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Em 03 de outubro de 2016, na cidade de Campos, no Estado do Rio de Janeiro, Lauro, 33 anos, que é obcecado por Maria, estagiária de uma outra empresa que está situada no mesmo prédio em que fica o seu local de trabalho, não mais aceitando a rejeição dela, decidiu que a obrigaria a manter relações sexuais com ele, independentemente da sua concordância. Confiante em sua decisão, resolveu adquirir arma de fogo de uso permitido, considerando que tinha autorização para tanto, e a registrou, tornando-a regular. Precisando que alguém o substituísse no local do trabalho no dia do crime, narrou sua intenção criminosa para José, melhor amigo com quem trabalha, assegurando-lhe que comprou a arma exclusivamente para ameaçar Maria a manter com ele conjunção carnal, mas que não a lesionaria de forma alguma. Ainda esclareceu a José, que alugara um quarto em um hotel e comprara uma mordaça para evitar que Maria gritasse e os fatos fossem descobertos. Quando Lauro saía de casa, em seu carro, para encontrar Maria, foi surpreendido por viatura da Polícia Militar, que havia sido alertada por José sobre o crime prestes a acontecer, sendo efetuada a prisão de Lauro em flagrante. Em sede policial, Maria foi ouvida, afirmando, apesar de não apresentar documentos, que tinha 17 anos e que Lauro sempre manteve comportamento estranho com ela, razão pela qual tinha interesse em ver o autor dos fatos responsabilizado criminalmente. Após receber os autos e considerando que o detido possuía autorização para portar arma de fogo, o Ministério Público denunciou Lauro apenas pela prática do crime de estupro qualificado, previsto no Art. 213, §1o c/c Art. 14, inciso II, c/c Art. 61, inciso II, alínea f, todos do Código Penal. O processo teve regular prosseguimento, mas, em razão da demora para realização da instrução, Lauro foi colocado em liberdade. Na audiência de instrução e julgamento, a vítima Maria foi ouvida, confirmou suas declarações em sede policial, disse que tinha 17 anos, apesar de ter esquecido seu documento de identificação para confirmar, apenas apresentando cópia de sua matrícula escolar, sem indicar data de nascimento, para demonstrar que, de fato, era Maria. José foi ouvido e também confirmou os fatos narrados na denúncia, assim como os policiais. O réu não estava presente na audiência por não ter sido intimado e, apesar de seu advogado ter-se mostrado inconformado com tal fato, o ato foi realizado, porque o interrogatório seria feito em outra data. Na segunda audiência, Lauro foi ouvido, confirmando integralmente os fatos narrados na denúncia, mas demonstrou não ter conhecimento sobre as declarações das testemunhas e da vítima na primeira audiência. Na mesma ocasião, foi, ainda, juntado o laudo de exame do material apreendido, o laudo da arma de fogo demonstrando o potencial lesivo e a Folha de Antecedentes Criminais, sem outras anotações. Encaminhados os autos para o Ministério Público, foi apresentada manifestação requerendo condenação nos termos da denúncia. Em seguida, a defesa técnica de Lauro foi intimada, em 04 de setembro de 2018, terça-feira, sendo quarta-feira dia útil em todo o país, para apresentação da medida cabível. Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado(a) de Lauro, redija a peça jurídica cabível, diferente de habeas corpus, apresentando todas as teses jurídicas pertinentes. A peça deverá ser datada do último dia do prazo para interposição. Obs.: a peça deve abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para dar respaldo à pretensão. A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação. Qualquer semelhança nominal e/ou situacional presente nos enunciados das questões é mera coincidência.” EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPOS – RJ Autos nº ... LAURO, já devidamente qualificado nos autos da Ação Penal em epígrafe, que lhe move o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por meio de suas advogadas regularmente constituídas, vem à presença de Vossa Excelência apresentar ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS ESCRITOS, com fulcro no artigo 403, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal, nos termos a seguir aduzidos: 1. DOS FATOS A presente Ação Penal versa sobre a suposta prática de tentativa de estupro qualificado com pena agravada pela condição da vítima, sendo o réu incurso, conforme denúncia cujos termos foram reiterados pelo Parquet em sede de alegações finais na forma de memoriais escritos, nas penas do artigo 213, parágrafo 3º, combinado com os artigos 14, inciso II e 61, inciso II, alínea f, todos do Código Penal. O réu fora preso em flagrante portando uma arma de fogo regularmente registrada, na porta de sua casa, enquanto ia ao encontro da suposta vítima Maria, que alega ter 17 anos de idade. O encontro ocorreria com a finalidade de forçar Maria a manter conjunção carnal com o acusado, sendo certo que tal fato jamais acontecera, posto que o réu fora recolhido à prisão em flagrante antes que qualquer ato criminoso fosse executado. A ação policial, por sua vez, foi orientada pela informação concedida por José, arrolado como testemunha no curso da instrução penal. A testemunha, que é colega de trabalho do réu, obteve as informações após a confidência deste, inclusive quanto ao aluguel de um quarto de hotel e compra de uma mordaça, além da arma, para ameaçar Maria e com ela praticar forçosamente a conjunção carnal. Oferecida a denúncia, o processo teve regular prosseguimento e, durante a extensão da instrução processual no tempo, o réu foi posto em liberdade. Ato contínuo, foi realizada primeira audiência de instrução sem a presença do réu, que não havia sido intimado, ainda que mediante protestos da defesa devidamente registrados em ata. A testemunha, os policiais e a vítima prestaram depoimento e reiteraram o quanto narrado na denúncia. Após, ocorreu a segunda audiência de instrução, devidamente procedido o interrogatório do réu, no qual este confirmou integralmente o teor da peça exordial, mesmo desconhecendo os depoimentos anteriores. Não foram apresentados ou juntados aos autos, na fase policial ou judicial, documentos pessoais da vítima que atestem a sua idade. 2. DO DIREITO 2.1. PRELIMINAR DE NULIDADE DOS ATOS DE INSTRUÇÃO Preliminarmente, há de se ressaltar a nulidade absoluta dos atos de instrução. Isso porque, embora protestado pela defesa, o réu sequer fora intimado para a primeira audiência de instrução, ocasião em que foi promovida parte fundamental da dilação probatória. Desse modo, outra interpretação não é possível senão a clara obstrução aos direitos de ampla defesa e contraditório, constitucionalmente assegurados ao réu. Nos termos do artigo 399 do Código de Processo Penal: “Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.”1 (grifo nosso) Ressalte-se que o dispositivo é expresso quanto ao rito a ser seguido para garantia do regular exercício dos direitos do acusado no curso da ação penal. E, vez que deixou de ser observado, o prejuízo só pode ser sanado pela aplicação do disposto no artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal. Desse modo, requer a anulação dos atos de instrução e, por consequência, de todas as provas que dele decorreram, em respeito ao direito de ampla defesa e do contraditório, pela aplicação do artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal. 2.2. ABSOLVIÇÃO PELA ATIPICIDADE DA CONDUTA Conforme exposto na denúncia e reiterado em todos os depoimentos colhidos, inclusive interrogatório, e nas provas constituídas, a os atos praticados não configuram crime. Isso porque, embora incontestável nos autos aintenção de Lauro em forçar a vítima à prática de conjunção carnal consigo próprio, suas ações não chegaram aos atos executivos ou atingiram qualquer limite para que sejam considerados fato típico, antijurídico e culpável. 1 BRASIL, 1941. Decreto-Lei nº 3.689/1941 - Código de Processo Penal. Pela lei brasileira, não há cominação de pena para os atos preparatórios do crime, tampouco para a cogitação, sem que de fato tenha se iniciado a prática delitiva. Ora, posto que o réu fora detido na saída de sua casa, sequer houve ameaça real ao bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a liberdade sexual. Conforme lecionam Damásio de Jesus e André Estefam: “Os atos preparatórios também não são puníveis, a não ser quando o legislador os define como atos executórios de outro delito autônomo."2 Pelo quanto extraído dos autos, os atos preparatórios consistiram na compra da mordaça e aluguel do quarto de hotel, além da compra e registro de uma arma de fogo que seria utilizada para promover as ameaças. Ocorre que nenhum de tais atos integram a execução do crime de estupro. Tampouco são puníveis por outro tipo penal, sequer a posse de arma de fogo, posto que o réu é habilitado na forma da lei e procedeu ao registro para tanto. Desse modo, restando comprovada a inexistência de crime pela atipicidade da conduta, ausente a justa causa para o processamento, requer o réu seja absolvido na forma do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. 2.3. DO AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA Em que pese a imprescindível absolvição do réu pela atipicidade da conduta, releva o debate, subsidiariamente, acerca da fragilidade da imputação delitiva promovida pelo Ministério Público com base na qualificadora do parágrafo 1º do artigo 213 do Código Penal. Embora a potencial vítima alegue ter 17 anos, não há qualquer comprovação de sua idade nos autos. Nessa seara, a o Código de Processo Penal é expresso ao determinar, em seu artigo 155, parágrafo único, que 2 JESUS, Damásio de.; ESTEFAM, André. Direito Penal 1 - parte geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553619849. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553619849/. Acesso em: 11/04/2021. p. 360. quanto ao estado das pessoas, deverão ser observadas as restrições estabelecidas na lei civil. Igualmente, a Súmula 74 do Superior Tribunal de Justiça determina que a comprovação da menoridade dos réus deve ser procedida pela apresentação do documento hábil. Por analogia, cabível a extensão da regra às vítimas, portanto. Desse modo, pela ausência de documento comprobatório de que a vítima seja menor de 18 anos, não se pode acatar a aplicação da pena na forma qualificada. Eventualmente condenado, então, requer a tipificação na forma do caput do artigo 213 do Código Penal. 2.4. DA APLICAÇÃO DA MÍNIMA PENA-BASE É determinado pela lei penal que as circunstâncias judiciais serão balizadoras da pena-base, partindo-se do mínimo cominado. Na hipótese de condenação, o que se faz apenas pela aplicação do princípio da eventualidade, e tendo em vista que o réu não possui qualquer histórico que o desabone dentre as circunstâncias elencadas no artigo 59 do Código Penal, mister é a aplicação da pena-base no quantum mínimo previsto no caput do artigo 213 daquele diploma legal. Requer-se, portanto, na primeira fase da dosimetria da pena, seja aplicada a pena mínima cominada no artigo 213, caput, do Código Penal. 2.5. DA NÃO INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE A denúncia requer, ainda, a aplicação da agravante de pena prevista no artigo 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, com base na alegação de que se trata de vítima mulher. Nada obstante, o gênero da vítima por si só não é condição suficiente. É essencial mencionar que a aplicação da agravante pretendida requer a caracterização de relação doméstica, regida pela Lei nº 11.340/06. Desse modo, não havendo parentesco, coabitação ou qualquer outra relação anterior entre o réu e a vítima, requer-se o afastamento da agravante do artigo 61, inciso II, alínea f, do Código Penal. 2.6. DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA Releva destaque a confissão espontânea praticada pelo réu em seu interrogatório, o que enseja a incidência da circunstância atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal. Requer-se a incidência da atenuante do artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal na segunda fase de dosimetria da pena. 2.7. DA REDUÇÃO DA PENA PELA TENTATIVA Eventualmente cogitada a condenação, a modalidade tentada enseja a redução da pena na terceira fase da dosimetria. Considerando-se, ainda, que os atos praticados em muito se distanciam de qualquer possibilidade de lesão ao bem jurídico tutelado, cabível a redução ao patamar mínimo. Requer-se, portanto, seja a pena reduzida em dois terços, conforme parágrafo único do artigo 14 do Código Penal. 2.8. FIXAÇÃO DO REGIME ABERTO Pela aplicação da pena mínima, reduzida de dois terços, a pena aplicada será inferior a quatro anos. Acrescente-se a isso a primariedade do réu. Se faz impositiva a fixação do regime inicial aberto de cumprimento de pena. Requer-se, portanto, seja o fixado regime inicial de cumprimento de pena aberto, na forma do artigo 33, parágrafo 2º, alínea c, do Código Penal. 3. DOS PEDIDOS Diante de todo o exposto, requer-se: a. Preliminarmente, o reconhecimento da nulidade dos atos de instrução pela ausência de intimação do réu, na forma do artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal; b. No mérito, seja o réu absolvido em razão da atipicidade da conduta, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal; c. Subsidiariamente: i. seja afastada a qualificadora do artigo 213, parágrafo 1º, do Código Penal, em decorrência da falta de prova da menoridade da vítima; ii. seja aplicada a pena base no mínimo legal, devido às circunstâncias judiciais favoráveis; iii. seja reconhecida a atenuante da pena pela confissão espontânea; iv. seja afastada a agravante do artigo 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, em razão da ausência de relação doméstica entre o réu e a vítima; v. seja a pena reduzida em dois terços, conforme artigo 14, parágrafo único, do Código Penal; vi. seja fixado o regime inicial aberto para o cumprimento da pena. Nestes termos, pede deferimento. São Paulo, 10 de setembro de 2018. XXX Advogada OAB nº...
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