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LEGISLAÇÃO EMPRESARIAL APLICADA Tiago Ferreira Santos Empresário individual e sociedades empresárias Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar o que é empresa, empresário e sociedade empresária. � Distinguir empresa de empresário e empresário individual de socie- dade empresária. � Reconhecer esses institutos e sua correta regulamentação. Introdução Conhecer as possibilidades de formatação jurídica para quem quer empre- ender é de fundamental importância para calcular os riscos do negócio. Assim, torna-se fundamental aprender quais são as distinções entre as diversas roupagens jurídicas para o negócio. Neste capítulo, serão abordados a empresa, o empresário e a socie- dade empresária e suas distinções conceituais. Empresa, empresário e sociedade empresária Uma das concepções tradicionais acerca do conceito de empresa é trazida por Alberto Asquini (1996, p. 109), para quem “é […] um fenômeno econômico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação aos elementos que o integram [...]”, os quais são o subjetivo, o funcional, o objetivo e o corporativo. Pelo perfil subjetivo da empresa, ela se confunde com a figura do empre- sário, o que não é um uso adequado, segundo a doutrina. De qualquer modo, o “Código Civil e as leis especiais consideram, com frequência, a organização econômica da empresa pelo seu vértice, usando a palavra em sentido subjetivo como sinônimo de empresário” (ASQUINI, 1996, p. 114). Diferentemente, “[...] sob o ponto de vista funcional ou dinâmico, a empresa aparece como aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um escopo produtivo” (ASQUINI, 1996, p. 116). Essa é a noção preferida pela doutrina. Fábio Ulhoa Coelho (2017, p. 104) a adota, afinal, pois entende que essa “[...] expressão designará a atividade, e nunca a sociedade”. Assim, “[...] não há dúvida que o conceito da atividade empresarial tem uma notável relevância na teoria jurídica da empresa” (ASQUINI, 1996, p. 117), o qual é, também, chamado de aspecto dinâmico da empresa. A perspectiva objetiva da empresa, por sua vez, designa o que o Código Civil (CC) chama de estabelecimento, o qual consiste em “[...] todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária” (Art. 1.142º) (BRASIL, 2002, documento on-line). Este também é chamado de aspecto estático da empresa. O perfil corporativo da empresa implica em considerá-la “[...] aquela espe- cial organização de pessoas que é formada pelo empresário e pelos empregados, seus colaboradores” (ASQUINI, 1996, p. 122). Esse é, sem dúvidas, um perfil anacrônico, ou seja, não se adequada à contemporaneidade. Assim, dos quatro perfis da teoria poliédrica de Asquini, os mais relevantes para o Direito brasileiro são o subjetivo e o funcional, com destaque, espe- cialmente, para o último, já que empresa, no sentido subjetivo, é tecnicamente descrita pelo termo empresário. Não se duvida, entretanto, que esses estudos mais clássicos sobre a teoria da empresa são relevantes para entender o conceito de empresa, até mesmo para que se entenda, ao final, que prevalece a perspectiva funcional, consoante lição de Fábio Ulhoa Coelho. Empresário, por sua vez, “[...] é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços” (COELHO, 2017, p. 103). Ou, como dispõe expressamente o CC, no art. 966, considera-se “empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de servi- ços”, é, pois, a adoção da teoria da empresa de caráter subjetivo no Direito brasileiro. Em outros termos, conceitua-se a figura do empresário a partir do qual a doutrina e a jurisprudência depreendem o restante dos conceitos, a exemplo da empresa. O conceito de empresário, bem como o de empresa, não é unívoco na dou- trina, nem na legislação civil. Nesse sentido, inicialmente, a partir da leitura do art. 966 do CC, conclui-se que “[...] a palavra ‘empresário’ é gênero do qual o empresário individual, a sociedade empresária e a empresa individual de responsabilidade individual são espécies” (TEIXEIRA, 2018, p. 57). Empresário individual e sociedades empresárias2 Entretanto, tal concepção não é pacífica e sua oposição também encontra respaldo no próprio CC. Em outros trechos, ele menciona empresário e so- ciedade empresária como se por aquele não estivesse já incluído este, bem ao contrário. Merece destaque especialmente o art. 982, cuja redação segue: “Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais” (BRASIL, 2002, documento on-line). Nesse sentido, há adeptos à doutrina de que empresário é sempre o empre- sário individual, sendo até mesmo redundância tal terminologia. Em outros termos, empresário não engloba a sociedade empresária. Segue opinião de Gladston Mamede (2018, p. 77): [...] o empresário é a pessoa natural que exerce profissionalmente a atividade econômica organizada (artigo 966 do Código Civil). Obviamente, a expressão empresário individual contém uma redundância, já que na palavra empresário já está expressada a ideia de indivíduo, opondo-se ao conceito sociedade empresária, própria da coletividade (universitas personarum). Com o devido respeito às opiniões contrárias, uma vez que a atual legislação utiliza empresário, ora como gênero, ora como sinônimo de empresário individual, a constatação inevitável é que se trata de um con- ceito não unívoco. Assim, importa ressaltar que a “[...] atividade empresarial pode ser exercida, do ponto de vista de sua titularidade, basicamente sob duas formas distintas” (GOMES, 2017, p. 34), a saber: exercício individual da empresa e exercício coletivo da empresa. O exercício individual da empresa pode ser de titularidade da pessoa natural, o que acontecerá com responsabilidade ilimitada, na área de atuação do empresário individual. Na verdade, não raro, o CC, ao tratar de empresário, na verdade está se referindo apenas a essa categoria, como já visto. Essa é, portanto, uma relevante figura no Direito Empresarial. Segue lição: A expressão exercício individual da empresa sempre foi utilizada pela doutrina comercialista para identificar a situação em que uma pessoa na- tural inscreve-se no registro de empresas a fim de que possam legalmente desenvolver, em seu próprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade, uma atividade econômica de produção ou circulação de bens, ou ainda prestação de serviços, mediante organização empresarial, consoante disposto no art. 966 do Código Civil. (MAMEDE, 2018, p. 34, grifo nosso). 3Empresário individual e sociedades empresárias O empresário individual não é pessoa jurídica, tendo, portanto, inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (CNPJ/MF) unicamente para que sejam recolhidos tributos pelas mesmas alíquotas asseguradas às pessoas físicas como forma de incentivo à atividade empresarial. Entretanto, a responsabilidade ilimitada do empresário individual é um inconveniente. Para solucioná-lo, havia uma prática de constituição de socie- dades limitadas de fachada para fins de segregar o patrimônio, limitando a responsabilidade. São conhecidas as sociedades empresárias formadas com a mera inclusão de sócios com participação de 1 ou 0,5% do capital social, sem qualquer participação na atividade. Para solucionar essa situação, a “[...] empresa individual de responsabi- lidade limitada” (EIRELI), consoante a legislação no art. 44, inciso VI, do CC (BRASIL, 2002, documento on-line), foi legalmente prevista, sendo uma forma de exercício da atividade empresarial de forma individual. Entretanto, em vez de pessoa natural, tal qual o empresário individual, há aqui uma pessoa jurídica. É importantedestacar que microempresa, empresa de pequeno porte e microempreendedor individual não são pessoas do ponto de vista legal, mas, sim, regimes diferenciados. Assim, apenas há pessoas naturais, regidas pelo Título I do CC, e pessoas jurídicas. Sobre essas últimas, importa analisar os incisos do art. 44, do CC, os quais podem ensejar a constituição de uma pessoa jurídica diretamente relevante para o Direito Empresarial. São eles: “[...] II - as sociedades; [...] VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada”. (BRASIL, 2002, documento on-line). Sobre a natureza jurídica das empresas individuais de responsabilidade limitada, há também aqueles que entendem ser uma espécie de sociedade empresária, como leciona Gladston Mamede (2018, p. 96): [...] a empresa individual de responsabilidade limitada é uma sociedade unipes- soal (sociedade de um só sócio), particularidade que justificou seu tratamento em separado, por meio do inciso VI, deixando claro que a ele se submetem os princípios que são próprios das pessoas jurídicas: personalidade jurídica distinta da pessoa de seu sócio (o empresário), patrimônio distinto da pessoa do empresário e existência distinta da pessoa do empresário. Empresário individual e sociedades empresárias4 Em outro giro, o Enunciado nº 3 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal o trata como um novo ente distinto do empresário (individual) e da sociedade empresária, como segue: “A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária” (BRASIL, 2012). O que realmente importa é que a EIRELI, diversamente do empresário individual, constitui uma pessoa jurídica com patrimônio distinto da pessoa natural, bem como a limitação da responsabilidade, ou seja, seu regime jurí- dico é similar ao das sociedades limitadas. Entretanto, a forma de exercer a atividade, no que se refere à titularidade, é individual. Outra forma de exercício da titularidade da empresa é a coletiva, realizada por meio de sociedades: “No direito empresarial, sociedade significa um ente que tem natureza contratual, ou seja, sociedade é um contrato por meio do qual pessoas se agrupam em razão de um objeto comum” (TEIXEIRA, 2018, p. 117). Importa salientar que há uma distinção doutrinária acerca de sociedades contratuais, cuja figura central é a sociedade limitada e as sociedades insti- tucionais representadas, principalmente, pelas sociedades anônimas. Afinal, naquela há um contrato social e nesta um estatuto social. Entretanto, como bem salienta Tarcísio Teixeira (2018, p. 117): Ainda que alguns tentem estabelecer uma distinção entre sociedades contra- tuais (como a sociedade limitada) e institucionais (a exemplo, da sociedade anônima), no fundo mesmo estas ainda que constituídas por estatuto social — e não por contrato social — têm sua natureza no instituto do contrato. Sua lição é respaldada na legislação, especialmente, no art. 981 do CC: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados” (BRASIL, 2002, documento on-line). Sobre as sociedades, este capítulo enfoca as duas modalidades que represen- tam a quase totalidade da atividade empresarial regularmente exercida. Assim, nos investimentos elevados, encontra-se, geralmente, a sociedade anônima, ao passo que, nos empreendimentos menores, há a sociedade limitada. Para justificar essa limitação da análise sobre sociedades nesse momento, segue lição de Fábio Ulhoa Coelho (2017, p. 104), para quem a “[...] sociedade empresária assume, hoje em dia, duas das cinco formas admitidas pelo direito comercial em vigor: a de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada (Ltda.) ou a de uma sociedade anônima (S/A)”. 5Empresário individual e sociedades empresárias Já as sociedades empresárias são aquelas que são vinculadas ao exercício de empresário que exige registro: Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais (BRASIL, 2002) Complementando esta definição, os arts. 966 e 967 trazem a complemen- tação desta definição: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão inte- lectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade (BRASIL, 2002) Teixeira compreende que a sociedade empresária é uma espécie do gênero empresário ( TEIXEIRA, 2018, p. 57), pensamento que também é expresso na obra de Tomazette: O empresário é o sujeito de direito, ele possui personalidade. Pode ele tanto ser uma pessoa física, na condição de empresário individual, quanto uma pessoa jurídica, na condição de sociedade empresária, de modo que as sociedades empresárias não são empresas, como afirmado na linguagem corrente, mas empresários (TOMAZETTE, 2017, p.79) Distinção entre empresa e empresário, bem como entre empresário individual e sociedade empresária No presente tópico, serão destacadas as diferenças conceituais trazidas até o momento pelo estudo comparativo de algumas terminologias já analisa- das isoladamente. Assim, as distinções entre empresa e empresário, bem como entre empresário individual e sociedade empresária, serão apontadas. Espera-se que, dessa forma, os assuntos sejam revisados e aprofundados. Empresário individual e sociedades empresárias6 Por empresa, já foi visto que tradicionalmente havia quatro perfis. O perfil subjetivo da empresa é idêntico a uma das concepções de empresário, que é de titular de atividade empresarial (pessoa natural ou pessoa jurídica). Assim entendidos, nenhuma diferença é possível mencionar. Entretanto, mesmo a empresa no perfil subjetivo não se confunde com outra concepção de empresário, ou seja, a que o iguala ao empresário individual. Nessa situação, trata-se de gênero (empresa em perfil subjetivo) em relação à espécie (empresário individual). A doutrina contemporânea, entretanto, prefere o perfil funcional para definir empresa. Portanto, já que nesse aspecto ela consiste na atividade empresarial, empresário será, em princípio, aquele que a exerce, a menos que seja considerado o conceito de empresário trazido por Tarcísio Teixeira. Caso se entenda que empresário é sinônimo de empresário individual, então ele será, tão somente, um dos seus possíveis titulares, afinal, já foi estudado que os conceitos de empresa e empresário não são unívocos. Do ponto de vista objetivo, empresa é o estabelecimento, dessa forma, a única possibilidade de aproximação entre essa perspectiva e o empresário consistente em entender que ele utilizará o complexo de bens organizados ou, no mínimo, será um dos que o utilizará. Por fim, o perfil corporativo da empresa corresponde às relações entre empregadores e empregados. Nesse sentido, entendida a ressalva quanto às interpretações sobre a extensão de empresário, pode-se equivaler o empresário àquele que contrata os trabalhadores. O registro, nos termos do CC, refere-se ao empresário, não à atividade empresarial, empresa. Para deixar mais clara a ideia trazida neste capítulo, pode-se dizer que há dois conceitos diversos de empresário. Em uma perspectiva ampla, ele corresponde a todo aquele que titulariza uma atividade empresarial, ao passo que é, restritivamente, apenas relacionado com o empresário individual, não incluindo as sociedades empresárias: 7Empresário individuale sociedades empresárias Empresário em sentido restrito Empresário em sentido amplo = quem titulariza uma empresa Empresário individual � Empresário individual � Sociedade empresária � Empresa individual de responsabilidade limitada Feitas as distinções acerca de empresa e empresário explicadas anterior- mente, importa agora empreender as comparações entre empresário individual e sociedade empresária. Como foi destacado, o empresário individual não cria, com o seu registro, uma pessoa jurídica, ou seja, trata-se de uma pessoa natural que titulariza uma empresa. O que gera algumas vantagens, algumas com repercussões jurídicas relevantes, outras não. Por exemplo, enquanto a pessoa natural tem a finitude inerente à mortalidade, tal não acontece com as jurídicas, sendo essa ideia de superar a morte uma das motivações que podem conduzir à instauração destas. Nessa perspectiva, a sociedade empresária é bem diversa da pessoa natural, afinal, é uma pessoa jurídica formada por uma ou mais pessoas. Nesse caso, se é assim, então há repercussões jurídicas razoáveis. Por exemplo, inexiste desconsideração de personalidade jurídica de empresário individual, apenas de pessoas jurídicas, especialmente aquelas de respon- sabilidade limitada utilizadas em geral (sociedades limitadas e anônimas). Há outras modalidades societárias disponíveis no Direito, inclusive com responsabilidade mista, mas suas utilizações são muito pontuais, ou melhor, “[...] tais sociedades caíram em desuso, à semelhança das sociedades de responsabilidade ilimitada” (GOMES, 2017, p. 117). Além disso, enquanto o empresário individual consiste em uma pessoa natural, na sociedade empresária, há uma pessoa jurídica, na qual podem constar como sócios as pessoas naturais ou jurídicas, podendo ser inclusive unipessoal, diretriz do art. 1.052 do CC (Quadro 2). Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integra- lização do capital social. § 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas. § 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social (BRASIL, 2002). Empresário individual e sociedades empresárias8 Empresário individual Sociedade empresária Uma pessoa natural Uma pessoa ou mais Ademais, a “[...] sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos” (MAMEDE, 2018, p. 92), situação bem diversa das pessoas naturais, as quais têm a sua personalidade jurídica a partir do nascimento com vida. À doutrina de Gladston Mamede (2018, p. 92): [...] a empresa é apenas uma parte do patrimônio da pessoa natural; não há outra personalidade jurídica, nem outro patrimônio, ao contrário do que ocorre com a sociedade empresária, na qual a pessoa jurídica tem personalidade e patrimônio próprios, não se confundindo com a personalidade e o patrimônio de seus sócios. A consequência dessa doutrina é o princípio da intangibilidade do capital, o que, se desrespeitado, pode gerar motivo para a desconsideração da perso- nalidade jurídica nos termos da teoria maior prevista no CC: Princípio da intangibilidade: o capital registrado deve ser preservado na em- presa e usado exclusivamente na empresa. Não pode(m) o(s) responsável(is) pela empresa lançar mão desses valores para si ou para outras finalidades, o que caracteriza indevida confusão patrimonial (artigo 50 do Código Civil). (MAMEDE, 2018, p. 81). Essa distinção entre empresário individual e sociedade empresária tem reflexos também no regramento da incapacidade, podendo-se falar em duas hipóteses diversas, cada uma com suas consequências, sendo elas a incapaci- dade do empresário individual e a incapacidade do sócio. Estas acontecem nas hipóteses em que falta a capacidade civil da pessoa natural, entretanto, têm consequências diversas, afinal, não se confundem. Enquanto o empresário é aquele que titulariza a empresa, exercendo a atividade, o sócio é quem possui quotas ou ações em uma sociedade empresária. 9Empresário individual e sociedades empresárias Reconhecimento dos institutos e correlata regulamentação Um dos principais instrumentos jurídicos distintivos dos empresários in- dividuais e das sociedades empresárias, consoante visto anteriormente, é a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, dessa forma, pode-se explicá-la de forma mais acurada. A legislação civil e, por consequência, o Direito Empresarial adotaram a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, consoante previsto no art. 50 do CC, com as consequências jurídicas que lhe são aplicáveis. É sabido que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e outras leis elegeram a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual é, por óbvio, inaplicável para regular as relações jurídicas empresariais, mas tão somente as de seus sistemas. Entretanto, por haver uma menor proteção da limitação patrimonial nessa legislação consumerista e nas demais, havia juízes que a aplicavam de forma indevida, desconsiderando a personalidade jurídica em situação que não caberia. Tal a magnitude da situação que, na I Jornada de Direito Comercial da CJF, houve dois enunciados sobre a matéria. Enunciado nº 9 da I Jornada de Direito Comercial da CJF Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º da CLT. Enunciado nº 19 da I Jornada de Direito Comercial da CJF Não se aplica o CDC às relações entre sócios/acionistas ou entre eles e a sociedade. Há, ainda, quem considere uma classificação mais precisa acerca da adoção da disregard teory no Direito brasileiro. Para seus adeptos, o abuso de direito pode acontecer por desvio de finalidade, hipótese decorrente da chamada teoria maior subjetiva da desconsideração, bem como por confusão patrimonial por meio da teoria maior objetiva da desconsideração. Importa ressaltar que mesmo a chamada teoria maior subjetiva haverá de ser objetivamente demonstrada no processo por meio, inclusive, de provas. Afinal, não se adota, nessa seara, a teoria menor do CDC. Empresário individual e sociedades empresárias10 Enunciado nº 37 da I Jornada de Direito Civil A responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa e se fundamenta somente no critério objetivo-finalístico. As consequências do casamento dos sócios das sociedades também recebe tratamento bem diverso daquele realizado pelo empresário individual, haja vista que o CC é expresso em facultar “[...] aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comu- nhão universal de bens, ou no da separação obrigatória” (BRASIL, 2002, documento on-line). Já o empresário individual casado, nos termos do art. 978, “[...] pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real” (BRASIL, 2002, documento on-line). Para não restar dúvidas sobre o des- tinatário do referido dispositivo, segue o Enunciado nº 58 da II Jornada de Direito Comercial transcrito: O empresário individual casado é o destinatário da norma do art. 978 do CCB e não depende da outorga conjugal para alienar ou gravar de ônus real o imó- vel utilizado no exercício da empresa, desde que exista prévia averbação de autorização conjugal à conferência do imóvel ao patrimônio empresarial no cartório de registro de imóveis, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no registro público de empresas mercantis. (BRASIL, 2015). Por fim, há de se analisar a regulamentação da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), consoante designação legislativa, a qual alguns chamam de empresário individual de responsabilidadelimitada. Importa destacar o art. 980-A, que o regula: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País” (BRASIL, 2002, documento on-line). Logo se vê que há apenas uma pessoa que é titular de todo o capital social. É, como já visto, uma modalidade de exercício individual da empresa. Há disposição legislativa ainda no sentido de que a EIRELI “[...] também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único 11Empresário individual e sociedades empresárias sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração” (art. 980-A, parágrafo primeiro) (BRASIL, 2002, documento on-line). Importa ressaltar que o capital há de estar devidamente integralizado, ou seja, não se aceita a mera menção do instrumento a ser arquivo no órgão competente, sob pena, inclusive, de se considerar irregular a EIRELI. Destaca-se que o capital social não pode ser, pela expressa previsão le- gislativa, inferior a 100 vezes o maior salário mínimo. Há quem o considere inconstitucional. Primeiro, violaria a livre-iniciativa, segundo, há proibição constitucional de vinculação ao salário mínimo de índices. Há, até mesmo, ação de controle de constitucionalidade abstrato-concentrado no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar tal exigência. Embora os argumentos sejam razoáveis pela inconstitucionalidade, há bons argumentos no sentido contrário também. Pode-se indicar que os princí- pios fundamentais são relativos. Assim, mesmo que a ordem econômica seja fundada no trabalho e na livre-iniciativa, há de se considerar a finalidade de “[...] assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (BRASIL, 1988). Entre os argumentos contrapostos para restringir a incidência da livre iniciativa está a necessidade de haver um capital social integralizado para assegurar o cumprimento das obrigações da EIRELI perante os credores que não poderiam incidir mais na pessoa natural, sendo, tal exigência, razoável para fins de assegurar a justiça social. Além disso, a limitação constitucional de indenixação ao salário mínimo não se aplica no caso, já que a sua utili- zação é apenas para fins de parâmetro jurídico, não um reajuste apto a gerar consequências inflacionárias sistêmicas. De qualquer forma, essa questão ainda está em aberto. Portanto, há de pre- valecer a presunção de constitucionalidade dos atos legislativos, ou seja, exige- -se esse capital social minimamente integralizado de 100 salários mínimos. Imagine a seguinte situação: o capital social foi estabelecido no limite mínimo previsto pela legislação, entretanto, o salário mínimo, ao transcorrer dos anos, sofreu reajustes inflacionários ou ganhos reais de poder de compra. Logo, a EIRELI passou a titularizar um capital social inferior à exigência. Dessa forma, como resolver tal situação? Tem prevalecido a interpretação oferecida pelo Enunciado n. 4 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo” (BRASIL, 2012). Além disso, o nome empresarial da EIRELI pode ser firma ou denominação, desde que seja incluído EIRELI ao final. O que não pode é o titular pessoa Empresário individual e sociedades empresárias12 natural integrar mais de uma pessoa jurídica dessa natureza por expressa de- terminação legal, a saber: “A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade” (BRASIL, 2011). Ainda não se estabeleceu, com segurança, a possibilidade de EIRELI, cujo titular é uma pessoa jurídica. Há pouco tempo se proibia, mas atualmente há essa possibilidade. Nessa circunstância, é possível a existência de múltiplas EIRELIs, porquanto ausente proibição. Ademais, poderá ser atribuída [...] à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional (BRASIL, 2011). Como exemplo, temos um cantor, um apresentador de televisão ou um ator, que são pessoas naturais e exercem atividades de pessoa naturais. Imagine a situação de que um destes é contratado sob uma dada remuneração para ceder seus direitos de imagem, nome, marma ou voz. Assim, por exemplo, uma emis- sora obterá lucros de atividade empresarial utilizando esses direitos, mas será obrigada a pagar uma porcentagem ao titular da EIRELI. Pois bem, é possível que tal valor seja destinado à pessoa jurídica, EIRELI, não à pessoa natural. ASQUINI, A. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, v. 35, n. 104, p. 109-126, 1996. BRASIL. Conselho de Justiça Federal. I Jornada de Direito Comercial: enunciados. Brasília, DF, 2012. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/pesquisa/resultado>. Acesso em: 14 abr. 2018. BRASIL. Conselho de Justiça Federal. II Jornada de Direito Comercial: enunciados. Brasília, DF, 2015. 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