Buscar

Identidade e Trabalho - uma articulação indispensável

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 6 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 6 páginas

Continue navegando


Prévia do material em texto

Capitulo 1
Identidade e Trabalho: uma articulação indispensável
Maria da Graça Corrêa Jacques (UFRGS - RS)
As mudanças que ora se processam no espaço organizacional, reintroduzem a importância conferida ao chamado fator humano e suas implicações sobre o processo produtivo. Embora já apontado por escolas de administração desde algumas décadas passadas, ressurge com outra abordagem, privilegiando, agora, a complexidade e a multiplicidade de dimensões consideradas. O componente subjetivo e sua relevância no Cotidiano laboral enseja o aprofundamento de alguns temas, procurando fornecer subsídios para uma melhor compreensão e análise dos aspectos que lhe são pertinentes. Por outro lado, a crescente demanda por serviços de assistência à saúde e a contatação da relação entre os processos de saúde/doença da população e o cotidiano laboral, propõem o exame e a articulação entre a dimensão subjetiva e a dimensão objetiva representada pelo trabalho. Essa articulação pressupõe a reciprocidade e a interdependência entre essas dimensões e a intervenção entre os aspectos psicológicos e os aspectos estruturais fundantes de um determinado contexto social. Com essa finalidade se inscreve a temática proposta, procurando fornecer fundamentos oriundos da chamada Psicologia Organizacional e do Trabalho que auxiliem a análise da relação homem/trabalho e suas implicações sobre o sistema produtivo e sobre o contexto socioeconômico.
Os temas identidade e trabalho têm em comum interpretações controvertidas de ordem conceitual, extensivas às suas origens etimológicas. O vocábulo identidade (do latim idem, o mesmo, a mesma) propõe uma noção de estabilidade que se contrapõe à processualidade e ao caráter de construção permanente que lhe são próprios. Sugere, ao mesmo tempo, o igual e o diferente, o permanente e o mutante, o individua e o coletivo. Sua tradição teórica circunscreve, prioritariamente, no campo da Filosofia, revelando uma diversidade de posições em acordo com diferentes princípios filosóficos nos quais se fundamenta, A tendência atual é de concebê-la como uma síntese lógica e ontológica e facultar às relações sociais papel de destaque na sua constituição. O termo trabalho propõe, também, uma· associação controvertida relacionada a sofrimento e a transformação da natureza humana (do latim tripalium, instrumento de tortura e instrumento agrícola de cultura de cereais). Os autores reconhecem uma dificuldade em defin!4oemn precisão e: sugerem o emprego de aproximações conceituais., ou seta. conceitos de trabalho distintos que não o esgotam e nem são integráveis racionalmente entre si (Helle, 1989).
A articulação entre identidade e trabalho vem de uma tradição que confere ao papei social expressividade na constituição da identidade. Dentro dessa tradição, incluem-se as referências do Interacionismo Simbólico através dos estudos de Goffman (1985) que representam um rompimento no costume de atribuir, somente ao indivíduo, enquanto autônomo e livre, a causalidade para as suas ações. Mais recentemente, Habermas (1990) propõe que a uma "identidade natural" se segue uma "identidade de papel, que se constitui pela incorporação das unidades simbólicas mediadas pela socialização e, sobre essa, a "identidade do eu" a partir da integração dos papéis sociais através da igualdade e da diferença em relação aos outros.
A importância e exaltação máximas conferidas ao trabalho na sociedade ocident.al concedem ao papel de trabalhador lugar de destaque entre os papéis sociais :representativos do eu. Arendt (1981), referindo-se à importância do homo faber (homem primitivo) no mundo contemporâneo, assinala que ao tentar dizer quem é", a própria linguagem induz a dizer "o que alguém e, reservando um lugar de destaque ao papel de trabalhador. Papel social ao qual se agregam outras qualificações exigidas pelo exercício laboral que se substantivam e se presentificam, constituindo-se em atributos definitórios do eu (atividade, força, bravura, honestidade, etc.) e inclusos na representação do "eu sou trabalhador", Costa (1989) registra, na sua prática psiquiátrica em ambulatórios de saúde, a presença de transtornos psíquicas, denominados "doenças dos nervos" ou crises nervosas, intimamente associados com a trajetória e os percalços da vida laboral e com ameaças à identidade de trabalhador. O autor assinala que essa identidade, associada a outros atributos socialmente valorizados e julgados como constitutivos do ser humano pelo imaginário social, mostra-se à consciência do sujeito
22
como um elemento definitório de grande significação na "identidade psicológica". Emprega o termo identidade psicológica para diferenciar de outros sistemas identificatórios (identidade social, étnica, religiosa, etc.), por se apresentar, não como apenas um atributo do eu ou de algum eu, mas como um predicado universal e genérico definidor por excelência do humano.
Essas considerações apontam a pertinência da articulação entre identidade e trabalho e a expressividade dessa, última categoria na constituição do eu. Acompanhando o caráter de exaltação máxima que o trabalho alcança na sociedade ocidental a partir da implantação e consolidação do sistema capitalista, é escolhido, por muitas teorias, como categoria explicativa do processo de desenvolvimento filogenético da espécie e como representativa da condição humana. O exercício de atividades coletivas e de trabalho conjunto é apontado como responsável pelo surgimento das especificidades próprias do homo sapiens, como pensamento, consciência e linguagem (Leontiev, 1978). Através da análise do trabalho alienado, Marx (1989) o apresenta como categoria que confere a qualificação de humano ao seu portador, a partir de uma concepção de natureza humana que se constitui na existência concreta pela inserção no mundo das relações sociais.
Essa mesma concepção de natureza humana vai fundamentar a articulação entre identidade e trabalho, em que ganha relevância o que Seve denomina de "formas históricas de individualidade" (1989, p.123). As capacidades características da humanidade, historicamente desenvolvidas, encontram-se objetivadas em um sistema temporal de atividades, inseparavelmente sociais) e individuais, fundadas sobre o e no conjunto das relações sociais, ou seja, na forma de relações sociais que cada indivíduo e cada geração encontram como dados existentes, mas transformados sob o ponto de vista da .individualidade psicobiográfica através da mediação do outro e de sínteses próprias que dão o caráter de especificidade. O mundo concreto do trabalho se constitui como um locus por excelência para essa mediação, por mais não seja, pelo número de horas diárias que os indivíduos a ele se dedicam.
Estudos empíricos revelam (Jacques e colaboradores, 1995) que a identidade de trabalhador se constitui precocemente através da identificação com modelos adultos e/ou através da inserção c:oncreta no mundo do trabalho. Essa inserção é determinada por fatores de género e classe, reservando às meninas pobres o trabalho doméstico e, aos meninos pobres,
23
o exercício de atividades, no espaço público, de menor reconhecimento social e de caráter prescindível. O exercício das atividades se substantiva e se presentificam, constituindo-se em qualificações ao ser trabalhador e em predicativos definitórios do eu ("engraxo sapatos, sou engraxate"). O ingresso no mundo concreto do trabalho confere valor social, reproduzindo o imaginário coletivo de valorização moral ao ser trabalhador. Permite a aquisição de qualificações como seriedade, obediência, disciplinamento, etc., esperadas pelo espaço de trabalho oportunizado a determinadas camadas sociais que são agregadas à identidade de trabalhador
e incorporadas ao eu.
Na vida adulta, a inserção no mundo concreto do trabalho aparece como sequência lógica de uma vida “adaptada" e “normal" e como atributo de valor em uma sociedade pautada pelo fator produtivo. Os diferentes espaços de trabalho oferecidos vão se constituir em oportunidades diferenciadas para a aquisição de atributos qualificativosda identidade de trabalhador. São inúmeros os estudos que têm como tema a investigação de características identificatórias próprias da classe operária e/ou de determinada categorias profissionais (Lopes, 1987; Campino, 1982; Sainsaulieu, 1988) e que apontam que o exercício de determinadas atividades e o convívio com determinadas relações sociais constituem "modos de ser", que qualificam os pares como iguais (mesmo facultando diferenças individuais) e se expressam em comportamentos similares, modos de vestir e de falar, lugares frequentados, etc. São variadas essas qualificações e somente o acesso a esses estudos permite especificá-las. No entanto, todos apontam a sua presença como constitutivas da identidade, marcando as igualdades sem desconsiderar as diferenças individuais.
Alguns autores (Camino,1996) empregam o termo “identidade social" (inspirados na terminologia de Tajfel) para se referir à consciência de pertencer a determinado grupo social e à carga afetiva que essa pertença implica. Enquanto apresentada como um processo dialético, a identidade social facilita a incorporação de valores e normas do grupo social, implica em uma participação ativa do sujeito na construção da identidade grupal e afeta o contexto histórico onde ocorrem essas relações concretas. Por sua vez, as estruturas sociológicas influenciam as representações que os indivíduos fazem de si, enquanto representações do eu. Alguns espaços de trabalho e/ou categorias profissionais, pelas suas especificidades próprias,
24
em geral associadas a prestigio ou desprestígio social, proporcionam atributos de qualificação e/ou desqualificação ao eu. Em alguns casos, a qualificação é de tal forma representativa desse eu que o prefixo ex é evocado para dar conta da identidade em determinadas circunstâncias, como a aposentadoria, por exemplo.
Santos (1990) aponta a representação da aposentadoria como a perda do papel profissional, que passa a ser um marco social (ser velho e suas significações), corporal (tendência a doenças) e psicológico (perspectiva de futuro). Os dados sobre a realidade brasileira indicam que essa é uma experiência muito característica de determinadas camadas sociais, visto que a grande maioria da população idosa continua como trabalhadora, principalmente por necessidade de sobrevivência.
Entre a população idosa, o conceito de trabalho que constitui a identidade de trabalhador se ressignifica, visto os limites sociais impostos: trata-se agora de ser ativo (em contraposição ao não-ativo). Sob essa perspectiva são buscadas atividades, remuneradas ou não, preferentemente no espaço público para garantir o reconhecimento social. É o que oportuniza a experiência de sentir-se vivo, já que a sua ausência é associada à morte, à exclusão e à segregação (Jacques e colaboradores, 1995). Quando essas possibilidades não se concretizam, as lembranças de trabalho são evocadas como justificação de toda uma biografia e de reconhecimento social, como constata Bosi (1987).
Quando um conjunto social se pauta por valores utilitários como no caso da sociedade contemporânea, a ausência de inserção nesse modelo e/ou em suas formas organizativas e relacionais representam experiências de sofrimento e repercutem na qualidade de vida de sua população. É sobre esse enfoque que a articulação entre identidade e trabalho se torna dispensável ou indispensável, conforme prioritária ou não a ênfase atribuída à qualidade de vida da população por uma determinada sociedade. Sob essa perspectiva, o desemprego, a aposentadoria, a inatividade, revelam uma dimensão subjetiva e uma repercussão social para além dos dados estatísticos e parâmetros econômicos. No momento em que a globalização da economia aponta para a necessidade de ir além da reestruturação produtiva, incluindo programas de prevenção à preservação ecológica do planeta e à saúde de sua população, a associação identidade e trabalho se coloca enquanto associada ao sofrimento e a doença. A constatação de que, em escala mundial,
25
são as doenças psiquiátricas e as doenças somáticas com fortes componentes emocionais (como a hipertensão, por exemplo) os motivos principais de afastamento, temporário ou não, do trabalho, aliadas à presença da morte por excesso de trabalho (o karóshi no Japão), a articulação identidade e trabalho se apresenta como indispensável, quer se considere a identidade psicológica (de caráter individual), quer se considere a identidade social (de caráter grupal).
Qualquer argumentação sobre a temática não pode se propor a teorias generalizantes. Ao se inscrever no espaço do humano convive com a singularidade que o caracteriza. Importante, no entanto, compreender esse humano inscrito em um contexto sócio-histórico que exalta o ato de trabalhar e lhe confere valor positivo, faculta-lhe significância ímpar na existência, constituindo-se como representante do eu. Os cotidianos laborais e suas determinações qualificam o personagem trabalhador e se expressam nas respostas a pergunta "quem és" ...
"Eu sou músico (24hs. por dia)”.
"Eu sou sacoleira (ser muambeira não faz a minha cabeça)".
"Eu sou engraxate (mas dá pouco dinheiro)".
"Eu sou ativa (porque se eu parar eu estou na antessala da morte)".
Eu sou ...