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Hera deusa do casamento

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Hera: deusa do casamento 
James Hillman 
 
Tradução: Daniel Françoli Yago 
 
 
O casamento envolve dois mundos – um mundo de grandes ideais e um mundo de 
praticidade muito mundana. Estes dois lados do casamento simbolicamente unem o céu 
e a terra, a velha imagética do deus-céu e a deusa-terra, ou vice-versa, que faz com que 
todos nós soframos com as tensões do casal: “Como se pode unir os ideais e o lixo, o 
vestido de noiva e os reparos do carro? ”. Primeiramente, o “problema do casamento” 
está dado pela imagem arquetípica de dois mundos: não necessariamente como 
diferenças de gênero, mas como vetores direcionais, um elevado e vertical, outro baixo 
e horizontal. Não importa quão mundano um casamento possa ser, ancorado no mundo 
ordinário e cotidiano, a idealização está presente a todo tempo, não simplesmente no 
vestido de noiva, mas em todas as fantasias de como ele poderia ser, de como ele 
deveria ser, de como desejaríamos que ele fosse. O lar compartilhado da casa própria, 
o parceiro idealizado, o casal idealizado – “eles não são um casal adorável? ” – sexo em 
casa, renda dupla (mesmo quando o governo favorece), e o sentimento entre marido e 
mulher como o de irmão e irmã. 
 O outro lado dos ideais é a praticidade. Como um casamento poderia existir de 
verdade? É uma convenção da sociedade, sim, mas também uma conveniência social. 
Uma pessoa toma conta das crianças e das malas enquanto a outra vai ao banheiro no 
aeroporto ou no shopping, uma delas levanta a tampa para que a outra jogue o lixo. 
Uma dirige o carro enquanto a outra olha as placas na estrada. Estas são realidades do 
casamento que seguem junto ao vestido de noiva, aos chás de panela, ao marido ideal 
e a esposa perfeita. Como estas partes se sustentam? Qual é a parelha? 
 Quando o jornal local entrevistou as pessoas da minha cidadezinha Putnam, em 
Connecticut, perguntando às pessoas em seus sessenta, setenta, oitenta anos o que 
havia de melhor no casamento, a resposta foi a união. Partilha de vida, estar juntos, 
acoplamento. 
Estas duas partes eram conhecidos na alquimia como o fixo e o volátil. Um dos 
primeiros dicionários alquímicos diz que não há termo mais frequente em voga entre os 
"filósofos" (isto é, os alquimistas) do que a palavra "casamento". Sol e lua, mãe e filho, 
noiva e do noivo, irmão e irmã, todas essas expressões alquímicas fazem referências 
exclusivamente à união do fixo e do volátil. Vocês podem decidir qual de vocês é o fixo 
e qual é o volátil ou como as mudanças de papel vem e vão. Deste modo o casamento 
se torna arquetípico, para além de se tratar somente de você e eu e de nossas vidas 
pessoais, ou do nosso "problema da união", um local de grande infelicidade. Cinquenta 
por cento dos nossos casamentos culminam em divórcio. Em Michigan vão começar uma 
nova lei para impede que isto aconteça tão facilmente. Na América, fazemos novas leis 
para lidarmos com o que nos desagrada e alguns europeus dizem que o mito da América 
é a lei. Em vez de termos mitos que sustentam a cultura, nós fazemos novas leis, e por 
isso precisamos de muitos advogados, pois eles são os sacerdotes do nosso sistema. 
Para abrandar o divórcio, escrevemos uma nova lei. 
A dificuldade está em ir para o casamento com expectativas tanto práticas 
quanto ideais. O que segue é que cada parceiro quer mudar o outro para satisfazer as 
expectativas, e a linguagem torna-se "eu não posso" ou "eu não vou", um combate entre 
o "eu não posso mudar" e "eu não vou mudar". A todo momento há ou depressão 
incapacitante, ou ativo estado de guerra. A realidade nunca é igual à fantasia que se traz 
para o casamento. Há um excesso de fantasia. Imaginamos este bom casamento que a 
tudo inclui – todos os deuses – comunicação, parcerias, apoio, fertilidade, amizade, 
êxtase sexual, paixão, imaginação criativa, lealdade, um lugar para a loucura, perversão, 
raiva, tudo será permitido. O casamento deverá sustentar tudo. 
A grandeza da fantasia do casamento vem em parte de Hera, porque ela era a 
grande deusa, uma rainha que abraçou grandes empreitadas, incluindo seu marido, 
Zeus, que abraçou ainda mais. Nosso casamento americano deve ser fantástico e 
anunciado no The New York Times. Os casamentos anteriores – casamentos vitorianos 
– certamente não abraçavam tanto. Sr. e Sra. ainda se chamavam de Sr. e Sra. anos por 
vir. Eles nunca se mostravam nus, não usavam o primeiro nome, seu relacionamento 
tinha longos silêncios e mantinha grandes partes de si mesmos à distância, suas 
fantasias, seus sonhos, casamento tornado recipiente para o quieto desespero da vida 
interior. Um homem era um marido, um bom provedor, que mantinha a questões 
administradas, sob controle, e a mulher era uma dona de casa (ou seja, ela só cuidava 
da casa). 
Hera oferece o desejo de se casar; este louco "querer de união" que chega a nós 
em idade precoce e que ostenta tantos significados arquetípicos como se fosse uma 
salvação. Isto não é o mesmo que encontrar um "outro importante", a pessoa certa, e 
assim por diante. Pelo contrário, esta necessidade imperiosa, o desejo de união, não é 
meramente genética, sexual, é ontológica, desejo de unir-se, de acoplar-se. Querer um 
marido, querer uma esposa – o outro lado é um medo terrível. O medo de unir-se, o 
medo de acoplar-se, é o medo da deusa Hera. Ele está retratado no filme "Quatro 
casamentos e um funeral", em que a figura principal teme a todo momento o casamento 
ao mesmo tempo que o anseia. Existem dois lados da Hera – o desejo de união e o medo 
dela. 
Uma outra forma em que ela aparece na psique do casamento é como uma vaca. 
Ela era adorada como uma vaca; como se estar casado fosse como ter uma vaca no que 
se refere ao seu sentido nutridor, estável e receptivo. A vaca de Hera diz que haverá 
estabilidade, que haverá nutrição, que haverá regularidade, que haverá calmaria, que 
haverá ordem, que haverá cheiro de estábulo. Ela (Hera-vaca) era chamada de “olhar de 
vaca”. 
A vaca é também uma posse, de maneira que um terceiro aspecto da Hera no 
casamento é a propriedade: dote, acordo pré-nupcial, e assim por diante. As leis da 
propriedade, o tremendo valor que damos à propriedade em nossa sociedade 
americana. No início nos Estados Unidos vocês podiam votar somente se tivessem 
alguma propriedade. Vivemos em um mundo de Hera no sentido da importância da 
propriedade privada – vocês têm permissão para matar os intrusos de sua propriedade 
privada. A propriedade já está presente no enxoval, nos presentes que são dados no 
casamento, no chá de panela, no acúmulo de posses que se inicia com o relacionamento 
e as divisões de propriedade (os seus talões de cheques e cartões de crédito, e os meus). 
Lembrem-se de Ulisses: os heróis da Grécia deveriam trazer troféus de suas aventuras 
para adornar a casa, trazer evidências de vitória, emblemas, propriedades). Os heróis 
eram "a glória de Hera", que é o que a palavra Hércules (Herakles) significa. 
O elemento de Hera era o elemento do ar e o ar tem a ver com a atmosfera. Todo 
casamento e todo momento do dia têm sua própria atmosfera e quando um dos 
parceiros chega em casa à noite, ele sente de imediato a atmosfera da casa, e se vocês 
não tiverem sensibilidade para com esta atmosfera, estarão convidando a discórdia para 
entrar. Há um tipo de qualidade, de humor, que é a atmosfera – não convém arejar 
quando há uma tempestade por vir. Ela vem com a administração da casa, com os 
humores, as baixas e altas pressões, o peso que paira sobre os quartos, e não emana 
nem do homem nem da mulher, mas da própria casa. Vocês podem vê-la em alguns dos 
antigos cartuns de Thurber sobre voltar para a casa em que ela é como uma fera gigante 
ou um enorme polvo com seus tentáculos, um estado de espírito que predomina no 
movimento de sair da rua para entrar em casa. 
Outro desses fatores vitais que Hera governa é o ciúme. É notável em muitas 
histórias que Heraé uma mulher terrivelmente ciumenta. Qualquer coisa que ameace o 
casal deixa Hera apreensiva. Existem diferentes tipos de ciúme – ciúme sexual, ciúme 
narcísico de não receber a atenção certa e há um ciúme que tem a ver com ameaçar um 
casal e é quando Hera mostra a si mesma. Um marido pode ter ciúmes do trabalho de 
sua esposa, de seus amigos, ela pode estar com ciúmes de sua mãe, sua relação com a 
sua filha, seu trabalho e viagens podem ameaçar o casal. Nem tudo é sexual. 
Aqui está um pequeno poema de Robert Creeley. É muito sutil porque mostra o 
movimento da idealização à profunda união: 
 
Um casamento 
 
O primeiro retentor 
que ele deu a ela 
foi um anel 
dourado de casamento. 
 
O segundo - tarde da noite 
ele acordou, 
inclinou-se sobre seu cotovelo, 
e a beijou. 
 
O terceiro e último – 
ele morreu com 
e desistiu de amar 
e viveu com ela. 
 
Creeley está dizendo que há algo para além das fantasias de amar. Simplesmente 
viver para a morte seria a união final, o aspecto profundo da união. 
As idealizações em nossa cultura são extremamente complicadas – esperamos 
que elas sejam cumpridas. Conheci um homem que era do Sudão. Um dia, ele pegou o 
London Times e descobriu que ele havia se casado. Ele ainda não sabia quem era ela, 
mas ele havia se casado com ela. Outro homem que conheci na Índia tinha ideais 
tremendos acerca do casamento. Ele era um homem jovem e tinha imagens românticas, 
belas, em sua mente. Ele passou por toda a cerimônia e sua noiva estava velada. Quando 
a cerimônia de casamento acabou e ela foi desvelada, descobriu que ela teve varíola e 
todo seu rosto estava marcado com cicatrizes. Para ele a idealização de sua imagem de 
casamento, da noiva e por aí vai, tinha acabado no momento do casamento em si. 
As pessoas entram em casamentos com diferentes fantasias. Uma delas é de que 
ele é um sacramento que convoca a velhice e a morte até mesmo nas palavras da 
cerimônia. Até que a morte nos separe. E o casamento inclui a doença e a pobreza – o 
pior. O sacramento contém as sombras da vida. Outro ponto de vista, que Adolf 
Guggenbühl-Craig em seu livro O casamento está morto, viva o casamento! coloca muito 
bem, sustenta que ele é uma vocação, e apenas algumas pessoas estão aptas a realizá-
lo. O casamento é um chamado e nem todo mundo é chamado para ele. O autor afirma 
que é uma maneira de individuação para algumas pessoas, mas não para todos. Assim, 
não devemos incutir o casamento sobre as pessoas da mesma forma, algumas pessoas 
têm outros tipos de chamado. Se Elizabeth Taylor se casa oito vezes, está claro que o 
casamento não era sua vocação. Ela é uma casadora em série [serial marriager]; ela tem 
outro chamado. Não é que ela tenha falhado no casamento, mas que ela tinha algumas 
outras coisas a que se dedicar. 
 
Outro ponto de vista que já mencionei é que o casamento é uma representação 
simbólica do céu e da terra, por um lado, prático e, por outro lado, ideal. Daí o divórcio, 
a partir deste ponto de vista, ser um radical horror cosmológico; ele divide o céu e a 
terra. É uma violenta ruptura arquetípica. Um dilaceramento do cosmos. 
Há, então, um quarto ponto de vista que será ampliado à medida que 
prosseguimos: o casamento pertence ao Estado, pertence à sociedade, à comunidade, 
Zeus e Hera são a estabilidade social, eles constituem o Estado de certa forma, para que 
possamos ser casados por um juiz de paz no City Hall, porque o casamento também é 
secular. Nós assim reconhecemos ao termos tanto casamentos de igreja quanto 
casamentos legais. O nosso imposto de renda e as nossas leis de herança reconhecem 
que a estrutura fundamental da organização da sociedade é o casamento. Portanto, 
alguns podem afirmar que não tem nada a ver em particular com as pessoas que estão 
envolvidas, que não tem nada a ver com Deus, que não tem nada a ver com 
representações simbólicas. É uma estrutura fundamental da sociedade pertencente a 
pólis ou a cidade ou a comunidade. 
Eu disse que Hera é a figura que nos quer em casais, que nos insta à união. Sua 
união é com seu irmão, Zeus, por isso é um acoplamento muito intenso, é endogâmico, 
como se seu companheiro estivesse dentro de seu próprio interior. Esse sentimento de 
que seu marido é o seu melhor amigo. Seu marido tão próximo como um irmão ou a 
sensação de que sua parceira é uma irmã. Esse tipo de relação de intimidade interior e 
familiaridade é o reconhecimento desse sentimento Zeus-Hera. 
Quando Hera não está em união, problemas irrompem. Posso ler para vocês (do 
Hino Homérico ao Apolo Pítio) um pequeno exemplo destes problemas arquetípicos. 
Hera deu à luz o monstro Tífon quando ficou enlouquecida depois que o próprio Zeus 
deu à luz a gloriosa Atena de sua cabeça (ele esbravejou e deu à luz a Atena do topo de 
sua cabeça), o que deixou a senhora Hera irritada. Para ela, ele estava se separando da 
união do casamento. Desunião. E a senhora Hera ficou irritada e disse aos deuses que 
estavam presentes o seguinte: "Ouçam-me todos os deuses e deusas a forma como 
Zeus, aglomerador de nuvens, começa a desonrar-me depois de ter-me feito sua amada 
esposa. Sem mim, ele deu à luz a Atena dos olhos brilhantes que se destaca de todos os 
bem-aventurados deuses. Mas meu próprio filho, Hefesto, a quem dei eu mesma à luz 
era fraco dentre todos os deuses e seu pé era atrofiado e era uma desgraça para mim, 
uma vergonha para mim no céu, e então eu o levei em minhas mãos, o atirei e ele caiu 
no mar profundo". 
Hera é dura! Não nos esqueçamos disso. Quando seu companheiro fazia algo por 
conta própria, ela também fazia algo por conta própria. Isto acontece na nossa 
sociedade atualmente – "Tudo bem, você está saindo para fazer isso, então eu vou sair 
para fazer aquilo". Cada um de nós tem as próprias necessidades, cada um de nós 
precisa cuidar de seu próprio daimon. Assim, Hera fez um filho coxo e o jogou fora. Ela 
se queixa de que o que saiu dela era coxo, ao passo que o que saiu de Zeus foi a Atena 
de olhos brilhantes! "Bem, seu diabo astuto", diz ela, "O que você pretende fazer agora? 
Como você ousa dar à luz sozinho a Atena dos olhos brilhantes? Não teria eu dado à luz 
em seu lugar? Pelo menos fui chamada de sua esposa entre os deuses que vivem em seu 
vasto céu. Cuide-se agora para que eu não crie problemas para você mais tarde". 
Atentem para isso... Cuide-se para que eu não crie problemas para você mais tarde. 
“Ela disse tudo isso e se afastou dos deuses. Seu coração estava muito irritado. 
A senhora Hera com seus olhos de vaca orou e pousou no chão com a palma da sua mão 
e disse: 'Ouçam-me agora. Todos vocês. E dê-me uma criança separada de Zeus, uma 
que não seja mais fraca que ele em força. Na verdade, fazê-la mais forte do que Zeus’". 
“Ela gritou estas palavras e bateu no chão com sua grossa mão e, em seguida, a Terra 
que nos traz vida foi movida. Quando ela viu, estava muito feliz e à espera de 
cumprimento. Daquele ponto em diante, durante um ano inteiro ela não foi sequer uma 
vez à cama do sábio Zeus, ela nem sequer se sentou em sua elaborada cadeira como 
costumava fazer dando-lhe um bom conselho". [Essa é outra parte do que Hera faz]. 
"Não! Ela permaneceu em seus templos, a senhora Hera com seus olhos de vaca... E 
quando os meses e os dias estavam por terminar e as estações do ano vieram e foram 
na viragem do ano, ela deu à luz algo que não se parecia com os deuses, ou os seres 
humanos, em nada: ela deu à luz o temido, o cruel Tífon, uma tristeza para a 
humanidade. Imediatamente a senhora Hera com seus olhos de vaca o recebeu ... E o 
usou para fazer muitas coisas terríveis". 
As três criaturas que ela trouxe ao mundo por sua própria conta em estado de 
desunião foram Hefesto, o ferreiro, cuja perna era torta e invertida; Ares, Marte, o deus 
da fúria, da raiva da guerra, e esse monstro, Tífon. Claramente, quando Hera está 
desunida é o inferno na terra. E este é o medode Hera. Esse medo percorre o casamento 
ao ponto de poder quebrantá-lo. Nós dizemos que os homens assumem este medo (nós 
brincamos sobre os homens sendo dominados pela mulher, e assim por diante) ao 
dizermos que eles estão com medo de suas esposas. Eles não têm medo de suas esposas, 
eles têm medo de seu elemento relacionado a Hera. Se você quebrar, de uma forma ou 
de outra, esta situação marital, então todo o inferno virá à tona. O que acontece quando 
a desunião acontece? É da própria deusa do casamento que vem essa violência; Marte, 
Hefesto, e este monstro, Tífon. 
Há outro aspecto importante e sutil nos mitos de Hera; ela tem três fases ou três 
faces. Hera, a jovem, a virgem, a noiva, é chamada de Hebe. Hebe não chegou a nossa 
cultura senão patologizada como "hebefrenia". Este diagnóstico não possui mais este 
sentido no DSM, constituindo-se apenas como uma subforma desordenada de 
esquizofrenia. Antes, hebefrenia se referia a uma demência juvenil, geralmente 
"encontrada" em jovens que eram bobas, levianas, muito risonhas. A figura mítica, 
Hebe, foi uma forma jovem de Hera e a palavra também significa púbis em grego antigo; 
portanto, uma forma de esquizofrenia precoce, iniciada na adolescência. Em muitas 
histórias Hebe é a noiva de Hércules, ou seja, o aspecto Hebe de Hera se casa com o 
herói de Hera, e até mesmo seu nome está contido no dele. O casal Hebe-Hercules ainda 
segue quando a líder de torcida leviana namora o jogador de futebol estrela do time. 
A próxima camada de Hera, sua segunda face ou fase, é a matrona, a poderosa 
mulher que governa a sociedade, a mulher casada. Houve um tempo em nossa 
sociedade em que as mulheres solteiras, divorciadas e viúvas não podiam participar da 
sociedade. As matronas que eram casadas não queriam ameaça alguma para sua união. 
Esta é a poderosa Hera que continua na nossa noção de matrona casada. A terceira face 
de Hera foi chamada Chera; ela é a deixada, aquela que não é necessariamente idosa 
mas ainda assim pertence a Hera como um aspecto que a constitui tanto como 
desertada ou abandonada ou ainda como simplesmente deixada. Em Pesto as três fases 
estavam representados de maneira topológica: três níveis de templos de encosta para 
baixo rumo ao litoral. 
Se vocês considerarem estas fases como uma narração progressiva, então uma 
mulher começa feminina e feliz, e, em seguida, torna-se uma potência na sociedade, e, 
em seguida, seu marido foge e ela é deixada: tal narrativa barateia a história. A 
implicação é que onde quer que Hera esteja, haverá sempre a menina tonta, uma 
inocente feliz, e haverá sempre a mulher madura e aquela que é abandonada. Há 
sempre uma solidão, há sempre uma parte que é deixada. Se se vive isso como um medo 
literal, então se estará vivendo um casamento em que sempre se está com medo de ser 
deixada e sempre terá que suprimir tolice juvenil, a jovem Hebe. Todas as três são faces 
da deusa. 
Agora sejamos claros, o arquétipo da esposa não diz respeito necessariamente à 
mulher – estamos no registro de uma psicologia arquetípica e não de uma psicologia do 
gênero ou de uma psicologia moralista. É claro que é muito difícil falar sem usar a 
linguagem cotidiana. Mas o arquétipo da esposa pode vir a possuir qualquer um. Quero 
dizer com isso que há mais maridos que são esposas do que são maridos – em suas 
demandas, em seus medos, em seu senso de casamento. Além disso, os pares 
homossexuais oferecem variedades de união. O desejo celestial de casamento ocorre 
em homens também. Tive um homem que trabalhava comigo anos atrás que já tinha 
sido casado duas vezes. Ele estava próximo dos quarenta. Ele havia começado um 
relacionamento com uma nova mulher com quem queria se casar, mas não era tanto 
ela quanto o desejo de se casar em si. Quando ele andava pelas ruas, ele via pratos, 
panelas e utensílios domésticos em todas as lojas, e sua parte favorita era ver vitrine. 
Ele ia ver móveis, ia ver cortinas, estava absolutamente obcecado com o mundo da 
arrumação do casamento. Ele queria se casar. Não são apenas as mulheres que podem 
ser possuídas pela união, pelo casamento, estabelecendo a vida doméstica. 
O problema que o casamento cria, naturalmente, é esta união, desunião – assim 
que alguém é unido, deseja-se desunir-se e assim que se desunir, haverá o desejo de se 
unir novamente – desejo que vai e volta, vai e volta. Esta é uma parte essencial do 
casamento porque parte de Hera está desunida. Em parte do tempo há uma fúria 
quando o casamento está partido, mas outra parte dela é arquetipicamente abandono 
e constante solidão. 
E tudo isso está junto ao mesmo tempo. No momento do casamento, a viúva 
também está lá e o divórcio também está lá. Este fato psicológico não é reconhecido 
porque inserimos todas as nossas vidas em um processo temporal, de modo que temos 
medo da forma como tudo acontecerá no nosso fim. Ao invés, Hera diz-nos que o "fim" 
é o dia do casamento. Um pedaço de você mesmo é deixado de fora, arquetipicamente 
divorciado, abandonado. 
O que Hera não suporta é um marido de fachada. Isso não significa que ela queira 
ter filhos com seu marido, de fato Hera não é chamada de "mãe" e em sua mitologia 
não há parte materna. Ela não é do time das mães. Atena foi chamada de mater. Assim, 
a mãe tem um sentido diferente de esposa. Hera insiste sobre o gamos, o casamento, a 
união com o marido, o par, o relacionamento. Ela não quer um marido simbólico porque 
isso frustra o significado mais profundo da união, deixando-a furiosa e enraivecida com 
Zeus, porque às vezes ele é tão arrogante a respeito da união. Ela não quer um marido 
oficial, ela quer um companheiro. 
O fato de que a antiga, ou a deixada, está lá desde o princípio mostra mesmo em 
um casal muito novo, quando o homem se volta para sua noiva ou sua jovem esposa, 
que pode ter só dezenove anos de idade, em busca de percepções, de insights, de 
conselho – ele está pedindo e sentindo a terceira pessoa de Hera em sua jovem esposa. 
Ela pode ter só dezenove anos, mas não é Hebe; ela também é matrona e também a 
deixada. A deixada já está lá em seu julgamento, em suas hesitações, ou em sua 
determinação, em suas percepções, na conversa que eles têm na cama – o que 
costumava ser chamado de uma "palestra de cortina". Na Holanda e na Inglaterra 
usavam este termo porque fechavam as cortinas ao redor da cama e era aí que a mulher 
poderia realmente dizer ao marido o que estava acontecendo, porque ele não sabia o 
que diabos estava acontecendo. 
É interessante ver este desenvolvimento de Hebe para a matrona plena, e quão 
inteligente Hebe é por trás de seu jeito de menina. Se vocês viram o filme "A era da 
inocência", Winona Ryder interpreta esta menina Hebe e tem que lidar com o marido 
que é atraído por Michelle Pfeiffer, uma mulher com passado, que vem de Paris, que 
usa roupas estranhas, que é exótica, romântica, que tem qualidades persefônicas, que 
tem qualidades afrodíticas, e que fez um mau casamento. Que coisas profundas e 
interessantes estavam no controle da pequena Winona Ryder! O filme mostra como 
Winona Ryder mantém sua Hera e seu poder de união ao engravidar. Não poderá haver 
divórcio ou separação. Ela superou Michelle Pfeiffer em sagacidade e se torna uma forte 
mulher no final do filme. Ela é capaz de segurá-lo dentro de sua configuração social, que 
é o aspecto crucial da Hera sobre o qual falaremos a seguir. 
Há também lealdade para com a sociedade e a função de defender a sociedade 
e ser capaz de manipular o social para agir dentro do casamento. O tema vem à tona 
novamente em "Quatro casamentos e um funeral" de uma forma diferente. Hugh Grant 
é atraído por todas essas diferentes mulheres e não consegue se decidir com quem ficar, 
mas a mulher com quem ele quase se casa ou talvez se case é chamada de "Cara de 
Pato". Cara de Pato traz o pato, um símbolo muito antigo na China e de outros lugares, 
de eterno pareamento.Mas ele está aterrorizado com Cara de Pato. Então, ficamos 
novamente com esse dilema: o desejo de ser par ou de casar-se e o medo da união. 
O casamento é crivado pelo medo de uma das pessoas terminar. Aqui está outro 
poema sobre casamento, "O sonho" por Felix Pollak: "Ele sonhou com uma janela 
aberta. Uma vagina, disse seu psiquiatra. Seu divórcio, disse sua amante. Suicídio, disse 
uma voz sinistra dentro dele. Isso significa que você deve fechar a janela ou você vai 
pegar um resfriado, disse sua mãe. Sua esposa não disse nada. Ele não se atreveu a dizer 
a ela um sonho tão perigoso". Uma janela aberta sugere sair para fora, não se confinar, 
desunir-se. Ele não se atreveu a dizer a ela um sonho tão perigoso por causa da 
implacável fúria de Hera. 
Agora, e quanto a Zeus? Por que ele está sempre saindo pela janela? Ele trouxe 
através de Têmis os Três Destinos; através de Eurínome, as Três Graças; com Deméter, 
provavelmente Perséfone; com Mnemosine, as Musas; com Maia, Hermes. Ele também 
é pai de Apolo, Dioniso, Ártemis, Atena, Hércules. Ele aparece como um touro 
inseminador e em outras formas de animais. 
Não obstante, eles são irmão-irmã em eterno abraço. Em Pesto, você pode ver 
um baixo santuário coberto, com um enorme e pesado pedaço de telhado sobre ele, e 
lá estão Zeus e Hera embaixo, no escuro, fazendo amor, como sempre tem sido e sempre 
será. Eternamente unidos e, ao mesmo tempo, ele está do lado de fora da janela. Por 
que ocorre ao homem importante e bem-sucedido trair ou um mulherengo? Os 
principais ataques a Zeus feitos pelos escritores cristãos anti-pagãos é de que ele era um 
polígamo, dificilmente um deus do alto céu! Ele era um devasso, como se dizia, e saía 
com ninfas e deusas e seres humanos e com qualquer coisa, e se mostrava nestas formas 
animais. Temos de conectar seus poderes sexuais, gerativos, com seus poderes 
imaginativos, porque da imaginação de Zeus vinha uma variedade de formas outras. Ele 
era chefe entre os deuses porque ele poderia imaginar a natureza de Dioniso, de 
imaginar a natureza de Apollo e de Hermes e de Atena. Sua imaginação pode abraçar 
todas essas várias potências. Portanto, há algo sobre a imaginação neste pequeno 
poema de Pollak – sua imaginação é uma janela aberta. Ela vai para além dos confins da 
casa; e Hera, creio eu, é um grande literalista. Ela não pode imaginar da mesma forma: 
basta olhar para Tífon! Então, se ele sai pela janela, então está desertando as 
profundezas da união, e a história dos dois é uma luta constante entre o fixo e o volátil 
(para usar novamente essa linguagem alquímica). Isso não significa que um parceiro ou 
outro deva sair, deve seguir seu sonho perigoso. Um dos erros de Hera em nossa cultura 
é a censura moral da imaginação. 
Outra história dos clássicos é a Eneida de Virgílio. A história de Dido, novamente 
mencionada em Shakespeare em O Mercador de Veneza, é a seguinte: em uma noite tal 
estava Dido com um salgueiro em sua mão sobre os bancos selvagens do mar, e soprou 
a seu amor para voltar a Cartago" [V.1.9]. Dido era a rainha de Cartago que se apaixonou 
por Enéias, filho de Afrodite/Vênus (portanto, sabemos de onde ele está vindo, como se 
costuma dizer – "De onde você está vindo?" "Eu estou vindo de Vênus"). Quando ele 
aporta em Cartago (depois da queda de Tróia e a caminho de fundar Roma), ela se utiliza 
de alguns ardis para juntá-los. Ela leva seu filho pequeno no colo. Metaforizemos isto. 
Através da relação com o seu "pequeno menino pequeno" seu amour começa. 
Ela, no entanto, está sob o amparo de Juno (Hera). Os amantes organizam um 
encontro em uma caverna e rumam para a escuridão para cumprir com sua união. Eles 
se unem – ou não? Eles podem? Se não sabemos os mitos, nós não entendemos quais 
fantasias temos quando entramos em uma união. Quando vamos para o quarto não 
sabemos quais mito estamos representando. Ele vai para a caverna com a fantasia de 
uma criança de Vênus. Para ele, esta é uma experiência de prazer e deleite. Mas ela está 
sob a orientação de Juno. Ela entra com a fantasia marital de profunda união. Logo após 
ele recebe uma mensagem de Hermes de que ele deve continuar com seu trabalho que 
é ir fundar Roma, e por isso ele zarpa. Ela está absolutamente destruída. Deserção, 
traição. Para ele, não é uma traição porque ele veio com uma fantasia diferente. Para 
ela, é uma violação radical das leis do universo, da própria Rainha do Céu. E ela nunca o 
perdoa, porque ela aparece no submundo ainda furiosa, para sempre amargurada. Há 
muitas instruções nessa história. Qual é a fantasia de que governa um relacionamento? 
Que mitos estão ativos quando amantes se encontram? Suas fantasias estariam 
casadas? 
Talvez eu esteja fazendo Hera parecer bastante pesada. Assim, temos também 
de perceber que ela também possui uma base na comédia. A forma clássica de comédia 
apresenta em seu fim uma união. Sonhos de uma Noite de Verão seria o exemplo 
perfeito. Todos os quatro pares se unem. Muitos dos filmes que são chamados comédias 
românticas leves são sobre rapazes conquistando garotas ou garotas conquistando 
rapazes. Eles acabam com a união dos dois. Esta era a forma clássica da comédia. Uma 
comédia tem um significado muito mais profundo; todas as coisas estão em ordem 
porque o céu e a terra estão unidos, uma comédia também significa que quando duas 
pessoas se unem há leveza para com a própria vida. Se se pudesse desempenhar essas 
duas partes da união em vez de o prático versus o ideal. Se se pudesse levar o casamento 
tanto leve quanto seriamente, estar na comédia e na profundidade, coloque estes dois 
juntos (ao invés dos dois que eu mencionei no começo). Como você vive a comédia e a 
profundidade – não só como você vive a prática e o ideal. 
Chegamos agora a algumas outras essencialidades de Hera. Para começar, a casa. 
O primeiro objeto, o mais antigo templo de Hera, é uma casa de pedra: uma porta, duas 
janelas e um teto baixo. Como os pequenos desenhos que você pode ter desenhado 
como uma criança no jardim de infância. No Pesto, que é perto de Nápoles, há três 
templos de Hera. Pesto era um lugar muito sagrado para Hera, e estes templos soberbas 
ainda estão de pé, apesar da natureza instável da terra de lá. Se vocês voltarem para 
todas as vezes em que brincaram de casinha quando era uma criança, ou se tinham uma 
casa de bonecas, ou se fizeram pequenas casas de jornal e papelão caixas, este é um 
movimento arquetípico acontecendo. Esquecemo-nos de que a casa não é apenas algo 
feito por um arquiteto e vendido por um desenvolvedor. O serviço de cuidar da casa é 
cuidar de Hera. No pensamento cristão, no pensamento platônico, no pensamento new 
age, o corpo é uma casa; o templo da alma. Eu gosto de pensar que a casa também é o 
corpo de Hera. O cuidado da casa é uma atividade de Hera. Nossa cultura reconhece 
isso. Pense na enorme quantidade de revistas sobre casas: Houses and Garden [Casas e 
Jardim], House Beautiful [Casa Bonita], Home Decorating [Decorando a Casa], 
Architectural Digest [Almanaque Arquitectural], World of Interiors [Mundo dos 
Interiores], a seção casa dos jornais, reformas da casa na TV, possivelmente um 
programa de TV best-seller ou um dos mais assistidos: "This Old House" [Esta Velha 
Casa]. 
Os realtors são uma organização política de grande importância nos Estados 
Unidos com enorme influência. Este reino de Hera quase domina a economia porque a 
casa é a principal posse financeira do cidadão. Aqui temos de deixar claro uma distinção 
entre a interioridade e o foco de Héstia, e o domus ou oikos, a gestão da vida 
domesticada. A economia familiar, viverem todos sob o mesmo teto, ser capaz de prover 
a todos, incluindo visitantes e estranhos. Juno Moneta (a partir do qual a palavra 
"money" [dinheiro] deriva) foi um título de culto da deusa e refere-se ao templo em 
Roma, onde o dinheiro foi cunhado. 
Ainda na Idade Média a influência de Heracontinuou. Todos os produtos 
fornecidos ao senhor da casa juntamente com as taxas cobradas sobre os escravos e 
levadas para a casa real, ou a casa do duque, ou a casa do duque, eram definidas 
segundo às regras domésticas sob a supervisão da esposa do Lorde que, sendo uma 
mulher, administrava a esfera privada. Ela geria o espaço doméstico. O espaço 
doméstico era a casa, o que também envolvia as pessoas, os animais e as coisas e o 
cuidado para com tudo isso. Hoje nos sentimos a administração do espaço doméstico 
como um fardo tão enorme, sem reconhecer que todas essas coisas são formas de poder 
e gratificação. Para muitas pessoas, cuidar das coisas de sua casa é uma das atividades 
mais agradáveis. Dar manutenção, renovar da casa, redecorar a casa. Todos os anos 
recebendo novas cortinas e começando tudo de novo. Para outras pessoas isso parece 
absolutamente insano, mas este é um impulso de hera, dar manutenção neste templo. 
Eu conheço uma mulher que decora as casas das pessoas. Você escolhe o 
mobiliário e os tecidos – em seguida, ela vai expor as pinturas que você deve ter, quais 
reproduções você deve ter na parede, qual o bricabraque e as cores da parede e assim 
por diante. Ela me disse que em cada um dos casos em que ela trabalhou (dos casais), a 
mulher escolhe tudo na casa e toda a casa pertence a ela, exceto a escrivaninha do 
marido, sua sala de jogos e talvez a garagem. Ele tem a sua pequena área e do resto da 
casa é dela. Ele não decide sobre qual deverá ser a cor do estofamento ou os tipos de 
persiana. 
Frequentemente, quando você vai para a casas da pessoas, a esposa exibe a casa 
enquanto o marido fala de negócios. "Venha, deixe-me mostrar minha casa; eu quero 
te mostrar a casa”. Ela está mostrando uma parte de sua natureza de Hera. 
Na Suíça, dizem que quando que um casal começar a falar sobre mudança e 
sobre construir uma casa nova (ou seja, eles subiram a escada da economia), aí está o 
primeiro indício de divórcio. Quando eles quebram sua casa, eles quebram seu 
casamento. A casa é mais do que apenas uma coisa para mudar daqui para lá. É um 
símbolo do casamento de Hera. Um homem levanta-se em um dos retiros masculinos 
em que costumava dar aulas e disse que eles estavam construindo uma casa nova, e sua 
esposa fugiu com o construtor. O construtor estava mais perto da sensação de "casa". 
Portanto, não subestime o que você faz em casa e como essa ação é importante. 
Voltando de uma viagem de negócios que você para e, como um herói grego, você traz 
de volta algo para a casa. Cuidando da casa, a casa começa a cuidar de você. Você 
descobre que lhe dá prazer voltar para casa. Ou lhe dá prazer cuidar dela. E eu acho que 
é onde Hera está, ao retribuir algo a você por conceder-lhe corpo em sua própria casa. 
Existem esses velhos ditados (quer você atente para os sexos nele ou não): a 
mulher gosta de um homem que pode fazer as coisas pela casa, e odeia que ela sempre 
tem que arrumar as coisas que ele bagunça por onde ele passa. Profanando a casa desta 
forma, ele insulta Hera. E um homem gosta de uma mulher que seja uma boa dona de 
casa. Estas são afirmações de Hera. Outra: ela adora a casa mais do que eu. E as piadas: 
um homem está fazendo amor com uma prostituta e ela diz: "Você é o melhor" e quando 
ele está fazendo amor com sua amante, ela diz: "Eu te amo tanto". Mas quando ele está 
fazendo amor com sua esposa, ela diz: "Estava pensando em qual cor a gente deveria 
pintar o teto". Agora, esta é uma piada sexista desagradável, mas não é! É a casa que 
ela realmente ama. Isso é crucial e não deve ser tratado como apenas uma espécie de 
obsessão. Sua obsessão com a casa é igual a obsessão dele com o sexo. 
Assim, em certo sentido, Hera é também a deusa da manutenção, da sustentação 
da aparência. Nos filmes feitos por Merchant e Ivory, tudo são coisas de casa: cena após 
cena de móveis da casa. Toda a prata polida e todo o mobiliário polido e toda a gente 
tão feliz vendo os belos interiores. A casa responde aos presentes, às flores, aos objets 
d’art. Ela está cheia de memórias. Por um lado, tudo é limpeza, fixação, repetitiva rotina 
sem fim; vamos nos afastar disso. Por outro lado, os prazeres desta rotina, a profunda 
satisfação que o mobiliário dá. 
Uma última coisa sobre Hera e roupas. A grande deusa no templo de Samos, diz 
Kerényi, não se parecia como uma deusa tal como imaginada por aqueles que queriam 
agradá-la até que a vestiram, a agradaram com roupa. Vestir bonecas Barbie é um 
começo disso. Comprar todas essas pequenas coisas que você coloca e tira da pequena 
boneca. Isso é parte do culto de Hera, e não somente de Afrodite – que, de qualquer 
forma, é mais frequentemente representada parcialmente despida. 
Mencionei Juno e que seu elemento era o ar e um lugar especial de seu corpo 
era seu cenho. Uma pessoa pode ter um cenho limpo, uma bela testa. Mas não é 
simplesmente um cenho de poucos pelos e de sobrancelhas bem separados, é algo mais 
a ver com as regiões superiores a que Hera aspirava. Há um aspecto de ascensão social 
em Hera também. Ela concede status social ao levar alguém ao seu mundo. Seu metal 
em Pesto era a prata. Pense em presentes prateados de casamento e o lugar da prata 
no regime de economia familiar burguesa. Essa coisa do cenho implica ainda em uma 
visão geral de todo o estabelecimento. 
Uma mulher casada tinha status social e podia exibir sua elevada posição 
recebendo convidados. Continuamos a usar a palavra "recepção": "Estamos tendo uma 
recepção. Ela está dando uma recepção". Em correspondência à grande imaginação 
Zeus, há sua grande capacidade para a recepção que expande seu domínio ao elevar-se 
sobre todos os convivas. Quando se tem uma casa, quando se é casado, pode-se receber 
convidados, dar festas, receber todos os tipos de pessoas de todos os lugares e mostrar 
hospitalidade. Essa é uma das grandes virtudes de Hera. 
Quero repetir que é um erro supor que este par deva ser uma mãe e um pai e 
lembrá-los que Hera não foi chamada de "mãe". No mito, sua maternidade é bastante 
monstruosa: as figuras que ela dá à luz, ou como ela trata seu filho Hefesto. 
Provavelmente a maternagem em sentido incomum ficaria no caminho da função social, 
da função política, da função de anfitriã, a recepção que a vida de Hera é. 
Sexo, contudo, faz parte da união. Não é algo independente dela. O 
acasalamento é com o companheiro para o bem do casal. Ele pertence a sua vida juntos, 
a de Zeus e Hera, uma vida mais de carinhos e brigas, em vez de algum paraíso 
afrodisíaco ou extático abandono dionisíaco. 
Há uma última coisa a mencionar. O primeiro dia de cada mês do calendário 
romano foi chamado Kalends, a partir do qual temos a palavra calendário. O primeiro 
dia do mês traz o primeiro dia do mês lunar e, portanto, foi associado com o período 
menstrual. Aquele dia pertencia a Juno, de modo que a estrutura do calendário, a 
organização das leis oficiais e sociais do Estado e os ritmos do interior do corpo da 
mulher estivessem todos conectados. Em Roma, juno era a palavra para se referir ao 
genius de uma mulher, ou daimon interior. 
Não é apenas algo externo, que se passa na sociedade. A sociedade está 
intimamente conectada em Hera na psique e nas leis biológicas. Dessa forma, ela é o 
sustentáculo da civilização, a fornecedora do domicílio, da economia, da família, da 
domesticação, da criação da civilização, de forma que o casamento se tornasse algo 
dedicado ao serviço dos princípios mais elevados que a felicidade pessoal. A casa serve 
tanto a sociedade civil quanto minha propriedade pessoal. Se ele arranja a casa, ela 
governa a casa além de sua própria felicidade pessoal. 
 
 
Referências 
 
The Homeric Hymns, trans. Ch. Boer (Dallas, Spring Publications, 1970). 
L. Cowan, “Hera”, in The Olympians, ed. J. Stroud (Dallas, Institute of Humanities and Culture, 
1995). 
A. Guggenbühl-Craig, Marriage: Dead or Alive [1977],trans. M. Stein (Putnam, Conn.: Spring 
Publications, 2004). 
K. Kérenyi, Zeus and Hera: Archetypal Image of Father, Husband and Wife, trans. C. Holme 
(London: Routledge & Kegan Paul, 1975). 
P. E. Slater, The Glory of Hera: Greek Mythology and the Greek Family (Boston: Bracon Press, 
1968). 
M. Stein, “Hephaistos: A Pattern of Introversion”, Spring 1973. 
M. Stein, “Hera: Bound and Unbound”, Spring 1977. 
R. Stein, “Coupling/Uncoupling: Reflections on the Evolution of the Marriage Archetype”, Spring 
1981.

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