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Resenha Democracia Contra Capitalismo - Ellen Wood

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WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra o Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2010.
DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO: democracia e identidades sociais como máscaras do capital
 Por: Marieli Fernandes, Graduanda em História na Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul. 
 Democracia contra capitalismo: A renovação do materialismo histórico, é a terceira obra de Ellen Meiksins Wood traduzida para o português, originalmente publicada em 1995, em língua inglesa, pela Cambridge University Press. Já a edição brasileira, quinta reimpressão do livro, primeira edição, só chegou ao mercado  no ano de 2020, por meio da editora BoiTempo, com 261 páginas em sua versão física. Além disso, é digno de nota reservar comentários para a excelente tradução desenvolvida pelo tradutor Paulo Castanheira e o restante da equipe da editora BoiTempo envolvida no projeto.
 Ellen Meiksins Wood nasceu em 1942, em Nova York, filha de refugiados políticos letões, passou a vida cercada por militantes de esquerda. Em 1967 tornou-se professora de Ciências Políticas na universidade de York, Toronto, Canadá, onde gerou grandes contribuições ao marxismo, entre as quais estão seus livros de maior proeminência: A origem do capitalismo (2001), Em defesa da história (organizadora, 1999), The Pristine Culture of Capitalism (1992) e The Retreat from Class (1986). Wood veio a falecer no ano 2014, em Ottawa, Canadá, já como cidadã canadense.
 Democracia contra capitalismo, como insiste Ellen Wood, “é e não é apenas uma coletânea de ensaios”. Isso porque, apesar de ser essencialmente um compilado de ao menos 12 ensaios já publicados entre 1981 e 1993, estas são versões revisadas, editadas, fundidas, condensadas e ou acrescidas de novos materiais. A obra foi organizada em Prefácio à edição Brasileira, Agradecimentos, Introdução, Parte I (subdividida em cinco capítulos), Parte II, (quatro capítulos), construídas a partir dos ensaios, Conclusão e Índice Remissivo.
 A tese central de Ellen Wood é que o capitalismo oculta-se atrás da luta por direitos e políticas sociais, utilizando a democracia formal e representativa, que ele mesmo criou em oposição à democracia substancial antiga, como estandarte e escudo. Dessa maneira, conceber, imaginar ou idealizar um capitalismo igualitário, como fazem movimentos emancipatórios capitalistas é, se não ingênuo e ilusório, uma maneira de desviar o foco de soluções mais efetivas, tal qual o fim da dominação de classe.
 De maneira geral, na primeira parte do livro, o ponto mais proeminente é a crítica aos instrumentos de análise do capitalismo e o resgate dos princípios do materialismo histórico crítico, que ficou encoberto pelo determinismo tecnológico, pelo pós-marxismo e pela economia clássica. Já na Parte II, evidencia-se a diferenciação entre a democracia antiga, governo pelo povo ou pelo poder do povo, incompatível com a dominação de classe  e a democracia moderna, liberal,  que limita-se à representação indireta e às liberdades civis básicas, criada dentro do capitalismo e encobrindo suas opressões. As duas questões vão, de maneira geral, desdobrar-se em novas discussões, sob diferentes óticas, e interligando-se especialmente aspectos históricos, metodológicos e políticos. 
 A parte I, intitulada “O Materialismo Histórico e a Especificidade do Capitalismo”, destrincha  exatamente questões e embates metodológicos do materialismo histórico para discutir a necessidade de renovação desses métodos (ou resgate) para a análise do capitalismo presente. Aborda a cisão ideológica capitalista entre econômico e político sob a lente das concepções de Marx de que “o capital é uma relação social de produção”. Dessa forma, questiona tal divisão como dada, afirmando que o que ocorreria de fato seria uma diferenciação dentro da esfera política entre as funções interessantes à apropriação da mais valia à esfera privada e aquelas com propósito comunitário, ou seja, dentro da esfera econômica permanecem existindo aspectos políticos ou superestruturais, mas somente aqueles que interessam ao mercado. Por essa diferenciação, mas não somente por ela, tece críticas aos ortodoxos stalinistas e althusserianos, com ênfase no uso da metáfora base/superestrutura, que define como uma análise social mecânica inoperante no mundo real. Também apresenta críticas aos pós-marxistas por rejeitarem, junto com a base/superestrutura todo conceito de dominação de classe. Por outro lado, oferece o conceito das bases como “práticas e relações reais” de E. P. Thompson como uma terceira via ao debate. Consonante com as ideias de Thompson, também defendeu que sua noção de classe, apresentada como relação e processo,  partindo da noção de que a  formação de classe se dá a partir das experiências dentro das relações sociais, estivesse em alinhamento ao materialismo histórico crítico e ao marxismo
 Dessa forma, é possível perceber que Ellen Wood faz um esforço no sentido de incluir novas contribuições teóricas que se alinhem a suas concepções de materialismo histórico, ao mesmo tempo em que em busca, efetivamente, resgatar o materialismo do velho Marx da penumbra diante dos diferentes métodos e intelectuais, inclusive marxistas, que o ofuscam. Seu foco nos métodos marxistas detém-se especialmente no tecnológico-determinista, que assume a forma de previsões teleológicas, bem como dos “novos modelos de marxismo” e "pós-marxistas, que repudiam junto ao unilinearismo, a análise histórica partindo à contingência e ao caos, demonstrando as incongruências desses com as teorias de Marx e o quanto, na verdade, acabam, por tornar-se similares às análises liberais.
 Ademais, Wood não deixa de estabelecer uma pertinente oposição entre as teorias de Marx e Weber, demonstrando que, apesar de, em geral, as acusações de teleologia e eurocentrismo serem direcionadas a Marx, o endereçamento desses adjetivos, na verdade, deveriam seguir o caminho contrário. Isso porque, Marx estabelece sua análise a partir de um foco que observa as especificidades dos modos de produção, suas lógicas internas, crises e leis de movimentos, distinguindo diferentes sociedades e seus diferentes modos de produção, incluindo a sociedade capitalista. Weber, antagonicamente, concebe a atividade econômica capitalista como a única possível podendo ser mais ou menos desenvolvida, dependendo do grau de obstrução que agem externamente sobre ela ao longo do tempo. Ainda assim, a análise final de Ellen Wood não configura-se como um confronto (mesmo que durante o capítulo em questão ela tenha sido bastante enfática e talvez ligeiramente agressiva), muito menos celebra algum tipo de superioridade intelectual. A valer, esse argumento vem no sentido de enfatizar a substituição da teleologia pela história e o criticismo como propulsores de possibilidades de mudança, pois sua base está contida no fato de que é a história e não a teleologia que gera a possibilidade de mudança
 A Parte II, por sua vez, é aquela que dá nome ao livro, “Democracia Contra Capitalismo”. Doravante, os ensaios desenvolvem com profundidade histórica os conceitos de democracia antiga  e democracia moderna liberal. Para isso, Ellen Wood procura resgatar o papel do trabalho livre na antiguidade e seu papel na democracia ateniense e estabelece como principal característica  desta, a libertação dos produtores diretos de Atenas  das coerções socioeconômicas. Dessa forma, tal democracia tomava contornos substanciais, mesmo  pois agia substantivamente sobre as desigualdades socioeconômicas.  Em oposição, a democracia nos moldes atuais, foi concebida, de maneira não menos contraditória, pelos os antidemocratas americanos, que em seu processo de criação já a desenvolveram buscando um esvaziamento do poder popular. Desse modo a democracia ativa torna-se passiva,  diluída na esfera política por meio da “democracia representativa”, separada da economia que age, de maneira irrestrita, sobre a sociedade a partir dos imperativos do mercado, multiplicandoas desigualdades socioeconômicas.
 De mais a mais, a autora também lembra da necessidade urgente da esquerda não abandonar a conceptualização histórico materialista do capitalismo diante da fragmentação ideológica das identidades do mundo “pós-moderno”, na qual cada identidade busca sua própria luta emancipadora, igualando-se à luta de classes.  Wood aponta essa política como um método de dissolver o conceito de capitalismo a partir da subversão  do conceito de sociedade civil, que, em tal interação, deixa de ser uma arma contra o capitalismo para representar a antítese entre político e social. Por consequência, denuncia que o foco da luta de classes tem sido transferido, mesmo entre a esquerda, para o que ela chama de bens extra econômicos (emancipação de gênero, igualdade racial, paz, ecologia…). A cientista política não deixa de admitir que o capitalismo distribuiu mais bens extra econômicos e direitos políticos que qualquer outra sociedade anterior, concomitantemente, evidencia a desvalorização desses bens ocorrida  no processo, o que permitiu ao capitalismo utilizá-los para mascarar suas opressões . Já que, não teriam os bens extra econômicos status privilegiado no capitalismo, que não pode garantir o fim das opressões sociais,  ao mesmo tempo que, a emancipação das identidades sociais não representaria o fim desse modo de produção. Dessa forma o capitalismo faz-se indiferente às identidades sociais, tirando proveito de opressões e emancipações, para utilizá-las como uma fachada de “direitos civis”. 
 A análise histórica e metodológica da coletânea aconteceu a partir do método abdutivo, seguindo cientificamente o materialismo histórico. Sua estruturada encontra-se em vastas referências teóricas, entre as quais merecem destaque não somente  Karl Marx, mas  Robert Brenner, com quem desenvolveu “The Origin of Capitalism” (1999) e E. P. Thompson, a quem atribui o título de “o que mais se aproxima de um teórico do materialismo histórico como eu o entendo” (Ellen Wood, 1995) (preciso admitir que, apesar da aspereza, não deixa de ser uma profunda demonstração de identificação por parte da historiadora), o que torna-se notável diante do espaço expressivo que E. P. Thompson recebe na primeira metade da obra. 
A autora afirma, já 1995, que os teóricos das décadas de 1960 e 1970 estão esgotados e são necessárias novas resoluções para novos problemas da década de 90. Soluções que ela busca nas referências, como Thompson e Brenner, mas também em suas divergências nomes como Perry Anderson e Stuart Hall. Este último responsável pela tese do capitalismo moderno que fragmenta as identidades sociais, tornando-as “desalojadas- de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente” (HALL, 2005, p.75). 
 Ellen Wood, de maneira pertinente ao momento hodierno, não só aborda as identidades sociais, mas dá um passo além da esfera cultural e analisa a forma como as relações de produção são atingidas pela ideologia pós-moderna, em um “pluralismo que tudo engloba”, um conceito, que, a primeira vista, pouco difere do apresentado por Hall. Todavia, demonstra que nessa busca por celebrar todas as diferenças e acabar com as opressões, a pós-modernidade não reconhece a unidade sistêmica e as relações constitutivas do capitalismo.
 Claramente, apesar dos ensaios terem sido escritos há 26 anos, a necessidade de gerar reflexão e novas respostas sobre e dentro dos movimentos sociais, especialmente os anticapitalistas,  permanece urgente e os teóricos não menos esgotados. A argumentação de Ellen Wood é um poderoso motor nesse sentido pois desvela a relação que o capitalismo mantém com esse movimentos, incluindo as diferenças de classes dentro do escopo de multiplicidades identitárias. Afinal,   
Uma sociedade verdadeiramente democrática tem condições de celebrar diferenças de estilo de vida, de cultura ou de preferência sexual; mas em que sentido seria ‘democrático’ celebrar as diferenças de classe?” Ora, a superação da diferença de classes levaria inevitavelmente não a uma nova acomodação/tolerância por parte do sistema capitalista, mas à sua própria superação (WOOD ,1995, pg, 221). 
  Por isso, durante a leitura, a autora conduz o leitor a compreender que, na luta contra o capitalismo não se faz necessário abandonar questões relacionadas às identidades sociais, até porque, todas as opressões possuem o mesmo peso moral, mas a opressão de classe possui um status histórico e diferenciado dentro capitalismo, sendo a única forma de dominação que, sendo extinta, extingue também o capitalismo. 
 Mas afinal, porque a “democracia contra o capitalismo”? Porque eles não podem coexistir? Talvez para responder essa pergunta, mais um questionamento precise ser feito: O que é democracia? A compreensão da leitura é: depende. O capitalismo pode muito bem coexistir com a democracia moderna, criada objetivamente de maneira esvaziada, separada da esfera econômica para que não tivesse poder sobre ela e os imperativos do mercado, mas jamais poderia existir diante da democracia antiga, caracterizada pelo fim da coação socioeconômica, pois isso significaria fim da dominação de classe. Assim, Ellen M. Wood nos faz refletir sobre o que está posto, sobre o que não é mais questionado, justamente sobre o principal instrumento ao qual a sociedade pós-moderna tem se agarrado a como ferramenta para mudar o mundo e conquistar direitos: a democracia liberal. Direitos estes que podem ser abduzidos assim que o capital considerar que a democracia não é interessante. E é exatamente por isso que o resgate da democracia substancial, que oferece a possibilidade da participação ativa do trabalhador direto no meio político e econômico como feito na obra é tão caro e importante, ela oferece a possibilidade de mudança:  quebrar as imposições do mercado.

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