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DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 1 Direito Constitucional Tributário DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 2 Direito Constitucional Tributário Sistema Constitucional Tributário Conceito Chamamos de sistema um conjunto ordenado de elementos que se encontram interligados e que interagem entre si. Há necessariamente certa harmonia entre os seus elementos, afinal mais do que pertencerem a um conjunto, uma simples coletânea, o sistema pressupõe a interação entre seus elementos e esta determina alguma harmonia. Para que haja harmonia, algumas características são sempre presentes, como uma mínima identidade entre seus elementos, objeto e propósito, mas acima de tudo – mormente quando se fala de um sistema jurídico – hierarquia. Nosso ordenamento jurídico não é um simples conjunto de regras, é um sistema de normas. Sem hierarquia não há sistema de direito, pois ninguém poderia apontar o fundamento de validade das unidades componentes, não se sabendo qual deve prevalecer. Uma regra há de ter, para desfrutar de juridicidade, seu fundamento em outra que lhe seja superior. (Carvalho, p. 232) Dentro de um sistema – assim é com o corpo humano, por exemplo – há outros subsistemas. Em nosso ordenamento jurídico temos também subsistemas, e o sistema constitucional tributário é, sem dúvida alguma, um desses sistemas. Ele é formado pelas normas jurídicas (princípios e regras) constitucionais que regem o exercício da tributação – da função estatal de criar e arrecadar tributos. Diferente do sistema tributário – objeto de estudo maior deste curso – o sistema constitucional tributário reúne as normas que determinam a forma pela qual se DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 3 deve tributar (bem assim as espécies tributárias), quem deve exercer esse poder de tributar (competência tributária) e quais são os limites do exercício desse poder de tributar. Essas são as funções tradicionais da Constituição. É bem verdade que essa lista é aquilo que se convencionou na doutrina durante muito tempo como o mínimo necessário para que a Constituição estabeleça o ordenamento jurídico. Mas nem sempre as Constituições assim o fazem. Aliás, comparando-se a Constituição Brasileira com as outras Constituições do mundo ocidental, não há outra que tenha um cuidado tão especial com a tributação. O Sistema Constitucional Brasileiro é caracterizado pela quantidade dos seus dispositivos. Ele também possui um específico e expresso Sistema Tributário Nacional (arts. 145 a 162), que contém uma seção específica para as Limitações ao Poder de Tributar (arts. 150 a 152). Muitas normas que tratam da relação entre o Estado e o cidadão estão expressas na Constituição. O sistema possui também uma estrutura sintática que estabelece uma hierarquia específica entre as partes e o todo. (Ávila, p. 4) As Funções de Tributar O Estado manifesta seu poder de tributar por meio de suas funções. Ora, nas lições clássicas de Direito sabemos que o poder do Estado se manifesta nas funções de legislar, executar e julgar. Assim é em matéria tributária. O poder de tributar se manifesta na função de legislar pelo que denominamos de competência tributária – o poder de criar tributos por lei. Em decorrência do exercício deste poder, o tributo deverá ser cobrado e assim a legislação tributária deverá ser executada – a isso denominamos capacidade tributária ativa. Por fim, podemos falar na função de julgar. Como no Brasil adotamos o princípio da jurisdição una, não há uma qualificação especial para esta, e os conflitos em DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 4 matéria tributária serão solucionados de forma definitiva perante o Poder Judiciário. Durante nosso estudo, veremos que nosso sistema jurídico reservou ao trato constitucional a competência tributária. É por isso que veremos este assunto ainda nesta disciplina. A capacidade tributária ativa – condição de credor do tributo e, portanto, aquela função de fiscalizar, arrecadar e cobrar – é densamente delineada pelo Código Tributário Nacional. Assim, isso será tratado no estudo da Teoria Geral do Direito Tributário. E a solução de conflitos em matéria tributária, apesar de reservada ao mesmo poder judiciário, merecerá uma disciplina própria também para que possamos nos debruçar em suas especificidades. Espécies de Sistema Tributário Uma vez que o próprio subsistema tributário pode ser subdivido em outros subsistemas, podemos falar em várias espécies de sistema tributário e inclusive – no estudo do direito comparado – em sistemas tributários diferenciados. O sistema tributário brasileiro acompanha nossa forma federativa de Estado. Estados unitários possuem apenas um conjunto de normas tributárias aplicáveis em seu território. No Brasil teremos, ao lado de um sistema tributário nacional – cuja aplicação se dá em todo o território nacional, possuindo como normas centrais a Constituição da República e o Código Tributário Nacional –, um sistema tributário federal – que congrega as normas aplicáveis exclusivamente à União no exercício do seu poder de tributar –, sistemas tributários estaduais e municipais – que exercem as mesmas funções do sistema tributário federal em relação ao estado ou município a que pertence. Assim, nosso sistema tributário é definitivamente um sistema tributário federado. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 5 Contudo, como não podia deixar de ser diferente, com a tendência globalizante, podemos construir sistemas tributários internacionais. Ainda não podemos dizer que temos um no Mercosul, pois, como dito, ele precisa de harmonia, hierarquia. E não temos isso. Mas na Europa já se constrói e ensaia um, com normas tributárias harmônicas para os países do bloco. Síntese Histórica Não se pode falar propriamente em um sistema tributário no Brasil Colônia, apesar de já haver o primeiro ônus tributário, famoso até hoje, o quinto do pau- brasil. À época das capitanias hereditárias manteve-se o quinto do pau-brasil, mas os tributos eram divididos entre a metrópole e os donatários. A metrópole mantinha a tributação sobre o pau-brasil, especiais, drogas, direitos alfandegários, os metais (ouro, prata, chumbo), pescado e a sisa (atualmente o imposto sobre as transmissões de bens). Os donatários ficavam com outra tributação sobre o pau- brasil, especiarias, drogas, ouro e metais preciosos, do pescado e ainda a décima parte sobre todas as rendas da coroa. Durante o Governo Geral, tínhamos três tipos de tributos: as derramas – que eram cobradas independentemente do rendimento do contribuinte, as fintas – que obedeciam uma proporção com a renda do contribuinte, e as contribuições – que mais pareciam donativos. De lá pra cá, só foram se criando mais tributos. Durante a fixação da Família Real no Brasil, criaram-se sobre papel, sobre escravos, sobre heranças e legados, contribuição de polícia, carruagens, navios, carne, lãs e o primeiro imposto de renda, cobrado em 10% sobre os rendimentos dos funcionários da fazenda e da justiça. Nessa época, havia simultaneamente impostos cobrados pela Coroa, pelas províncias e pelos municípios. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 6 No Brasil Império houve a tentativa de criação de um sistema tributário, mas outras questões de ordem política foram mais relevantes e impediram que as discussões evoluíssem. O avanço possível foi a denúncia de uma série de compromissos da Coroa Portuguesa com outros países que oneravam a colônia. Nossas Constituições trataram de questões pontuais em matéria de tributos. A mais importante modificação sobreveio com a EC nº 18 de 1º de dezembro de 1965. Ela viabilizou a elaboração do Código Tributário de 1966. A partir daí, as Constituições passaram a ficar cada vez mais qualificadas na matéria até que tivemos nossaatual Constituição. Normas Gerais Apenas à guisa de completude das informações, impõe registrar a função das normas gerais. Normas gerais do Direito Tributário são aquelas que estabelecem um padrão de comportamento a ser observado por todos (inclusive a Fazenda Pública) em todo território nacional. Elas não tratam das peculiaridades dos regionais ou locais. São estabelecidas por lei complementar e detêm função especial separada em nossa Constituição. Princípios Constitucionais Tributários Vinculados ao Valor Segurança Jurídica Um dos primeiros problemas reconhecidos pela ordem jurídica no mundo foi a segurança. No Direito Tributário, temos três grandes princípios (legalidade, tipicidade e não supresa), que estendidos correspondem a 5 normas princípios: legalidade, tipicidade, irretroatividade, anterioridade e noventena. Legalidade DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 7 Registremos inicialmente que lei é ato normativo genérico abstrato coercitivo resultado de um processo legislativo constitucionalmente estabelecido. E assim a Constituição determina quais são essas leis no art. 59, aquelas capazes de inovar no mundo jurídico, criando novos direitos e obrigações. Como regra, a criação de tributos se dá por lei ordinária. A lei complementar tem como principal função o estabelecimento de normas gerais. À exceção, os tributos que serão criados por lei complementar são: os Empréstimos Compulsórios (art. 148 CR), o Imposto Sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII, CR), os Impostos Residuais (art. 154, I, CR) e as Contribuições da Seguridade Social Residuais (art. 195, §4º, CR). Concessão de benefícios fiscais. Na dicção do artigo 150, I, da Constituição, a limitação imposta traz garantia ao contribuinte. Fora do caput, porque não é garantia do contribuinte, a Constituição traz no §6º do mesmo artigo a exigência de lei específica para concessão de qualquer benefício ao contribuinte. Medida Provisória. O STF nunca reconheceu nenhuma inconstitucionalidade em medida provisória e recorrentemente temos novas medidas provisórias sobre a matéria. Aliás, a EC 32/2001, que introduziu novas regras relativas à medida provisória, estabelece a sua possibilidade e a sua aplicação. Exceções. Um último ponto a tratarmos sobre a legalidade é que há exceções. Mas devemos entender antes as razões dessas exceções. Nem todos os impostos têm função arrecadatória, alguns tributos têm a função de intervir na economia, de servir de instrumento de política pública. Assim é com os impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação), sobre produtos industrializados e sobre operações financeiras. É por isso que esses quatro impostos relatados são, na forma do art. 153 §1º da CR, verdadeiras exceções à legalidade. Mas isso, só no que diz respeito às suas alíquotas, ou seja, o percentual correspondente. Todos os outros elementos desses tributos deverão ser fixados por lei. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 8 Tipicidade. Tipo é a descrição legal da situação que deverá ocorrer para que os efeitos nela previstos sejam aplicados. Em matéria de tributos, é correto afirmar que o tipo tributário é composto pelos elementos da obrigação tributária (que serão vistos na próxima disciplina, mas que aqui já adiantamentos): aspecto material, temporal, espacial, subjetivos e quantitativos. Ou seja, o que precisa ocorrer, quando se considera isso ocorrido, onde se considera isso ocorrido, quem pagará, a quem, e o quanto. E será aberta ou fechada? O tipo tributário admitirá conceitos legais indeterminados e normas em branco. O conceito legal indeterminado é o recurso utilizado pelo legislador que transfere ao intérprete o dever de complementar a lei. É o caso, por exemplo, de imóvel rural. Imóvel rural é aquele localizado em área rural ou é aquele cuja utilização tem características rurais? Você percebeu como a expressão permite mais de uma interpretação? Há uma grande controvérsia sobre quando deve incidir ITR e quando deve incidir IPTU. A norma em branco é aquela que se utiliza do recurso de permitir que venha ela a ser complementada por outro ato normativo – no mais das vezes ato normativo de hierarquia inferior, por exemplo, um decreto ou uma resolução. Em matéria tributária, podemos, de certa forma, afirmar que a tabela do IPI não deixa de ser uma norma que complementa a lei ordinária que institui o IPI. Na prática, acaba valendo a tipicidade aberta. Obrigações acessórias e prazo. E após essa análise do tipo, podemos aproveitar para deixar claro que o princípio da legalidade se aplica aos elementos do tipo tributário. E como não são elementos do tipo tributário, o prazo e as denominadas obrigações acessórias do art. 113 §2º do CTN podem ser, em princípio, alterados por qualquer ato normativo. Mas não podemos esquecer que se, de algum modo, a regra relativa à obrigação acessória interferir em prejuízo do particular na obrigação principal, aquela deverá se submeter a todos os DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 9 princípios e regras aplicáveis a esta. Isso é bastante comum com as regras relativas à escrituração do ICMS com vistas a garantir a não cumulatividade – o que veremos mais adiante. Irretroatividade. O art. 150, III, a, da Constituição determina que as leis somente possam alcançar fatos geradores/situações que ocorrem na vigência que os instituiu ou aumentou. Não há exceções à irretroatividade, pois o que dispõe o art. 106 do CTN não cria a possibilidade de se criar um tributo e fazer a norma retroagir. Trata da lei interpretativa no inciso I, que é aquela que, em vez de trazer um novo direito ou uma nova obrigação, traz apenas uma definição, uma classificação. E como ela não traz nem direito nem obrigação novos, não se submete à irretroatividade, pois não onera ninguém. No inciso II, a irretroatividade não diz respeito, em verdade, a uma norma tributária, e sim a uma norma penal. Estabelece, ele, que a lei que reduz penalidade ou traz qualquer outro tratamento mais benéfico ao infrator, alcançará infrações já praticadas. Súmula 584 do STF. Ela determina que seja aplicada a lei que estiver em vigor, não no ano da ocorrência do fato, mas no ano em que deve ser feita a declaração. Aos rendimentos que você tem recebido será aplicada a lei que estiver em vigor no ano seguinte. O que deve prevalecer é a aplicação do artigo 150, III, a, CR. A lei nova somente poderá alcançar fato que tenha tido início, meio e fim sob sua vigência. Anterioridade. Segundo essa regra, a lei que cria ou aumenta um tributo tem de ter sido publicada até o ano anterior para que possa ser aplicada. O outro recurso era o princípio da anualidade tributária. A anualidade tributária consistia na exigência de uma autorização no orçamento anual para que, naquele ano, o tributo pudesse ser cobrado. Desta maneira, a ausência de previsão orçamentária impedia a cobrança do tributo naquele ano. Se você quiser, pode procurar que nossa Constituição não trata do princípio da anualidade. Esse princípio esteve DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 10 presente na Constituição de 1824, 1946 (até ser revogado pela EC. nº18/1965) e 1967 (até ser também revogado pela EC nº1/1969). Exceções. As exceções à regra da anterioridade se encontram listadas nos seguintes artigos: art. 150, §1º, primeira parte, art. 195, §6º, art. 177, §4º, I, b e art. 155, §4º, IV, c, todos da Constituição de 1988. Noventena ou Anterioridade Nonagesimal, Mínima ou Mitigada. A Constituição mereceu, em 2003, um pequeno reparo. A EC nº42/2003 incluiu no artigo 150, III a alínea “c” que exige, para além da irretroatividade e da anterioridade, um prazo de 90 dias a contar da publicação, para que a lei possa ser aplicada. Não se esqueça que isto é um plus à anterioridade. Leis publicadas no início do ano nemprecisam da noventena, só aquelas do final do ano ou os casos de exceção à anterioridade que não sejam exceção à noventena. E por falar nisso, a noventena também tem exceções, calcadas na extrafiscalidade e na urgência. Essas exceções estão no artigo 150, §1º, segunda parte, CR. Princípios Constitucionais Tributários Vinculados ao Valor Justiça Tributária Ao lado do valor segurança, temos o valor justiça como um dos pilares de nosso ordenamento jurídico. Justo é dar a cada um o que é seu, já dizia o jurisconsulto romano Ulpiano. Mas como é difícil saber o que vem a ser isso concretamente, a Constituição de 1988 procura registrar por meio de alguns princípios. Isonomia. O primeiro princípio é o da isonomia – que seria capaz de englobar todos os demais princípios que serão neste tópico tratados. Ele se resume na frase: tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida de suas desigualdades. No art. 150, II, a Constituição proíbe qualquer tratamento diferenciado que se constitua nos chamados privilégios odiosos – benefícios que não encontram qualquer justificativa ou razão. E não apenas no DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 11 que diz respeito à fixação de tributos por lei, mas também ao tratamento imposto pela Administração. Generalidade e universalidade. Como decorrência imediata do princípio da isonomia, encontram-se no art. 153, §2º, I, da Constituição, os princípios da generalidade e da universalidade. Parte da doutrina vai afirmar que generalidade é uma expressão que traz uma ideia de subjetividade, de sujeito. Assim é que generalidade significa que “todo aquele que manifestar riqueza será, em princípio, contribuinte”. É por isso que a Constituição veda tratamento privilegiado a determinadas categorias – como é comum ocorrer em regimes ditatoriais que tendem a privilegiar a categoria que se encontra no poder. De igual forma, afirma-se que universalidade traz uma ideia de objetividade, de objeto. Universalidade significa que “todo fato que demonstre riqueza será em princípio gerador de tributo”. Então, encontramos aqui o fundamento para a tributação de várias situações, até mesmo do ato ilícito – princípio do pecúnia non olet. Capacidade contributiva. A maior concretização do princípio da isonomia é, sem dúvida, o princípio da capacidade contributiva. Cada um deve contribuir (ainda que forçosamente) para as despesas públicas na medida das forças de sua riqueza. Façamos a análise do art. 145 §1º da Constituição. A primeira expressão a merecer destaque é “Sempre que possível”. Ela significa que nem sempre é possível... Não será possível aplicar esse princípio nos chamados tributos indiretos (aqueles que vêm embutidos no preço daquilo que compramos, que quem recolhe é o comerciante ou mesmo a indústria). A segunda expressão é “impostos”. Na realidade, nos outros tributos – os chamados tributos vinculados – o maior parâmetro é o custo estatal. Uma vez DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 12 que vinculados a uma atividade estatal, então, a capacidade contributiva encontra um espaço secundário. A terceira expressão é “caráter pessoal”. Aqui se destaca outra classificação atribuída aos tributos: tributo real e tributo pessoal. Os reais consideram apenas características do fato gerador para determinar seu aspecto quantitativo. Os pessoais consideram também características do contribuinte para essa fixação. No dizer da Constituição, o ideal é que essa classificação não seja fechada. Então, não seria correto dizer que o IPTU é um exemplo de imposto real. E isso porque nenhum tributo deveria ser sempre real. Deveria o legislador buscar sempre transformá-los em pessoais – ao menos, sempre que possível. A quarta expressão é “capacidade econômica”. Capacidade econômica é diferente de capacidade financeira. Capacidade financeira diz respeito à liquidez, ou seja, a possuir ou não o contribuinte dinheiro para pagar o tributo. Já a capacidade econômica diz respeito a possuir patrimônio, ainda que não em espécie. Se o constituinte falasse em capacidade financeira, bastaria comprometer todos os recursos com bens e deixar a sua conta no banco zerada. A capacidade contributiva é avaliada por meio do que chamamos de subprincípios ou princípios-técnicos: pessoalidade, proporcionalidade, progressividade, seletividade. A pessoalidade é a análise de características do contribuinte como forma de avaliar o montante de tributo devido. A proporcionalidade é sinônimo de alíquota fixa – quanto maior a riqueza, maior o valor do tributo devido, mas sempre na mesma proporção. A progressividade pode ser fiscal ou extrafiscal. A progressividade fiscal significa que quanto maior a riqueza, maior será a alíquota. A Constituição a prevê expressamente para o IR (art. 153 §2º I) e IPTU (art. 156 §1º I). Durante muito tempo predominou de forma pacífica que essa progressividade precisaria de previsão constitucional. Tanto é que tivemos a DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 13 edição duas súmulas do STF nesse sentido: a já referida 656 e a 668. Aliás, o tema já reside no Supremo há muito, pois a Súmula 589 veda adicional progressivo na hipótese, não prevista na Constituição, de proprietário de mais de um imóvel. Contudo, recentemente, o STF admitiu a progressividade de alíquotas para o ITD – apesar de não haver previsão constitucional para isso, apenas por aplicação do princípio da capacidade contributiva. A seletividade determina que as alíquotas serão fixadas em função da essencialidade do bem objeto de tributação. Isso ocorre ao IPI (art. 153 §3º I), ao ICMS (art. 155 §2º III), ao IPVA (art. 155 §6º II) e ao IPTU (art. 156 §1º II). A essencialidade só pode ser vista na perspectiva de garantia do desenvolvimento das decisões valorativas constitucionais, isto é, aquilo que for essencial para a dignidade humana, para a vida ou para a saúde do homem. (Ávila, p. 380) Não confisco. Outro princípio afeto ao valor justiça é o não confisco, com previsão expressa no art. 150, IV, da Constituição. Pode se afirmar que tributação confiscatória é aquela que é tão elevada que capaz de extinguir a riqueza tributada. Há uma divergência no fato de como fazer essa análise. O efeito confiscatório deveria ser analisado de forma geral (ou seja, pela soma de todos os tributos devidos) ou de forma isolada (ou seja, por cada tributo). É claro que a forma mais justa e mais efetiva é a forma geral. No entanto, ela não vem prevalecendo, e o STF somente tem feito esta análise de maneira isolada. Esse princípio, todavia cede espaço para a extrafiscalidade. É claro que objetivos maiores podem fazer com que o não confisco seja abandonado. Por exemplo, uma alíquota de 330% para o cigarro não é considerada confiscatória. Nem uma alíquota de 60% para as importações. Em ambos os casos, o propósito do fisco é evitar a ocorrência destes fatos geradores. Não cumulatividade. Há tributos que se classificam como plurifásicos, ou seja, incidem por várias vezes na cada de circulação do mesmo bem. Se a incidência DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 14 em uma fase fosse completamente independente da outra haveria a incidência do mesmo tributo sobre ele por várias vezes. Segundo essa técnica, valor recolhido nas operações anteriores servirá de crédito nas operações seguintes. A diferença não é feita pela base de cálculo, é feita pelo tributo arrecadado. Isso impõe uma escrituração extremamente complexa e também promove problemas relativos a benefícios fiscais no meio da cadeia, já que o não recolhimento de tributos não gera créditos para as operações subsequentes. Neutralidade. É um princípio não positivado em nossa Constituição que preconiza que tributação deve ser distribuída nos diversos da economia, como forma de evitar demasiada oneração parauma categoria e privilégio para as demais. Um exemplo para isso pode ser visto no art. 146-A, que determina que a lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação para evitar desequilíbrios da concorrência. Princípios Constitucionais Tributários Vinculados ao Valor Liberdade Uma alta carga tributária é um grande impeditivo para fazermos qualquer coisa. O custo impede que as pessoas sejam absolutamente livres, pois sempre possuem recursos financeiros para dar asas às suas vontades. Limitação ao tráfego de pessoas e bens. Este primeiro princípio se encontra no art. 150, V, da Constituição. A liberdade aqui cuidada é a liberdade ambulatorial, a liberdade de ir e vir, a liberdade de locomoção. Essa liberdade somente tem aplicação em toda sua amplitude dentro do território nacional, uma vez que seria impossível à Constituição garantir essa liberdade no território de outros países. A única exceção prevista na Constituição é o pedágio cobrado em via conservada pelo poder público. Nas vias não são conservadas pelo poder público não podemos falar de pedágio como espécie de tributo, pois o tributo tem de ser cobrado pelo poder público. Nesse caso, é uma tarifa submetida às regras do Direito Administrativo e do Direito do Consumidor. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 15 Vedação de diferença tributária em razão da origem ou destino. O art. 152 da Constituição traz esta limitação. E tutela igualmente a liberdade de ir e vir, já que origem e destino trazem a ideia de deslocamento. Cuide-se que os destinatários desta regra são somente os Estados e Municípios. Em sua razão, não podemos ter alíquota de IPVA diferenciada em razão dos veículos serem ou não importados e o ICMS interestadual poder ter alíquota distinta conforme o Estado de origem. Livre iniciativa. Em decorrência de nossa evolução econômica, em decorrência das liberdades, possuímos no Brasil uma grande liberdade de iniciativa, no sentido de que qualquer um pode escolher exercer a maior parte das atividades econômicas. As exceções são estabelecidas para profissões regulamentadas que exigem alguma formação prévia, que sejam monopólio do Estado, ou que dependem de autorização ou permissão públicos. O problema é que a carga tributária pode se manifestar tão elevada ao ponto de impedir o exercício dessa livre iniciativa. Em decorrência desse e outros princípios, vem se desenvolvendo o sistema do Simples Nacional – cujo propósito é desonerar e descomplicar a tributação das micro e pequenas empresas, assim como dos empresários individuais. Princípios Constitucionais Tributários Vinculados ao Valor Federalismo Para fecharmos o estudo dos princípios, é importante tratarmos de um valor que não é adotado, nem pode ser, por alguns outros países – o federalismo. O federalismo é o sistema político pelo qual vários Estados se reúnem para formar um Estado federal, sem abrir mão de sua autonomia. Assim, é importante em um Estado como o Brasil o respeito pela União da autonomia de estados e municípios. Federalismo fiscal. Na federação brasileira, aos Estados e Municípios pertence mais de 40% da receita tributária (decorrente da competência e da repartição de receitas tributárias). Por outro lado, são atribuídas a estes entes muitos encargos DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 16 financeiros, são eles responsáveis pela prestação de muitos direitos aos cidadãos. Assim é que o federalismo fiscal está sempre em construção para que consigamos obter um equilíbrio entre arrecadação e obrigação. Vedação de isenção heterônoma. A União, na forma do art. 151, III, da Constituição somente pode conceder isenção dos tributos de sua competência. A Constituição atribui a cada ente federativo o poder de instituir tributos, de forma que se garanta autonomia financeira. Dessa maneira, se a União pudesse conceder qualquer benefício para tributos estaduais e municipais, isso poderia desequilibrar financeiramente as contas deste. Há quem afirme também que isso só se aplica à isenção, pois a Constituição foi expressa quanto a esta. Na verdade, esse princípio é derivação do próprio pacto federativo. Então a única conclusão é que qualquer benefício somente pode ser concedido pela União quanto aos tributos federais. Dessa forma, o art. 155 II “b” do CTN não pode ter sido recepcionado pela Constituição. Importante é esclarecer que a concessão de benefícios por meio de tratados internacionais não constitui benefício heterônomo. Isso porque o benefício é concedido pela República Federativa do Brasil e não pela União Federal. Mas há ainda assim que veja os reflexos práticos negativos que isso pode gerar na federação. Uniformidade geográfica. Não é só intervindo na tributação dos outros entes que a União pode afrontar o pacto federativo e colocar em conflito os vários entes federativos. Isso pode ocorrer também quando ela conceda algum tratamento mais benéfico aos contribuintes que estejam em um ente da federação. Assim é que o art. 151 I da Constituição proíbe que a União conceda tratamento que não seja uniforme no território nacional, à exceção da concessão de benefício DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 17 que tenha por escopo o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico nas diversas regiões do país. O exemplo disso é a Zona Franca de Manaus. Guerra fiscal é a exacerbação de práticas competitivas entre entes de uma mesma federação em busca de recursos oriundos do patrimônio privado. Isso se dá por meio de benesses fiscais atrativas que atraem a migração de determinados agentes privados. A fim de atrair investimentos aos seus respectivos estados, os governos de estados ou municípios oferecem aos contribuintes determinados benefícios fiscais, como créditos especiais de ICMS ou empréstimos subsidiados de longo prazo. Recentemente, a EC 87/2015 estabeleceu regras específicas para o comércio interestadual, fixando obrigações ao remetente para recolhimento da alíquota interestadual e o diferencial entre essa alíquota interestadual e a alíquota interna. O propósito é acabar com a guerra fiscal. Além disso, já tínhamos a determinação pelo art. 155 §2º XII g da Constituição que os incentivos concedidos pelos Estados somente podem ser implementados após aprovação unânime do Conselho de Política Fazendária. Em matéria de ISS, a tentativa se deu por meio da fixação de alíquotas mínimas e máximas. Entretanto, os municípios insistem em conceder benefícios que reduzem a tributação, como forma de burlar essa regra. O conflito se mantém. Imunidades A palavra imunidade significa liberado do encargo. É um privilégio concedido a uma pessoa que não é obrigada a um ônus qualquer. A imunidade tributária é norma constitucional que afasta a competência tributária, ou seja, é norma negativa de competência, norma de incompetência. Em sua maioria, o objetivo é preservar alguns valores ou a manutenção de alguns direitos. Elas só vêm previstas na Constituição porque são regras de competência. Ela não afasta os dever instrumentais como a emissão de notas fiscais, a prestação de informações DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 18 ou o dever de declarar. E, na hipótese de que estas não sejam cumpridas poderá, se prevista, ser cobrada multa. Classificações. A doutrina traz várias classificações para as imunidades. Quanto à maneira de sua incidência: a imunidade é subjetiva quando são conferidas de acordo com a condição de determinada pessoa (ex.: art. 150 VI a da CR). Por outro lado, a imunidade será objetiva quando relacionada a determinados fatos, bens ou situações (ex.: art. 150 VI d da CR). Podemos reconhecer a existência de uma terceira espécies, e nesse caso a imunidade será mista, quando alcança a pessoa em função de alguma característica sua e relacionada a determinados fatos (ex.: art. 153 §4ºda CR). Quanto à eficácia, a imunidade será incondicionada, se a norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, como é o caso das imunidades recíprocas ou condicionável, se a norma constitucional for de eficácia contida e aplicabilidade imediata, e nesse caso ela poderá ter de atender a requisitos previstos em lei. Quanto à forma de previsão, ela será explícita quando perfeitamente identificáveis no texto constitucional (ex.: art. 150 VI da CR), ou implícita (ex.: intributabilidade como forma de evitar a tributação confiscatória, então, a intributabilidade do mínimo vital). Quanto à abrangência da vedação elas serão excludentes –reservadas à tributação para um tipo de tributo e exclusão de outros (ex.: art. 153 §5º da CR); ou incisiva – quando prevê determinada situação que só pode haver incidência de algum imposto, excluindo os demais (ex.: art. 153, §3º da CR). Quanto aos princípios que privilegiam: as imunidades podem ser ontológicas, como resultado de um princípio constitucional, tendo a isonomia em suas variadas manifestações a ligação que identifica as imunidades de natureza DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 19 ontológica (ex.: art. 150 VI c CR – instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos que decorre do importante serviço público que prestam). E poderão ser políticas quando conferidas para prestigiar outros princípios constitucionais e podem beneficiar pessoas que tem capacidade contributiva (ex.: art. 150 VI c CR – entidades sindicais de trabalhadores, dos partidos políticos e suas fundações, dos jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão). Institutos afins. Nem sempre que deixamos de pagar um tributo estaremos diante de uma imunidade. Imunidade somente quando a Constituição determinar, de outra forma, será não incidência pura e simples, isenção, alíquota zero ou ainda remissão. A não incidência pura e simples é um fenômeno de nosso ordenamento jurídico no qual não há a incidência de tributo pelo simples fato de haver lacuna na lei. A isenção é também terá previsão de que não poderá ser cobrada, mas essa isenção não se encontra na Constituição, ela está em norma infraconstitucional. Aliás, esta é a diferença mais importante entre os dois institutos. Podemos então dizer que a imunidade é a hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, enquanto a isenção é a hipótese de não incidência legalmente qualificada. A alíquota zero é uma hipótese de incidência. Nesse caso, o tributo índice e seria devido. Contudo, um dos aspectos quantitativos é reduzido a zero e ao multiplicarmos pelo outro aspecto quantitativo, a base de cálculo, o resultado será sempre zero. A remissão é um favor legal no qual o tributo era originariamente devido, mas posteriormente o seu pagamento foi perdoado. Aqui o benefício surge depois da ocorrência do fato gerador, diferente de todas as hipóteses acima. Imunidades genéricas. Nestas há uma proteção da liberdade de várias espécies: política, religiosa etc. Essa imunidade se aplica aos impostos (em DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 20 princípio todo e qualquer imposto), pois eles não possuem qualquer parâmetro para a sua fixação. Como se trata do único tributo não vinculado. A imunidade recíproca determina que é vedado instituir impostos sobre o patrimônio, rendas e serviços uns dos outros (entes federativos, inclusive suas autarquias e fundações). É como afirma Humberto Ávila: Não se pode olvidar que as pessoas políticas não possuem capacidade econômica. Elas não prestam nenhum serviço que posse ser qualificado de atividade econômica e, portanto, caracterizado como tributável. (Ávila, p. 215 Surgem problemas que segundo o STF são resolvidos pelos propósitos desta imunidade: proteger a federação, garantindo a autonomia de cada ente federativo. Como se pode verificar nas súmulas 73, 74, 76 e 591 do STF. A limitação só se aplica quando estivermos diante do poder público no exercício de sua função pública. Quando este estiver desenvolvendo atividade econômica, de tal forma que não pode sequer haver risco à concorrência e à livre iniciativa. Já quanto aos serviços concedidos, devemos observar que a imunidade não beneficia os concessionários de serviços públicos que explorem atividade econômica, desde que o serviço público não seja prestado em caráter de monopólio – como o fazem os Correios e a Infraero. Enfim, você pode resumir em três os requisitos dessa imunidade: salvaguarda do pacto federativo, proteção de atividades públicas em sentido estrito (sem fins lucrativos) e evitar o benefício de atividade econômica. A imunidade de culto consagra a separação entre Estado e igreja e se presta a proteger a liberdade de culto, pois atende todos os diversos e incontáveis cultos que possam ser exercidos em nosso território. Atinge não só o templo físico, mas tudo aquilo que guarnece a atividade religiosa. É assim uma imunidade subjetiva. Isso gerou (e ainda gera) algumas controvérsias. Assim é que se questiona a possibilidade de incidir tributo sobre a residência paroquial. Quando esta pertencer ao patrimônio do templo, ela continuará a gozar da imunidade. Ou DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 21 então o imóvel da igreja que lhe serve de estacionamento, ou ainda as vendas realizadas em quermesses. Se os recursos obtidos sejam utilizados nas atividades religiosas, tudo permanece imune. Caso contrário, o tributo deve incidir. É a aplicação da súmula 724 do STF. A imunidade dos partidos políticos e suas fundações tem por escopo a liberdade política e é também subjetiva, mas está restrita aos bens aplicados no exercício desta liberdade. Estão limitadas às condições do art. 14 do CTN, não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou rendas, aplicar integralmente no Brasil os seus recursos, manterem escrituração regular. A imunidade das entidades sindicais de trabalhadores tem o propósito de proteger a liberdade de associação dos trabalhadores. A imunidade das entidades de educação e de assistência social tem o propósito de atender interesses públicos, interesses da própria coletividade, uma vez que o Estado tem se demonstrado incapaz de prestar os serviços públicos constitucionalmente reconhecidos. É uma imunidade subjetiva na qual se prestigiam aqueles que prestam serviços que deveriam ser satisfatoriamente prestados pelo Estado. Essa é uma imunidade condicionada aos requisitos que se encontram também no art. 14 do CTN. Há duas súmulas relativas a esse dispositivo. A primeira já foi mencionada, a Súmula 724 do STF que conclui pela extensão da imunidade sobre o imóvel de propriedade de uma dessas pessoas, ainda quando alugado a terceiro, mas desde que o produto do aluguel seja aplicado nas atividades fins delas. A segunda é a Súmula 730 do STF que colocou uma pá de cal nas tentativas dos planos de previdência de verem reconhecida a incidência da imunidade sobre suas atividades. Em verdade, havendo contribuição de segurados, não estaremos DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 22 diante de uma instituição de assistência social sem fins lucrativos. Aí se distingue seguridade de assistência. A imunidade da liberdade de expressão que não trata de uma questão cultural. A liberdade de expressão está em foco, e esse controle não poderá ser feito e somente poderá haver restrição de circulação quando estivermos diante de um crime, como o racismo. Estarão excluídos apenas os folhetos publicitários que não possuem nenhuma verdadeira expressão. Mas estão protegidas publicações como álbuns de figurinhas A imunidade atinge livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua publicação. Hoje não se trata apenas do impresso. Imune é o livro, o jornal e a revista e não o meio. Pode ser eletrônico, áudio etc. Aliás, temosuma lei que define a Política Nacional do livro (lei nº 10.753/2003) que o define independentemente do formato. O que está em discussão é se os e-readers serão alcançados pela imunidade. Ora, quando a Constituição foi elaborada sequer pensávamos que isso existiria. A última imunidade genérica é a imunidade musical, criada pela EC nº 75, de 16/10/13, que abrange os fonogramas e videofonogramas musicais e literomusicais. O seu objetivo é combater a contrafação (popularmente conhecida como “pirataria”) e revigorar o mercador fonográfico brasileiro, além de difundir a cultura musical a todas as classes sociais do país. Abrange toda gravação de som de uma interpretação musical e a gravação de som e imagem de uma interpretação musical (vídeos musicais) produzidos no Brasil. Inclui também as obras literomusicais, o que corresponde às músicas com letras. E abrange todos os suportes materiais e arquivos digitais que as contenham. No mais, aguardemos a vivência dessa imunidade para acompanharmos as controvérsias que de sua aplicação podem nascer. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 23 Aliás, não se confunda essa imunidade com o tema trazido na súmula 662 do STF que cuida da incidência de ICMS sobre comercialização de exemplares de obras cinematográficas, gravados em fita cassete, quando se tentou fazer alcançar a imunidade dos livros a estes. Agora vamos listar as imunidades específicas que dizem respeito, em geral, a um único tributo e não a uma única espécie tributária como visto até agora. Segue para registro a lista: a) Imunidade das taxas para o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder: Art. 5º XXXIV a. b) Imunidade para obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal: Art. 5º XXXIV b. c) Imunidade de taxas para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, salvo comprovada má-fé: Art. 5º, LXXIII. d) Imunidade da gratuidade de justiça aos hipossuficientes: Art. 5º, LXXIV. e) Imunidade das taxas de registro de nascimento e certidão de óbito aos reconhecidamente pobres: Art. 5º, LXXVI. f) Imunidade das taxas para o habeas corpus e o habeas data e os atos necessários ao exercício da cidadania: Art. 5º, LXXVII. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 24 g) Imunidade dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão pagos a pessoa maior de 65 anos cuja renda total seja constituída, exclusivamente de rendimentos de trabalho, ao Imposto de Renda: art. 153, § 2 º, II. Tem como objetivo proteger o idoso como uma garantia fundamental que se tentou revogar por emenda, mas que é inconstitucional. h) Imunidade ao IPI de produtos destinados ao exterior: art. 153, § 3º, III. Seu objetivo é estimular as exportações, pois devemos exportar produtos e não tributos. i) Imunidade de pequenas glebas rurais ao ITR: art. 153, § 4º. É um aspecto do princípio da função social da propriedade e erradicação da pobreza (art. 3º, II, 5º, XXIII, 170, e 186). Aliás, guarda relação direta com o princípio da capacidade contributiva, normalmente ausente nos proprietários desses imóveis, mas não se restringe a ela, pois independe desta análise. j) Imunidade do ICMS sobre produtos industrializados, excluídos os semielaborados, destinados a exploração: Art. 155, § 2º, X, a. É semelhante à que vimos anteriormente quanto ao IPI. k) Imunidade ao ICMS das operações que se destinam a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica: art. 155, § 2º, X, b. Parece que o objetivo é diminuir o custo destes produtos, mas acabam enfraquecendo a arrecadação dos Estados produtores em benefício dos contribuintes. l) Imunidade em relação ao ICMS e IPI do ouro quando definido como ativo financeiro ou instrumento cambial: art. 155, § 2º, X, c. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 25 m) Imunidade em relação a qualquer outro imposto exceto ao ICMS, ISS e Imposto de Exportação nas operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país: art. 155, § 3º. O dispositivo trata somente de impostos, razão pela qual o STF sumulou entendimento (Súmula 659), segundo a qual poderão incidir PIS e Cofins. Aliás, a súmula 536 já dizia que “São objetivamente imunes ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias os produtos industrializados, em geral, destinados à exportação, além de outros, com a mesma destinação, cuja isenção a lei determinar”, sob a vigência da Constituição anterior. n) Imunidade dos direitos reais de garantia ao ITBI: art. 156, II. O objetivo aqui seria não onerar ainda mais o contribuinte. o) Imunidade em relação ao ITBI na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital e da transmissão de bens ou direitos decorrentes da fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica: art. 156, § 2º, I. p) Imunidade em relação a impostos nas operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária: art. 184, § 5º. Embora a Constituição fale em isenção, estamos diante de uma imunidade, pois encontramos esta norma na Constituição. A imunidade é justificada diante do fato de ser a reforma agrária meio para a realização do princípio da função social da propriedade e o objetivo programático da República de erradicar a pobreza e as desigualdades sociais e regionais. q) Imunidade da contribuição da seguridade social para entidades de assistência social: art. 195, § 7º. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 26 r) Imunidade da contribuição da seguridade social para os beneficiários de assistência social: art. 203, caput. s) Imunidade do serviço de educação para o ensino fundamental: art. 208, I. Essa imunidade não deixa de estar relacionada com a imunidade genérica do art. 150, VI, c, que vimos anteriormente. t) Imunidade da celebração do casamento: art. 226, § 1º. u) Imunidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de 65 anos de idade: art. 230, § 2º. Competência Tributária Como visto, trata-se da manifestação legislativa do poder de tributar. Ela é fixada pela constituição e tem por objetivo garantir a autonomia financeira dos entes federativos. A repartição dos tributos entre os entes federativos pretende garantir os recursos necessários para evitar a dependência indesejada de municípios e até mesmo de estados. Atributos. Os atributos são as características essenciais da competência: privativa, facultativa, irrenunciável, indelegável, inalterável, improrrogável e incaducável. Ela é privativa ou exclusiva, pois somente será atribuída a um ente federativo. A doutrina do Direito Constitucional distingue, seguindo a norma constitucional, a competência privativa da competência exclusiva. Privativa é a competência que pode ser delegada e exclusiva é aquela que não pode ser delegada. A rigor, a competência tributária é uma competência exclusiva, tendo em vista a sua indelegabilidade, como veremos a seguir. O cerne da questão é que ela será DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 27 atribuída a um único ente federativo e não teremos ao mesmo tempo ela sendo estabelecida a mais de um ente. Um tributo específico somente poderá ser instituído por um único ente federativo. A competência tributária é uma verdadeira autorização para que o tributo seja criado, assim ela é facultativa e não obrigatória. A Constituição determina que se o tributo for instituído ele o seja pelo ente nela designado. Ou melhor, se um entequiser instituir um tributo que seja um dos previstos a ele na Constituição (ex.: art. 153 VII). Parece haver uma imposição do contrário. A LC nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), no art. 11, determina que não poderá haver transferências voluntárias (ou seja, a entrega de recursos além dos predeterminados na Constituição) para ente federativo que não tenha instituído todos os seus impostos. Em verdade, o que esta lei determina é que um ente federativo não pode ser dependente de outro ente sem que haja essa necessidade. A competência tributária é irrenunciável, pois a competência tributária é determinada para garantir a autonomia financeira, e a autonomia dos entes federativos é algo irrenunciável já que essencial para a federação. Se por um lado o ente federativo não está obrigado a instituir o tributo, por outro lado ele está proibido de renunciar. A competência não será exercida, mas estará lá sempre à sua disposição. Estará sempre à disposição para quando ele dela necessitar. A competência é também, segundo o texto do art. 7º do CTN, indelegável. Isso significa dizer que estamos diante de uma competência exclusiva que não poderá, ainda que por vontade de ambas as partes, ser transferida para outro ente federativo. O CTN diz que as funções de arrecadar e fiscalizar podem, sim, ser delegadas. Isso, contudo, não é competência. Isso é capacidade tributária ativa. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 28 De igual forma, uma vez que estamos diante de um instituto criado para garantir a integridade da federação, a competência é inalterável. A Constituição não permite que um ente amplie a sua competência, ou mesmo a diminua. De certa forma, somente uma emenda constitucional poderia ampliar a competência. Mas será possível, ainda que por emenda constitucional alterar essa competência? Um impeditivo é a questão da cláusula pétrea que determina no art. 60 §4º I da CR que não poderá sequer ser objeto de emenda a proposta tendente a abolir a forma federativa de estado. Assim, os contrários a essa proposta defendem que transferir a instituição do ICMS para a União, ainda que a destinação de receitas fique com os Estados, retire a autonomia, o poder de se autogerir, dos Estados. A competência tributária é improrrogável – o não exercício da competência pelo ente predeterminado na Constituição não a transfere para outro ente (art. 8º do CTN). A competência é incaducável, haverá sempre a possibilidade de lutar por sua instituição, pois não há prazo. Conflitos. A Constituição dividiu todos os fatos possíveis entre todos os três entes federativos. E fez isso, pois preencheu qualquer lacuna por meio da instituição da competência tributária residual da União. Nesse caso, dois institutos precisam ser definidos. O primeiro deles é bis in idem. Pela jurisprudência do STF, haverá bis in idem quando o mesmo ente federativo estiver instituindo a mesma espécie tributária sobre o mesmo fato gerador. Deve ser a mesma espécie de tributo (um dos cinco), sobre o mesmo fato gerador. Para as contribuições sociais, a doutrina e a jurisprudência criaram uma peculiaridade. A distinção não estará tanto no fato gerador. As contribuições são distinguidas por sua destinação. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 29 Outro ponto importante é saber se o bis in idem é inconstitucional. Nele não há invasão de competência. Então, há quem afirme (e esta é a tese pro fisco) que esse novo tributo somente seria inconstitucional se ele tivesse efeito confiscatório. Ou seja, se a soma dos dois tributos, o novo e o antigo, gerassem um dever de pagar tão elevado que colocasse o indivíduo em uma situação muito gravosa, extinguindo a riqueza tributada. Por outro lado, segundo uma regra de hermenêutica constitucional, não há palavras inúteis ou desnecessárias na Constituição. A Constituição não poderia expressamente autorizar o que o destinatário da norma já pudesse fazer. É o que vemos no art. 154, II da CR, no que tange ao “fato gerador (...) previsto (..) na competência da União”. Há julgados reconhecendo bis in idem na modificação da tributação dos planos de previdência privada e reconhecendo a sua inconstitucionalidade. A bitributação é uma hipótese de invasão de competência, já que designa a hipótese em que um ente federativo distinto daquele previsto na Constituição cria a mesma espécie tributária sobre um fato gerador previsto a outro ente federativo. Diferença entre capacidade tributária ativa e competência tributária. A capacidade tributária ativa corresponde aos poderes de fiscalizar e arrecadar o tributo. Assim, trata-se do cumprimento da lei e não de sua elaboração. Comparemos os atributos. Tanto a competência como a capacidade tributária serão exercidas por uma única pessoa. Ela somente poderá ser exercida por um único ente federativo – tanto que o próprio CTN, autoriza no art. 164, que na hipótese do tributo ser cobrado por mais de um ente federativo, o sujeito passivo (aquele que é cobrado) poderá promover judicial uma ação de consignação em pagamento, em face dos que lhe cobram, a fim de que se determine exatamente qual é o único credor. Por outro lado, essa função de fiscalizar e arrecadar pode, como autoriza o art. 7º do CTN, ser delegada a outra pessoa jurídica de direito público. Poderá então DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 30 ser exercida por outro ente, ou mesmo por numa descentralização a uma autarquia (e.g. cobrança da contribuição da seguridade social pelo INSS até 2007). Concluímos que a capacidade tributária ativa é verdadeiramente privativa, enquanto a competência é exclusiva – se adotarmos um rigor técnico. Em sequência, podemos dizer que a capacidade tributária ativa não é facultativa, pois como determina o art. 142, parágrafo único, essa atividade é vinculada e obrigatória. A lei determina exatamente qual tributo será cobrado e como ele será cobrado. Podemos falar do instituto da remissão. O CTN estabelece no art. 156 IV a remissão. Remissão é o perdão do tributo devido. Seria a renúncia à cobrança do tributo. Ela não é livre, pois determina o art. 172 do CTN que a lei poderá autorizar a remissão. Logo, a capacidade tributária ativa é renunciável, nos termos da lei. O ente federativo poderá criar contornos legais para a renúncia do tributo. A capacidade tributária ativa é alterável. Ela poderá receber os contornos que o ente federativo quiser. Ora isso decorre da própria autonomia federativa, que é composta também pela autonomia administrativa. Pelo poder de se auto- organizar. Assim como a competência, a capacidade tributária ativa, não será transferida a outro ente na hipótese de não ser exercida. Se um ente institui um tributo e mal o cobra, não poderá o outro ente exercer esta cobrança. O problema que pode surgir tem ordem política: se um ente federativo institui e não arrecada o tributo haverá um problema: sua receita tributária estará diminuída, e a parcela que será transferida a outro ente também. E não há mecanismo para coibir isso por parte do ente federativo destinatário. O que se poderia fazer é provocar os órgãos de fiscalização do exercício da atividade financeira do estado para que se coloque a DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 31 questão em termos de violação da legislação de responsabilidade fiscal – Poder Legislativo, Tribunal de Contas e Ministério Público. E um último ponto, em que há distinção, a capacidade tributária ativa é caducável. No art. 156 V do CTN vemos a instituição, dentre as causas de extinção do crédito tributário, da prescrição e da decadência. Espécies de competência. A rigor a competência tributária é sempre privativa. Mas a doutrina para facilitar o estudo da competência tributária cria certas classificações que divide a forma como a Constituição distribui este poderentre os entes federativos. Tentaremos mostrar de forma mais completa, apresentando inclusive aquelas que nem são adotadas pela maioria da doutrina. Privativa é aquela que a Constituição dentro do capítulo do Sistema Tributário Nacional atribui a um ente federativo determinado especificamente – simplesmente encontramos no capítulo I do Título VI da Constituição que veremos exatamente e com precisão quem vai cobrar tributo sobre determinado fato gerador (ex.: arts. 153, 148 , 149, 155 e 156). Comum é aquela que a Constituição atribui indistintamente aos três entes federativos dentro do capítulo do Sistema Tributário Nacional (taxas e contribuição de melhoria). A Constituição vai dizer que estes tributos competem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, mas não diz qual taxa cabe a cada um. Significa dizer que a questão se resolve no âmbito da competência administrativa. Como estamos diante de tributos vinculados, tributos em que o fato gerador é uma atividade específica do estado. A taxa terá como fato gerador ou o exercício regular do poder de polícia ou a prestação de serviço público. A contribuição de melhoria terá como fato gerador uma obra pública que gere valorização imobiliária. Assim, nos dois casos estamos diante de tributos que dependem de DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 32 um agir do Estado. Assim, a competência tributária comum será delimitada pela competência administrativa. E mesmo diante da competência administrativa comum, o STF adota aqui a teoria do interesse predominante. Deve-se verificar no caso concreto se estamos diante de uma questão em que o interesse predominante é nacional – para exercício de atividade pela União e, logo, cobrança de tributo por ela; regional – para exercício de atividade pelo Estado e cobrança de tributo por ele; ou local – para exercício de atividade pelo Município e cobrança de tributo por ele. Residual é aquela que você não encontra o fato escrito na Constituição em nenhum dispositivo. O que o constituinte faz é determinar que se for o caso de instituir um tributo novo qual será o ente que poderá fazê-lo. A União terá competência residual para instituir um novo imposto (art. 154 I CR) e uma nova contribuição da seguridade social (art. 195 §4º CR). Ainda podemos dizer que se a competência administrativa delimita a competência tributária comum, se a competência administrativa residual é dos estados (art. 25 §1º CR) e se a competência tributária comum diz respeito às taxas e contribuição de melhoria, a competência residual relativa às taxas e contribuição de melhoria é dos estados. Extraordinária é aquela que não está à disposição normalmente, ou seja, é necessária a ocorrência de uma situação incomum para que ela possa ser exercida (ex.: art. 154 II CR). Alguns doutrinadores incluem aqui o exercício da competência tributária relativa ao empréstimo compulsório, pois a rigor a Constituição não fixa o fato gerador dele, mas as hipóteses em que ele poderá ser criado. Essas hipóteses são igualmente incomuns: investimento urgente de relevância nacional (algo que não foi planejado), guerra externa e calamidade pública. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 33 Cumulativa ou múltipla a prevista no art. 147, da CR, porque atribui à União o poder de instituir também tributos estaduais e municipais (desde que em territórios federais) e ao DF, além dos estaduais, também os municipais. Especial seria o poder de instituir empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Esta competência seria destacada pelo fato de apenas recentemente (com a constituição de 1988) terem entrado no rol dos tributos. Repartição de Receitas Tributárias Depois de estudarmos a competência tributária, que nada mais é do que o mecanismo principal para garantir a autonomia financeira que mantém a autonomia maior dos entes federativos. Essa distribuição, entretanto, não leva em consideração critérios exclusivamente arrecadatórios, fiscais. Verificamos que a maioria dos impostos de competência da União são a ela distribuídos pois há uma questão política, extrafiscal. Isso gera o que se chama de federalismo assimétrico. O mecanismo encontrado para corrigir eventuais distorções é o sistema de repartição de receitas tributárias, ele só transfere a receita. A competência permanece intacta. Conceito. Esse sistema redistribui os recursos arrecadados entre os entes federativos. A arrecadação da União é bem maior que a arrecadação dos estados e municípios. A dos estados maior que a dos municípios. Então determina a Constituição que eles dividam entre si o produto daquilo que arrecadarem, sempre do ente “maior” para o ente “menor”. Essa repartição está nos arts. 157 a 162 da Constituição. A distribuição é praticamente só de impostos, uma vez que esse é o tributo que possui como elemento diferenciador não possuir destinação específica, o que não compromete DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 34 a sua receita tornando-o ideal para a função extrafiscal e não comprometendo o orçamento pela distribuição. Essa repartição merece controle de todos os entes federativos, de tal forma que a Constituição vai determinar a publicação da receita que foi repartida, até o último dia do mês subsequente. A doutrina majoritária divide as formas de repartição em dois grupos, a direta e a indireta. Para sermos, entretanto, mais detalhistas, vamos traçar ainda mais uma subdivisão na tentativa de apresentarmos um trabalho sempre minucioso. Formas de repartição. A repartição de receitas pode ser dividida em três espécies: direta propriamente dita, direta por retenção e indireta ou por fundos. Na repartição direta propriamente dita, temos a forma mais elementar e simplista de repartição. O ente federativo competente institui e arrecada o tributo, após a arrecadação ele retira um percentual determinado pela Constituição e entrega ao ente federativo destinatário. Essa forma merece um controle maior por parte dos destinatários, uma vez que pode haver conflito entre os entes federativos relativamente à prestação de contas quanto ao efetivamente arrecadado. É por esse motivo que vimos anteriormente a regra do art. 162 que estabelece o dever de transparência do ente arrecadador. No art. 157 encontramos as transferências constitucionais obrigatórias da União para os estados. O inciso II trata da transferência de 20% do produto da arrecadação do imposto residual. Assim é que se a União decidir instituir um tributo deverá transferir 1/5 do que arrecadar para os estados. Até hoje a União não criou nenhum imposto novo, portanto essa transferência não se efetivou. Os DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 35 estudiosos apontam a existência dessa regra como a causa para a União não ter exercido esta competência e há nisso certa razão. Hoje o tributo que mais cresce em novidade é a contribuição especial. A União vem nos últimos anos criando várias contribuições. A rigor, as contribuições geram um maior controle por possuírem necessariamente destinação específica. Isso engessa, de certa forma, o executivo que deve ficar preso quanto ao gasto destas. Por outro lado, sobre as contribuições, à exceção da Cide combustíveis, não incide regra de repartição, o que faz com que todo o trabalho e custo arrecadatório se reverta exclusivamente em favor da União. No art. 153 §5º I da CR, encontramos a regra que determina a repartição direta do produto da arrecadação do IOF sobre o ouro como ativo financeiro a União para os estados, e no inciso II a transferência da União para os municípios. Em verdade este imposto tem notável função extrafiscal. Senão qual seria o interesse que a União teria em instituí-lo para fiscalizá-lo e cobrá-lo sem qualquer proveito. Sim. Do total arrecadado 30% pertence aos estados e 70%aos municípios. A União não permanece com nada. Todo o produto arrecadado é entregue a estados e municípios. Nos art. 159 II e §3º, a Constituição regula a transferência da União para os estados de 10% do produto da arrecadação do IPI relativamente às exportações (se houver). Os estados também deverão repartir o que recebem da União, entregando ¼ aos municípios. Sendo assim, à União caberá 90%, aos estados 7,5% e aos municípios 2,5% do produto da arrecadação do IPI sobre as exportações. Há, por assim dizer, uma dupla transferência. No art. 159 III é determinada a repartição entre União e estados de 29% do produto da arrecadação da Cide combustíveis que deverá ser aplicada em financiamento de programas de infraestrutura de transportes. Por sua vez, nem tudo caberá aos estados que entregarão aos municípios ¼ do que lhes couber DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 36 também aos municípios, conforme previsão expressa no §4º do mesmo artigo. Assim, para simplificar, a União fica com 71%, os estados com 21,75% e os municípios com 7,25%. Outra forma de repartição direta é a transferência do ITR da União para os municípios. A União transfere aos municípios a metade do que arrecadar. Aqui estamos tratando da hipótese em que o município prefere não firmar convênio para fiscalizar e cobrar pessoalmente. A hipótese em que a capacidade tributária ativa é transferida para o município será vista na hipótese de repartição direta por retenção. Dos estados para os municípios temos a transferência de metade do produto da arrecadação do IPVA. Daí podemos verificar o interesse dos municípios na fiscalização deste tributo. Aliás, é por este motivo que o veículo vem a ser licenciado no município, pois a divisão é feita em função desta divisão. Também dos estados para os municípios temos a repartição do ICMS entre estados e municípios. Aqueles ficam com 75% e estes com 25%. A parcela que é transferida aos municípios será dividida de duas formas, três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizadas em seus territórios; e até um quarto conforme lei estadual. Algumas leis dividem a parcela dos municípios segundo critérios de proteção ao meio ambiente. É o chamado ICMS ecológico ou ICMS verde. Ele pode servir para estimular a conservação da biodiversidade considerando o percentual de áreas de conservação nos territórios dos municípios, por exemplo. O ICMS ecológico nada mais é do que o conjunto de critérios ambientes utilizados para determinar a participação de cada município em parcela do ICMS arrecadado pelo estado onde está localizado. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 37 Na repartição direta por retenção, o próprio destinatário do tributo é encarregado de sua arrecadação, quer por haver delegação da capacidade tributária ativa, quer por estarmos diante de uma hipótese de responsável por substituição. Destacamos essa hipótese, pois ela gera um problema que é a quem direcionar a ação quando há uma retenção indevida. Se por um lado o cumprimento das obrigações acessórias, como é o exemplo da declaração de ajuste anual do imposto de renda, deve se dar diretamente à União, por outro lado, na hipótese de repetição de indébito a demanda é formada de um lado por quem teve o empobrecimento indevido (o contribuinte) e por quem teve o enriquecimento indevido (o ente federativo que fez a retenção). Então restou a dúvida até que o STJ editou a súmula 447 que diz que “os Estados e o Distrito Federal são partes legítimas na ação de restituição de imposto de renda retido na fonte proposta por seus servidores”. É claro que o mesmo entendimento deve ser aplicado nas outras hipóteses de repartição por retenção. Nas hipóteses em que o ente federativo é a fonte pagadora do acréscimo que sofre a incidência do IR, apesar de o ente competente ser a União federal que vai legislar e determinar todos os aspectos da obrigação tributária relativa a ele, ela não recebe o s recursos. Em se tratando de estados e municípios (inclusive suas autarquias e fundações), o imposto de renda resultado desta retenção sobre as remunerações, ao invés de ser recolhido aos cofres do Tesouro Nacional será retido na conta daquela fonte pagadora como forma de repartição por retenção. Isto pode ser conferido nos arts. 157, I, e 158, I, da CR. Outra hipótese que já foi vista pela metade é a previsto no inciso II do art. 158 da CR. Vimos como forma de repartição direta propriamente dita que toda vez que a União fiscalizar e cobrar o ITR, metade dele será entregue ao município onde estiver localizado o imóvel. Para a União, esse tributo é extrafiscal e dá DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 38 enorme trabalho arrecadar. A União transfere ao município a arrecadação e este se incumbe de fiscalizar, o que satisfaz a União. E o município, a teor do art. 158 II, se não exercer a capacidade tributária ativa ficará com metade do que a União arrecadar. Se o município exercer esta função, ele ficará com a totalidade do ITR arrecadado, em razão de repartição de receita de impostos direta por retenção. Na repartição indireta ou por fundos, os tributos serão entregues a um fundo que será responsável por repartir de forma equitativa. O Fundo de Participação dos Estados recebe 21,5% do produto da arrecadação do IR e IPI. Lei complementar, na forma do art. 161 da CR, determina como esses recursos serão distribuídos entre os estados. Essa é a LC nº 62/1989, mas que teve dispositivos declarados inconstitucionais por não cumprir sua finalidade principal, ou seja, prever critérios para repartição adequados. Foi então que foi aprovada a LC nº 143, de 17 de julho de 2013. O Fundo de Participação dos Municípios recebe 22,5% do produto da arrecadação do IPI e do IR. Além disso, recebe também mais 1% que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano. Há ainda fundos regionais, que receberão 3% da arrecadação do IPI e do IR especialmente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sendo que a metade destes recursos deverá ser destinada exclusivamente ao semiárido do Nordeste. E por fim o Fundo de Compensação de Exportação, previsto no art. 159, II, da CR, para o qual serão destinados 10% do produto da arrecadação do IPI, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados, limitado a 20% do montante, devendo eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 39 Vedação de retenção de repasses. A divisão desses recursos é algo que pretende corrigir o federalismo assimétrico brasileiro. No Brasil, há entes federativos mais ricos em questões de impostos do que outros, como fica evidente quando comparamos a União com qualquer outro ente. É por isso que a Constituição deixa expresso no artigo 160 que é vedada a retenção destes recursos. A regra geral é esta. Não pode um ente federativo pretender colocar o outro ente à sua dependência por via de bloqueio destes repasses. Mas veja esta é a regra geral. Exceções para retenção de repasses. Essas exceções são taxativas. O primeiro argumento que inadmite outras exceções é uma questão de hermenêutica. Normas excepcionais devem ser interpretadas de forma restritiva. Exceção se interpreta restritivamente, para que não se torne a regra, para que não seja mais do que uma exceção. O segundo argumento é o de que tratamos de norma constitucional que trata algo que pode colocar em risco o pacto federativo. E sobre este ponto é claro que não pode haver sequer proposta de emenda constitucional, como deixa claro o art. 60 §4º I da CR. A primeira hipótese que autoriza o bloqueio diz respeito à garantia dos créditos do ente que está repassando o tributo. Curiosamenteaqui vemos que alguns julgadores do TRF da 4a Região teria exercido a opção pela teoria dualista que veremos na primeira aula da próxima disciplina. Segundo essa teoria, apesar de a obrigação tributária nascer com o fato gerador, o crédito tributário nasce somente com o lançamento. Nesse sentido, há julgados que somente admitem o bloqueio do repasse, em se tratando de crédito tributário, após o devido lançamento. É o que você pode ler no AMS 1999.71.005108-0 da 1a Turma do TRF da 4a Região. Mas isso não é pacífico. A segunda hipótese é para o cumprimento do disposto no art. 198 §2º II e III da CR. Aqui temos a questão relativa aos percentuais da arrecadação em ações e serviços públicos de saúde previstos no orçamento, na lei orçamentária anual. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 40 O problema, durante muito tempo, era a questão relativa ao que eram os gastos mínimos com saúde. A LC nº 141/2012 cuidou de estabelecer estes critérios. E para concluirmos esta aula com algo bastante intrigante, este é um mecanismo que tenta dar alguma efetividade à regra do art. 198 da CR. Isso porque, em caso de falta de previsão de gastos mínimos com educação e saúde no orçamento, o que pode ser feito é buscar a declaração de inconstitucionalidade da lei orçamentária anual. Alcançando esse objetivo, faltará elaborar uma nova lei orçamentária para aquele ano. Se a nova lei orçamentária vier com a mesma falha. A solução é iniciar o processo de novo. Tantas vezes quantas o fato se repetir. O mecanismo é forçar o administrador a fazer esta previsão, cortando- lhe os recursos. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO 41 Referências bibliográficas BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Vol. 2. Valores e Princípios Constitucionais Tributários. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Segurança jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2013. CARRAZZA, Roque Antônio; COSTA, Marcio. Imunidades tributárias. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
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