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1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Fisiologia Humana O piquenique estava maravilhoso. Você agora está sonolento na grama, digerindo sua refeição. De repente, sente algo se movendo sobre a sua perna. Você abre os olhos e vê uma cobra deslizando sobre o seu pé. Instintivamente, você joga a cobra na grama e salta rapidamente para um lugar seguro. Agora você está respirando ruidosamente e seu coração está acelerado. Em menos de um segundo, o seu corpo passou de um estado de repouso tranquilo e digestão para um estado de pânico e de atividade frenética. Essa ação reflexa é integrada no sistema nervoso central (SNC) e executada pelo sistema nervoso autônomo (SNA). O SNA é constituído por neurônios eferentes que controlam os músculos lisos e cardíaco, diversas glândulas e parte do tecido adiposo. Ele está intimamente relacionado ao controle da homeostase corporal. Considera-se que as ações reguladas pelo SNA ocorrem, predominantemente, de maneira involuntária; isto é, independentemente da vontade do indivíduo. O SNA pode ser também chamado de sistema nervoso vegetativo, porque controla as funções vitais; ou, sistema nervoso visceral, porque comanda as vísceras. O SNA pode ser dividido em simpático, parassimpático e entérico. SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO É o sistema nervoso intrínseco do trato gastrointestinal (TGI) e é especialmente importante no controle dos movimentos e da secreção deste trato. Localiza-se inteiramente na parede do TGI. Inicia-se no esôfago e se estende até o ânus. O sistema nervoso entérico é constituído por dois plexos, o mioentérico e o submucoso. O plexo mioentérico ou de Auerbach se localiza entre as camadas musculares circular e longitudinal do TGI; ele controla os movimentos do TGI. O plexo submucoso ou de Meissner está localizado na camada submucosa e controla a liberação das 2 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Fisiologia Humana secreções digestórias e o fluxo sanguíneo local. Todavia, as ações de ambos os plexos são moduladas pelas divisões simpática e parassimpática do SNA. É possível observar, na figura a seguir, neurônios sensoriais que se originam no epitélio gastrointestinal ou na parede intestinal e enviam fibras para os dois plexos do sistema nervoso entérico e para regiões superiores do SNC. São os responsáveis por alguns reflexos na parede intestinal. Os neurotransmissores utilizados pelos neurônios entéricos são os mais diversos, porém, os dois mais estudados são a Acetilcolina, que cumpre um papel excitatório na musculatura lisa, e a Norepinefrina, que cumpre um papel inibitório (tanto vinda pelo sangue através da secreção da glândula suprarrenal quanto vindo das fibras nervosas simpáticas). As fibras nervosas do parassimpático, em sua maioria advindas do Nervo Vago, estimulam o Trato gastrointestinal. Já as fibras nervosas simpáticas, em geral, inibem a atividade do TGI. Para termos uma ideia, a intensa estimulação do sistema nervoso simpático pode inibir os movimentos motores do intestino, de tal forma que pode, literalmente, bloquear a movimentação do alimento pelo TGI e diminuir drasticamente o fluxo sanguíneo. As divisões simpática e parassimpática do SNA, são constituídas por vias eferentes compostas por neurônios pré e pós-ganglionares. Os neurônios pré-ganglionares possuem os corpos celulares no SNC e seus axônios projetam para gânglios autonômicos, fora do SNC. Nestes locais (nos gânglios) os neurônios pré-ganglionares fazem sinapse com os neurônios pós-ganglionares. Os neurônios pós- ganglionares têm os corpos celulares nos gânglios e os seus axônios se projetam para órgãos-alvo do nosso corpo (coração, pupila, TGI, trato urinário). Em ambas as divisões, os neurônios pré- ganglionares são neurônios colinérgicos; ou seja, eles produzem e liberam acetilcolina (Ach). Nos gânglios, a Ach irá atuar em receptores nicotínicos, encontrados na membrana plasmática do neurônio pós-ganglionar. Essa sinapse é excitatória e resultará em estimulação dos neurônios pós- ganglionares (Fig. 1). Os neurônios pós-ganglionares podem diferir de acordo com a divisão. No sistema nervoso simpático, a maioria dos neurônios pós-ganglionares é adrenérgica, libera noradrenalina (ou norepinefrina) nos órgãos-alvo. A noradrenalina irá atuar em receptores α ou β-adrenérgicos, a depender do órgão; e, sua ação poderá ser excitatória ou inibitória. Alguns neurônios pós- 3 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Fisiologia Humana ganglionares do simpático liberam Ach nos órgãos-alvo. A Ach atua em receptores muscarínicos nesses órgãos, podendo ter ação excitatória ou inibitória. Os neurônios pós-ganglionares do parassimpático são colinérgicos. Mais uma vez, a Ach atuará em receptores muscarínicos nos órgãos-alvo, com ações excitatórias ou inibitórias (Fig. 1). Fig. 1 – Ilustra a organização anatômica dos sistemas nervosos somático (A) e autônomo (B) SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO SIMPÁTICO (TORACOLOMBAR) Os neurônios pré-ganglionares da divisão simpática possuem o corpo celular localizado no corno lateral da substância cinzenta da medula espinhal, dos segmentos torácico a lombar (de T1 a L2). Esses neurônios fazem sinapse com os neurônios pós-ganglionares, cujos corpos celulares estão localizados em gânglios situados lateralmente à medula espinhal. Os gânglios do simpático estão dispostos de maneira organizada, próximos à medula espinhal, formando o que se conhece por cadeia paravertebral de gânglios simpáticos. De maneira geral, os axônios dos neurônios pré-ganglionares emergem da medula espinhal, através da raiz ventral, para logo realizarem suas sinapses nos gânglios da cadeia simpática; portanto, esses axônios são curtos. Contrariamente, os axônios dos neurônios pós-ganglionares são longos. Existe um gânglio simpático especializado que não faz parte da cadeia simpática, ele é a medula da glândula adrenal (ou supra-renal). Neurônio pré-ganglionar, cujo corpo celular está localizado na região torácica da medula espinhal, emerge através do nervo esplâncnico maior até a região medular da adrenal. Neste local, ele fará sinapse com as células cromafins, liberando Ach sobre os receptores nicotínicos dessas células. Uma vez estimuladas, as células cromafins liberarão catecolaminas, principalmente, adrenalina (ou epinefrina; 80%), mas também noradrenalina (20%), na circulação sanguínea (Fig. 2). 4 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Fisiologia Humana Adrenalina e noradrenalina atuam nos mesmos receptores α ou β-adrenérgicos nos órgãos-alvo. Em geral, a adrenalina possui ação mais potente e duradoura que a noradrenalina. Assim, a ativação simpática resulta em liberação de adrenalina na circulação sanguínea. A adrenalina se espalha por todo o organismo, atuando simultaneamente em vários órgãos-alvo; por isso, a estimulação simpática resulta em resposta difusa e generalizada no organismo. Conforme mencionado anteriormente, todos os neurônios pré-ganglionares são colinérgicos e liberam Ach sobre receptores nicotínicos nos gânglios. No simpático, a maioria dos neurônios pós- ganglionares é adrenérgica e liberam noradrenalina que atuam em receptores α ou β-adrenérgicos nos tecidos. Contudo, existem neurônios pós-ganglionares simpáticos que são colinérgicos; eles liberam Ach nos órgãos-alvo. Nesses locais, os receptores para a Ach são muscarínicos1. Os neurônios simpáticos pós-ganglionares colinérgicos inervam as glândulas salivares, sudoríparas e osmúsculos lisos piloeretores. Fig. 2 – Organização do sistema nervoso simpático SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO PARASSIMPÁTICO (CRANIOSSACRAL/VAGAL) Os neurônios pré-ganglionares da divisão parassimpática possuem o corpo celular localizado no tronco encefálico ou no segmento sacral da medula espinhal. Os axônios pré-ganglionares farão sinapse em gânglios autonômicos localizados próximos aos órgãos-alvo ou, até mesmo, na parede desses órgãos. Consequentemente, os neurônios pré-ganglionares possuem axônios longos; enquanto que os pós-ganglionares possuem axônios curtos, contrariamente ao que ocorre na divisão simpática. Considerando que seus gânglios estão espalhados de forma aleatória no organismo, no parassimpático inexiste cadeia ganglionar. 5 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Fisiologia Humana 1Os receptores colinérgicos (proteína integral de membrana que gera uma resposta a partir de uma molécula de acetilcolina) são, farmacologicamente, agrupados em dois tipos principais: 1. Nicotínicos: perifericamente, são encontrados nos gânglios do SNA e nos músculos esqueléticos. São receptores ionotrópicos excitatórios; são sensíveis à nicotina. 2. Muscarínicos: encontrados nos músculos liso e cardíaco, no endotélio, nos órgãos efetores. Existem cinco subtipos de receptores muscarínicos descritos. São metabotrópicos, acoplados à proteína G, podendo ter ações excitatórias ou inibitórias. São sensíveis à muscarina, substância presente em um tipo de cogumelo. No parassimpático, tanto os neurônios pré, como pós-ganglionares são colinérgicos. Contudo, a Ach liberada pelos neurônios pré-ganglionares nos gânglios irá atuar em receptores nicotínicos; enquanto que a Ach dos pós-ganglionares atuará em receptores muscarínicos nos órgãos-alvo (Fig. 3). A maior parte (75%) das ações do parassimpático é mediada pelo nervo craniano X (nervo vago). O nervo vago modula as funções do coração, pulmão, esôfago, estômago, intestino delgado, metade proximal do cólon, fígado, vesícula biliar, pâncreas, e porções superiores dos ureteres. Os demais nervos cranianos parassimpáticos são: o oculomotor (nervo craniano III; controla os esfíncteres pupilares e músculo ciliar), o facial (nervo craniano VII; regula as glândulas lacrimais, nasal e submandibular) e o glossofaríngeo (nervo craniano IX; atua sobre a glândula parótida). Os nervos sacrais controlam o cólon descendente, reto, bexiga urinária, porções inferiores dos ureteres, genitália externa. Fig. 3 – Organização do sistema nervoso parassimpático Em geral, os órgãos-alvos (efetores) possuem inervação simpática e parassimpática, dupla inervação. Assim, na maioria das vezes, as divisões simpática e parassimpática atuam de forma antagônica, porém complementares (Tabela 1). Funcionam como um sistema de freio e aceleração que contribui para a homeostase do organismo. Contudo, diferentemente de um 6 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Fisiologia Humana sistema mecânico, as duas divisões nunca cessam as suas ações completamente; em vez disso, existem momentos de predominância da ação de uma, ou da outra divisão. A função geral do sistema nervoso simpático é a de mobilizar o corpo para a atividade. O simpático está associado uma resposta conhecida por “luta-ou-fuga”, que ocorre quando o indivíduo é exposto a uma situação de estresse físico ou psicológico. Essa resposta inclui aumento da pressão arterial, do fluxo sanguíneo para ativar os músculos esqueléticos, do metabolismo, da concentração de glicose no sangue, da atividade cerebral e do estado de alerta; ela é característica de descarga simpática maciça e ocorre em situações específicas. Entretanto, a divisão simpática não atua somente nesses momentos; na verdade, ela funciona continuamente, de maneira mais ou menos expressiva, modulando as funções de vários órgãos tais como o coração, os vasos sanguíneos, o TGI, os brônquios, as glândulas sudoríparas, as glândulas salivares. A função geral do sistema nervoso parassimpático é restauradora, para conservar a energia. Normalmente, a divisão parassimpática está mais atuante quando o organismo está em repouso. Tabela 1 - Alguns efeitos da atividade do sistema nervoso autonômico no organismo ÓRGÃOS EFETORES SNA – SIMPÁTICO SNA – PARASSIMPÁTICO Olho Dilatação da pupila (midríase) Torna a pupila menor (miose) Coração ↑ a frequência e força da contração cardíaca ↓ a frequência e contratilidade cardíaca Arteríolas Constrição Dilatação Veias Constrição Pulmão Inibe secreção Estimula secreção Glândulas salivares Estimula secreção Estimula secreção Estômago Inibição Estimulação Intestino Inibição Estimulação Vesícula biliar e dutos Relaxamento Contração Fígado Glicogenólise, gliconeogênese Pâncreas Exócrino Diminui secreção Estimula secreção Endócrino Inibe secreção de insulina Estimula a de glucagon Estimula secreção de insulina Células adiposas Estimula a Lipólise Bexiga urinária Relaxamento Contração Útero Gravídico Contração Variável Não Gravídico Relaxamento Trato reprodutivo (masculino) Ejaculação Ereção (dilatação das artérias) Glândulas sudoríparas (Pele) Estimula secreção Glândulas lacrimais Estimula secreção 7 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Fisiologia Humana Conforme mencionado acima, as divisões simpática e parassimpática atuam com predominância em momentos distintos; haja vista, elas exercerem ações opostas na maioria das vezes. Contudo, há situações em que ambas as divisões podem agir intensamente, ao mesmo tempo; cada uma executando as suas funções específicas. Isto pode ocorrer em uma condição de medo extremo, onde haverá uma descarga simpática, mas também uma atuação do parassimpático, que poderia desencadear, por exemplo, micção inesperada, diarreia. Outra situação é durante o ato sexual, quando o parassimpático é responsável pela ereção peniana e clitoriana e o simpático é responsável pela ejaculação e resolução do ato sexual. Além disso, em alguns órgãos-alvo, as duas divisões exercem os mesmos efeitos como, por exemplo, nas glândulas salivares. Isto acontece porque, nesses locais, a inervação simpática é colinérgica, similarmente a parassimpática. Assim, tanto a estimulação simpática, como a parassimpática resulta na liberação de Ach nas glândulas, ativando essas regiões. É por isso que a produção de saliva é contínua, tanto durante a alimentação (parassimpático mais ativo), como no período entre as refeições (a fome induz a ativação simpática). Podemos concluir que tanto o sistema somático motor, como o SNA, constituem todas as eferências neurais do SNC. O sistema somático motor tem uma única função: inervar e comandar as fibras dos músculos esqueléticos. O SNA possui a complexa tarefa de comandar todos os outros tecidos ou órgãos que estão sendo inervados. O hipotálamo é o principal regulador dos neurônios pré-ganglionares do SNA; além disso, outros neurotransmissores, como o óxido nítrico, podem ser liberados conjuntamente com os clássicos Ach e norepinefrina. O importante é que a adequação funcional desses sistemas é o que determina a homeostase do nosso organismo. REFERÊNCIAS GUYTON, Arthur Clifton. Tratado de fisiologia médica. Elsevier Brasil, 2006. BERNE, Robert M.; LEVY, Matthew N.; KOEPPEN, Bruce M. Berne & levy physiology. Elsevier Brasil, 2008.
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