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Dispepsia Funcional: Diagnóstico e Tratamento

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370 • ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA • MANUAL PRÁTICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO • 
120	Dispepsia	Funcional
Antonio Frederico Novaes Magalhães
A palavra dispepsia, originada do grego (dyspepsia – má diges-tão), foi empregada no passado para designar diferentes ti-
pos de sintomas. Nos últimos anos, em decorrência de reuniões 
de consenso entre especialistas de todo o mundo, o significado do 
termo dispepsia passou a ser universalmente aceito como dor ou 
desconforto na região do epigástrio. 
A dispepsia é classificada em orgânica (úlcera péptica, neo-
plasia, doença de refluxo gastroesofágico, doenças bílio-pancreáti-
cas, parasitoses intestinais, doenças metabólicas ou provocada por 
medicamentos) e funcional, quando a causa dos sintomas não po-
de ser identificada. Este tipo de dispepsia é também denominada 
de idiopática, essencial ou não ulcerosa, mas atualmente o termo 
dispepsia funcional é o mais utilizado. 
Dispepsia funcional é um dos tipos de distúrbios funcionais 
gastrintestinais que passaram a ser exaustivamente estudados por 
um grupo de especialistas, logo após o Congresso Internacional 
de Gastroenterologia, realizado em Roma, em 1988. As reuniões 
de consenso deste grupo resultaram na classificação dos distúrbios 
funcionais gastrintestinais, que foi publicada em livro, em 1994, fi-
cando conhecida com o nome de Critérios de Roma I. Em 1999 foi 
publicado em suplemento do periódico Gut os Critérios de Roma 
II, que foram adotados universalmente.
O grupo, agora em número de 87 pesquisadores represen-
tando 18 paises, redigiu os Critérios de Roma III, publicados no 
Gastroenterology em abril de 2006. A nova classificação, que des-
creve 28 tipos de distúrbios funcionais no adulto e 16 na pediatria, 
deve ser conhecida e adotada pelos médicos de todo o mundo. 
A dispepsia funcional está classificada no grupo dos distúr-
bios funcionais gastro duodenais, que inclui também outros três 
distúrbios funcionais: eructação funcional, náusea e vômitos fun-
cionais, e síndrome da ruminação.
Definição e classificação
De acordo com os Critérios de Roma III, Dispepsia Funcional 
(DF) é definida pela presença de sintomas que se acredita serem 
originados na região gastroduodenal, considerando-se a ausência 
de doenças orgânicas, sistêmicas ou metabólicas que possam ex-
plicá-los. Os sintomas que caracterizam DF são: dor epigástrica, 
queimação epigástrica, empachamento (plenitude) pós-prandial e 
saciedade precoce. Pirose ou azia, isto é, a sensação de queimação 
no epigástrico, que se irradia para a região retroesternal, não faz 
parte da definição de DF.
Nos trabalhos de investigação científica, os autores dos Critérios 
de Roma III aconselham subdividir a DF em dois grupos:
1. Sintomas dispépticos desencadeados pelas refeições.
 (Síndrome do desconforto pós-prandial).
2. Dor ou queimação epigástrica.
 (Síndrome da dor epigástrica).
De acordo com os Critérios Roma III, para o diagnós-
tico de DF os sintomas devem estar presentes nos últimos três 
meses, com início há pelo menos seis meses. 
 As características dos subtipos de DF é assim descrita:
Tratamento
Deve ser direcionado à anormalidade de base e pode va-
riar: uso de medicação anti-secretora gástrica para tratamento da 
DRGE, uso de nitratos ou bloqueadores dos canais de cálcio para 
pacientes com alterações motoras, ou ainda uso de antidepressivos 
nos casos em que predomina hipersensibilidade visceral. Miotomia 
ou injeção de toxina botulínica têm sido propostas para os casos 
refratários. Dados de literatura internacionais demonstram ser o 
tratamento empírico muito mais efetivo do ponto de vista finan-
ceiro (US$ 849) que o tratamento guiado por investigação com-
plementar (US$ 2187).
Dor abdominal crônica funcional
Dor abdominal, com no mínimo seis meses de duração, sem 
relação com eventos fisiológicos (alimentação, menstruação, de-
fecação) ou associação com doença orgânica, porém com algum 
grau de comprometimento da qualidade de vida do indivíduo co-
mo vida social, capacidade de trabalho, atividade sexual (Critérios 
de Roma II). 
Quadro clínico
A dor abdominal crônica é pouco freqüente, mais comum no 
sexo feminino, e em geral, de forte intensidade; sua localização e ti-
po podem variar ao longo do quadro. Eventualmente, pode-se iden-
tificar fator desencadeante relacionado a problemas pessoais, crises 
no trabalho, morte ou doença grave de entes queridos. Ansiedade, 
depressão e somatização também podem ser encontradas. 
Exames complementares
O diagnóstico deve ser baseado nos Critérios de Roma II 
supracitados. Exames laboratoriais, endoscópicos e radiológicos 
podem ser úteis para exclusão de doença orgânica associada. A 
manometria ambulatorial de intestino delgado também pode ser 
realizada nos casos refratários e quando disponível, para exclusão 
de neuropatias intestinais. 
Tratamento
O objetivo do tratamento deve ser a redução da dor e a me-
lhoria da qualidade de vida do paciente com a progressiva retoma-
da de suas funções. Deve-se deixar claro para o paciente que cura 
da enfermidade não é um dos objetivos terapêuticos. Para tan-
to, deve-se tranqüilizar os pacientes com quadros leves, reduzir 
ao mínimo analgésicos, principalmente narcóticos, substituindo-
os nos casos mais graves, por antidepressivos tricíclicos em do-
ses baixas. Tratamento comportamental e psiquiátrico associa-
do é útil, principalmente em pacientes suicidas, depressivos ou 
com distúrbios de personalidade. Terapia comportamental pode 
ser inclusive uma alternativa para os pacientes que não respon-
dem ou não toleram antidepressivos tricíclicos. Analgésicos do 
tipo narcóticos e sedativos a base de benzodiazepínicos não de-
vem ser utilizados nestes casos, haja vista o alto risco de depen-
dência física e psicológica. 
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qüente nas mulheres e nos dispépticos com queixas de empacha-
mento, náusea e vômitos. 
Vem sendo cada vez mais reconhecida a importância da hi-
persensibilidade visceral na fisiopatologia da DF. Estudos com dis-
tensão de balões, introduzidos no tubo digestivo, demonstram que 
os pacientes com distúrbios funcionais apresentam limiar de dor 
menor do que os controles normais. A hipersensibilidade decor-
re de alterações no eixo cérebro-intestinal, envolvendo o sistema 
nervoso aferente, que faz a conexão entre o tubo digestivo e o cé-
rebro, entre o tubo digestivo e o processamento central dos im-
pulsos periféricos ou a combinação de ambos. 
Muitos trabalhos sugerem que um subgrupo de pacientes 
com DF apresenta sintomas relacionados à acidez gástrica. Como 
os pacientes com DF apresentam secreção ácida normal, os sinto-
mas podem ser explicados por uma hipersensibilidade ao ácido — 
gástrica ou duodenal. 
Com base nos trabalhos publicados, os autores dos Critérios 
de Roma III afirmam que a dieta, o fumo e o álcool não são con-
siderados fatores de risco para DF. 
A associação causal entre a gastrite pelo H. pylori e a DF é 
tema ainda controverso. Estudos epidemiológicos bem controla-
dos demonstram que a prevalência desta infecção entre os pacien-
tes com DF é similar à encontrada na população assintomática. Os 
trabalhos mostram, entretanto, que pequeno subgrupo de pacien-
tes com DF apresenta melhora ou cura dos sintomas após erradi-
cação da bactéria. 
Diagnóstico
A investigação diagnóstica se inicia, como em todas as en-
fermidades, pela anamnese detalhada e exame físico minucioso. 
Embora não seja possível fazer o diagnóstico diferencial entre DF 
e dispepsia orgânica com base apenas na historia clínica, é impor-
tante identificar os chamados sintomas e sinais de alarme (perda 
de peso, vômitos recorrentes, disfagia progressiva, perda de san-
gue) que alertam para risco de doença orgânica e obrigam a rea-
lização de exames complementares. Durante a anamese deve ser 
interrogado, com insistência, a ingestão de medicamentos, em es-
pecial aspirina e outros antiinflamatórios não esteroídicos, que pos-
sam ser a causados sintomas. 
De acordo com os Critérios de Roma III, para o diagnóstico 
definitivo de DF, além da história clínica característica e do exame 
físico normal, é necessária a realização de pelo menos endoscopia 
digestiva alta, durante o período sintomático, na ausência de medi-
cação inibidora da acidez. É também recomendada a realização de 
biópsias gástricas, durante a endoscopia, investigando-se a presença 
de H. pylori, que deve ser erradicada quando encontrada. 
Em nosso meio, o exame parasitológico de fezes deve ser 
também solicitado, uma vez que as parasitoses, especialmente giar-
díase e estrongiloidiase, podem ter relação com o quadro dispépti-
co, devendo ser erradicadas antes do diagnóstico de DF. Muitos 
especialistas no Brasil recomendam tratamento empírico das pa-
rasitoses, visto que o exame de fezes pode revelar resultados fal-
so-negativos. 
O exame ultra-sonográfico do abdome é realizado com fre-
qüência na avaliação dos pacientes com DF, especialmente quan-
do o exame endoscópico é normal. Porém, não é recomendado na 
rotina, já que os sintomas de calculose na via biliar são caracterís-
ticos e não fazem parte da definição de DF. 
Na prática clínica é recomendável estabelecer o diagnóstico 
com base apenas na anamnese e exame físico, especialmente nos 
pacientes jovens e naqueles sem sinais de alarme. No Brasil é tam-
Síndrome do desconforto pós-prandial
É necessária a presença de um ou ambos dos seguintes sin-
tomas, que devem ocorrer várias vezes na semana:
1. Empachamento (plenitude) pós-prandial após uma “re-
feição normal”.
2. Saciedade precoce que impede o término de uma “refei-
ção normal”.
Síndrome da dor epigástrica
Caracterizada pelos seguintes sintomas:
1. Dor ou queimação no epigástrio, de intensidade pelo me-
nos moderada, que ocorre pelo menos uma vez por se-
mana.
2. A dor é intermitente.
3. A dor não é generalizada, nem localizada em outra re-
gião do abdômen ou tórax.
4. A dor não é aliviada pela eliminação de fezes ou flatos.
5. Ausência de critérios para diagnóstico de distúrbios da 
vesícula biliar ou do Esfíncter de Oddi.
Epidemiologia
Sintomas dispépticos crônicos, recorrentes, são relatados por 
20% a 30% da população adulta (prevalência), com incidência (ca-
sos novos) de 1% ao ano.
Estes dados, baseados em investigações epidemiológicas, não 
distinguem os pacientes com DF da dispepsia orgânica. Vários es-
tudos demonstram, entretanto, que a maioria dos indivíduos com 
queixas dispépticas, quando investigados, preenchem os critérios 
para diagnóstico de DF.
Etiopatogenia
Alguns trabalhos sugerem que fatores genéticos podem pre-
dispor o desenvolvimento de DF, mas a agregação de distúrbios 
funcionais gastrintestinais, presentes em membros de uma mesma 
família, parece ser influenciada pelo comportamento dos pais. Para 
citar apensas um dos argumentos, foi verificado que filhos de pa-
cientes com distúrbios funcionais procuram atenção médica com 
maior freqüência do que os controles.
Embora a presença de distúrbios psicossociais não seja ne-
cessária para estabelecer o diagnóstico de DF, diversos trabalhos 
demonstraram que estes pacientes costumam ser mais neuróticos, 
hipocondríacos, ansiosos e deprimidos, quando comparados a con-
troles assintomáticos. Na avaliação de pacientes acompanhados na 
UNICAMP, foi observada a presença de ansiedade, muitas vezes 
associada à depressão, em 70% dos casos. Estes fatores psicossociais 
têm influência importante na decisão do paciente de procurar aten-
dimento médico. Está bem demonstrado que o estresse psicológi-
co exacerba sintomas dispépticos e provoca sintomas, mesmo em 
indivíduos saudáveis. Emoções intensas ou estresse ambiental pro-
vocam aumento da motilidade gastrointestinal em indivíduos nor-
mais, mas esta influência é ainda maior nos pacientes com DF. 
Alterações da motilidade gastrointestinal são demonstradas 
em aproximadamente 50% dos pacientes com DF: esvaziamento 
gástrico lento, hipomotilidade antral, relaxamento inadequado do 
fundo gástrico, maior retenção alimentar no antro gástrico e dis-
motilidade intestinal. O esvaziamento gástrico lento é mais fre-
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bém conveniente a realização de exame de fezes ou tratamento 
empírico da parasitose. 
Os países ocidentais mais desenvolvidos adotam a estraté-
gia de “testar e tratar” a infecção pelo H. pylori, como aborda-
gem inicial nos pacientes com dispepsia, dispensando a endosco-
pia imediata. Nesses casos, a presença da bactéria é investigada por 
métodos não invasivos (teste respiratório ou pesquisa de antígenos 
nas fezes) e, quando encontrada, a bactéria é erradicada. Além de 
curar úlcera péptica que, eventualmente, possa ser a causa dos sin-
tomas em pacientes com dispepsia ainda não investigada, esta con-
duta pode ainda prevenir o futuro aparecimento de doenças gas-
troduodenais relacionadas com a infecção por H.pylori. Caso os 
sintomas não melhorem, os pacientes são tratados empiricamente 
com inibidores de bomba protônica (IBP) e, apenas se houver per-
sistência dos sintomas, é então indicada a realização de endoscopia. 
Esta estratégia é indicada apenas para as regiões com prevalência de 
H.pylori maior ou igual a 10%. Nos locais com baixa prevalência da 
infecção, a estratégia mais custo-efetiva seria o tratamento empíri-
co com IBP. No Brasil esta conduta não é utilizada, com exceção 
de poucos centros universitários ou de medicina privada, já que os 
testes diagnósticos não invasivos para detecção de H.pylori não 
estão disponíveis na rede de atendimento primário.
O exame endoscópico deve ser realizado em todos os pacien-
tes que apresentam os sinais de alarme e nos pacientes acima de 
40/50 anos, especialmente naqueles com início recente dos sinto-
mas. O limite de idade para recomendar endoscopia varia de acordo 
com a epidemiologia do câncer gástrico em cada região. 
Tratamento
Não existe nenhum medicamento especifico indicado para 
todos os pacientes com DF. Além disto, a avaliação da terapêuti-
ca farmacológica é dificultada pela alta resposta ao placebo (20% 
a 60%). Os medicamentos são indicados para aliviar os sintomas 
predominantes, que muitas vezes se modificam durante a evolu-
ção do quadro clínico. 
A eficácia do tratamento, ou seja, a melhora dos sintomas 
e da qualidade de vida, depende principalmente da boa relação 
médico−paciente. O ato médico, que inclui, desde a postura con-
fiável e amigável do profissional, inspirando empatia e demonstran-
do interesse genuíno para compreender as queixas do paciente, é 
fundamental para o sucesso terapêutico. Além dos antecedentes 
pessoais, o médico deve ouvir com atenção a descrição dos sinto-
mas, indagar sobre os motivos que levaram o paciente a procurar 
atendimento, os fatores que melhoram ou agravaram os sintomas, 
os ambientes de trabalho, social e familiar e outros eventuais co-
mentários que sejam relevantes para o paciente. O ritual do exame 
físico cuidadoso, focado com maior atenção na região abdominal, 
onde se localiza a preocupação fundamental do paciente, além de 
ser importante para o diagnóstico diferencial, reforça a boa rela-
ção médico–paciente. Muitas vezes apenas a explicação, legitiman-
do que os sintomas são reais, porém provocados por alteração no 
funcionamento do tubo digestivo, e não por doença grave que co-
loque em risco a sua vida ou que possa evoluir para doença grave, 
já é suficiente para a melhora dos sintomas. 
É importante alertar que os distúrbios funcionais apresentam 
períodos de remissão e de exacerbação, sendo que o paciente deve 
participar ativamente do processo terapêutico, procurando identi-
ficar os possíveis fatores de melhora ou de piora dos sintomas. 
A necessidade de aderir a uma dieta saudável, evitando ex-
cesso de alimentos gordurosos, doces, café, álcool, fumo, é de co-
nhecimento geral, mas deve ser enfatizada pelo médico que tam-
bém pode ajudar na identificaçãodos alimentos e das situações que 
agravam ou que desencadeiam os sintomas. 
A prescrição de medicamentos deve ser caso-a-caso. 
Os inibidores da acidez continuam sendo os de primeira li-
nha. Os antiácidos (hidróxido de alumínio, trissilicato de magné-
sio) são freqüentemente utilizados como automedicação, mas sua 
eficácia não foi avaliada por estudos cientificamente controlados e 
bem conduzidos. 
Os antagonistas dos receptores H2 (cimetidina, ranitidi-
na, famotidina, nizatidina) são mais eficientes do que o placebo, 
com um número necessário para tratar (NNT) de 8, isto é, para 
cada 8 pacientes tratados, apenas um relata melhora dos sintomas. 
Entretanto, estes dados foram obtidos de estudos com casuísti-
ca pequena e heterogênea, muitos deles incluindo pacientes com 
doença do refluxo gastro-esofágico, o que pode interferir na pre-
cisão dos resultados. 
Os inibidores da bomba protônica (IBP) são superiores ao 
placebo, com NNT de 7, de acordo com estudo meta-analítico re-
cente. Os autores dos Critérios de Roma III acreditam que boa par-
te dos benefícios relatados nos trabalhos podem ser explicados por 
doença do refluxo gastro-esofágico não diagnosticada. Acrescente-
se a isso, o fato de que o subgrupo de pacientes com síndrome do 
desconforto pós prandial (tipo dismotilidade dos Critérios de Roma 
II) não teve melhora dos sintomas com IBP em relação ao place-
bo. As doses habitualmente utilizadas dos IBPs devem ser admi-
nistrados antes da primeira refeição e compreendem: 20 a 40 mg 
de omeprazol, 30 mg de lanzoprazol, 20 mg de rabeprazol, 40 mg 
de pantoprazol e 40 mg de esomeprazol. Muitas vezes, metade da 
dose padrão já é suficiente.
Os medicamentos pró-cinéticos (metoclopramida, bromo-
prida, domperidona) são rotineiramente recomendados, especial-
mente para os pacientes com síndrome do desconforto pós-pran-
dial. Meta-análise dos estudos controlados e randomizados não 
são conclusivos, devido a falhas metodológicas. Os pró-cinéticos 
são administrados antes das refeições e podem ser associados aos 
inibidores de acidez. 
Os antidepressivos têm sido utilizados por seu efeito analgé-
sico-visceral. Os tricíclicos (amitriptilina, por exemplo), em doses 
menores do que as utilizadas no tratamento psiquiátrico, parecem 
ter algum efeito benéfico, especialmente na DF com predomínio 
de dor epigástrica. Faltam, entretanto, estudos controlados que 
avaliem sua real eficácia. 
Nos pacientes com quadros de ansiedade ou de depressão 
mais intensos, o clínico tem autoridade para prescrever ansiolití-
cos e antidepressivos como, por exemplo, os: inibidores seletivos 
de recaptação da serotonina. 
Muitas vezes é oportuno ressaltar para o paciente a necessi-
dade de se associar à medicação um adequado atendimento psico-
terápico. O paciente não pode sentir-se abandonado pelo clínico: o 
psicólogo ou psiquiatra vai apenas ajudar no tratamento, que con-
tinuará sob a responsabilidade do clínico. A escola de Manchester, 
na Inglaterra, tem relatado resultados animadores com hipnose no 
tratamento da DF. O clínico pode incentivar a procura de ativida-
des ou técnicas que envolvam relaxamento físico e mental, desde 
a ginástica, dança, ioga, caminhadas, respeitando sempre as prefe-
rências dos pacientes. 
Quando detectado o H. pylori, sua erradicação deve ser dis-
cutida caso a caso, com o paciente participando da decisão, após ser 
informado sobre os riscos e benefícios da erradicação. Meta-aná-
lise recente mostra redução de 8% do risco relativo em relação ao 
placebo, com NNT de 17. Nos pacientes sem co-morbidades im-
portantes é aconselhável a erradicação, visando evitar que a infla-
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mação crônica da mucosa gástrica evolua para úlcera péptica (10 
– 20% dos casos) ou mesmo para neoplasia (menos de 1%). Além 
disso, em pequenos subgrupos de pacientes com DF, o tratamen-
to de erradicação durante apenas 7 a 10 dias pode curar a DF. O 
esquema de erradicação mais utilizado continua sendo IBP na do-
se padrão, mais claritromicina (500 mg) e amoxicilina (1 g) antes 
do café da manhã e antes do jantar, durante 7 dias. 
Novos medicamentos têm sido experimentados no tratamen-
to da DF, tais como o agonista parcial da 5-HT4 (tegaserode), ago-
nista do receptor 5-HT1 (sumatriptano), eritromicina e outros ago-
nistas da motilina (ABT-229), e os agonistas dos receptores opióides 
kappa (fedotozina). Faltam, entretanto, estudos convincentes para 
emprego destes medicamentos na prática clínica.
121	Síndrome	do	Intestino	Irritável
Sender Jankiel Miszputen
Orlando Ambrogini Jr
S índrome do cólon irritável ou síndrome do intestino ir-ritável (SII), são denominações que identificam altera-
ção funcional, predominantemente do intestino grosso, para cujo 
conjunto de sintomas e sinais não se reconhece qualquer alteração 
anatômica ou metabólica que a justifique. Sua prevalência é difícil 
precisar porque a grande maioria dos doentes não procura atendi-
mento médico, por apresentar queixas menores ou toleráveis, ou 
intervalos de acalmia prolongados. Ainda assim é considerada a dis-
função mais freqüentemente observada nos consultórios de espe-
cialistas e generalistas, em torno de 20% de toda a população, com 
algumas diferenças geográficas, sugerindo alguns até, que todas as 
pessoas, em algum momento de suas vidas, apresentam distúrbios 
digestivos compatíveis com esta hipótese. Incide em qualquer fai-
xa etária, especialmente em adultos jovens, dos 15 aos 40 anos de 
idade, com preferência por mulheres, especialmente as ocidentais. 
O Consenso Brasileiro sobre intestino irritável concluiu sua pre-
valência entre nós na faixa de 10%. 
Os indivíduos portadores da síndrome apresentam resposta 
exacerbada da musculatura lisa visceral, quando submetida a estí-
mulos habituais. Como essa estrutura faz parte de grande trecho 
do canal alimentar, desde o terço inferior do esôfago até o reto, da 
vesícula biliar, bexiga, órgãos genitais internos e vasos sangüíneos, 
os sintomas podem localizar-se em diferentes sistemas, criando 
desconfortos múltiplos. Entre os estímulos, são considerados: a 
alimentação, por meio do reflexo gastro-íleo-cólico, o estresse fí-
sico ou psíquico ou ainda a ação de alguns hormônios gastrenté-
ricos. Investigações atuais reconhecem que a síndrome tem, co-
mo base, alterações que ocorrem em algumas vísceras, envolvendo 
sua sensibilidade e motricidade. Mesmo os fenômenos de nature-
za fisiológica, como movimentos intestinais, ruídos hidroaéreos e 
presença dos gases, chegam a ser registrados pelo sistema nervoso 
central, via sistema nervoso entérico e autônomo, simpático e pa-
rassimpático, gerando respostas efetoras hiperrreativas, nesses doen-
tes. É como se não dispusessem de um “filtro”, não conseguindo, 
assim, selecionar os acontecimentos que mereçam sua percepção 
cerebral, terminando por comprometer a modulação daquelas fun-
ções, pertinentes a determinadas estruturas abdominais, condições 
reconhecidamente controladas e desapercebidas pela maioria dos 
indivíduos. Aceita-se que essa disfunção esteja relacionada à ação 
e recepção de neurotransmissores, particularmente a serotonina. 
Como conseqüência, os doentes mostram mudanças da motilida-
de e sensibilidade de vários segmentos digestivos, eventualmente 
de componentes do sistema gênito-urinário e fenômenos vasomo-
tores, como episódios de polaciúria, dispaurenia, palidez, sudore-
se, enxaquecas, taquicardia e hipertensão arterial. 
Seu diagnóstico apóia-se nos dados clínicos, ou seja, história e 
exame físico. Como entidade relacionada a um distúrbio funcional, 
por maior que seja seu tempo de evolução, suas características de 
apresentação clínica não sofrem variações, o que poderá acontecer, 
apenas quanto à intensidade dos sintomas, menos ou mais incomo-
dativos. Outro aspecto que condiz com a natureza benigna desta 
afecção é a sua não interferência com o estado geral dos doentes, 
mesmo aqueles com queixas múltiplas ou persistentes.Visto tra-
tar-se de diagnóstico exclusivamente clínico, alguns critérios foram 
estabelecidos para sua caracterização e devem ser conhecidos, pois, 
apesar dos doentes, em geral, serem altamente detalhistas na expo-
sição de suas queixas, os dados obtidos em anamnese cuidadosa e 
extensa tornam-se fundamentais para a hipótese do distúrbio fun-
cional e permitem sua diferenciação com doenças de origem orgâ-
nica. São conhecidos como Critérios de Roma III e estão comen-
tados juntamente com a apresentação do quadro clínico. 
Quadro clínico
Segundo os Critérios de Roma o diagnóstico clínico se apóia 
nas seguintes queixas: aparecimento de dor ou desconforto abdo-
minais, aliviados pela evacuação ou eliminação de flatos, associados 
a alterações das evacuações, como freqüência e/ou das caracterís-
ticas do bolo fecal, desde que presentes por mais de 3 dias/mês, 
os últimos 6 meses. Exige-se que pelo menos duas dessas altera-
ções façam parte do quadro. A dor, em aperto ou cólica, locali-
zada no quadrante inferior esquerdo do abdome ou difusa, tende 
a se aliviar sempre com a evacuação, ainda que temporariamente, 
por menor que seja o volume eliminado e estaria relacionada com 
a hipersensibilidade visceral destes doentes, já comprovada em ex-
perimentos de distensão retal ou colônica, acompanhando as mu-
danças das evacuações. 
Quatro são as formas de alteração motora intestinal: diarréia 
predominante, constipação predominante e alternada entre diarréia 
e constipação e um quarto tipo que não se encaixaria em nenhum 
desses modelos por falta de predominância, podendo, qualquer 
uma delas, se interpor com períodos de ritmo totalmente normal. 
No modelo diarréico os doentes se apresentam com várias evacua-
ções diárias, em geral matinais, após o desjejum, a primeira de con-
sistência normal e as seguintes amolecidas ou aquosas, precedidas 
ou não de cólicas no abdome inferior, que se aliviam de imedia-
to com a saída das fezes ou gases. Em verdade ocorre fragmenta-
ção da evacuação, pois, nos sucessivos e múltiplos estímulos, há 
a sensação de eliminação fecal incompleta nas primeiras dejeções, 
até que ocorra sua total exoneração. A característica matinal é en-
tendida em razão do maior reflexo gastro-íleo-cólico que ocorre, 
fisiologicamente, neste horário. Porém, pelo mesmo reflexo, é pos-
sível haver novos estímulos, a cada ingestão alimentar, provocan-
do outras evacuações, em geral de menor consistência e volume. A 
presença de muco nas fezes não é incomum nessa síndrome, mas 
enterorragia deve ser entendida como um dos sinais de alarme e 
levar a suspeita de doença orgânica. 
A sensação da vontade de evacuar obriga o doente a fazê-lo 
com certa urgência, pois a hipertonicidade retal torna mais difícil 
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