “pauta” costuma ser empregado para se referir aos assuntos a serem tratados em uma reunião de trabalho e que podem ser sanados ou pelo menos endereçados até o seu término. Além disso, a inclusão ou educação inclusiva é um assunto que está em pauta ou na or- dem do dia, em especial, no contexto escolar, em função das últimas diretrizes da política nacional da educação. O uso da primeira pessoa do plural, no trecho: “de mãos dadas pretendemos caminhar neste tema; podemos dar uma contribuição social”, provoca um efeito de convocação e de participação de todos os agentes educacionais, de modo a viabilizar a in- clusão que ainda parece não ter sido alcançada, já que se trata, ainda, de um “tema” a ser discutido em um congresso da área. Esse efeito de convocação é produzido pelo discurso progressista e da união so- cial que versa sobre a união de todos (unidos ven- ceremos!) como forma de se atingir o progresso e a ordem. 28 Embora o enunciador proponha “o desmon- te de mecanismos de exclusão”, deixando entrever certa noção dos mecanismos de poder engendra- dos pela ideologia vigente, o enunciador parece não se dar conta de que a viabilização da inclusão no contexto escolar não depende única e exclusiva- mente da “boa” vontade dos agentes educacionais ou de seu poder transformador, uma vez que os tais mecanismos de exclusão, bem como o modelo de escola excludente que ainda é predominante em nosso meio, foram legitimados ao longo de uma longa trajetória político-econômica que, por meio de práticas discursivas e de jogos de poder-saber, segundo uma visão foucaultiana, foram construindo verdades sobre os excluídos e sobre a necessida- de de incluí-los. Nos últimos anos, a insignificância e a (in)fâmia4 daqueles que foram discursivamente marcados como excluídos parece ganhar relevân- cia político-social, se tornando alvo das instituições “normalizadoras” que atuam como aparelho ideoló- gico do estado, segundo Althusser (1992), uma vez que a exclusão e os excluídos passaram a represen- tar certa ameaça à acomodação social e ao exercí- cio da cidadania. 4 Segundo Foucault (1992, p. 90), os (in)fames não são apenas os personagens de nossa história que cometem algum ato vil, mas, sobretudo, aqueles “cuja existência foi ao mesmo tempo obscura e desafortunada”. 29 Ainda em relação ao excerto anterior [RD1], ape- sar de tentar modalizar o seu dizer sobre a proposta da inclusão, ao formular “a inclusão é abrangente e parece imposta”, o equívoco que produz sentidos “indesejados” marca a posição ideológica do sujeito em relação ao tema abordado. O caráter impositivo da educação inclusiva se materializa nessa formula- ção, apontado para o fato de que a inclusão é bas- tante complexa e não é um procedimento natural, pois, se assim o fosse, não precisaria ser apresen- tada na forma de lei ou de proposta pedagógica a ser seguida e nem seria tomada, pelos educadores, como uma imposição. Nesse prisma, é significativo ressaltar que a natureza humana é mais seletiva do que inclusiva, uma vez que, segundo Skliar (2006), a diferença tende a ser vista negativamente, pois aponta para o intolerável ou para fora da normali- dade. Em outras palavras, é mais fácil e “natural” ex- cluir do que tentar incluir. Ao encontro dessas ideias, Ferre (2001, p. 197) enfatiza que o mundo dos ditos “normais” é um mundo onde “a presença de seres diferentes aos demais, diferentes a esses demais ca- racterizados pelo espelhismo da normalidade, é vi- vida como uma grande perturbação”. 30 A menção ao caráter impositivo da educação que prega a inclusão de todos, preferencialmente em turmas de escolas regulares, a despeito da dife- rença e, por vezes, da deficiência física marcada no corpo, também foi observada no excerto a seguir, formulado por uma diretora de uma escola pública de ensino fundamental: [RD 2] A inclusão é um susto, um espanto. Ela chegou de repente e a gente tem que saber o que fazer. Na verdade, ela está entre nós desde 71, com a lei 5.692/71. No recorte em questão, o enunciador deixa es- capar seu espanto diante da proposta da inclusão, apesar de enunciar a partir do lugar de dirigente de uma instituição escolar que, em conformidade com as leis vigentes, deveria garantir a política de educa- ção inclusiva. Ao se dar conta do equívoco de ordem ideológica que seu dizer produziu, o enunciador faz alusão à lei que garante a aplicação de práticas in- clusivas, por mais espantosas ou assustadoras que possam parecer. Assim sendo, apesar de toda in- segurança vivenciada pelos agentes educacionais diante do estranho e do diferente que, na maioria 31 das vezes, vira sinônimo de deficiente, a necessida- de de tudo saber e de fornecer respostas acertadas para situações inesperadas constitui a identidade do sujeito educador, além de governar seu fazer peda- gógico, tal como sugere a formulação: “a gente ‘tem que’ saber o que fazer”. A formulação posta acima parece dialogar com o próximo excerto, formulado por uma pedagoga que, no evento em questão, representava o MEC e suas propostas: [RD 3] A dona inclusão não está só batendo na porta, ela está dentro da sala de aula. A postura do MEC é essa: todos na sala de aula e aí a gente vai caprichando na qualidade. A formulação “a postura do MEC é essa: todos na sala de aula e aí a gente vai caprichando na qua- lidade” reflete as políticas públicas brasileiras que se caracterizam pelo improviso e despreparo dos profissionais envolvidos em sua implementação, no caso: dos agentes educacionais que, mesmo sem a formação necessária para trabalhar com os alunos ditos especiais, devem acolhê-los no espaço de sala 32 de aula, ainda que isso implique na má qualidade da educação oferecida. Como já sugerido por Coraci- ni (2007, p. 107), o fato de partilhar do mesmo es- paço físico não significa “por si só e por força da lei, ausência de discriminação, in-clusão, in-serção social”. A autora (CORACINI, 2007, p. 109) conclui que “a vontade de igualar, de homogeneizar na me- lhor das intenções [...] é que cava um abismo ainda maior entre uns e outros”, ou seja, entre os alunos “ditos” normais e os representados como excluídos ou especiais. Assim sendo, a própria escola que se diz inclusiva acaba construindo muros que marcam e segregam a diferença, excluindo ainda mais. Partindo da premissa de que todos são iguais ou, ainda, de que a igualdade é um ideal a ser al- cançado, a educação inclusiva silencia as diferen- ças que poderiam provocar transformações produ- tivas e significativas no contexto escolar. Em nome de uma prática pedagógica mais justa e igualitária, igualam-se, também, os sujeitos, suas demandas e desejos, confinando-os a um mesmo espaço e prá- tica discursivo-pedagógica, em que o aluno só pa- rece ser considerado ou endereçado como objeto do saber do outro (professor, coordenador, peda- 33 gogo etc.) que, por sua vez, deve sempre saber o que fazer diante do inesperado. Essa noção de que todos são iguais ou de que “devem” ser iguais ganha sentidos a partir da ideologia religiosa e jurídica, se- gundo as quais os homens são iguais perante Deus e perante a Lei. Nesse prisma, a aplicabilidade da lei, neste caso, das premissas da educação inclusiva, as- segura os direitos de todos, ganhando estatuto de compromisso moral e social. No recorteanterior (RD 3), diversos efeitos de sentidos são produzidos, a partir da personificação da “inclusão”, na seguinte formulação: “a dona in- clusão não está só batendo na porta, ela está dentro da sala de aula”. O sujeito de linguagem sugere que a inclusão já está sendo contemplada pelo simples fato de permitir que o aluno diferente permaneça no mesmo espaço dos alunos tidos como “normais”. Em outras palavras, a inclusão se personifica na fi- gura do aluno “diferente”, muitas vezes confundido e entendido como “deficiente”, e parece perder o seu caráter de proposta transformadora que deve- ria incidir, de forma significativa, na prática pedagó- gica. Evocando a questão da hospitalidade, tratada por Derrida (2003), para adentrar a temática levan- 34 tada neste estudo, é possível afirmar que aos agentes educacionais, em especial ao professor, é dada a di- fícil tarefa de hospedar e ser hospitaleiro, isto é, não hostil, com esse estranho que foi inserido – mas não totalmente incluído – no espaço de sala de aula da escola regular, na ilusão de ser possível se atingir e viabilizar uma hospitalidade universal: “sem reservas, sem limites, sem fronteiras” (CORACINI, 2007, p. 110). Propondo um alinhavo entre a leitura de Lacan (1992), a temática aqui abordada e a materialidade destacada anteriormente, observa-se que “a inclu- são do diferente” é metaforizada como uma visita inesperada ou como um hóspede desconhecido que “bate à porta” em momento inoportuno, adentrando e ameaçando a estabilidade de um mundo já norma- lizado, com fronteiras bem demarcadas. Nas palavras de Lacan (1992, p. 87), “esse hóspede é o que já pas- sou para o hostil [hostile] [...]. No sentido corriqueiro, esse hóspede não é heimlich, não é o habitante da casa, é o hostil lisonjeado, apaziguado, aceito”. É justamente essa posição de “hostil aceito e li- sonjeado” que é assumida pelo aluno diferente e/ ou deficiente, na escola regular, tendo em vista que 35 tal aceitação está prevista em lei, além de tornar os agentes educacionais mais tolerantes e generosos, em conformidade com a ideologia em funciona- mento no discurso religioso e que também atribui efeitos de sentido para as práticas inclusivas. Em um estudo anterior (CAVALLARI, 2011) enfatizei, com base no princípio responsabilidade proposto por Forbes (2010), que a criação de saídas singulares e criativas para cada situação de inclusão – que não passe pela compaixão, mas que parta do universal para o particular de cada caso, tratando diferente- mente as diferenças, ao invés de tentar igualá-las – é que poderá propiciar uma inclusão menos “nor- malizante” e mais significativa. O último excerto abordado foi formulado por uma professora de ensino fundamental e médio da rede pública, que trabalha com alunos especiais em turmas regulares. O equívoco que possibilita a deri- va de sentidos indesejados também se fez presente na materialidade posta. Vejamos: [RD 4] Temos que resgatar um erro. Trata- mos as pessoas diferente porque elas são diferente de nós. Nós é que excluímos as 36 pessoas. Temos que deixar de fixar a ima- gem nos estereótipos. O esquecimento número dois5, da ordem da enunciação, segundo Pêcheux (1988), provoca di- ferentes efeitos de sentido na referida formulação. Em outras palavras, ao empregar o verbo “resgatar”, ao invés de “corrigir”, o sujeito de linguagem nos permite entrever sua posição discursiva, portanto, ideológica, segundo a qual o aluno diferente ou de- ficiente é visto como um erro que deve ser resgata- do ou corrigido por nós, “os normais”, que temos o poder de construir um saber sobre o outro. Nos depoimentos dos agentes educacionais, de modo geral, as noções de “diferente” e de “de- ficiente” se confundem, justificando a necessidade da aplicação de práticas pedagógicas igualitárias e simplificadoras das diferenças. Lembrando que a in- clusão se faz necessária para além das deficiências, podemos afirmar que um equívoco de ordem ide- ológica está em funcionamento nos depoimentos abordados, bem como na proposta de EI, conforme ratifica Vizim (2003, p. 52), na citação a seguir: 5 O esquecimento número dois, segundo Orlandi (1999, p. 35) faz o enunciador acreditar que “há uma relação direta entre pensamento, a linguagem e o mundo, de modo que pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras e não outras”. 37 O tema educação inclusiva, apontado na década de 1990, ficou restrito, por vezes, à educação de pessoas com deficiências. Cabe ressaltar que esta é uma situação la- mentável diante da complexidade de se criar uma política pública de educação para todos. Não se trata única e exclusivamente do segmento das pessoas com deficiência, no sentido de incluí-los nas escolas regu- lares, deve-se incluir também toda criança, jovem e adulto que vive a condição de anal- fabeto ou de analfabeto funcional, de dife- rença étnica, cultural, religiosa, de condição social, enfim, de marginalização diante da hegemonia social. Em um trecho do recorte anterior: “tratamos as pessoas diferente porque elas são diferente de nós” [sic.], nota-se uma fala pouco significativa, circular e esvaziada de sentidos, uma vez que apenas evoca representações e discursos já naturalizados em nos- so contexto sócio-histórico. Esse esvaziamento de sentidos também foi abordado por Coracini (2007), partindo da análise de depoimentos de professores. 38 Nas palavras da autora (CORACINI, 2007, p. 101- 102), “o que se percebe é uma repetição redundante de termos que parecem esvaziados de sentidos ou tão plenos de sentido – naturalizados pela ideologia dominante – que não precisam de explicitação [...]”. Nesse prisma, podemos afirmar que a naturalização é desastrosa e infértil, já que não promove transfor- mações e/ou deslocamentos, pois acaba por sim- plificar e igualar as diferenças. Em larga medida, o equívoco de ordem ideológica que irrompe nos de- poimentos acerca da EI, nos permite entrever que o foco das práticas inclusivas está no apagamento da diferença e na deficiência e não no acolhimento da diversidade como algo que pode ser produtivo no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que requereria a (trans)formação não só do aluno dito “especial”, mas de todos os envolvidos no processo em questão. Ainda em relação ao excerto anterior, nota-se que o sujeito de linguagem convoca os agentes educacionais para o seu dizer, quando emprega a primeira pessoa do plural (nós, temos que), atribuin- do a eles e a si mesmo a culpa pela exclusão prati- cada no contexto escolar “nós é que excluímos as 39 pessoas”. Na formulação destacada, engendra-se a individualização e responsabilização do sujeito por seus atos e escolhas. Dito de outro modo, o enun- ciador não se vê afetado por outros discursos que circulam em nosso meio e que produzem “verda- des” ou efeito(s) de evidência discursiva, mas como o único agente capaz de fazer escolhas acertadas que possibilitem a inclusão. Segundo Kehl (2001, p. 59), dentro da modalidade subjetiva contempo- rânea, “o sujeito não se dá conta de suas filiações simbólicas e passa a se considerar como um indiví- duo isolado”. Daí advém sentimentos diversos como culpa e angústia diante do insucesso da EI e da apa- rente inviabilidade de suas propostas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora, à primeira vista, tudo se baseie na di- versidade, no que tange à Educação Inclusiva (EI) e/ ou Especial e suas propostas, os recortes analisados reforçam a hipótese inicialmente levantada neste estudo de que a EI silencia a(s) diferença(s) e o dife- rente, já que “incluir” produz o efeito de sentido de “normalizar” ou de “tornar o outro meu semelhante”. 40 Em outras palavras, o modo como a diversidade é significada no macrodiscurso político-educacional da inclusão acaba por promover a diluição,apaga- mento e até mesmo o silenciamento da diferença e daquilo que o sujeito dito excluído apresenta de mais singular e distintivo. Em todas as formulações analisadas o enfoque está na inclusão enquanto proposta e não no su- jeito a ser incluído ou nas especificidades de sua(s) diferença(s). Em suma, o sujeito dito especial parece ficar fora ou excluído da discussão sobre como in- cluí-lo e, portanto, se objetifica, ao ocupar, ainda que à revelia, a posição de objeto do olhar, das ações, do fazer e do suposto poder-saber do outro. Tal como sugere Balocco (2006, p. 83), só há referência ao su- jeito, “enquanto objeto de representações discursi- vas, ou construções identitárias”, lembrando que os discursos produzem sujeitos que não são nem estão na origem de sua enunciação. Trazendo as conside- rações arroladas para este estudo, podemos con- cluir que o sujeito da EI aparece como assujeitado ou como efeito do assujeitamento ao macrodiscurso político-educacional da inclusão e às verdades que esse discurso parece evocar e disseminar. 41 Como já destacado anteriormente, as práticas e política inclusivas significam ao evocarem pares dicotômicos e imaginariamente excludentes como: diferença x igualdade; exclusão x inclusão. São essas noções extremamente simplificadoras e homoge- neizantes, geralmente pensadas em oposição, que incidem na constituição identitária do sujeito mar- cado e representado como excluído, uma vez que passam a constituir as imagens nas quais esse sujeito se reconhece e se identifica. Segundo Souza (1995), as práticas discursivo-pedagógicas, de modo geral, e os conceitos que as fundamentam são tratados de forma unívoca: sem equívocos, falhas ou enganos. As práticas discursivo-pedagógicas, desencadeadas pelo macrodiscurso político-educacional da inclu- são e também concebidas de forma unívoca, se pau- tam na busca de igualdade e tendem a criar identida- des narcísicas, isto é, idênticas às daqueles que são tidos como normais e que têm o poder de construir um saber sobre o outro dito excluído ou especial. A materialidade posta nos recortes analisados também possibilitou a problematização do modo como o macrodiscurso político-educacional da in- clusão e as práticas “ditas” inclusivas concebem a 42 diferença e a singularidade que são constitutivas da identidade de todo e qualquer sujeito de linguagem e não apenas daqueles que têm a diferença marca- da no corpo. Skliar (2006, p. 29) reforça que “aca- bamos reduzindo toda alteridade a uma alteridade próxima, a alguma coisa que tem de ser obrigato- riamente parecida a nós – ou ao menos previsível, pensável, assimilável”. Em consonância com as afir- mações anteriores salientei (CAVALLARI, 2008, p. 5) que a resistência em acolher as diferenças se atrela ao fato de que tudo o que nos parece estranho ou não familiar expõe o não saber ou o não contro- le, desestabilizando o lugar de suposto-saber que é constitutivo da identidade de agentes educacionais, sobretudo de professores. Essa redução do estra- nho em familiar, do diferente em normal, entretanto, inviabiliza uma prática inclusiva que, de fato, con- temple a singularidade do sujeito-aluno e a diversi- dade inevitavelmente presente em todo e qualquer contexto escolar. Outro equívoco de ordem ideológica, bastante recorrente nos excertos abordados, deriva da con- fluência de sentidos entre “diferente” e “deficiente”, que parece resultar da igualação ou da fusão esta- 43 belecida entre educação regular e educação espe- cial, de acordo com a política de educação especial. No entanto, é significativo problematizarmos de que modo “educação” e “inclusão” de fato se rela- cionam e afetam as práticas discursivo-pedagógicas na contemporaneidade. A análise dos depoimentos nos sugere que educação e inclusão só se implicam mutuamente no macrodiscurso político-educacio- nal da inclusão, mas não nas práticas discursivo- -pedagógicas em que parece haver uma hiância ou uma lacuna imaginariamente intransponível entre a educação tradicionalmente concebida e ainda praticada e as premissas da EI. Resta-nos questio- nar, portanto, como tocar ou afetar esse sujeito que ocupa a posição de agente educacional para além do imaginário ou do politicamente correto acerca da inclusão? Um primeiro passo seria promover uma reflexão sobre como as políticas públicas de inclu- são são construídas e significadas. Recorrendo aos personagens (in)fames da his- tória e salientando a importância de resistir e con- frontar o poder hegemônico, Foucault (1992, p. 98) enfatiza a necessidade de “transpor os limites, de passar para o outro lado, escutar e fazer ouvir a linguagem que vem de fora ou de baixo [...]. Estas 44 vidas, por que não ir escutá-las lá onde falam por si próprias?” Trazendo essas indagações para as prá- ticas inclusivas, conclui-se que os mecanismos de poder-saber, muitas vezes engendrados e sustenta- dos pelo discurso universitário que, segundo Lacan (1992), formaliza e legitima o modo de se organi- zar as relações interpessoias, devem ser descons- truídos ou, pelo menos, desnaturalizados, a fim de promover uma inclusão que acolha as diferenças e as especificidades de todo e qualquer sujeito de lin- guagem e não apenas daqueles ditos ou represen- tados como “anormais”. Ao encontro de tais consi- derações, Skliar (2003) propõe uma “pedagogia do acontecimento” que acolha o estranho, o diferente e o inesperado sem temê-los ou silenciá-lo. Em última instância, sugerimos que as noções de inclusão e diferença, já sedimentadas no macro- discurso político-educacional da inclusão, sejam (re)pensadas e (re)significadas no interior de nos- sas experiências educacionais, para que provoquem transformações e desloquem o saber instituciona- lizado e historicamente determinado sobre o outro dito e marcado como “especial”. Vale destacar que se há algo de “natural” na inclusão é sua desarmonia. 45 Desse modo, para que as práticas inclusivas sejam tomadas de forma menos romantizada ou menos afetada pelo imaginário de compaixão e igualdade, precisamos nos lembrar de que o semelhante e o dessemelhante, a ordem e o conflitual se implicam mutuamente na desarmonia natural da EI e da Edu- cação que se pretende para Todos e que, graças a sua natureza universalizante, não é de ninguém, pois não leva em conta a singularidade que diferencia os sujeitos de linguagem. 47 REFERÊNCIAS ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do Estado. 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CaCiane Souza de MedeiroS* Sem o antagonismo entre incluídos e excluídos, poderemos nos encontrar em um mundo em que Bill Gates é o principal humanista, lutando contra a pobreza e as doenças, e Rupert Murdoch o maior ambientalista, mobilizando milhões de pessoas por meio de seu império da mídia. SlavoJ zizek O DISCURSO DA INCLUSÃO PELA DIFERENÇA NA RELAÇÃO MÍDIA E SOCIEDADE 53 1 INTRODUÇÃO A sociedade e seus modos de organização, fun- cionamento, movimento de sentidos, sujeitos e suas práticas é um lugar de interesse em meu percurso de estudo da relação mídia e sociedade. Dentro do espaço social constituído por seus antagonismos, regularidades, falhas e práticas sociais de (re)produ- ção de sentidos destaco a mídia em uma posição instituída (legitimada) onde questões sociais, que mobilizam sentidos na história, são retomados para significar de outro jeito o que já está lá, o que já faz sentido (ORLANDI, 1999). O objetivo deste trabalho é discutir e dar visibi- lidade aos sentidos que constituem o conceito de inclusão postos em circulação na/pela mídia, a partir de uma leitura discursiva de campanhas produzidas no Brasil sobre a questão da inclusão social. Para isto me detenho em observar as condições de produção onde habitam os sentidos em torno do conceito de inclusão que são (re)produzidos na mídia para pro- blematizar a ancoragem ideológica que marca este discurso em nossa sociedade e que está edificado em um modo de estruturar o social sustentado em klevi Realce 54 uma formação ideológica neoliberal de ver, de fazer, de significar o mundo e os sujeitos. Parto do princípio de leitura de que a questão da inclusão em seu espaço de significação social tem, inevitavelmente, uma história, um movimento de sentidos que vêm sendo mobilizados e que busco problematizar neste capítulo como possibilidade de compreender, à guisa dos preceitos teóricos de Fou- cault (2002, 2007, 2008), no tocante aos conceitos de sociedade, poder e de neoliberalismo; e da teoria discursiva de Pêcheux (1990, 1993, 1998, 2009, ) e Orlandi (1993, 1999, 2001) a que me filio, a costura ideológica e as condições de produção que consti- tuem o conceito de inclusão e seus modos de signi- ficar deflagrados na/pela mídia. Tracei um caminho de leitura discursiva que propõe, a partir da análise teórica que mobilizo, uma retomada do conceito de inclusão e suas formas de significação na sociedade. 2 UMA INCLUSÃO PARTIDA Um dos temas mais publicizados na mídia da atualidade é, de fato, o da inclusão social e neste 55 entorno de significação os sujeitos marcados pela diferença passam a figurar em posição “destaca- da” no projeto social que apregoa uma inclusão de superfície discursiva horizontalizada, sem deslizes, sem conflitos e arranjada em um imaginário de “boa vontade” coletiva que ressoa um modo de discur- sivizar a inclusão de sujeitos identificados pela di- ferença determinado por uma formação ideológica neoliberal1 que retoma sentidos individualizantes que já estão naturalizados. A posição teórica que me orienta nesta leitura e análise é determinante para que se compreenda que o discurso existe no social e na relação dos sujei- tos com a linguagem que os subjetiva. Parto da pre- missa teórica elaborada por Michel Pêcheux (2009), que define o discurso como sendo constituído e constitutivo do social e dado à materialização na lin- guagem. Esse conceito tem sido largamente citado e retomado no âmbito dos estudos discursivos é o amparo vital para um estudo que entende a neces- sidade de compreensão da linguagem para além de sua materialidade pragmática ou mesmo conteudís- tica de leitura e interpretação. 1 A questão do neoliberalismo e sua relação discursiva com a questão da inclusão na sociedade será explicitada na sequência da seção. 56 Minha proposta de reflexão está, assim, com- prometida com uma leitura da sociedade atual em seus modos, discursos e práticas, que só se justifi- cam e se legitimam no bojo teórico que entende o discurso como “efeito de sentidos entre interlocu- tores” (PÊCHEUX, 1993, p. 170). Esta noção de dis- curso representa, em sua materialidade simbólica, o encontro entre linguagem, história e ideologia. Em um mesmo movimento, o discurso materializa-se em mecanismo constitutivo de sujeito e de sentido, ilusões e esquecimentos (ORLANDI, 1999), e este processo ganha corpo em diferentes formas, ou seja, na materialidade discursiva que se (re)produz na mídia. De acordo com o que Pêcheux (1998, p. 58) assevera, ao localizar a Análise de Discurso (AD) como dispositivo de leitura, há um caminho de es- tudo determinado [...] pelo campo dos espaços discursivos não estabilizados logicamente, dependen- do dos domínios filosófico, sócio-histórico, político ou estético, e também, portanto, dos múltiplos registros do cotidiano não es- tabilizado (cf. a problemática dos -universos de crença, a dos - mundos possíveis, etc.). 57 Nesta perspectiva, a linguagem é entendida como ação, transformação, como um trabalho sim- bólico em que tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações, conflitos, reconhecimen- tos, relações de poder, constituição de identidade etc. (ORLANDI, 1993, p. 17). Seguindo no percurso discursivo de produção de sentido proposto por Pêcheux, saliento que o su- jeito é atravessado tanto pela ideologia quanto pelo inconsciente, o que produz não mais um sujeito uno, mas umsujeito cindido, clivado, descentrado, (re)partido, não se constituindo na fonte e origem dos processos discursivos que enuncia, uma vez que estes são determinados pela formação discur- siva na qual o sujeito está inscrito e que determina o que pode e o que não pode ser dito (PÊCHEUX, 2009). Mais que isso, a formação discursiva na qual o sujeito está identificado é regida por uma rede de memória já instituída e “acionada” (posta em funcio- namento) no momento da formulação do dizer. O conceito de memória postulado por Pêcheux (2009) é, doravante, uma memória do discurso, ou seja, uma memória interdiscursiva, onde habita um con- junto de já-ditos que sustenta todo dizer. De acordo 58 com este conceito, os sujeitos estão filiados a um saber discursivo que não se aprende, mas que pro- duz seus efeitos através da ideologia e do incons- ciente. O interdiscurso está articulado ao complexo de formações ideológicas: algo já foi dito antes, em outro lugar, independentemente. Essa relação se dá em continuidade histórica de produção discursiva. O interdiscurso é, pois, [...] definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos de memória discursiva: o sa- ber discursivo que torna possível todo dizer e que retoma, sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, susten- tando cada tomada de palavra. O interdiscur- so disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada (ORLANDI, 1999, p. 31). A determinação discursiva do sujeito em socie- dade é um importante alce para minha observação acerca dos objetos de mídia e os sentidos da inclu- são que funcionam nesta discursividade, pois sina- liza traços da implicação ideológica do discurso na 59 aparência simbólica da obviedade. Essas questões apontam para o fato de que, na constituição do su- jeito do discurso, intervêm dois aspectos que não podem ser deixados de lado: primeiro, o sujeito é social, interpelado pela ideologia, mas se acredita livre, individual; e, segundo, o sujeito é dotado de inconsciente, contudo acredita estar o tempo todo consciente ou, pelo menos, dotado de uma cons- ciência social comum entre seus pares e dotada de intenção. Afetado por esses aspectos e assim cons- tituído, o sujeito (re)produz o seu discurso. Na mídia, o processo de formulação e circula- ção discursivo está localizado em um lugar de (re) produção permanente. Em sua prática de produ- ção, a mídia tem, portanto, um lugar de seleção e de permanência desse acervo de saberes sobre, bem como um lugar de circulação de sentidos, a partir das escolhas do que é dito (e mostrado) e do que é silenciado ou deixado de lado; de quem partici- pa efetivamente na definição desses saberes e de quem não está presente. De acordo com o que Or- landi (1999) teoriza, há um duplo jogo de memória quando a observamos em uma relação discursiva. Nas palavras da autora, 60 [...] saber como os discursos funcionam é colocar-se na encruzilhada de um duplo jogo da memória: o da memória institucional que estabiliza, cristaliza, e, ao mesmo tempo, o da memória constituída pelo esquecimen- to, que é o que torna possível a diferença, a ruptura, o outro (ORLANDI, 1999, p. 10). A compreensão de como os lugares sociais e a ideologia são estabelecidas nas relações simbólicas entre os sujeitos é uma contribuição ímpar, espe- cialmente no tocante à questão em uma análise dis- cursiva: a ideologia se materializa em discurso, que, por sua vez, dá-se na materialidade textual. Sujeito e sentido constituem-se simultânea e historicamente nas relações de força e conflitos ideológicos. Retomar o caráter histórico do discurso e do sujeito, percebendo aquele como lugar de consti- tuição deste, é permitir a compreensão das lutas so- ciais, visto que as composições biopsicológicas são politicamente conformistas. É permitir, por exem- plo, o entendimento do fato de que as assimetrias sociais e de poder são delineadoras das identidades subjetivas: questões de lugar, raça, nacionalidade, 61 religião... inclusão/exclusão, ganham materialidade a partir da heterogeneidade própria às formações discursivas e das posições-sujeito no acontecimen- to discursivo. Sem a intermediação do discurso, visto em sua heterogeneidade, não é possível compreen- der a constituição do ser-sujeito em sua pluralidade, como materialização na/pela história. As ideologias só fazem sentido para o sujeito na sua relação de constituição com a sociedade, ca- bendo a este compreendê-las e observar as pos- síveis posições que se coadunam em determinado contexto histórico. Assim sendo, entendo que a mídia atua no social a partir de uma formação ide- ológica e histórica determinada que delineia a (re) produção de sentidos mobilizada em suas práticas. O discurso é, desse modo, efeito de sentido tam- bém do lugar da mídia no social e das relações de poder aí imbricadas que repercutem nas instituições sociais (como na escola, por exemplo) que regulam a prática dos sujeitos em seu meio. Observar em que sociedade (com)vivemos é ponto de partida e che- gada na compreensão discursiva dos sentidos. E é sobre a sociedade e as condições de produção que encaminho a discussão sobre a inclusão. 62 3 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA INCLUSÃO A promoção e divulgação de sentidos materiali- zados como campanhas, propagandas e outras ma- terialidades dadas à discursividade midiatizada tem ocupado um espaço amplo em nossa sociedade marcada pela profusão de imagens. No caso especí- fico das materialidades discursivas deflagradas pela mídia a respeito da questão da inclusão, o universo de possibilidades versadas para o consumo é de- terminado por uma conjuntura sócio-histórica que precisa ser considerada em sua base constitutiva: as condições de produção que situam os sentidos que significarão de um modo e não de outro. Con- sideradas num sentido mais amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico e o aspecto ideológico de produção discursiva. A pro- posta de (re)definição de condições de produção entende que exista um alinhamento à análise histó- rica das contradições ideológicas na materialidade dos discursos e uma articulação teórica ao concei- to de formação discursiva que é próprio da teoria discursiva que trago para sustentar um questiona- mento sobre a questão da inclusão. A somatória dos 63 valores ideológicos constitui o imaginário que de- signa o lugar que os sujeitos do discurso se atribuem mutuamente. Nas palavras de Pêcheux (1990, p. 77), “um discurso é sempre pronunciado a partir de con- dições de produção dadas”, portanto, importa não somente o que se diz, mas também o que não se diz sobre inclusão. Neste ponto, é importante salientar que não interessa aqui analisar especificamente o papel das mídias ao constituir um palco para viabili- zar uma pretensa conscientização sobre a inclusão. O objetivo é trazer à problematização um aspecto que vejo como sendo emblemático no tempo pre- sente: a relação de sentidos da inclusão à prática de engajamento social que vem sendo mobilizada como modelo de vida em sociedade; as idas e vindas do cenário midiático montado para criar estas for- mas de engajamento enfatizando a diferença como caminho regular de uma possibilidade já instituída de promover uma espécie de “consciência prática de inclusão”; as textualidades mobilizadas para tais práticas e seus efeitos na produção de modelos de conduta frente a sujeitos ditos especiais. Para adentrar nesta leitura das condições de produção, faz-se necessário retomar a noção de in- 64 clusão que mobilizo. Por inclusão, entendo mais do que um paradigma educacional ou social; tomo in- clusão como um princípio de organização da socie- dade, propulsionado pela lógica de uma formação ideológica neoliberaltomada por sentidos pré-cons- truídos que se atualizam em “novas” formas de dizer/ mostrar e simbolizar os sujeitos. Neste sentido, trago para o centro do debate as condições que ancoram o movimento discursivo da inclusão, com o propó- sito de compreender seu funcionamento e discutir seus efeitos de legitimidade, entendendo que: [...] as palavras têm um sentido porque têm um sentido, e os sujeitos são sujeitos por- que são sujeitos: mas, sob essa evidência, há o absurdo de um círculo pelo qual a gente parece subir aos ares se puxando pelos pró- prios cabelos (PÊCHEUX, 2009, p. 32). Para tanto, estou embasada na posição teórico- -discursiva de Pêcheux que entende que a ideologia é constitutiva do sujeito, “não há sujeito sem ideo- logia” (PÊCHEUX, 2009), ou seja, não é ocultação é, isso sim, “produção de evidências” (ORLANDI, 2001, p. 104) e que a sociedade é essencialmente cons- 65 tituída por relações de poder. Poder que se movi- menta no que eu prefiro chamar de sociedade da imagem por dispositivos de visibilidade elencados e agenciados ideologicamente. Considerar o caráter da visibilidade em seu me- canismo histórico de organização vem ao encontro da relação mídia e poder que é constitutiva da nossa sociedade. A mídia tem papel determinante no pro- cesso de difusão de saberes e valores na sociedade contemporânea. No caso da mídia, como lugar de circulação de sentidos, se o controle não ocorre pela via da vigilância repressora da presença e da orde- nação do olhar de sujeitos em presença, se dá na emergência de modelos de realidade; no agencia- mento da consciência, como promotora de gestos de interpretação, (re)produtora de fatos de lingua- gem, de posições-sujeito atuantes na esfera de or- ganização social. Retomando Foucault (2007, p. 8), [...] se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa 66 só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. A instituição midiática (recortada em nosso tra- balho como mídia dada à divulgação de saberes e ideias em curso na sociedade brasileira se autoriza a mobilizar – sob a égide de seu papel instituído como serviço social, lugar instituído como instrumento democrático, reconhecido na esfera da liberdade de expressão e de direito dos cidadãos – seu lugar (po- lítico, econômico e comercial) através do discurso. Este é um mote essencial para a compreensão des- te lugar midiático, pois entre os direitos declarados pela Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. 5º (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coleti- vos), temos o direito à comunicação, à informação. O dado constitucional de direito em si mostra que esse lugar institucional coloca a comunicação em uma relação gregária e social que, ao incluir as ne- cessidades de autoexpressão e de troca de informa- ções, sustenta um lugar de poder para esta mídia. A mídia, nesta posição de comunicação, no es- paço social de produção discursiva, investe espe- 67 cialmente no que tange os aportes tecnológicos – e, portanto ideológicos –, na manutenção e legitima- ção de seu lugar social. Essa legitimidade não é uma invenção da mídia, como se ela configurasse uma entidade independente e manipuladora, tampouco será abordada neste texto em uma relação simplista de influência, já que o discurso da mídia é parte do complexo sociopolítico do Estado democrático que é legitimado como sistema organizador em nossa sociedade; ou seja, é o social que determina a pro- dução de práticas e ideias mobilizadas nas esferas institucionais (entre as quais temos a mídia na sua posição informativa), e não o contrário. No mesmo sentido e com maior especificidade, minha posi- ção teórica justifica-se pela própria concepção de linguagem que adotamos, a saber, a da linguagem constituída por um aspecto material, a língua (o que pode ser visto “a olho nu”) atravessada pela história e pela ideologia, as quais caracterizam relações es- senciais para compreendermos a manifestação do sentido e de seus efeitos na leitura e nas práticas so- ciais do sujeito. Compreender o que se diz sobre inclusão, por exemplo, precede uma observação da mídia, ou seja, 68 na posição discursiva que me atenho, a mídia é ob- servada em seu lugar singular de poder, não o poder que vigia ou ameaça, mas o poder que regulariza a versão possível – já condicionada em uma prática (técnica e ideológica) instituída, que tem lugar so- cial definido. Com esse pensamento, dispomo-nos a observar o leque que relaciona o discurso da mí- dia e suas relações sociais, entendendo que o poder não é da mídia – como detentora manifesta das ver- sões escolhidas ou dotada de um lugar de intenção lógico e claro, mas é exercido e regulado por forças ideológicas que são, antes, políticas, econômicas e sociais que otimizam a (re)produção de alguns sen- tidos em detrimento de outros. Para Foucault (2007), o processo de otimização do poder, pela economia política, que implica em estratégias que tem como efeito o máximo controle pelo mínimo investimento de poder, seria uma ten- dência. Nesta lógica, produzir condutas que relacio- nam o sujeito com os demais – por meio de proce- dimentos que visam gerir a população – aliadas a práticas que o sujeito empreende com ele mesmo – pela ética, por exemplo – além da amenização do risco, permite a autogestão da sociedade. Mas, para 69 que essa lógica seja eficiente, algumas táticas e téc- nicas precisam ser inventadas/acionadas. Trazendo a teorização disciplinar dos séculos XVIII e XIX para a atualidade, entendemos que é nes- se regime que a inclusão, como elemento de parti- cipação e acesso de todos, toma corpo. Não basta ser parte da sociedade, é preciso participar. Mais do que isso, é preciso querer participar de certos espa- ços e ações e incentivar que todos participem. As formas de publicizar este ideal relacionam modos de subjetivação já instituídos e as ressonâncias in- terdiscursivas dessa relação numa sociedade que se pretende inclusiva dentro de um projeto ideológico legitimado em práticas de engajamento regulares. Para dar visibilidade ao entorno teórico que venho propondo até aqui, recortei materialidades midiáticas2 que me chamaram a atenção para o modo como tex- tualizam a questão da inclusão e, a partir delas, enfa- tizo a observação de sentidos filiados a uma determi- nada formação ideológica e à (re)tomada de sentidos (o parafraseamento discursivo) que propagandeiam a prática de engajamento como solução anunciada e simbolizada como garantia de avanço social. 2 As campanhas que versam sobre a inclusão pela diferença serão tomadas como objeto de leitura e análise na sequência da seção. 70 Os recortes trazidos para discussão referem-se a campanhas3 divulgadas nos últimos cinco anos em diferentes formas midiáticas de (re)produção e foram sequenciadas (em recortes) para dar visibili- dade a aspectos analíticos em torno do conceito de inclusão e sua relação significante com uma orde- nação social de divulgação. Observemos a sequên- cia discursivo-parafrástica de recortes: Recorte 1(R1) – Campanha publicitária Fotografia 1 – Imagem divulgada pelo Instituto MetaSocial cujo slogan de campanha é “Ser diferente é normal” “Ser diferente é normal” Fonte – Disponível em: <http://www.inclusive.org.br/?p=21677> 3 Peças publicitárias (impressas e audiovisuais) amplamente divulgadas. 71 Recorte 2 (R2)4 – Campanha publicitária Fotografia 2 – Imagem referente ao filme da campanha do Instituto MetaSocial cujo slogan é “Ser diferente é normal” “Ser diferente é normal” Fonte – Disponível em: <www.facebook.com/ sindromededown8?hc_location=timeline>4 A imagem do recorte refere-se à sexta campanha desenvolvida para a ONG MetaSocial fundada por Helena Werneck. No filme publicitário, de 2011, com versões de 60 e 30 segundos, Paula Werneck, uma atriz que já protagonizou outras campanhas do MetaSocial, está em casa e declara, em uma narrativa, ser uma menina diferente. A suposição leva a crer que essa “diferença” seria por outros motivos até que ela de- clara que é por gostar de tocar bateria. A cena seguinte mostra Paula tocando bateria num parque gramado (as filmagens ocorreram no Parque da Marinha do Brasil, em Porto Alegre) ao som de “Kids of the Future”, da banda inglesa Jonas Brothers. Aos poucos, outros jovens se aproximam e cantam com ela. Ao final, todos abraçam a baterista e o enunciado “Ser diferente é normal” entra em cena. Como recursos de acessibilidade, o filme conta com legendas e audiodescrição para versar sobre questão da diferença. O vídeo pode ser visto no endere- ço eletrônico: <http://www.youtube.com/watch?v=mjLpJboOQy4>. 72 Recorte 3 (R3) – Campanha publicitária Fotografia 3 – Imagem da campanha “Ser diferente é normal” “E daí que diferença faz?! Ser diferente é normal” Fonte – Disponível em: <www.facebook.com SerDiferenteENormal2012> Recorte 4 (R4) – Campanha publicitária Fotografia 4 – Imagem de campanha divulgada em comemora- ção ao dia internacional da Síndrome de down. Fonte: Disponível em: <www.deficienteciente.com.br> “Não sou diferente, eu faço a diferença.” 73 Recorte 5 (R5) – Campanha publicitária Fotografia 5 – Imagem de campanha da Federação das Ações do Estado do Rio de Janeiro “O que nos faz especial são exatamente as nossas diferenças” Fonte – Disponível em: <www.blogclientesa.clientesa.com.br> Ao ler, ver e/ou ouvir, em diferentes mídias, em diferentes materialidades discursivas, o enunciado: “Ser diferente é normal”, deparei-me tocada a pro- blematizar os sentidos no tempo presente: os sen- tidos de engajamento na causa inclusiva, a partir da espetacularização da diferença/diversidade – sua produção e seu consumo simbólico na e pela lin- guagem midiática. Nesse registro, retomo questões pertinentes à minha reflexão: Como os sentidos da chamada inclusão social vem sendo movimentados na mídia? 74 Se observarmos a sequência de materialidades (os recortes) enunciativas nas campanhas supra- mostradas podemos explicitar o deslize de senti- dos constitutivo do parafraseamento5 dos enuncia- dos instaurados em um antagonismo histórico que constitui a subjetividade dos que são e dos que não são considerados diferentes e sua possibilidade de inclusão social pela diferença. O reforço enunciativo que deflagra que “ser diferente é normal” só pode ser dito e fazer sentido na relação com uma me- mória interdiscursiva num espaço que nos lembra (traz à atualidade) da segregação historicamente construída e discursivizada dos sujeitos (os deficien- tes, os especiais, os diferentes...) que ainda estão imersos na esteriotipia social da deficiência, da falta, da estagnação como sujeitos (desen)formados dos moldes sociais vigentes. Desta forma, a tentativa discursiva que a mídia (re)produz nas campanhas é a de um (re)posiciona- mento direto, horizontal dos sentidos da diferença, inclusive pelo não-uso da designação “deficiência” que carrega, em sua história e memória, sentidos ainda atuantes do esquecimento, da desvalia e do não-pertencimento social. Os enunciados parafrás- 5 Tomo o conceito de paráfrase na perspectiva discursiva que entende que os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase está do lado da estabilização (ORLANDI, 1999). 75 ticos recortados das campanhas (R1, R2, R3, R4 e R5) marcam esta memória discursiva histórica em que as diferentes práticas relacionadas ao cuidado com pessoas com deficiência permitem problematizar o modo como cada período histórico, especialmente o de agora, atualiza a questão da diferença. Dife- rentes atores sociais em suas posições-sujeito estão envolvidos nessas práticas que vão da caridade e as- sistência6 até às práticas ditas integrativas e inclusi- vas que marcam a questão da deficiência na con- temporaneidade, mas que vem produzindo sentidos há muito tempo. Segundo Foucault (2002), desde o início do sé- culo XIX, os sujeitos com deficiência eram vistos a 6 A prática assistencial está diretamente relacionada ao surgimento das instituições de confinamento. Nesse modelo e intervenção o atendimento aos carentes constitui objeto de práticas especializadas. Assim surgem diferentes equipamentos sociais – tais como hospitais, asilos, orfanatos, hospícios – que oferecerão atendimento especializado a certas categorias da população que outrora eram assumidos, sem mediação, pelas comunidades. Vão surgindo estruturas cada vez mais complexas e sofisticadas de atendimento assistencial, esboço de uma profissionalização futura desse tipo de prática. Foucault (2002) produz um trabalho denso sobre a sociedade suas formas de regulação e pontua historicamente a mudança das práticas sociais de cuidado (para ele formas de ordenação) social. 76 partir de suas deficiências: elas deveriam ser medi- das e classificadas e seus corpos tornados objetos de controle, já que se opunham à ordem social. Essa dominação exercida pelas disciplinas, a partir dos séculos XVII e XVIII, se institui através deformas sutis por técnicas minuciosas e íntimas. Através de uma política do detalhe, de atenção às minúcias, esse corpo doente passa a ser estudado, analisado, co- nhecido, para ser recuperado e tratado... Este cená- rio discursivo movimentou-se e tem agregado no- vos sentidos para significar o sujeito diferente (e não só deficiente). Considerando o fracasso das institui- ções em integrar o sujeito com deficiência à socie- dade e ao mercado de trabalho produtivo a partir de um modelo social de normalidade, iniciou-se, em vários setores sociais, e a mídia ocupa uma posição importante neste processo, um questionamento e pressão para a desinstitucionalização das pessoas com deficiência. No modelo da inclusão discursivizado na atua- lidade, onde a diversidade é proclamada como má- xima do ser/estar na orientação certa (àquela jus- tificada e assentada nas formas de dizer e fazer do “politicamente correto”), materializa-se um movi- 77 mento de sentidos que identifica e conclama à inte- gração a sociedade e as pessoas com necessidades especiais, isso como forma de minimizar os proble- mas encontrados por ambas no convívio social his- toricamente estruturado. São práticas distintas que ora colocam todo o peso sobre a pessoa com de- ficiência, ora procuram distribuir a responsabilidade pela inclusão para todo o conjunto social propondo o engajamento como única (melhor) opção. 4 OS SENTIDOS DA INCLUSÃO NEOLIBERAL: A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO ENGAJADO Como parte da proposta de debate sobre a ma- terialidade discursiva e suas implicações, considero importante apontar algumas condições históricas de produção dos discursos da inclusão. Compreendo que há na sociedade um movimento que deflagra a inclusão enquanto incentivo à participação e aces- so de todos a determinados espaços sociais, como uma grande rede que se tece em torno de políticas e práticas conectadas aos interesses e conveniências do modo de vida neoliberal. 78 Por neoliberalismo, a partir de Foucault (2008), compreendo a lógica que vem se empreendendo desde meados da década de 1970, em que o mer- cado assume posição centralizadora na formulação de significados. Com isso, o papel do Estado na di- nâmica social se reconfigura e há um incentivo à autocondução. Assim, se no liberalismo clássico o Estado gerenciava o mercado, no neoliberalismo, a relação inverte-se. O mercado cria e monitora o funcionamento do Estado e das suas relações
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