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CLÍNICA DE PEQUENOS – P1 Mariana Guerreiro Pracz ENFERMIDADES HEPÁTICAS As proteínas, lipídios e carboidratos provenientes da alimentação são metabolizados e degradados até a forma de energia, o ATP, no ciclo de Krebs, o que sobra dessa transformação é armazenado, as proteínas são armazenadas na forma de aminoácidos, os carboidratos na forma de glicogênio (hepático e muscular) e as gorduras na forma de triglicerídeos, a insulina tem importante papel no armazenamento dessas substancias, ela se liga no receptor da célula e permite a entrada de glicose, que dentro da célula é armazena na forma de glicogênio. Ao se ligar no receptor, também permite que ácidos graxos livres e aminoácidos entrem na célula, sendo então armazenados. Isso acontece naqueles órgãos de armazenamento, o fígado, músculos e tecido adiposo. Por isso a insulina é dita hormônio anabólico “do aproveitamento alimentar”, é ela quem transporta a glicose para dentro da célula, tirando da corrente sanguínea, aumentando a síntese de glicogênio e diminuindo a glicogenólise (quebra), também aumenta a captura de aminoácidos para reestruturação celular e glicogênese (síntese de glicose a partir de aminoácidos e glicerol), aumenta a síntese proteica e diminui a degradação consequentemente, ainda aumenta a lipogênese e diminui a lipólise. Quando a insulina não age, a síntese de glicogênio cai, aumenta a glicogenólise, aumenta a degradação proteica e também a lipólise, isso tudo é feito por hormônios contrarregulatórios,que tiram as substâncias do armazenamento e jogam na corrente sanguínea. Esses hormônios catabólicos são o Glucagon, Catecolaminas, Glicocorticoides e GH. Então quando o animal faz anorexia prolongada há uma diminuição da glicose sanguínea e da insulina, consequentemente aumenta os hormônios catabólicos. As principais funções do fígado são o metabolismo de carboidrato, lipídios e proteínas, síntese de albumina, globulinas e fatores de coagulação como o fibrinogênio, protrombina, heparina e vitamina K, formação e excreção da bile, armazenamento de cobre, ferro, lipídeos e vitaminas A e do complexo B e a biotransformação (detoxificação) de tóxicos, fármacos, amônia e bilirrubina. Se houver falha na excreção, o animal pode desenvolver colestase e icterícia, na detoxificação, encefalopatia e se houver alguma falha na síntese o animal pode desenvolver hipoalbuminemia e transtornos de coagulação. LIPIDOSE HEPÁTICA FELINA É uma hepatopatia aguda e comum em gatos, acontece por um desequilíbrio entre a captação e utilização de ácidos graxos. é causada por um desequilíbrio entre a captação hepática de ácidos graxos e a sua utilização. Na maioria das vezes é secundária a estresse ou disfunções intra ou extra hepáticas, pode ser reversível mas há alta mortalidade se não tratada. Caracteriza-se pelo acúmulo excessivo de gordura em mais de 50% dos hepatócitos (esteatose), resultando em disfunção hepática e grave colestase (acúmulo de bile no hepatócito). Não há predisposição sexual ou racial, acomete principalmente gatos domiciliados, meia idade, em sobrepeso ou obeso (escore 4 ou 5), com histórico de anorexia (5-7 dias) e com histórico de perda de peso. Em 95% dos casos a causa é secundária a estresse ou por enfermidades intra ou extra-hepaticas (diabetes mellitus, pancreatite, doença intestinal inflamatória, colangiohepatite. E apenas 5% dos gatos desenvolvem lipidose hepática idiopática. Então um animal obeso e com anorexia prolongada, diminui o aporte de glicose e aminoácidos para gliconeogênese, isso faz com que diminui insulina, o que resulta no aumento de catecolaminas, glucagon, GH e cortisol. Isso leva a uma lipólise periférica, com excessiva liberação de ácidos graxos do tecido adiposo para a corrente sanguínea, que são capturados pelo fígado e convertidos a triglicerídeos onde se depositam. A velocidade de depósito de triglicerídeos nos hepatócitos é maior que a de eliminação, acumulando lipídeos nos hepatócitos e resultando em lipidose hepática. O metabolismo hepático da gordura acumulada diminui ainda mais devido a falta de nutrientes oriundos da dieta como aminoácidos e vitaminas. A vitamina B e L carnitina são importantes para mobilizar os ácidos graxos do fígado e estarão em falta, arginina é importante no ciclo da ureia e estará ausente. Sinais clínicos: As principais manifestações clínicas são icterícia, associar com o histórico de sobrepeso e anorexia, pode causar vômitos e náusea com ptialismo, ventroflexão cervical (devido à hipocalemia – por causa do vômito), letargia, hepatomegalia pela palpação (análgica), desidratação, coagulopatias (é incomum mas pode ocorrer – petéquias, equimoses e hematomas) e se não tratar leva a encefalopatia hepática pelo acúmulo de amônia, levando a sinais como demência, olhar fixo, head pressing, ataxia, nistagmo, cegueira, ptialismo severo, convulsão e coma. Sempre olhar o palato porque é o primeiro lugar que aparece a icterícia. Diagnóstico: O diagnóstico é presuntivo pelo histórico, sinais clínicos, exames laboratoriais e ultrassonografia abdominal. O definitivo pode ser feito por citologia mas é raro de fazer. A anamnese é importante porque pode revelar as causas da anorexia (eventos estressantes – mudança de dieta, viagem, hóspedes na casa, introdução de outro animal ou criança, mudança de móveis, reforma, mudança de residência). No hemograma pode haver anemia não regenerativa microcítica hipocrômica, leucograma normal ou leucograma de estresse. Na bioquímica sérica a FA deve estar aumentada de 10 a 15 vezes, a ALT aumentada de 5 a 7 vezes, ggt de normal a leve aumento (não acompanha FA) e as bilirrubinas podem estar aumentadas. Tratamento: O tratamento é feito principalmente com o suporte nutricional, fornecimento de micronutrientes (aminoácidos e vitaminas), tratamento sintomático (se estiver desidratado entra com fluido, antiemético, etc). tratar a causa subjacente se CLÍNICA DE PEQUENOS – P1 conhecida. Como suporte nutricional fazemos suplementação calórica de 60-100kcal/kg/dia, as proteínas devem representar de 10 a 22% da dieta, carboidratos de 20 a 40% e gordura de 20 a 60%. Pode ser fornecido via oral espontânea (alimentos palatáveis e aquecidos) mas geralmente o animal não aceita. A Via oral forçada com seringa pode ser feita mas o ideal é sonda. Pode ser nasoesofágica, não necessita sedação e é de baixo custo, mas o alimento tem que ser muito diluído porque a sonda é muito fina. Precisa usar colar elisabetano. Pode ser a esofágica que não necessita de tanta diluição, o próprio tutor pode alimentar o gato e permite alimentação oral concomitante. porém necessita de anestesia para colocar. Existe ainda a sonda gástrica mas necessita de anestesia geral, a digestão é muito eficiente. Como alimentos podemos oferecer Nutralife, A/D (hills), Recovery (royal canin). O nutralife tem 1,22kcal/ml, A/D 1,3kcal/ml e recovery 1kcal/ml. Para um gato de 3kg que faz três refeições no dia, vai precisar de 147ml da nutralife, 138ml da A/D e a recovery 180ml. Existe um outro problema que é a síndrome de realimentação. Que ocorre quando se alimenta excessivamente esse animal nos primeiros dias. Quando você começa alimentar ele, ele começa a produzir mais insulina. A medida que capta glicose, capta fósforo e potássio junto, usa o fósforo para produzir ATP e falta na circulação e nas membranas fosfolipídicas, levando a hemólise. Então a reintrodução deve ser lenta e gradativa, quanto mais tempo o animal ficou em jejum mais devagar deve ser a introdução da dieta, podendo levar até 2 semanas pra chegar a 100%. Geralmente tenta 10-15ml e ver a resposta, administrar 25% do total no primeiro dia. Além disso pode se usar estimulantes de apetite, mirtazapina (ajuda também no estresse pois é antidepressivo e tem ação antiemética), ciproeptadina (antihistaminico – hepatotóxico) antibioticoterapia é importante porque previne colangiohepatite, durante 7 a 10 dias pode usar amoxicilina com clavulanato, metronidazol,ampicilina. Ainda pode usar antieméticos e protetores gástricos se estiver com muita náusea e ptialismo, administrar 30 minutos antes da refeição. Suplementação vitamínica (complexo B, vitamina K, vitamina E). se for usar fluido evitar dextrose. De preferencia usar fluido com suplementação de cloreto de potássio (20mEq/litro). COMPLEXO COLANGITE COLANGIOHEPATITE É um distúrbio hepatobiliar inflamatório. Nos gatos o mais apropriado é o termo colangite felina, porque raramente afeta os hepatócitos nessa espécie, exceto em casos cronificados. O mais comum é que bactérias ascendentes do TGI causem o complexo, raramente ocorre por via hematógena. É caracterizado por infiltração neutrofílica, principalmente no lúmen biliar, paredes dos ductos biliares e área central do lóbulo portal ou espaço porta (ducto biliar central). Sinais clínicos: colangite aguda tem sinais clínicos de colestase e sepse, animal apresenta icterícia devido a deficiência na metabolização hepática de bilirrubina, fezes aólicas (fezes brancas) devido a ausência total de bile no intestino (ocorre somente quando há obstrução total no ducto biliar comum), anorexia, febre, vômito, desidratação. Diagnóstico: Diagnóstico é presuntivo mas pode ser definitivo através de biópsia com histopatológico com cultura de tecido e bile. Tratamento: Tratamento deve ser feito com antibioticoterapia de preferência baseada em cultura e antibiograma, mas se for empírico prefira amoxicilina com clavulanato de potássio ou metronidazol, tratamento deve durar de 4 a 6 semanas. pode ser fornecimento antioxidantes ou protetores hepáticos (SAMe, silimarina). Fornecer dieta de alta digestibilidade com níveis moderados de gordura para que não tenha risco de lipidose. INSUFICIÂNCIA HEPATICA CRÔNICA CANINA pode ser chamada de cirrose hepática, fibrose hepática, doença hepática crônica e hepatite crônica. O fígado tem uma importante capacidade de regeneração tecidual (75% do parênquima pode se regenerar em 30 dias!) mas isso pode trazer desvantagens, por exemplo, quando se tem um dano muito grande, a regeneração é rápida mas não é vascularizada, e outra desvantagem é que os animais com insuficiência hepática crônica apenas vão manifestar quando cerca de 75% do fígado estiver comprometido, o que complica o tratamento e agrava muito o prognóstico. A insuficiência hepática crônica canina é progressiva, pode ser primária ou secundária a uma das causas possíveis de injúria hepática. Ocorre uma hepatopatia inflamatória seguida de necrose de hepatócitos e deposição de tecido fibroso. Essa alteração é irreversível e torna essas áreas “mortas”, sem atividade hepática, só com função estrutural. A causa mais comum de ocorrer é pela ingestão de tóxicos, principalmente aflatoxina, toxina que é produzida em alimentos estragados, rações mal armazenadas (a granel). Outra maneira de ingestão de tóxicos seria ingestão de algo contaminado por metais pesados (mercúrio, ferro, arsênico, fósforo, selênio). Outra maneira comum seria a intoxicação (tudo depende e dose e tempo de uso!) por medicamentos como fenobarbital, griseofulvina, cetoconazol, tetraciclinas. Também infecção pelo adenovírus canino tipo 1 (cav-1) que é prevenível com vacina ou ainda pode ser idiopática. O hepatócito é cronicamente lesado e inflamado por algum dos motivos citados anteriormente. Com essa inflamação ocorre necrose hepática difusa, proliferação de tecido fibroso, formando nódulos regenerativos desorganizados, não vascularizados, contendo colágeno. Daí ocorre necrose nodular, proliferação nodular de tecido fibroso e com isso a arquitetura hepática fica desorganizada e o tecido é afuncional, aí o animal passa a apesentar sinais clínicos de insuficiência hepática. Sinais clínicos: Os sinais são bem inespecíficos, animal apresenta vômito, diarreia, depressão, anorexia, letargia, desidratação, palidez de mucosa. Com o tempo pode apresentar alguns sinais mais específicos, que são icterícia, devido a não metabolização hepática da bilirrubina, a urina com a coloração escura devido a bilirrubinuria por hiperbilirrubinemia; fezes acólicas devido a CLÍNICA DE PEQUENOS – P1 ausência total de bile no intestino, ocorre somente quando há obstrução extra-hepática. Também pode haver ascite, porque há hipoalbuminemia o que faz com que diminua a pressão oncótica, e também porque aumenta a pressão na veia porta, esses dois fatores fazem com que há extravasamento de líquido na cavidade, pode também resultar em edema subcutâneo, hidrocele testicular. Pode haver ainda melena e hematêmese devido a coagulopatias já que o fígado não produz os fatores de coagulação. Pode haver poliuria e polidipsia porque não está convertendo amônia em ureia. Pode se agravar para uma encefalopatia hepática pelo acúmulo de amônia, animal apresenta um conjunto de sinais clínicos neurológicos devido a derivações portossistêmicas secundárias a hipertensão portal. Diagnóstico: O diagnóstico é um conjunto de fatores. Solicita o perfil enzimático do fígado, a ALT, FA e GGT devem estar aumentados. ALT indica lesão na membrana celular (hepatócitos) e FA e GGT indicam obstrução ou colestase. A AST não tem valor diagnóstico em cães e gatos por estarem amplamente distribuídos pelos tecidos. Na bioquímica clinica avaliamos principalmente albumina, ureia, amônia, bilirrubina total e ácidos biliares. Constará hipoalbuminemia devido a incapacidade de síntese hepática ou perda pela ascite; uréia estará diminuída e amônia aumentada pois o fígado não estará convertendo adequadamente; aumento da bilirrubina total que sugere diminuição da absorção, conjugação e excreção da mesma. Aumento de ácidos biliares. Na urinálise pode haver bilirrubinúria, cristais de bilirrubina e/ou cristais de urato de amônia. O líquido abdominal é caracterizado como transudato puro (maioria das vezes) ou modificado. Pode fazer teste de coagulação e provavelmente o tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativa e fibrinogênio devem estar alterados. Na radiografia (incomum realizar) consta fígado diminuído, presença de efusão pleural. Pode fazer angiografia para detectar shunt portossistêmico. O que mais se faz quando falamos de imagem é a ultrassonografia, em que é possível visualizar as nodulações e as bordas irregulares do fígado. Biópsia é o que fornece o diagnóstico definitivo, a amostra pode ser feita por laparotomia exploratória ou trocânter. Tratamento: O tratamento é baseado em suprimir a inflamação, geralmente se usa prednisona/prednisolona ou azatioprina associada, por 2 a 3 semanas reduzindo graduamente até a dose mais baixa e eficaz. SID ou em dias alternados. Pode associonar um colerético (ácido ursodesoxicólico – ursacol) que hidrolisa os sais biliares endógenos. Também pode usar um protetor hepático (SAMe, silimarina). Procurar manter o animal em dieta de proteína com alta qualidade e baixa quantidade.
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