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r economla verde Professor do Centro de Desenvolvimento Sustentavel da Universidade de BraSilia 14 Alem de governanc;.:a inrernacional e reduc;.:ao cia pobreza, a Conferencia RIO+20 em 2012 tera como cerna central a Economia Verde. Esse (ermo, que surgiu no comexto cia RIO-92, foi recentemente e1aborado e divulgado mundo afora em relatorio do PNUMA (2011 ). Em pOlleo tempo, tornau-se praticamente consensual. Pareee apresenrar-se como alrernariva ao desenvolvimento sustentavel, que'havia side consagrado no Rio de Janeiro em 1992. A Economia Verde esd relacionada clireramenre a mudan- ps climaricas : baixo carbono, eficiencia energerica, energia renovcivei, etc. No intuito de relacivizar a fortissima enfase em clima depois de 2007, a biodiversidade e as ecossistemas foram reincorporados no discurso por meio cia iniciativa TEEB, organizada pelo PN UMA e hnanciada pela Comissao Europeia e governos europeus (Alemanha, Palses Baixos, Noruega. Suecia e Reina Unido). Por outro lado. os impactos ambientais references a poluic;ao industrial e aos residuos urbanos (a "Agenda Marrom") e a agua superficial e subterranea (a "Agenda Azul") continuam sem a mesma atenc;ao. Os fluxos de agua atmosferica ("rios aeceos"), que pode- ciam ser uma "Agenda Branca", continuam invisiveis nas esferas politicas. o tratamento que sed. dado a Economia Verde fad muita diferenc;a para as politicas publicas, 0 papel do Estado (a governanc;a que temos atualmente), os padr6es de produc;ao e consumo e os rebatimentos nos diversos territ6 rios no Bra- sil e no mundo. Os efeitos positivos esperados poderao nao se verifica r, como tambem poderao surgir efeitos negativos inesperados, ao menos se nao hOllver llma analise adequada de todos os aspectos ern jogo. o uso do termo Economia Verde, aparentemente no lugar de desenvolvimenro sus ten ravel, [ermo considerado desgastado ou esvaziado, merece uma serie de cuidados. Urge evitar que os efeitos acabem sendo insignificanres ou mesmo perversos, especial mente na medida ern que 0 foco fica desviado para assuntos e espac;os geograficos menDs imponantes, sem manter os diversos ecossistemas funcio- nando e sem atender as inumeras necessidades humanas atuais e futuras. AG{lST(I 2011 ~ Apesar das seme1hanc;:as e do ape10 mercadol6gico, eco- nomia verde implica grande risco de se cransformar em algo muito diferenre de desenvolvimento sustendvel. Ainda que limitado e vago, 0 termo Desenvolvimento Sustendve1 e seu significado expHciro (atendimento as necessidades do presence sem prejudicar 0 atendimento as necessidades das futuras geras:6es) foram consagrados por codos os paises do mundo em 1992. Ha que se levar em coma que qualquer linguagem diplomatica consensual, ainda mais quando acordada glo- balmente, e necessariamcme vaga. Acontece que economia verde, ah!m da falta de respaldo politico, pode ser pior que desenvolvimento sustendvel em termos de seu significado implfcito e seus possiveis usos e abusos. Por natal' do atendimento as necessiclacles da presence e futuras gerayoes, au seja, no fundo, par compreender a equi- dade intra e intergeracional, 0 desenvolvimento sustend.vel e necessariamente sistemico. A Economia Verde, par outro lade, poded nao passar do acrescimo superficial de alguns setores ou camadas adicionais. Pode se resumir a atividades au projetos verdes atualmente na moda, tais como paineis forovoltaicos, moin,hos e6licos, parques nacionais remotos, ponros de reciclagem de lixo, hortas organicas e pousadas ecoturfscicas na selva, sem mudar 0 principal, que sao os padroes de produc;ao e consumo insustendveis. A Economia Verde facilmente acaba se tornado lavagem verde cosmetica (greenwashing). Economia Verde, por meio de valoraC;ao moneraria e instrumencos economicos, (eode a reduzi r tudo a dinheiro, a valores monedrios, prevendo pagamenros feitos por poluidores e recebidos por prestadores de servic;os ambientais. Nao se nata necessariamente de "ambientalismo de mercado", mas nao e verdade que tudo e ou deve ser mercadoria. Nao ha como evitar 0 dlculo de custos e beneficios e a realidade do mundo financeiro, mas tambem nem tudo na sociedade, na popula<tao e na natureza sao bens ou servi c;os. Nao hi mercado de seres humanos, cuiruras, direiros, saude, flora, fauna ou func;oes ecol6gicas. Pior ainda, dificilmeme hayed dinheiro suficiente no Brasil ou no mundo para pagar por todos os servic;os ambiemais existences. Por exemplo, para fins de raciodnio, se as Reservas LegalS e APPs previstas no C6digo Flores(al brasileiro tiverem uma area tota l de 100 milhoes de hectares e os donos recebe- rem apenas R$ 200 por hectare por ano para nao desmarar essas areas, valores conservadores, a total anual scria R$ 20 bilMes. 0 Programa Bolsa Familia eusta R$ i5 bilh6es por ana. Seria POSSIVe! 0 Governo gastar mais com pagamemos por servic;os ambientais do que com Bolsa Familia? 0 Banco M undial escima que 0 Brasil precisaria de R$ 34,2 bilhoes par ano para reduzir as emissoes de carbo no. Outros estimam R$ 20 bilhoes. Enquamo 1SS0, 0 Governo esca tentando, com dificuldade, cortar R$ 50 bilhoes do seu orc;amento. a PSA (Pagamenro por Servic;os Ambientais) tern amplo apelo, mas merece questionamemos. Um dos riscos de pagar alguns produtores por seus servic;:os prestados e que sugere que os outros todos que nao receberem esses pagamemos nao sao obrigados a se comportar corretameme. Omro risco e a sugesrao de que quem come<ta com PSA, mas depois deixa de receber a qualquer momento, tern direiro de desrruir. Exisce, ademais, 0 problema do "carona". Nesse caso, produtores rurais que nao protegem a natureza beneficiam-se gratuitamenre dos servic;os prestados pe!os produtores que sacrincam a produ<tao em beneflcio da natureza. i3:3.!).zIl AGO ST 0 2 0 1 1 o '~ 8 o u I economia verde I ,. 15 I I I ~ : I economia verde I 16 Existem cambem questoes eticas fundamentais. Seria correto pagar alguem para nao fazer mal aos Durros? As external idades negativas nao devem sec incorporadas pelos peoducares, em vez de serem simplesmenre repassadas aos comribuinres ou consumidores ? Por outro lado, as externali- clades posit ivas exigem remuneras:ao? Se hOllver compensas:ao, como pode ocorrer no caso de pagamentos internacionais, nao ha uma especie de "indulgencia", pagando-se para poder continuar pecando (poluindo)? Quanta as transferencias internacionais de novas e adicionais recursos financeiros de paises desenvolvidos para parses em desenvolvimemo, pode se insistir na cobrans:a, scm duvida. mas cambem nao se cleve esperar muito, especialrnente no caso de parses relativamente desenvolvidos como 0 Brasil, que ainda pretende ocupar urn lugar de lideranrra mundial. Esd. claro que as prioridades dos doadores serao as pequenas ilhas e a Africa. E imponante perceber que existem interesses economicos por tds das novas propostas. De urn lado, mudar 0 substantivo de desenvolvimenro, com diversas dimens6es (ao menos social e ambiental, se nao outras) para "econornia" pin~a apenas uma das dimens6es. Tende a empoderar os economisras e seus "insrrumenros economicos" no lugar de regula~ao estatal, que e raxada de ucornando e controle". Natureza torna-se "capital natural ". Essa abordagem teria urn fundo corporativista profissional ? D e Outro lado, muitos governos, empresarios e ONGs esrao buscando oponunidades de neg6cios verdes e de administrarrao dos fundos a sercm estabelecidos. Governanrra internacional ou global, por sua vez, tende a empoderar 0 PNUMA ou uma agencia sucessora para ganhar recursos financeiros e subir de status para se transformar em uma super-agencia internacional especializada, eventualmente com poder de polkia imernacional. Se isso ocorrer, sua atuarrao seria em grande medida controlada pe!os doadores, os parses desenvolvidos. Ao mesmo tempo, a governanrra internacional ou global contradiz a soberania, que continua sendourn principio fundamental, praticamente sagrado. Aincia que problematica, em rermos pdticos, a soberania s6 deve ser relativizada em casos extremos de violarr6es graves, nao na geStaO de rorina, no dia-a-dia. Seria mais coerente e defensave! se esses casos fossem aprovados pelas Nac;:6es Unidas, nao apenas por uma agencia especializada. o apelo do adjetivo "verde" parece ter sido apropriado indevidamenre de movimentos politicos, como os Panidos Verdes e tambem de rnovimentos ambiemalisras como Gre- enpeace ("Paz Verde"), os quais POllCO all nada compartilham dos prindpios em que se baseia a Economia Verde. A prirneira vista, "verde" teria mais a ver com meio ambience que sustenta- bilidade, mas na realidade fecha 0 leque em diversos senridos. Sustentabil idade nao e apenas verde, mas abrange todas as cores, situando-se alem do area-iris. 0 discurso de Econo- mia Verde es ta bern elaborado em termos de capital natural, redli(iaO de pobreza. baixo carbono. eficiencia energetica, inovac;:ac, agenda verde e governanc;:a global, caracterfsticas aparenterneme interessanres. N o entanto, devem-se levar ern coma que todos esses conceiws Oll terminologias tam bern pod em ser jeitinhos engenhosos para substituir ou relegar a soberania, a equidade, a natureza, as funs:6es ecologicas, 0 usc sustemavel, os direitos fundamemais (humanos e de cidada- nia) e a reduc;:ao de emiss6es (inclusive usando e sequestrando carbono), eorre outros valores importances. Na pd.tica, ha que se lembrar que mudanc;as "verdes" topicas e pontllais podem servir para evitar a rnuda nt;:a siste- mica. A Economia Verde corre 0 risco de se limitar a gestos simb61icos, ou seja, tokenism, que serve para manter 0 status quo para a maior parte do meio ambience, cia sociedade e da economia. Pode perpetuar 0 foco quase exclusivo na floresta amaz6nica, em detrimento de outrOS biomas e das areas urbanas onde vive a maio ria da populas:ao. Enfim, serve para nao dizer que os governo,s nao estao fazendo 0 que deviam au se comprornereram a fazer. Assim, existem diversos possrveis efeitos perversos inespe- rados da Economia Verde, que devem ser levados em coma. As propostas existentes parecem ignorar os efeitos bumerangue (rebound) e de culatra (backfire) decorrenres do aumento de eficiencia. Nao consideram que alguns poucos empregos verdes, embora por si s6 positivos, podem eliminar muitos empregos convencionais na medida em que implicam a substituic;ao de forc;:a de trabalho por tecnologia moderna (capital). M ais do que promover inovas:ao e patentes, urn discurso utilizado por alguns cientistas para justificar investimentos em pesquisa, paises como 0 Brasil precisa m de aplicat;:ao de tecnologia basica ja conhecida. Precisam mais de competencia do que inovac;ao. 0 Bra- sil tern carencia de engenheiros, mao-de-obra qualificada para a construc;:ao civil, motoristas de caminh6es e tratOres, eletricistas capacirados e professores em todos os niveis. As esrradas e pontes caem ou sao obstruidas, a energia e1etrica falta constantemente, a desernpenho educacional deixa muito a desejar. A GOSTO 201 1 1J3::!)-ffl Melhorar essa situas;ao nao exige tecnologia nova transfe- rida de palses desenvolvidos. No final das comas, a Economia Verde pode favorecer os ricas e os palses centra is. Embora nao confunda "crescimenro sustenrado" com desenvolvimenro sustendvel, que e urn erro comum, permite manter a prioridade para 0 cresci memo do Produto Interno Bruto, qualificado de verde, de forma pOlleD crltica. deixar de lado a vulnerabilidade e a adaptas;ao as mudancyas dimaticas e jusrincar os incentivos ou subsidios para diversos lobbies verdes. Enfim, para equivaler ao desenvolvimento sustentivel , a Economia Verde nao pode sec pamual e empresarial, com politicas voltadas somente para isso. Teria que sec necessa- ria mente pt'lbl ica no sent ido amplo, implemencada por meio de politicas que garantam direicos a toclos e rna men ham as funs:oes ecossistemicas interligadas. Ou seja, reria que segui r urn enfoque socioecossistemico assu mido pelo Estado, cQn- siderando [Odos as territ6rios. Alguns dos participantes do processo estao consciences e arencos a essas quesroes. 0 diplomata chines responsavel pela coordenas:ao da organizas:ao da Conferencia das Nas:oes Unidas sobre Meio Ambienre e D esenvolvimenco Susrencavei - RIO+20, Sha Zukang, insiste em que se trata de Econo- mia Verde no contexto do desenvolvimento sustencavel e da redus:ao de pobreza. Para d e, que tern forte respaldo poli'rico, nao se trata de economia verde isoladamente, mas apenas no cOntt:xto economico e social mais amplo. Diversas outras visoes de futuro sao possive is. T ambem surgi ram recentemente novas propostas ant icapiralistas latino-americanas, como a relativa aos Direitos cla Natureza, ou Direitos cla "Pacha Mama", concra a mercantiliza~ao cla natureza. 0 dialogo seria desejavel e, no ambito das Na~oes Unidas , necessaria. 1J3:.Vefl] ACOSTO 2011 I economia verde I o mais importanre de tudo seria ver 0 que po de ser feiro aqui e agora, sem rratados ambiciosos, agencias de gover- nans:a global, novos recursos financeiros e novas recnologias. Caberia muita ayao nacional, bi lateral, regional e entre pa lses emergentes. Se nao, as boas inten<;oes podem gerar resultados inocllos ou negativos. D e imediato , 0 desenvolvimenro sustemavel poderia ser operacionalizado em rermos de di reitos fundamenrais ja existences, ranto humanos, que sao universais, quanto de cidadan ia, que sao nacionais. Direitos referem-se a va lores er icos. Tambem implicam deveres. O s direiros de alguns acabam onde come~am os d ireiros dos ourros. Os direitos das fururas gerac;:6es de arendimenro a suas necessidades dependem de deveres das presenres geras:oes. Essa abordagem real isra, com base juridica, e possive!. Enfim, tanto a Econom ia Verde quanto 0 desenvolvimenro su~rel1(avel podem e devem ser promovidos. 0 primei ro seria mais concreto, insrrumental e popular e 0 segundo, mais abst rato, dipiomarico e governamemal. A abordagem economica adjet ivada de verde pode sensibi lizar romadores de decisao e aplaca r desenvolvimenrisras, especialmente nos paises em desenvolvimemo. No enranto, nao se deve perder de vista os avan<;os de 1992, que foi urn ma rco na hisroria da human idade, Oll da Carta da Terra e todo 0 caminho percorrido nos ultimos vime anos. 0 que imporra sao as necessidades do Planeta e das fururas geras:oes, que dependem da manurens:ao de fu n- <;oes ecoss isremicas, com Oll sem recursos ad icionais, novas recnologias e novas fo rmas de governan<;a global. _ ECO' 21 agradece a gentile2a da Conservaifao Internacional e do seu informe ' Politica Amblental - Economia Verde: desafios e oporlunidades - Junllo 2011" 17 Digitalizar0001 Digitalizar0002 Digitalizar0003 Digitalizar0004
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