Prévia do material em texto
Hipotermia e Hipotensão Arterial Induzida MR3 Lucas Torres Introdução Normotermia é subvalorizada Manejo pressórico é uma das principais funções do anestesiologista Hipotermia Definida como temperatura central menor que 36ºC Leve 34-35,9ºC Moderada 32-33,9ºC Grave <32ºC Relacionada a desfechos negativos como coagulopatia, necessidade de transfusão, morbidade cardíaca e infecção de sitio cirúrgico Anestesia tem implicações diretas sobre o controle térmico Fisiologia da Termorregulação A temperatura é mantida rigorosamente numa faixa estreita de 36,5-37,5ºc Nessa faixa ocorrem as reações bioquímicas enzimáticas fundamentais à vida Ocorrem variações dentro do ciclo circadiano (0,4-0,8ºc) Pequenas variações (0,3ºC) já desencadeiam respostas compensatórias Definições Calor é a medida de energia térmica que passa de um corpo de maior temperatura para um de menor temperatura Temperatura é uma grandeza escalar que determina o grau de agitação das moléculas de um corpo, indicando se ele está quente ou frio Transferência de calor Temperatura corpórea Não uniforme Central > Periferia Termorregulação O controle da temperatura depende de processos que envolvem três fases Aferência térmica Regulação central Eferência térmica Aferência térmica Receptores celulares sensíveis a variações da temperatura na pele, tecidos profundos, gânglios de raízes dorsais, SNC Frio é transmitido por fibras Aδ Calor é transmitido por fibras C Trafegam pelo trato espinotalâmico em direção ao hipotálamo 9 Receptores de Potenciais Transitórios (TRPs) Família de proteínas expressas em membranas celulares, predominantemente nas fibras C e Aδ, que transmitem informações térmicas, nociceptivas, entre outras Foram identificados alguns receptores e sua ativação com a temperatura e estímulos químicos 10 Receptores de Potenciais Transitórios (TRPs) Regulação Central Hipotálamo (Região pré-óptica) recebe inputs da periferia, raízes dorsais e tecidos profundos, compara e integra as informações e desencadeia as respostas compensatórias comportamentais e autônomas Eferência térmica Medidas comportamentais Mudança de posição Deslocamento para outra área Uso de vestimentas Alteração da temperatura local Mecanismos autônomos Vasodilatação pré-capilar e sudorese Vasoconstrição com shunt arteriovenoso Piloereção Termogênese sem tremor Tremor (Shivering) Limiares de resposta 37,3ºC -> vasodilatação e sudorese 36,7ºC -> Vasoconstrição 36,0ºC -> Termogênese sem tremor 35,5ºC -> Tremores Hipotermia no perioperatório Na sala de operações: Temperatura ambiente Infusão de fluidos Preparação da pele Exposição de cavidades Gases secos não aquecidos Tempo cirúrgico prolongado Anestesia Hipotermia na Anestesia geral Alteração dos limiares Paciente pediátrico Mecanismos termorregulatórios preservados, porém: Relação entre superfície corpórea e massa é maior -> Perda aumentada de calor RNs e lactentes não fazem shivering – Vasoconstrição e termogênese sem tremor Anestesia afeta os limiares de resposta Vulnerabilidade aumentada à hipotermia Consequências graves: Coagulopatia, hiperatividade adrenérgica, hipoxia, acidose metabólica, hipoglicemia e morte Paciente Idoso Regulação prejudicada: Redução do metabolismo basal Redução da massa muscular Menor atividade vasoconstritora Menor sensibilidade ao frio (limiar cai cerca de 1ºC entre 60-80 anos) Bloqueios de neuroeixo Alteram os limiares de resposta mesmo acima do nível de bloqueio Bloqueio prejudica a transmissão dos impulsos aferentes e impede as eferências compensatórias: vasoconstrição, imobilidade Distribuição central -> periférica Primeira hora: Queda de 0,8 +- 0,3ºC Horas subsequentes: Queda de 0,4 +- 0,3ºC Sem platô! BSA X Peridural Cultura de não monitorizar temperatura 20 Monitorização da Temperatura Resolução CFM Nº 2.174/2017 Art. 3º Entende-se por condições mínimas de segurança para a prática da anestesia a disponibilidade de determinação de: I – Monitorização do paciente, incluindo: C) Determinação da temperatura e dos meios para assegurar a normotermia, em procedimentos com duração superior a 60 minutos e, nas condições de alto risco, independentemente do tempo do procedimento (prematuros, recém-nascidos, historia anterior ou risco de hipertermia maligna e síndromes neurolépticas) Termômetro ideal Baixo custo Não-invasivo Descartável Fácil de usar Medições continuas Precisão Central Cateter de artéria pulmonar Considerado padrão-ouro Invasivo! Requer treinamento especializado Membrana timpânica Isolamento térmico – impedir circulação de ar Posicionamento em contato direto com membrana timpânica – risco de lesão Incomodo em pacientes acordados/ levemente sedados Termômetro esofágico Confiável Prático Sensor no terço distal Desnutridos -> Interferência da arvore respiratória Nasofaringe Amplamente utilizado Confiável Ponta do sensor na nasofaringe posterior Epistaxe Outros sítios Vesical: precisa de debito urinário normal ou elevado ou fica impreciso Retal: Isolar fezes, interferências do retorno venoso de MMII, cavidade abdominal aberta, irrigação vesical ou do abdome Axilar: Não confiável, interferências da sudorese, vascularização da pele, ponta cuidadosamente colocada sobre pulso da artéria axilar e braço aduzido Oral: Imprecisa Spot on Sensor adesivo região frontotemporal Pouco invasivo Alto custo Validação Alterações fisiopatológicas da Hipotermia Coagulopatia Comprometimento da função plaquetária e da cascata de coagulação Aumento de perdas sanguíneas em 16% e da necessidade de transfusão em 22% Infecção de ferida operatória Vasoconstrição e aumento da afinidade pela HB reduzem o O2 na ferida Comprometimento da função imune Aumento de 3x na taxa de infecção + retardo na cicatrização e alta hospitalar Alterações fisiopatológicas da Hipotermia Retardo na recuperação anestésica Redução da força muscular Atracúrio aumenta tempo de ação em 60% com redução de 3ºC Aumento da concentração dos anestésicos voláteis e venosos Complicações cardíacas Resposta adrenérgica elevada -> Taquicardia, hipertensão, arritmias, isquemia Tremor Atividade repetitiva e involuntária da musculatura esquelética Incidência elevada, principalmente em bloqueios de neuroeixo (55%) Eleva o metabolismo e o consumo de O2 (até 600%) Eleva pressão intracraniana e intraocular Desconfortável Piora a dor por estiramento da ferida operatória Não aumenta morbidade Dificulta monitorização Resposta compensatória Medidas de aquecimento Medicações Meperidina, Clonidina, Quetamina, Tramadol, nefopam, dexmedetomidina Fatores de Risco Pacientes ASA II – V Extremos etários Nível de bloqueio espinhal Tipo de procedimento cirúrgico DM com disfunção autonômica Duração da anestesia IMC normal ou baixo Uso de soluções frias Superfície corporal ou área de ferida descoberta Hipotermia Perioperatória Inadvertida No Brasil são realizados 11.000.000 de procedimentos invasivos por ano Desses, 26-90% apresentam Hipotermia Perioperatória Inadvertida Menos de 30% são aquecidos no perioperatório Indicador de qualidade do serviço Prevenção e Tratamento Plano de ação Orientações no Pré-anestésico: Eles devem tentar permanecer aquecidos antes da cirurgia, porque isto diminuirá o risco de complicações pós-operatórias. Eles devem ser avisados de que o ambiente hospitalar pode ser mais frio do que sua própria casa. Eles devem trazer vestimenta adicional, tais como um roupão, um casaco, roupas e chinelos quentes, para ajudá-los a se manter confortavelmente aquecidos. Eles devem dizer ao pessoal se sentem frio, a qualquer momento durante sua estadia no hospital. Prevenção e tratamento Fase pré-operatória: 1h antes da anestesia Avaliar fatores de risco Pré-aquecer paciente cerca de 10-20 minutos antes Manter normotermia Prevenção e tratamento Fase intraoperatória Aferir e registrar temperatura antes do inicio da anestesia e a cada 30min após Se paciente hipotérmico, aquecer antes da indução (salvo situação de urgência) Aquecer fluidos(cristaloides, hemoderivados) a 37ºC com dispositivo apropriado Alto risco de hipotermia -> Aquecimento ativo Cirurgias > 30min -> Aquecimento ativo Ambiente >= 21ºC antes da indução (26ºC em crianças) -> Após pode reduzir Paciente deve permanecer devidamente coberto Prevenção e tratamento Fase pós-operatória Medir e registrar na chegada à SRPA e a cada 15min após Manter normotermia Aquecimento ativo se necessário Medidas para o controle térmico Passivas Temperatura ambiente Cobertores Reflexivos Lençóis Ativas Aquecedores radiantes Colchões aquecidos Mantas térmicas (Ar forçado) Aquecimento de fluidos Gases umidificados e aquecidos Temperatura da sala Perda de calor varia com a quarta potencia do gradiente de temperatura 40 Cobertores reflexivos Cenário pré-hospitalar Conforto com 30min Compatível com bisturi elétrico, Radiação, laser 41 Lençol Conforto O material não é tão importante Cobrir a maior área corporal factível 42 Aquecedores Radiantes Não validado no intraoperatorio por ressecar secreções No pós-operatório pode utilizar 43 Mantas térmicas (Ar aquecido forçado) Melhor método de aquecimento ativo Varios modelos 44 Colchoes térmicos Gera pressões variáveis, diminuindo a chance de ulceras de pressão Uretano, reutilizável, agua uniforme, Queimaduras! 45 Aquecimento de fluidos Como medida isolada, não previne ou trata a hipotermia Reduz a queda da temperatura central 1L a 21ºC reduz temperatura a 0,25ºC Como aquecer os fluidos Banho-maria -> Proliferação de bactérias “Chocadeiras” – Gradual e desigual, exatidão Micro-ondas – Sem alterações na composição Estufas – Eficiente e controlada Aquecedor de sangue e fluidos - Ouro Alarme, aquece rapidamente sangue, fluidos, dialise, nutrição parenteral, crianças e RN Cuidado com marcas que criam bolhas 47 Aquecimento e umidificação de gases Assegurar a integridade das vias aéreas Preservar a função mucociliar Melhorar as trocas gasosas Usar filtros HME Hipotensão Arterial Induzida Hipotensão Arterial Induzida Definição Técnica de redução intencional da pressão arterial com objetivos de: Reduzir a perda de sangue e a necessidade de transfusão sanguínea; Melhorar a qualidade do campo cirúrgico; Manter auto regulação microcirculatória de órgãos vitais. Pode ser chamada de hipotensão deliberada, permissiva, controlada, anestesia hipotensiva Qual valor de pressão??? PA sistólica entre 70-80 mmHg PA média entre 50-65mmHg Redução de 30% da PAM da linha de base Ver valores como um norte, não como um numero cabalístico! O objetivo é melhorar campo cirúrgico e reduzir perdas sanguíneas sem hipoperfusão de órgãos nobres (coração, cérebro e rins). 51 Considerações fisiológicas PA = DC X RVP DC = VS X FC PA = VS X FC X RVP Auto regulação do fluxo sanguíneo Cerebral Fluxo sanguíneo coronariano Autorregulação Baixas frequências cardíacas otimizam o fluxo coronariano e diminuem o consumo de oxigênio Fluxo sanguíneo pulmonar Circulação pulmonar já adaptada a baixas pressões PaCO2 tem grande influencia sobre FSC EtCO2 está relacionado a níveis pressóricos Fluxo sanguíneo renal FSR e TFG se mantem constantes numa ampla faixa Hipotensão induzida reduz ambos Fluxo sanguíneo hepático Correlação direta com PAM e debito cardíaco Não há autorregulação Evitar em hepatopatas Técnicas de hipotensão induzida Medidas não farmacológicas Posicionamento: Manter sitio cirúrgico acima do nível do coração (Risco de embolia aérea) Cadeira de praia: Cada 2,5cm acima, reduz PAM em 2mmHg Ventilação com PEEP: Reduz retorno venoso Medidas farmacológicas Agentes anestésicos Halogenados Sedativos Opioides Agentes Hipotensores Alfa e Betabloqueadores Vasodilatadores diretos Alfa-2 agonistas Miscelânia Bloqueios do neuroeixo Indicações Neurocirurgia (MAV, Aneurismas, tumores vasculares, hipofisectomia transesfenoidal) Ortopedias de grande porte (Coluna, artroplastias) Otorrino (Ouvido médio, endoscópicas) Buco-maxilo (Ortognáticas) Cabeça e pescoço (Tumores maxilares, laringectomias) Oftalmologia (Tumores intraoculares, vitrectomias, orbital) Cirurgia pélvica (Ginecológicas, urológicas e retais de grande porte) Plástica e reconstrutiva Testemunhas de jeová/ Tipos sanguíneos raros Contraindicações Cardiopatias, Nefropatias, Hepatopatias Doenças neurovasculares Doenças com transporte inadequado de O2: Anemias, DPOC, insuficiência respiratória, hipovolemia, hipertensão intra-abdominal Doença de Addison Hipertensão arterial maligna Limitações Gestantes RN e lactentes Idosos Uso da técnica Cirurgias com baixo/moderado potencial de sangramento (ORL, olhos, neurocirurgia): Pesar risco/beneficio Cirurgias com moderado potencial (Ortopedias de grande porte): Beneficio da hipotensão induzida combinada com outras técnicas para diminuir perdas sanguíneas (Transamin, cell saver, transfusão autóloga...) Cirurgias com alto potencial (Cardíacas, Tx hepático): Sem beneficio Monitorização PNI Cardioscopia Oximetria Temperatura Capnografia Analisador de gases BIS TOF Pressão arterial invasiva Gasometrias seriadas (Lactato, BDE, pH) Debito urinário Perdas sanguíneas Débito cardíaco (ECO TE) Controle do paciente Acesso(s) venoso(s) adequado(s) Iniciar após intubação e paciente estável Induzir hipotensão lentamente (10-15min) Manter paciente euvolêmico Posicionamento cuidadoso Corrigir DHE e AB Evitar taquicardia Evitar hiperventilação (normocarbia) Recomenda-se FiO2 40-50% Sinais clínicos de perfusão: Mucosas coradas, TEC adequado, extremidades quentes e secas Complicações Isquêmicas: IAM, AVE, Lesão renal e hepática PCR Déficit neurológico Falha na técnica Hipertensão rebote no pós-op Perda visual Intoxicação por cianeto Estudo da Anesthesiology (2019): O uso da técnica de hipotensão arterial induzida aumentou a taxa de complicações isquêmicas cardíacas (IAM, morte) em pacientes hígidos e em pacientes com algum grau de doença obstrutiva coronariana (leve, moderada, grave), comprovados por angio-TC, não apenas nestes, mas em todos, sendo considerado fator de risco independente. 67 Referências Bases do Ensino da Anestesiologia, 1a Ed, Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Anestesiologia, 2016 MANICA, J. Anestesiologia. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2018 Miller RD, Cohen NH, Eriksson LI, et al. M’ Anh . 9th Ed, 2019 LONGNECKER D.E., BROWN D.L., NEWMAN M.F., et al. Anesthesiology. 3.ed. New York: Mc Graw Hill, 2017. SILVA, Enis. Instruções brasileiras sobre intervenções para prevenção e treinamento a respeito de hipotermia perioperatória inadvertida em adultos – produzida pela Sociedade de Anestesiologia do estado de São Paulo. J Infect Control 2018;7(1):01-16. ISSN 2316-5324. ROSHANOV, Pavel. Relationship between Perioperative Hypotension and Perioperative Cardiovascular Events in Patients with Coronary Artery Disease Undergoing Major Noncardiac Surgery. Anesthesiology 2019; 130:756–66