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Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Ansiolíticos e Hipnóticos Os transtornos envolvendo ansiedade são os distúrbios mentais mais comuns. A ansiedade é um estado desagradável de tensão, apreensão e inquietação – um temor que se origina de fonte conhecida ou desconhecida. Os sintomas físicos da ansiedade grave são similares aos do medo (como taquicardia, sudoração, tremores e palpitações) e envolvem a ativação simpática. Episódios de ansiedade leve são experiências comuns na vida e não justificam tratamento. Contudo, a ansiedade intensa, crônica e debilitante pode ser tratada com fármacos ansiolíticos (ou antiansiedade) e/ou com alguma forma de psicoterapia. Como muitos dos fármacos ansiolíticos causam alguma sedação, eles podem ser usados clinicamente como ansiolíticos e como hipnóticos (indutores do sono). Benzodiazepínicos São os ansiolíticos mais usados. Eles substituíram os barbitúricos e o meprobamato no tratamento da ansiedade e da insônia por serem fármacos considerados mais seguros e eficazes. Ainda que os benzodiazepínicos sejam comumente usados, eles não são necessariamente a melhor escolha contra ansiedade ou insônia. Certos antidepressivos com ação ansiolítica, como os inibidores seletivos da captação de serotonina (ISCSs), são preferidos em vários casos, e os hipnóticos não benzodiazepínicos e os anti- histamínicos podem ser preferíveis contra insônia. • Mecanismo de ação: Os alvos para as ações dos benzodiazepínicos são os receptores do ácido γ- aminobutírico tipo A GABAA. A fixação do GABA ao seu receptor inicia a abertura do canal iônico central, permitindo a entrada de cloro através do poro. O influxo do íon cloreto causa hiperpolarização do neurônio e diminui a neurotransmissão, inibindo a formação de potenciais de ação. Os benzodiazepínicos modulam os efeitos do GABA ligando-se a um local específico de alta afinidade, situado na interface da subunidade α e da subunidade γ no receptor GABAA. Os benzodiazepínicos aumentam a frequência da abertura dos canais produzida pelo GABA. Os efeitos clínicos dos vários benzodiazepínicos se correlacionam bem com a afinidade de ligação de cada fármaco pelo complexo receptor GABA-canal de íon cloreto. OBS.: a ligação do benzodiazepínico ao seu receptor aumentará a afinidade do GABA por seus locais de ligação, e vice-versa. • Ações 1. Redução da ansiedade: em doses baixas, os benzodiazepínicos são ansiolíticos. A redução da ansiedade é atribuída à potenciação seletiva da transmissão gabaérgica em neurônios que têm a subunidade α2 em seus receptores GABAA, inibindo, assim, os circuitos neuronais no sistema límbico do cérebro. 2. Efeito hipnótico/sedativo: todos os benzodiazepínicos têm propriedades sedativa e calmante, e alguns podem produzir hipnose (sono produzido “artificialmente”) em doses mais elevadas. O efeito hipnótico é mediado pelos receptores α1-GABAA. 3. Amnésia anterógrada: a perda temporária da memória com o uso de Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 benzodiazepínicos também é mediada pelos receptores α1-GABAA. OBS.: A capacidade de aprender e formar novas memórias também é reduzida. 4. Efeito anticonvulsivante: vários benzodiazepínicos têm atividade anticonvulsivante. Esse efeito é parcialmente mediado pelos receptores α1-GABAA. 5. Relaxamento muscular: em doses elevadas, os benzodiazepínicos diminuem a espasticidade do músculo esquelético, provavelmente aumentando a inibição pré-sináptica na medula espinal, onde predominam os receptores α2-GABAA. • Usos terapêuticos Existem pequenas diferenças nas propriedades ansiolíticas, anticonvulsivantes e sedativas entre os diferentes benzodiazepínicos. Contudo, a duração de ação varia amplamente no grupo, e considerações farmacocinéticas são importantes na escolha de um ou outro benzodiazepínico. 1. Distúrbios de ansiedade: os benzodiazepínicos são eficazes no tratamento dos sintomas da ansiedade secundária ao transtorno de pânico, do transtorno de ansiedade generalizada (TAG), do transtorno de ansiedade social e por performance, do transtorno de estresse pós-traumático, do transtorno obsessivo-compulsivo e da ansiedade extrema encontrada, às vezes, em fobias específicas, como o medo de voar. Também são úteis no tratamento da ansiedade relacionada com depressão e esquizofrenia. Os efeitos ansiolíticos dos benzodiazepínicos são menos sujeitos à tolerância do que os efeitos sedativos e hipnóticos. OBS.: esses fármacos devem ser reservados para a ansiedade grave, e não devem ser usados para lidar com o estresse da vida diária. Devido ao potencial de viciar, eles devem ser usados somente por pouco tempo. 2. Distúrbios do sono: poucos benzodiazepínicos são úteis como hipnóticos. Eles diminuem a latência para dormir e aumentam o estágio II do sono não REM. No tratamento da insônia, é importante o equilíbrio entre o efeito sedativo necessário na hora de deitar e a sedação residual (“ressaca”) após o despertar. Os benzodiazepínicos comumente prescritos contra os distúrbios do sono incluem os de ação intermediária (temazepam) e os de curta ação (triazolam). O de longa ação (flurazepam) é raramente usado, devido a sua longa meia-vida, que pode resultar em sedação excessiva durante o dia e acúmulo do fármaco, especialmente em idosos. 3. Amnésia: em geral, os fármacos de ação curta são empregados como pré- medicação para procedimentos desconfortáveis e que provocam ansiedade, como endoscopias e procedimentos odontológicos e angioplastia. Eles causam uma forma de sedação consciente, permitindo ao paciente atender certas instruções durante esses procedimentos. OBS.: midazolam é o benzodiazepínico usado para facilitar amnésia e causar sedação antes da anestesia. 4. Convulsões: clonazepam é usado ocasionalmente como tratamento adjunto contra certos tipos de convulsões, e lorazepam e diazepam são fármacos de escolha no controle do estado epilético. 5. Distúrbios musculares: o diazepam é útil no tratamento de espasmos dos músculos esqueléticos, como os que ocorrem no estiramento, e no tratamento da espasticidade devida a doenças degenerativas, como esclerose múltipla e paralisia cerebral. • Farmacocinética 1. Absorção e distribuição: os benzodiazepínicos são lipofílicos. São rápida e completamente absorvidos após Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 administração oral, distribuem por todo organismo e entram no SNC. 2. Duração de ação: a meia-vida dos benzodiazepínicos é importante clinicamente, pois a duração da ação pode determinar a utilidade terapêutica. 3. Destino: a maioria dos benzodiazepínicos, incluindo o clordiazepóxido e o diazepam, é biotransformada pelo sistema microssomal hepático para compostos que também são ativos. OBS.: todos os benzodiazepínicos atravessam a placenta e podem deprimir o SNC do neonato, se forem administrados antes do parto. OBS.: o uso dos benzodiazepínicos não é recomendado durante a gestação. Os lactantes também podem ser expostos aos benzodiazepínicos pelo leite materno. • Dependência Pode-se desenvolver dependência física e psicológica aos benzodiazepínicos se doses elevadas forem administradas por longos períodos. Todos os benzodiazepínicos são fármacos controlados. A interrupção abrupta resulta em sintomas de abstinência, incluindo confusão, ansiedade, agitação, intranquilidade, insônia, tensão e (raramente) convulsões.• Efeitos adversos Sedação e confusão são os efeitos adversos mais comuns dos benzodiazepínicos. Ocorre ataxia em doses elevadas, impedindo as atividades que exigem coordenação motora fina, como dirigir automóvel. Pode ocorrer comprometimento cognitivo (diminuição da evocação de memória e da retenção de novos conhecimentos) com o uso dos benzodiazepínicos. Antagonistas de receptor benzodiazepínico O flumazenil é um antagonista do receptor GABA que pode rapidamente reverter os efeitos dos benzodiazepínicos. O fármaco está disponível apenas para administração intravenosa (IV). O início de ação é rápido, mas a duração é curta, com meia-vida de cerca de uma hora. Os efeitos adversos mais comuns são tonturas, náusea, êmese e agitação. Outros ansiolíticos • Antidepressivos Vários antidepressivos são eficazes no tratamento da ansiedade crônica e devem ser considerados fármacos de primeira escolha, especialmente em pacientes com inclinação para dependência ou vício. Os ISCSs, como escitalopram ou paroxetina, ou os inibidores seletivos da captação de serotonina e norepinefrina (ISCSNs), como a venlafaxina ou duloxetina, podem ser usados sós ou prescritos em associação com uma dosagem baixa de benzodiazepínico durante as primeiras semanas de tratamento. OBS.: após 4 a 6 semanas, quando o antidepressivo começa seu efeito ansiolítico, a dosagem de benzodiazepínico pode ser reduzida gradualmente. Os ISCSs ou ISCSNs têm menor potencial de gerar dependência física do que os benzodiazepínicos, tornando-se o tratamento de escolha contra o TAG. Em geral, o tratamento com antidepressivos e benzodiazepínicos contra os transtornos de ansiedade é necessário por longo período, de modo a manter a vantagem alcançada e evitar recaídas. • Buspirona A buspirona é útil no tratamento crônico do TAG e tem eficácia comparável à dos benzodiazepínicos. Esse fármaco tem início de ação lento e não é eficaz para tratamento de curta duração ou para estados de ansiedade agudos. As ações da buspirona parecem mediadas pelos receptores de serotonina (5-HT1A), embora ela também tenha alguma afinidade pelos receptores D2 da dopamina e 5-HT2A da serotonina. Assim, seu modo de ação difere do mecanismo de ação dos benzodiazepínicos. Além disso, a buspirona não tem as propriedades anticonvulsivantes e miorrelaxantes dos benzodiazepínicos. Barbitúricos Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Os barbitúricos foram, no passado, a base do tratamento usado para sedar o paciente ou para induzir e manter o sono. Todos os barbitúricos são substâncias controladas. Certos barbitúricos, como o de ação muito curta tiopental, foram usados para induzir anestesia, mas são menos empregados atualmente devido aos novos fármacos com menos efeitos adversos. • Mecanismo de ação A ação hipnoticossedativa dos barbitúricos se deve à sua interação com os receptores GABAA, potencializando a transmissão gabaérgica. O local de ligação dos barbitúricos no receptor GABA é diferente daquele dos benzodiazepínicos. Os barbitúricos potenciam a ação do GABA na entrada de cloreto no neurônio, prolongando o tempo de abertura do canal de cloreto. Além disso, os barbitúricos podem bloquear os receptores excitatórios glutamato. • Ações Os barbitúricos são classificados de acordo com sua duração da ação. 1. Depressão do SNC: em doses baixas, os barbitúricos produzem sedação. Em doses crescentes, eles causam hipnose, seguida de anestesia e, finalmente, coma e morte. Assim, qualquer grau de depressão do SNC é possível, dependendo da dosagem. OBS.: os barbitúricos não aumentam o limiar da dor e não têm propriedades analgésicas; eles podem inclusive exacerbar a dor. O seu uso crônico leva à tolerância. 2. Depressão respiratória: os barbitúricos suprimem as respostas à hipóxia e aos quimiorreceptores ao dióxido de carbono (CO2). A dosagem excessiva é seguida de depressão respiratória e morte. • Usos terapêuticos 1. Anestésico: os barbitúricos de ação ultracurta, como o tiopental, são usados por via IV para induzir anestesia, mas foram amplamente substituídos por outros fármacos. 2. Anticonvulsivante: o fenobarbital tem atividade anticonvulsiva específica que se diferencia da depressão inespecífica do SNC. Ele é usado por longos períodos no controle das convulsões tônico- clônicas. 3. Hipnoticossedativo: os barbitúricos são usados como sedativos leves para aliviar ansiedade, tensão nervosa e insônia. Quando usados como hipnóticos, eles suprimem o sono REM mais do que outros estágios. • Farmacocinética Os barbitúricos são bem absorvidos por administração oral e distribuem por todo o organismo. Todos os barbitúricos se redistribuem do SNC para as áreas esplâncnicas, para o músculo esquelético e, finalmente, para o tecido adiposo. Eles atravessam facilmente a placenta e podem deprimir o feto. São biotransformados no fígado, e os metabólitos inativos são excretados na urina. • Efeitos adversos: Os barbitúricos causam sonolência, dificuldade de concentração e preguiça mental e física (Fig. 9.9). Os efeitos depressores do SNC são potencializados com os do etanol. Dosagens hipnóticas dos barbitúricos provocam “ressaca” que compromete a capacidade do paciente de atuar normalmente durante várias horas depois do despertar. Às vezes, ocorrem náuseas e tonturas. Os barbitúricos são contraindicados em pacientes portadores de porfiria intermitente aguda. A retirada abrupta dos barbitúricos pode causar tremores, ansiedade, fraqueza, intranquilidade, náuseas e êmese, convulsões, delírio e parada cardíaca. A abstinência é muito mais grave do que aquela associada ao opioide e pode resultar em morte. Outros hipnóticos • Zolpidem É um hipnótico não relacionado aos benzodiazepínicos estruturalmente, mas se fixa Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 seletivamente ao receptor benzodiazepínico do subtipo BZ1. O zolpidem não tem propriedades anticonvulsivantes ou miorrelaxantes. Ele apresenta poucos efeitos de abstinência e provoca insônia de rebote mínima. Com o uso prolongado, ocorre pouca tolerância. É rapidamente absorvido no trato gastrintestinal (TGI), tem rápido início de ação e meia-vida de eliminação curta. Produz efeito hipnótico por cerca de 5 horas. Sofre oxidação hepática a produtos inativos, pelo sistema CYP450. Os efeitos adversos do zolpidem incluem pesadelos, agitação, amnésia anterógrada, cefaleia, distúrbios gastrintestinais, tonturas e sonolência diurna. OBS.: diferentemente dos benzodiazepínicos, nas dosagens hipnóticas usuais, os fármacos não benzodiazepínicos zolpidem, zaleplona e eszopiclona não alteram significativamente os vários estágios do sono e, assim, costumam ser os hipnóticos preferidos. Isso pode ser devido à sua relativa seletividade pelo receptor BZ1. • Zaleplona É um hipnótico não benzodiazepínico oral similar ao zolpidem; contudo, a zaleplona causa menos efeitos residuais nas funções psicomotoras e cognitivas em comparação ao zolpidem ou aos benzodiazepínicos. A zaleplona é biotransformado pelo CYP3A4. • Eszopiclona É um hipnótico não benzodiazepínico oral que também atua no receptor BZ1. Revelou-se eficaz contra insônia por até 6 meses. É rapidamente absorvido, extensamente biotransformado por oxidação e desmetilação pelo sistema CYP450 e excretado principalmente na urina. Os efeitos adversos da eszopiclona incluem ansiedade, xerostomia, cefaleia, edema periférico, sonolência e gosto desagradável. • Ramelteona É um agonista seletivo dos subtipos de receptoresde melatonina MT1 e MT2. A melatonina é um hormônio secretado pela glândula pineal que auxilia na manutenção do ritmo circadiano subjacente ao ciclo sono-vigília normal. A indução e a promoção do sono parecem devidas à estimulação dos receptores MT1 e MT2 pela ramelteona. Os efeitos adversos incluem tonturas, fadiga e sonolência. A ramelteona pode aumentar os níveis de prolactina. • Anti-histamínicos Alguns anti-histamínicos com propriedades sedativas, como difenidramina, hidroxizina e doxilamina, são eficazes no tratamento dos tipos leves de insônia situacional. Contudo, eles têm efeitos indesejados (como os efeitos anticolinérgicos) que os tornam menos úteis do que os benzodiazepínicos e os não benzodiazepínicos. • Antidepressivos O uso de antidepressivos sedativos com forte perfil anti-histamínico ocorre há décadas. Antidepressivos, como trazodona, mirtazapina e outros antidepressivos tricíclicos antigos com forte propriedade anti-histamínica, são usados extrabula no tratamento da insônia. Referências: EDITORIA DE WANNMACHER, Lenita; FERREIRAS, Maria Beatriz Cardoso (editora). Farmacologia clínica para dentistas. 3.ed. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 545. p GOODMAN & GILMAN. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 12ª Ed. Rio de Janeiro; Editora Guanabara Koogan. 2012. Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
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