Buscar

LIBRAS

Prévia do material em texto

LIBRAS 
AULA01 
Entendendo o cenário 
Faremos, nesta primeira aula, algumas considerações sobre inclusão, identidade e diferença, 
principalmente no âmbito dos estudos sobre surdez e língua de sinais 
 
 
 
 
A crise de identidade 
Vamos começar, então, refletindo um pouco sobre a sociedade contemporânea e suas 
“novas” formas de relacionamento, construção de identidade e preservação da cultura; 
em especial, as influenciadas pela chamada globalização. Para tal, é necessário que se 
investiguem as relações entre língua, cultura e sociedade. 
A sociedade contemporânea reivindica uma revisão das próprias formas de se pensar a 
linguagem e o papel e lugar da(s) ciência(s) e política(s) que a tomam como objeto. Nesse 
sentido, a sociedade é convocada a enfrentar as constantes incompletudes, provocadas por 
um mundo globalizado, onde o global e o local se interpenetram, e as diferenças não se 
encaixam na “completude” (Bauman, 2005). 
Mundo moderno, comunicação e identidade 
As novas formas de relacionamento (através da internet, chat, etc.) e o intercâmbio 
cultural são significativamente mais velozes e dinâmicos que no passado. Além da 
internet, o celular é hoje um aparelho quase que indispensável à sobrevivência na 
sociedade urbana. Este aspecto atinge inclusive as pessoas surdas, cujo uso do celular é 
bastante freqüente, tendo tornado-se um excelente meio de comunicação para esse 
grupo social. 
Além disso, a própria disciplina que você está fazendo neste exato momento faz parte 
da evolução tecnológica que permite a comunicação a qualquer hora e em qualquer 
lugar, como você pode observar no vídeo ao lado. 
Através dessas novas relações, o local e o global passaram a se interpenetrar 
constantemente, dificultando sua identificação e tornando incoerente um conceito de 
identidade (lingüística e cultural) que seja o mesmo para qualquer indivíduo; em outras 
palavras, uma identidade que não seja fluida, que seja comum a todos. 
Mas será que somos iguais? 
Atualmente, a sociedade experimenta certa insatisfação em relação às promessas da 
modernidade, entre elas, a de igualdade, de liberdade, de paz, etc. Tais promessas não 
foram cumpridas, o que tem colocado em evidência a fragilidade do mundo moderno e 
da contemporaneidade. 
Língua e identidade para os surdo 
 
 
Esse fenômeno da crise de identidade pode ser 
observado em vários setores da sociedade. Em 
relação aos surdos e às comunidades 
sinalizantes não é diferente. Após vários anos 
de total exclusão, e subjugamento a padrões 
culturais inerentes a uma vida tipicamente 
ouvinte, os surdos – conduzidos pelas 
pesquisas na área da lingüística, da educação e 
outras – puderam reconhecer-se como seres 
dotados de uma língua. Suas comunidades 
lingüísticas apresentam peculiaridades 
culturais a elas inerentesOs surdos passam 
então a afirmar suas identidades com base, 
principalmente, em características lingüísticas 
e culturais. Devido aos longos anos de uma 
experiência não favorável ao seu 
reconhecimento, foi necessária a criação de 
associações diversas, a produção de discurso 
de defesa e luta, entre outros, que garantissem esse espaço na sociedade. 
 
 
 
 
 
Surdez e identidade 
A identidade do surdo deve ser construída com base em suas capacidades, em suas 
peculiaridades lingüístico-culturais. Por isso, alguns estudiosos referem-se aos surdos como 
sujeitos sinalizantes, usuários de Libras. A questão das identidades se faz, portanto, presente e 
não pode ser dissociada das experiências da sociedade contemporânea que vive o conflito 
inerente à fluidez dessas identidades. 
Não podemos esquecer que cada surdo tem uma história de vida, que nem todos os surdos 
dominam a língua de sinais; alguns são oralizados e têm orgulho disso. Isso nos faz refletir 
sobre o que é ser diferente, e se há alguma coisa chamada “diferença”. 
Aula 02 
O que você entende por gramática? 
Quando relembramos nossos tempos de colégio, nos vêm à mente as aulas de língua 
portuguesa e as “chatices” (pelo menos para a maioria) das regras gramaticais. Colocação 
pronominal, predicativo do sujeito, oração subordinada substantiva objetiva direta etc. Isso 
porque entendemos (ou nos foi assim ensinado) que a gramática reduz-se à idéia de “um livro 
em que se expõem as normas de uso de uma determinada língua”. Mas não é bem assim... 
Sem maiores aprofundamentos, podemos entender gramática no contexto da capacidade 
lingüística: todo ser humano é dotado de capacidade lingüística. Em segundo lugar, há que se 
pensar em gramática como um sistema, mentalmente compartilhado entre os usuários de 
uma língua, cujo funcionamento e estrutura não dependem de uma educação formal para 
serem aprendidos. Isto equivale a dizer, por exemplo, que qualquer falante, mesmo alguém 
considerado analfabeto, possui uma gramática (um conjunto de regras em sua mente), a qual 
aprendeu no convívio com a sua comunidade lingüística. 
E a língua de sinais? 
A língua de sinais, a exemplo de qualquer língua oral, tem uma gramática própria, constituída 
por um conjunto de regras presente na mente dos seus usuários. Poderemos ter a tendência a 
acreditar que a língua de sinais seja uma espécie de “língua oral sinalizada”. Em conseqüência 
disso, acabaremos acreditando que o léxico (dicionário mental), os aspectos sintáticos, 
semânticos, pragmáticos e quirológicos da LIBRAS constituem um emaranhado de sinais, 
aleatoriamente utilizados, que mais pareceriam uma língua oral mal falada. 
Por isso, podemos afirmar que os surdos, como qualquer ouvinte, possuem uma língua, na 
medida em que, dotados desta capacidade lingüística, decodificam logicamente o mundo, 
organizando-o em suas mentes, através dos recursos físicos e mentais dos quais dispõem. 
Assim, sua capacidade lingüística exterioriza-se, formando uma língua específica que, ao invés 
de sinais orais e auditivos, usa sinais espaciais e visuais, valendo-se do pleno funcionamento de 
sua visão, de suas mãos e do restante do corpo como um todo. 
Basta aprender os sinais que já estamos nos comunicando? 
Na LIBRAS, os níveis de descrição da língua são os já conhecidos sintático, semântico, 
pragmático. Em função da língua de sinais usar as mãos como principal canal de manifestação, 
temos ainda o nível quirológico que diz respeito justamente ao aspecto manual em si. 
Desfazendo mitos... 
A língua de sinais não é uma língua universal, conforme muitos pensam. Cada país tem 
a sua própria língua de sinais. Além disso, há variações regionais dentro de cada país. 
Assim, podemos citar: a ASL (American Sign Language), a LSF (língua de sinais 
francesa), a Língua de Sinais Urubu Kaapor (Maranhão, Brasil) etc. 
Começando a começar... 
Uma boa descrição da língua de sinais não pode ser feita, naturalmente, a partir da 
mesma lógica utilizada para a descrição de línguas orais. Afinal, a modalidade 
lingüística é totalmente diferente. No entanto, existem parâmetros que regem o uso da 
língua de sinais. Costuma-se apresentar cinco parâmetros que possibilitam entender a 
formação dos sinais e as bases para os seus usos durante a produção discursiva. Vamos 
conhecer esses parâmetros? 
Assim, percebeu-se que 
um sinal é produzido a 
partir da combinação 
de elementos espaciais, 
visuais e motores que 
determinam o lugar onde 
as mãos devem estar na 
hora da produção do 
sinal, como as mãos 
devem estar 
configuradas, para que 
direção elas devem estar 
apontando, se devem ou 
não estar se movimentando e como deve ser feito este movimento. Além disso, é 
preciso considerar a posição do corpo e a expressão facial que acompanham a 
produção desse sinal para que ele seja plenamente entendido em seu contexto de 
produção. 
 
 
 
 
 
 
 
Aula 03 
IInclusão ou preconceito? 
Parece oportuno pensar em que medida políticas (educacionais, lingüísticas...), no afã de 
defender minorias lingüísticas e preservar a língua, podem ser transformar em práticas 
sutis de preconceito. Afinal,políticas lingüísticas e políticas de línguas, expressas em 
leis, projetos de lei e outros tipos documentos oficiais, refletem contextos sócio-
históricos e servem não apenas como dado, mas também como pano de fundo para uma 
discussão sobre o preconceito no contexto brasileiro. 
Não é raro detectar, tanto nos discursos sobre o direito à diferença quanto naqueles que 
procuram proteger grupos sociais, atitudes preconceituosas e certa crença de estarem os seus 
propositores investidos de autoridade suficiente para avaliar o grau e intensidade do problema 
do outro. Uma atitude que implicitamente reforça aquelas idéias contra as quais o próprio 
grupo parece lutar. 
Perspectivas de política lingüística na sociedade 
Essas são questões que auxiliam a estudar políticas lingüísticas sob o ponto de vista das 
relações entre sujeito e sociedade na pós-modernidade. Daí, uma discussão sobre a 
dimensão ética das políticas. É preciso perceber que as políticas também nomeiam e 
categorizam indivíduos a partir de determinado ponto de vista. 
Pretende-se, na perspectiva das políticas lingüísticas, uma ética que ultrapasse a idéia 
humanitária dos direitos humanos e dos direitos lingüísticos e que permita superar o dualismo 
do sujeito-ético como vítima e sujeito ético como piedoso (cf. Chauí, 1999). Em outras 
palavras, a proposição de políticas lingüísticas será eticamente efetiva se acompanhada de 
ações propositivas em torno do sujeito e da sociedade. Se, ao contrário, decorrer tão somente 
de consenso sobre a injustiça e preconceito, poderá representar apenas uma forma de 
“acalmar a consciência”. Muito mais uma forma de “redimir-se de pecados”, de autopunição 
do que de construir e de viver uma sociedade justa. 
Perspectivas de política lingüística na educação 
Em termos da atuação pedagógica, é bom pensar sobre a necessidade de se estabelecer um 
olhar sobre os aprendizes que ultrapasse qualquer tipo de hierarquização. Interessa 
reconhecer a existência de alunos, pesquisadores, sujeitos que não podem se eximir, nem 
serem eximidos de suas responsabilidades, nem privados de seus direitos. Nesse sentido, 
deixa-se de lado a lógica de “atendimento ao aluno” e se passa à lógica e à dinâmica de 
extração e ampliação de suas potencialidades. 
Nesse contexto não existiria “o surdo”, “o deficiente”. O problema está em não nos deixarmos 
levar uma identificação do sujeito feita a partir de uma “deficiência”. Seria negar a surdez 
enquanto único fator preponderante para identificar um sujeito. O sujeito surdo não é 
constituído única e exclusivamente de sua surdez, enquanto fato físico. Há milhões de outras 
facetas nesse sujeito para as quais freqüentemente não se busca olhar. 
Aula 04 
Cultura surda? 
A sociedade passou a ser apresentada, e continua paulatinamente a ser, à língua, aos hábitos, 
às diferenças e semelhanças com os ouvintes, às necessidades (educativas) especiais dos 
sujeitos surdos. Aqueles sujeitos que até então eram vistos como deficientes auditivos 
limitados em suas capacidades, passam a ser reconhecidos como sujeitos (surdos) complexos, 
com identidade própria e com um conjunto de hábitos, transmitidos principalmente através da 
sua língua, ao qual tem se convencionado chamar de “cultura surda”. 
Embora bastante recorrente, o termo “cultura surda” ainda é alvo de muita polêmica. Para 
além da dificuldade habitual de se definir o que é ou não é cultura, os sujeitos surdos estão – 
quer queiram, quer não - inseridos em uma comunidade ouvinte e convivem com esses 
ouvintes, trocando experiências diariamente. 
Não há um país, estado, cidade ou mesmo bairro de surdos. O que se pode encontrar com 
facilidade são associações e instituições que constituem uma espécie de reduto das ditas 
“comunidades surdas”, embora essas comunidades não estejam restritas a esses ambientes, 
suas atividades e formas de interação. 
Cultura a partir da relação familiar 
Os sujeitos surdos são, em sua grande maioria, filhos de pais ouvintes. Situação que provoca, 
por maior a rejeição que tenha sofrido da família ou a falta de conhecimento sobre língua de 
sinais e surdez, algum tipo de interação com o que é conhecido como “cultura ouvinte”. Há 
também os casos em que pais surdos têm filhos ouvintes, o que pode provocar um 
redimensionamento de condutas e valores não no sentido de abandonar ou renegar a “cultura 
surda”, mas de estabelecer novas relações e interesses em relação à “cultura ouvinte”. 
Podem ser identificadas também famílias em que pais surdos têm filhos surdos e todos no 
núcleo daquela família são usuários e dominam LIBRAS como sendo sua língua materna. 
Percebe-se mesmo diferença no desempenho lingüístico desses surdos, pois não sofreram 
tanta influência da língua oral (portuguesa) no processo de aquisição da língua de sinais. Vale 
lembrar que muitos surdos não têm acesso às associações de surdos nem mesmo à língua de 
sinais e ainda aprenderam a língua de sinais com o apoio da língua portuguesa escrita ou oral. 
Ensinar Libras ou ensinar a falar? 
Muitos surdos são oralizados. Em função do método educativo utilizado durante a sua 
formação (durante muitos anos optou-se pelo chamado Oralismo nas escolas especializadas), 
alguns surdos simplesmente não compartilham os mesmos hábitos dos surdos que dominam a 
língua de sinais. 
Sua identidade é construída a partir de outra realidade lingüística e cultural e, por vezes, 
podem chegar mesmo a sofrer certa discriminação dentro das ditas “comunidades surdas”. 
Cultura surda ou cultura dos surdos? 
 
Colocando-se no lugar do outro... 
Bem da verdade, os sujeitos surdos sinalizantes possuem suas próprias estratégias de 
compartilhar hábitos, valores, a língua e suas variações em ambientes de todos os 
tipos, inclusive aqueles que seriam pensados como exclusivamente de ouvintes por 
pessoas que não têm conhecimento da “cultura surda”. 
Você já imaginou um sujeito surdo em uma boate ou em um show musical? 
A cultura surda no cotidiano 
Já pensou em como é a casa de uma pessoa surda? O que ela precisa fazer para saber se 
alguém está tocando a campainha da casa? E se o telefone estiver tocando? Será que surdos 
possuem um telefone? Será que dá para usar um despertador para não perder a hora para o 
trabalho? Quais as diferenças mais marcantes entre a “cultura surda” e a “cultura ouvinte”? O 
que seria considerado “falta de educação” para um também o seria para outro? 
Aula 05

Continue navegando