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Atividade de Psiquiatria Aula de 23 de Abril de 2021 Eduarda Rebés Müller 1. Descreva os aspectos principais para o diagnóstico diferencial entre os transtornos da personalidade antissocial, narcisista, histriônico e borderline. Segundo a CID-10 e o DSM-IV, os transtornos da personalidade podem ser agrupados em três grandes subgrupos: A (esquisitos e/ou desconfiados), B (instáveis e/ou manipuladores) e C (ansiosos e/ou controlados-controladores). O grupo B aborda os transtornos da personalidade antissocial, narcisista, histriônico e borderline, que serão aqui discutidos. Primeiramente, os indivíduos com transtorno da personalidade antissocial são incapazes de interagir afetiva e amorosamente, apresentam falta de consideração e compaixão pelos demais, mentem, enganam, trapaceiam e prejudicam os outros. Apresentam um padrão difuso de desconsideração e violação dos direitos das outras pessoas. É indicado por três ou mais dos seguintes itens: 1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais referentes a comportamentos legais, conforme indicado pela repetição de atos que constituem motivos de detenção. 2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal. 3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro. 4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas corporais ou agressões físicas. 5. Descaso pela segurança de si ou de outros. 6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras. 7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas. Frequentemente, esses indivíduos podem realizar atos que são motivos de detenção, além de enganar e manipular a fim de obter ganho ou prazer pessoal. Desrespeitam os desejos, direitos ou sentimentos dos outros. Suas decisões são tomadas no calor do momento, sem análise e sem consideração em relação às consequências a si ou aos outros. Conforme o critério 6, podem negligenciar ou falhar em cuidar de uma criança, como desnutrição de um filho, doença de um filho resultante de falta de higiene mínima, ou, ainda, desperdício recorrente do dinheiro necessário para a manutenção doméstica. Podem também fracassar em prover o próprio sustento, empobrecer ou até ficar sem teto ou, ainda, passar muitos anos em institutos penais. Conforme o critério 7, também podem minimizar as consequências danosas de seus atos ou demonstrar total indiferença. Ademais, indivíduos com transtorno da personalidade antissocial frequentemente carecem de empatia e tendem a ser insensíveis, cínicos e desdenhosos em relação aos sentimentos, direitos e sofrimentos dos outros. Podem ter autoconceito inflado e arrogante e podem ser excessivamente opiniáticos, autoconfiantes ou convencidos. Podem exibir um charme desinibido e superficial e podem ser muito volúveis e verbalmente fluentes. Esses indivíduos podem, também, ser irresponsáveis e exploradores nos seus relacionamentos sexuais, podendo ter história de vários parceiros sexuais. O transtorno da personalidade antissocial é observado em 3% dos homens e em 1% das mulheres da população geral. Esses indivíduos também podem apresentar disforia, transtornos de ansiedade, transtornos depressivos, transtornos por uso de substância, transtorno de sintomas somáticos, transtorno do jogo e outros transtornos do controle de impulsos associados. Frequentemente apresentam aspectos de personalidade que atendem a critérios de outros transtornos da personalidade, principalmente do grupo B. Para que o diagnóstico seja firmado, o indivíduo deve ter no mínimo 18 anos de idade e deve ter apresentado alguns sintomas de transtorno da conduta antes dos 15 anos. Indivíduos com transtorno da conduta de início na infância (antes dos 10 anos) e com déficit de atenção/hiperatividade associado são mais predispostos ao desenvolvimento do transtorno de personalidade antissocial. Os indivíduos com transtorno da personalidade narcisista apresentam um padrão difuso de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de admiração, falta de empatia e inveja crônica intensa. É indicado por cinco ou mais das seguintes características: 1. Tem uma sensação grandiosa da própria importância. 2. É preocupado com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal. 3. Acredita ser “especial” e único e que pode ser somente compreendido por, ou associado a, outras pessoas (ou instituições) especiais ou com condição elevada. 4. Demanda admiração excessiva. 5. Apresenta um sentimento de possuir direitos. 6. É explorador em relações interpessoais. 7. Carece de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e as necessidades dos outros. 8. É frequentemente invejoso em relação aos outros ou acredita que os outros o invejam. 9. Demonstra comportamentos ou atitudes arrogantes e insolentes. Essas pessoas superestimam suas capacidades e exageram suas conquistas, de forma a parecerem pretensiosos e arrogantes. Partem do pressuposto de que os outros atribuem o mesmo valor aos seus esforços e podem surpreender-se quando o elogio que esperam e o sentimento que sentem merecer não ocorrem. De forma implícita, subestimam e desvalorizam as contribuições alheias. Podem comparar-se favoravelmente a pessoas famosas ou privilegiadas. Conforme exposto no critério 3, creem ser superiores, especiais ou únicas e esperam que os outros as reconheçam como tal. Podem esperar que sua chegada seja saudada com grandes comemorações e ficam atônitos quando os outros não cobiçam seus pertences. Podem constantemente buscar elogios, em geral com muita sedução. Esperam ser servidos e ficam atônitos ou furiosos quando isso não acontece. Além disso, indivíduos com transtorno da personalidade narcisista também possuem sensação de possuir direitos que, quando combinada à falta de sensibilidade aos desejos e necessidades dos outros, pode resultar na exploração consciente ou involuntária de outras pessoas. Eles esperam receber qualquer coisa que desejarem, independentemente do que isso possa significar para os outros. Tendem a formar relações de amizade ou romance somente se a outra pessoa parece possibilitar o avanço de seus propósitos ou incrementar sua autoestima. Costumam usurpar privilégios especiais e recursos extraordinários que creem merecer por serem tão especiais. Frequentemente são desdenhosos e impacientes com outros que falam sobre seus próprios problemas e preocupações. Podem ver com má vontade o sucesso ou os pertences das outras pessoas, sentindo que eles é que são os reais merecedores de tais conquistas, admiração ou privilégios. Podem desvalorizar grosseiramente as contribuições dos outros. Este transtorno surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos. Ocorre em até 16% em população clínica e em menos de 1% na população geral. Esses indivíduos são mais predispostos ao desenvolvimento de depressão maior e abuso ou dependência de substâncias e são, na sua maioria, homens. Também estão mais associados a anorexia nervosa e a outros transtornos da personalidade, principalmente do grupo B. Cabe salientar que traços narcisistas podem ser comuns em adolescentes e não necessariamente indicam transtorno da personalidade narcisista. Indivíduos com transtorno da personalidade histriônico apresentam um padrão difuso de emocionalidade e busca de atenção em excesso. É indicado por cinco ou mais dos seguintes itens: 1. Desconforto em situações em que não é o centro das atenções. 2. A interação com os outros é frequentemente caracterizada por comportamento sexualmente sedutor inadequado ou provocativo. 3. Exibe mudanças rápidas e expressão superficialdas emoções. 4. Usa reiteradamente a aparência física para atrair a atenção para si. 5. Tem um estilo de discurso que é excessivamente impressionista e carente de detalhes. 6. Mostra autodramatização, teatralidade e expressão exagerada das emoções. 7. É sugestionável (i.e., facilmente influenciado pelos outros ou pelas circunstâncias). 8. Considera as relações pessoais mais íntimas do que na realidade são. Normalmente cheios de vida e dramáticos, tendem a atrair atenção para si mesmos e podem inicialmente fazer novas amizades por seu entusiasmo, abertura aparente ou sedução. Essas qualidades se extinguem, todavia, à medida que esses indivíduos demandam continuadamente ser o centro das atenções. Caso não sejam o centro das atenções, podem fazer algo dramático para atrair o foco da atenção para si. Apresentam comportamento sexualmente sedutor não somente às pessoas por quem têm interesse romântico ou sexual, mas também em uma grande variedade de relacionamentos sociais, ocupacionais e profissionais. Conforme exposto no critério 4, são excessivamente preocupados em impressionar os outros por meio de sua aparência e dedicam muito tempo, energia e dinheiro a roupas e embelezamento. Podem buscar elogios acerca da aparência e também ficar chateados de forma fácil e excessiva em virtude de algum comentário crítico sobre como estão ou por uma fotografia que porventura considerem não lisonjeira. Podem envergonhar amigos e conhecidos pela exibição pública excessiva de emoções. Suas emoções, no entanto, frequentemente parecem ser ligadas ou desligadas com muita rapidez para serem sentidas em profundidade, o que pode levar os outros a acusá-los de dissimular esses sentimentos. Conforme mencionado no critério 7, suas opiniões e sentimentos são facilmente influenciados pelos outros ou por modismos presentes. Costumam considerar as relações pessoais como mais íntimas do que realmente são. Ocorre em até 3% da população geral e em até 15% dos pacientes psiquiátricos. Surge no início da vida adulta, está presente em vários contextos e parece ser mais frequente em mulheres. Parecem apresentar maior risco de gestos e ameaças suicidas a fim de obter atenção e coagir os demais por melhores cuidados. Esses indivíduos apresentam maior predisposição transtorno de sintomas somáticos, transtorno conversivo (transtorno de sintomas neurológicos funcionais) e transtorno depressivo maior. Frequentemente, pode ocorrer concomitantemente com transtornos da personalidade borderline, narcisista e antissocial. Já os indivíduos com transtorno da personalidade borderline apresentam um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos afetos e de impulsividade acentuada. É indicado por cinco ou mais das seguintes características: 1. Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginado. 2. Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização. 3. Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo. 4. Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (p. ex., gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar). (Nota: Não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.) 5. Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante. 6. Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade de humor (p. ex., disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias). 7. Sentimentos crônicos de vazio. 8. Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (p. ex., mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes). 9. Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos. Esses indivíduos vivenciam medos intensos de abandono e experimentam raiva inadequada, podendo achar que esse “abandono” implica que eles são “maus”. Esses medos têm relação com intolerância a ficar só e necessidade de ter outras pessoas ao redor. Podem idealizar cuidadores ou companheiros potenciais em um primeiro ou segundo encontro, exigir ficar muito tempo juntos e partilhar os detalhes pessoais mais íntimos logo no início de um relacionamento. Entretanto, podem mudar rapidamente da idealização à desvalorização, sentindo que a outra pessoa não se importa o suficiente, não dá o suficiente e não está “presente” o suficiente. Esses indivíduos estão propensos a mudanças dramáticas e repentinas na sua forma de enxergar os outros, que podem ser vistos alternadamente como apoiadores benevolentes ou como punidores cruéis. Geralmente, isso reflete desilusão com um cuidador cujas qualidades de dedicação haviam sido idealizadas ou cuja rejeição ou abandono era esperado. Há mudanças súbitas e dramáticas na autoimagem e em opiniões e planos sobre carreira profissional, identidade sexual, valores e tipos de amigos. Embora costumem ter uma autoimagem baseada em serem maus, indivíduos com esse transtorno podem apresentar sentimentos de que eles mesmos não existem. Isso geralmente ocorre em situações nas quais o indivíduo sente falta de relações significativas, de cuidado e de apoio. Podem demonstrar um desempenho pior em situações não estruturadas de trabalho ou estudo. Podem apostar, gastar dinheiro de forma irresponsável, comer compulsivamente, abusar de substâncias, envolver-se em sexo desprotegido ou dirigir de forma imprudente. Suicídio ocorre em 8 a 10% de tais indivíduos, sendo atos de automutilação, ameaças e tentativas de suicídio são muito comuns. A ideação suicida é com frequência a razão pela qual essas pessoas buscam ajuda. Esses atos autodestrutivos são geralmente precipitados por ameaças de separação ou rejeição ou por expectativas de que o indivíduo assuma maiores responsabilidades. O transtorno da personalidade borderline surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos. Ocorre em 2% da população geral, em 10% dos pacientes ambulatoriais, em 20% dos pacientes internados e em até 60% dos pacientes com transtorno da personalidade. Esses indivíduos são, em sua maioria, mulheres, e apresentam maior predisposição a depressão maior, transtorno por uso de substâncias psicotivas, transtornos alimentares, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Abuso físico e sexual, negligência, conflito hostil e perda parental prematura são comuns em histórias de infância daqueles com o transtorno da personalidade borderline. Referências bibliográficas Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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