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Hera: deusa do casamento James Hillman Tradução: Daniel Françoli Yago O casamento envolve dois mundos – um mundo de grandes ideais e um mundo de praticidade muito mundana. Estes dois lados do casamento simbolicamente unem o céu e a terra, a velha imagética do deus-céu e a deusa-terra, ou vice-versa, que faz com que todos nós soframos com as tensões do casal: “Como se pode unir os ideais e o lixo, o vestido de noiva e os reparos do carro? ”. Primeiramente, o “problema do casamento” está dado pela imagem arquetípica de dois mundos: não necessariamente como diferenças de gênero, mas como vetores direcionais, um elevado e vertical, outro baixo e horizontal. Não importa quão mundano um casamento possa ser, ancorado no mundo ordinário e cotidiano, a idealização está presente a todo tempo, não simplesmente no vestido de noiva, mas em todas as fantasias de como ele poderia ser, de como ele deveria ser, de como desejaríamos que ele fosse. O lar compartilhado da casa própria, o parceiro idealizado, o casal idealizado – “eles não são um casal adorável? ” – sexo em casa, renda dupla (mesmo quando o governo favorece), e o sentimento entre marido e mulher como o de irmão e irmã. O outro lado dos ideais é a praticidade. Como um casamento poderia existir de verdade? É uma convenção da sociedade, sim, mas também uma conveniência social. Uma pessoa toma conta das crianças e das malas enquanto a outra vai ao banheiro no aeroporto ou no shopping, uma delas levanta a tampa para que a outra jogue o lixo. Uma dirige o carro enquanto a outra olha as placas na estrada. Estas são realidades do casamento que seguem junto ao vestido de noiva, aos chás de panela, ao marido ideal e a esposa perfeita. Como estas partes se sustentam? Qual é a parelha? Quando o jornal local entrevistou as pessoas da minha cidadezinha Putnam, em Connecticut, perguntando às pessoas em seus sessenta, setenta, oitenta anos o que havia de melhor no casamento, a resposta foi a união. Partilha de vida, estar juntos, acoplamento. Estas duas partes eram conhecidos na alquimia como o fixo e o volátil. Um dos primeiros dicionários alquímicos diz que não há termo mais frequente em voga entre os "filósofos" (isto é, os alquimistas) do que a palavra "casamento". Sol e lua, mãe e filho, noiva e do noivo, irmão e irmã, todas essas expressões alquímicas fazem referências exclusivamente à união do fixo e do volátil. Vocês podem decidir qual de vocês é o fixo e qual é o volátil ou como as mudanças de papel vem e vão. Deste modo o casamento se torna arquetípico, para além de se tratar somente de você e eu e de nossas vidas pessoais, ou do nosso "problema da união", um local de grande infelicidade. Cinquenta por cento dos nossos casamentos culminam em divórcio. Em Michigan vão começar uma nova lei para impede que isto aconteça tão facilmente. Na América, fazemos novas leis para lidarmos com o que nos desagrada e alguns europeus dizem que o mito da América é a lei. Em vez de termos mitos que sustentam a cultura, nós fazemos novas leis, e por isso precisamos de muitos advogados, pois eles são os sacerdotes do nosso sistema. Para abrandar o divórcio, escrevemos uma nova lei. A dificuldade está em ir para o casamento com expectativas tanto práticas quanto ideais. O que segue é que cada parceiro quer mudar o outro para satisfazer as expectativas, e a linguagem torna-se "eu não posso" ou "eu não vou", um combate entre o "eu não posso mudar" e "eu não vou mudar". A todo momento há ou depressão incapacitante, ou ativo estado de guerra. A realidade nunca é igual à fantasia que se traz para o casamento. Há um excesso de fantasia. Imaginamos este bom casamento que a tudo inclui – todos os deuses – comunicação, parcerias, apoio, fertilidade, amizade, êxtase sexual, paixão, imaginação criativa, lealdade, um lugar para a loucura, perversão, raiva, tudo será permitido. O casamento deverá sustentar tudo. A grandeza da fantasia do casamento vem em parte de Hera, porque ela era a grande deusa, uma rainha que abraçou grandes empreitadas, incluindo seu marido, Zeus, que abraçou ainda mais. Nosso casamento americano deve ser fantástico e anunciado no The New York Times. Os casamentos anteriores – casamentos vitorianos – certamente não abraçavam tanto. Sr. e Sra. ainda se chamavam de Sr. e Sra. anos por vir. Eles nunca se mostravam nus, não usavam o primeiro nome, seu relacionamento tinha longos silêncios e mantinha grandes partes de si mesmos à distância, suas fantasias, seus sonhos, casamento tornado recipiente para o quieto desespero da vida interior. Um homem era um marido, um bom provedor, que mantinha a questões administradas, sob controle, e a mulher era uma dona de casa (ou seja, ela só cuidava da casa). Hera oferece o desejo de se casar; este louco "querer de união" que chega a nós em idade precoce e que ostenta tantos significados arquetípicos como se fosse uma salvação. Isto não é o mesmo que encontrar um "outro importante", a pessoa certa, e assim por diante. Pelo contrário, esta necessidade imperiosa, o desejo de união, não é meramente genética, sexual, é ontológica, desejo de unir-se, de acoplar-se. Querer um marido, querer uma esposa – o outro lado é um medo terrível. O medo de unir-se, o medo de acoplar-se, é o medo da deusa Hera. Ele está retratado no filme "Quatro casamentos e um funeral", em que a figura principal teme a todo momento o casamento ao mesmo tempo que o anseia. Existem dois lados da Hera – o desejo de união e o medo dela. Uma outra forma em que ela aparece na psique do casamento é como uma vaca. Ela era adorada como uma vaca; como se estar casado fosse como ter uma vaca no que se refere ao seu sentido nutridor, estável e receptivo. A vaca de Hera diz que haverá estabilidade, que haverá nutrição, que haverá regularidade, que haverá calmaria, que haverá ordem, que haverá cheiro de estábulo. Ela (Hera-vaca) era chamada de “olhar de vaca”. A vaca é também uma posse, de maneira que um terceiro aspecto da Hera no casamento é a propriedade: dote, acordo pré-nupcial, e assim por diante. As leis da propriedade, o tremendo valor que damos à propriedade em nossa sociedade americana. No início nos Estados Unidos vocês podiam votar somente se tivessem alguma propriedade. Vivemos em um mundo de Hera no sentido da importância da propriedade privada – vocês têm permissão para matar os intrusos de sua propriedade privada. A propriedade já está presente no enxoval, nos presentes que são dados no casamento, no chá de panela, no acúmulo de posses que se inicia com o relacionamento e as divisões de propriedade (os seus talões de cheques e cartões de crédito, e os meus). Lembrem-se de Ulisses: os heróis da Grécia deveriam trazer troféus de suas aventuras para adornar a casa, trazer evidências de vitória, emblemas, propriedades). Os heróis eram "a glória de Hera", que é o que a palavra Hércules (Herakles) significa. O elemento de Hera era o elemento do ar e o ar tem a ver com a atmosfera. Todo casamento e todo momento do dia têm sua própria atmosfera e quando um dos parceiros chega em casa à noite, ele sente de imediato a atmosfera da casa, e se vocês não tiverem sensibilidade para com esta atmosfera, estarão convidando a discórdia para entrar. Há um tipo de qualidade, de humor, que é a atmosfera – não convém arejar quando há uma tempestade por vir. Ela vem com a administração da casa, com os humores, as baixas e altas pressões, o peso que paira sobre os quartos, e não emana nem do homem nem da mulher, mas da própria casa. Vocês podem vê-la em alguns dos antigos cartuns de Thurber sobre voltar para a casa em que ela é como uma fera gigante ou um enorme polvo com seus tentáculos, um estado de espírito que predomina no movimento de sair da rua para entrar em casa. Outro desses fatores vitais que Hera governa é o ciúme. É notável em muitas histórias que Heraé uma mulher terrivelmente ciumenta. Qualquer coisa que ameace o casal deixa Hera apreensiva. Existem diferentes tipos de ciúme – ciúme sexual, ciúme narcísico de não receber a atenção certa e há um ciúme que tem a ver com ameaçar um casal e é quando Hera mostra a si mesma. Um marido pode ter ciúmes do trabalho de sua esposa, de seus amigos, ela pode estar com ciúmes de sua mãe, sua relação com a sua filha, seu trabalho e viagens podem ameaçar o casal. Nem tudo é sexual. Aqui está um pequeno poema de Robert Creeley. É muito sutil porque mostra o movimento da idealização à profunda união: Um casamento O primeiro retentor que ele deu a ela foi um anel dourado de casamento. O segundo - tarde da noite ele acordou, inclinou-se sobre seu cotovelo, e a beijou. O terceiro e último – ele morreu com e desistiu de amar e viveu com ela. Creeley está dizendo que há algo para além das fantasias de amar. Simplesmente viver para a morte seria a união final, o aspecto profundo da união. As idealizações em nossa cultura são extremamente complicadas – esperamos que elas sejam cumpridas. Conheci um homem que era do Sudão. Um dia, ele pegou o London Times e descobriu que ele havia se casado. Ele ainda não sabia quem era ela, mas ele havia se casado com ela. Outro homem que conheci na Índia tinha ideais tremendos acerca do casamento. Ele era um homem jovem e tinha imagens românticas, belas, em sua mente. Ele passou por toda a cerimônia e sua noiva estava velada. Quando a cerimônia de casamento acabou e ela foi desvelada, descobriu que ela teve varíola e todo seu rosto estava marcado com cicatrizes. Para ele a idealização de sua imagem de casamento, da noiva e por aí vai, tinha acabado no momento do casamento em si. As pessoas entram em casamentos com diferentes fantasias. Uma delas é de que ele é um sacramento que convoca a velhice e a morte até mesmo nas palavras da cerimônia. Até que a morte nos separe. E o casamento inclui a doença e a pobreza – o pior. O sacramento contém as sombras da vida. Outro ponto de vista, que Adolf Guggenbühl-Craig em seu livro O casamento está morto, viva o casamento! coloca muito bem, sustenta que ele é uma vocação, e apenas algumas pessoas estão aptas a realizá- lo. O casamento é um chamado e nem todo mundo é chamado para ele. O autor afirma que é uma maneira de individuação para algumas pessoas, mas não para todos. Assim, não devemos incutir o casamento sobre as pessoas da mesma forma, algumas pessoas têm outros tipos de chamado. Se Elizabeth Taylor se casa oito vezes, está claro que o casamento não era sua vocação. Ela é uma casadora em série [serial marriager]; ela tem outro chamado. Não é que ela tenha falhado no casamento, mas que ela tinha algumas outras coisas a que se dedicar. Outro ponto de vista que já mencionei é que o casamento é uma representação simbólica do céu e da terra, por um lado, prático e, por outro lado, ideal. Daí o divórcio, a partir deste ponto de vista, ser um radical horror cosmológico; ele divide o céu e a terra. É uma violenta ruptura arquetípica. Um dilaceramento do cosmos. Há, então, um quarto ponto de vista que será ampliado à medida que prosseguimos: o casamento pertence ao Estado, pertence à sociedade, à comunidade, Zeus e Hera são a estabilidade social, eles constituem o Estado de certa forma, para que possamos ser casados por um juiz de paz no City Hall, porque o casamento também é secular. Nós assim reconhecemos ao termos tanto casamentos de igreja quanto casamentos legais. O nosso imposto de renda e as nossas leis de herança reconhecem que a estrutura fundamental da organização da sociedade é o casamento. Portanto, alguns podem afirmar que não tem nada a ver em particular com as pessoas que estão envolvidas, que não tem nada a ver com Deus, que não tem nada a ver com representações simbólicas. É uma estrutura fundamental da sociedade pertencente a pólis ou a cidade ou a comunidade. Eu disse que Hera é a figura que nos quer em casais, que nos insta à união. Sua união é com seu irmão, Zeus, por isso é um acoplamento muito intenso, é endogâmico, como se seu companheiro estivesse dentro de seu próprio interior. Esse sentimento de que seu marido é o seu melhor amigo. Seu marido tão próximo como um irmão ou a sensação de que sua parceira é uma irmã. Esse tipo de relação de intimidade interior e familiaridade é o reconhecimento desse sentimento Zeus-Hera. Quando Hera não está em união, problemas irrompem. Posso ler para vocês (do Hino Homérico ao Apolo Pítio) um pequeno exemplo destes problemas arquetípicos. Hera deu à luz o monstro Tífon quando ficou enlouquecida depois que o próprio Zeus deu à luz a gloriosa Atena de sua cabeça (ele esbravejou e deu à luz a Atena do topo de sua cabeça), o que deixou a senhora Hera irritada. Para ela, ele estava se separando da união do casamento. Desunião. E a senhora Hera ficou irritada e disse aos deuses que estavam presentes o seguinte: "Ouçam-me todos os deuses e deusas a forma como Zeus, aglomerador de nuvens, começa a desonrar-me depois de ter-me feito sua amada esposa. Sem mim, ele deu à luz a Atena dos olhos brilhantes que se destaca de todos os bem-aventurados deuses. Mas meu próprio filho, Hefesto, a quem dei eu mesma à luz era fraco dentre todos os deuses e seu pé era atrofiado e era uma desgraça para mim, uma vergonha para mim no céu, e então eu o levei em minhas mãos, o atirei e ele caiu no mar profundo". Hera é dura! Não nos esqueçamos disso. Quando seu companheiro fazia algo por conta própria, ela também fazia algo por conta própria. Isto acontece na nossa sociedade atualmente – "Tudo bem, você está saindo para fazer isso, então eu vou sair para fazer aquilo". Cada um de nós tem as próprias necessidades, cada um de nós precisa cuidar de seu próprio daimon. Assim, Hera fez um filho coxo e o jogou fora. Ela se queixa de que o que saiu dela era coxo, ao passo que o que saiu de Zeus foi a Atena de olhos brilhantes! "Bem, seu diabo astuto", diz ela, "O que você pretende fazer agora? Como você ousa dar à luz sozinho a Atena dos olhos brilhantes? Não teria eu dado à luz em seu lugar? Pelo menos fui chamada de sua esposa entre os deuses que vivem em seu vasto céu. Cuide-se agora para que eu não crie problemas para você mais tarde". Atentem para isso... Cuide-se para que eu não crie problemas para você mais tarde. “Ela disse tudo isso e se afastou dos deuses. Seu coração estava muito irritado. A senhora Hera com seus olhos de vaca orou e pousou no chão com a palma da sua mão e disse: 'Ouçam-me agora. Todos vocês. E dê-me uma criança separada de Zeus, uma que não seja mais fraca que ele em força. Na verdade, fazê-la mais forte do que Zeus’". “Ela gritou estas palavras e bateu no chão com sua grossa mão e, em seguida, a Terra que nos traz vida foi movida. Quando ela viu, estava muito feliz e à espera de cumprimento. Daquele ponto em diante, durante um ano inteiro ela não foi sequer uma vez à cama do sábio Zeus, ela nem sequer se sentou em sua elaborada cadeira como costumava fazer dando-lhe um bom conselho". [Essa é outra parte do que Hera faz]. "Não! Ela permaneceu em seus templos, a senhora Hera com seus olhos de vaca... E quando os meses e os dias estavam por terminar e as estações do ano vieram e foram na viragem do ano, ela deu à luz algo que não se parecia com os deuses, ou os seres humanos, em nada: ela deu à luz o temido, o cruel Tífon, uma tristeza para a humanidade. Imediatamente a senhora Hera com seus olhos de vaca o recebeu ... E o usou para fazer muitas coisas terríveis". As três criaturas que ela trouxe ao mundo por sua própria conta em estado de desunião foram Hefesto, o ferreiro, cuja perna era torta e invertida; Ares, Marte, o deus da fúria, da raiva da guerra, e esse monstro, Tífon. Claramente, quando Hera está desunida é o inferno na terra. E este é o medode Hera. Esse medo percorre o casamento ao ponto de poder quebrantá-lo. Nós dizemos que os homens assumem este medo (nós brincamos sobre os homens sendo dominados pela mulher, e assim por diante) ao dizermos que eles estão com medo de suas esposas. Eles não têm medo de suas esposas, eles têm medo de seu elemento relacionado a Hera. Se você quebrar, de uma forma ou de outra, esta situação marital, então todo o inferno virá à tona. O que acontece quando a desunião acontece? É da própria deusa do casamento que vem essa violência; Marte, Hefesto, e este monstro, Tífon. Há outro aspecto importante e sutil nos mitos de Hera; ela tem três fases ou três faces. Hera, a jovem, a virgem, a noiva, é chamada de Hebe. Hebe não chegou a nossa cultura senão patologizada como "hebefrenia". Este diagnóstico não possui mais este sentido no DSM, constituindo-se apenas como uma subforma desordenada de esquizofrenia. Antes, hebefrenia se referia a uma demência juvenil, geralmente "encontrada" em jovens que eram bobas, levianas, muito risonhas. A figura mítica, Hebe, foi uma forma jovem de Hera e a palavra também significa púbis em grego antigo; portanto, uma forma de esquizofrenia precoce, iniciada na adolescência. Em muitas histórias Hebe é a noiva de Hércules, ou seja, o aspecto Hebe de Hera se casa com o herói de Hera, e até mesmo seu nome está contido no dele. O casal Hebe-Hercules ainda segue quando a líder de torcida leviana namora o jogador de futebol estrela do time. A próxima camada de Hera, sua segunda face ou fase, é a matrona, a poderosa mulher que governa a sociedade, a mulher casada. Houve um tempo em nossa sociedade em que as mulheres solteiras, divorciadas e viúvas não podiam participar da sociedade. As matronas que eram casadas não queriam ameaça alguma para sua união. Esta é a poderosa Hera que continua na nossa noção de matrona casada. A terceira face de Hera foi chamada Chera; ela é a deixada, aquela que não é necessariamente idosa mas ainda assim pertence a Hera como um aspecto que a constitui tanto como desertada ou abandonada ou ainda como simplesmente deixada. Em Pesto as três fases estavam representados de maneira topológica: três níveis de templos de encosta para baixo rumo ao litoral. Se vocês considerarem estas fases como uma narração progressiva, então uma mulher começa feminina e feliz, e, em seguida, torna-se uma potência na sociedade, e, em seguida, seu marido foge e ela é deixada: tal narrativa barateia a história. A implicação é que onde quer que Hera esteja, haverá sempre a menina tonta, uma inocente feliz, e haverá sempre a mulher madura e aquela que é abandonada. Há sempre uma solidão, há sempre uma parte que é deixada. Se se vive isso como um medo literal, então se estará vivendo um casamento em que sempre se está com medo de ser deixada e sempre terá que suprimir tolice juvenil, a jovem Hebe. Todas as três são faces da deusa. Agora sejamos claros, o arquétipo da esposa não diz respeito necessariamente à mulher – estamos no registro de uma psicologia arquetípica e não de uma psicologia do gênero ou de uma psicologia moralista. É claro que é muito difícil falar sem usar a linguagem cotidiana. Mas o arquétipo da esposa pode vir a possuir qualquer um. Quero dizer com isso que há mais maridos que são esposas do que são maridos – em suas demandas, em seus medos, em seu senso de casamento. Além disso, os pares homossexuais oferecem variedades de união. O desejo celestial de casamento ocorre em homens também. Tive um homem que trabalhava comigo anos atrás que já tinha sido casado duas vezes. Ele estava próximo dos quarenta. Ele havia começado um relacionamento com uma nova mulher com quem queria se casar, mas não era tanto ela quanto o desejo de se casar em si. Quando ele andava pelas ruas, ele via pratos, panelas e utensílios domésticos em todas as lojas, e sua parte favorita era ver vitrine. Ele ia ver móveis, ia ver cortinas, estava absolutamente obcecado com o mundo da arrumação do casamento. Ele queria se casar. Não são apenas as mulheres que podem ser possuídas pela união, pelo casamento, estabelecendo a vida doméstica. O problema que o casamento cria, naturalmente, é esta união, desunião – assim que alguém é unido, deseja-se desunir-se e assim que se desunir, haverá o desejo de se unir novamente – desejo que vai e volta, vai e volta. Esta é uma parte essencial do casamento porque parte de Hera está desunida. Em parte do tempo há uma fúria quando o casamento está partido, mas outra parte dela é arquetipicamente abandono e constante solidão. E tudo isso está junto ao mesmo tempo. No momento do casamento, a viúva também está lá e o divórcio também está lá. Este fato psicológico não é reconhecido porque inserimos todas as nossas vidas em um processo temporal, de modo que temos medo da forma como tudo acontecerá no nosso fim. Ao invés, Hera diz-nos que o "fim" é o dia do casamento. Um pedaço de você mesmo é deixado de fora, arquetipicamente divorciado, abandonado. O que Hera não suporta é um marido de fachada. Isso não significa que ela queira ter filhos com seu marido, de fato Hera não é chamada de "mãe" e em sua mitologia não há parte materna. Ela não é do time das mães. Atena foi chamada de mater. Assim, a mãe tem um sentido diferente de esposa. Hera insiste sobre o gamos, o casamento, a união com o marido, o par, o relacionamento. Ela não quer um marido simbólico porque isso frustra o significado mais profundo da união, deixando-a furiosa e enraivecida com Zeus, porque às vezes ele é tão arrogante a respeito da união. Ela não quer um marido oficial, ela quer um companheiro. O fato de que a antiga, ou a deixada, está lá desde o princípio mostra mesmo em um casal muito novo, quando o homem se volta para sua noiva ou sua jovem esposa, que pode ter só dezenove anos de idade, em busca de percepções, de insights, de conselho – ele está pedindo e sentindo a terceira pessoa de Hera em sua jovem esposa. Ela pode ter só dezenove anos, mas não é Hebe; ela também é matrona e também a deixada. A deixada já está lá em seu julgamento, em suas hesitações, ou em sua determinação, em suas percepções, na conversa que eles têm na cama – o que costumava ser chamado de uma "palestra de cortina". Na Holanda e na Inglaterra usavam este termo porque fechavam as cortinas ao redor da cama e era aí que a mulher poderia realmente dizer ao marido o que estava acontecendo, porque ele não sabia o que diabos estava acontecendo. É interessante ver este desenvolvimento de Hebe para a matrona plena, e quão inteligente Hebe é por trás de seu jeito de menina. Se vocês viram o filme "A era da inocência", Winona Ryder interpreta esta menina Hebe e tem que lidar com o marido que é atraído por Michelle Pfeiffer, uma mulher com passado, que vem de Paris, que usa roupas estranhas, que é exótica, romântica, que tem qualidades persefônicas, que tem qualidades afrodíticas, e que fez um mau casamento. Que coisas profundas e interessantes estavam no controle da pequena Winona Ryder! O filme mostra como Winona Ryder mantém sua Hera e seu poder de união ao engravidar. Não poderá haver divórcio ou separação. Ela superou Michelle Pfeiffer em sagacidade e se torna uma forte mulher no final do filme. Ela é capaz de segurá-lo dentro de sua configuração social, que é o aspecto crucial da Hera sobre o qual falaremos a seguir. Há também lealdade para com a sociedade e a função de defender a sociedade e ser capaz de manipular o social para agir dentro do casamento. O tema vem à tona novamente em "Quatro casamentos e um funeral" de uma forma diferente. Hugh Grant é atraído por todas essas diferentes mulheres e não consegue se decidir com quem ficar, mas a mulher com quem ele quase se casa ou talvez se case é chamada de "Cara de Pato". Cara de Pato traz o pato, um símbolo muito antigo na China e de outros lugares, de eterno pareamento.Mas ele está aterrorizado com Cara de Pato. Então, ficamos novamente com esse dilema: o desejo de ser par ou de casar-se e o medo da união. O casamento é crivado pelo medo de uma das pessoas terminar. Aqui está outro poema sobre casamento, "O sonho" por Felix Pollak: "Ele sonhou com uma janela aberta. Uma vagina, disse seu psiquiatra. Seu divórcio, disse sua amante. Suicídio, disse uma voz sinistra dentro dele. Isso significa que você deve fechar a janela ou você vai pegar um resfriado, disse sua mãe. Sua esposa não disse nada. Ele não se atreveu a dizer a ela um sonho tão perigoso". Uma janela aberta sugere sair para fora, não se confinar, desunir-se. Ele não se atreveu a dizer a ela um sonho tão perigoso por causa da implacável fúria de Hera. Agora, e quanto a Zeus? Por que ele está sempre saindo pela janela? Ele trouxe através de Têmis os Três Destinos; através de Eurínome, as Três Graças; com Deméter, provavelmente Perséfone; com Mnemosine, as Musas; com Maia, Hermes. Ele também é pai de Apolo, Dioniso, Ártemis, Atena, Hércules. Ele aparece como um touro inseminador e em outras formas de animais. Não obstante, eles são irmão-irmã em eterno abraço. Em Pesto, você pode ver um baixo santuário coberto, com um enorme e pesado pedaço de telhado sobre ele, e lá estão Zeus e Hera embaixo, no escuro, fazendo amor, como sempre tem sido e sempre será. Eternamente unidos e, ao mesmo tempo, ele está do lado de fora da janela. Por que ocorre ao homem importante e bem-sucedido trair ou um mulherengo? Os principais ataques a Zeus feitos pelos escritores cristãos anti-pagãos é de que ele era um polígamo, dificilmente um deus do alto céu! Ele era um devasso, como se dizia, e saía com ninfas e deusas e seres humanos e com qualquer coisa, e se mostrava nestas formas animais. Temos de conectar seus poderes sexuais, gerativos, com seus poderes imaginativos, porque da imaginação de Zeus vinha uma variedade de formas outras. Ele era chefe entre os deuses porque ele poderia imaginar a natureza de Dioniso, de imaginar a natureza de Apollo e de Hermes e de Atena. Sua imaginação pode abraçar todas essas várias potências. Portanto, há algo sobre a imaginação neste pequeno poema de Pollak – sua imaginação é uma janela aberta. Ela vai para além dos confins da casa; e Hera, creio eu, é um grande literalista. Ela não pode imaginar da mesma forma: basta olhar para Tífon! Então, se ele sai pela janela, então está desertando as profundezas da união, e a história dos dois é uma luta constante entre o fixo e o volátil (para usar novamente essa linguagem alquímica). Isso não significa que um parceiro ou outro deva sair, deve seguir seu sonho perigoso. Um dos erros de Hera em nossa cultura é a censura moral da imaginação. Outra história dos clássicos é a Eneida de Virgílio. A história de Dido, novamente mencionada em Shakespeare em O Mercador de Veneza, é a seguinte: em uma noite tal estava Dido com um salgueiro em sua mão sobre os bancos selvagens do mar, e soprou a seu amor para voltar a Cartago" [V.1.9]. Dido era a rainha de Cartago que se apaixonou por Enéias, filho de Afrodite/Vênus (portanto, sabemos de onde ele está vindo, como se costuma dizer – "De onde você está vindo?" "Eu estou vindo de Vênus"). Quando ele aporta em Cartago (depois da queda de Tróia e a caminho de fundar Roma), ela se utiliza de alguns ardis para juntá-los. Ela leva seu filho pequeno no colo. Metaforizemos isto. Através da relação com o seu "pequeno menino pequeno" seu amour começa. Ela, no entanto, está sob o amparo de Juno (Hera). Os amantes organizam um encontro em uma caverna e rumam para a escuridão para cumprir com sua união. Eles se unem – ou não? Eles podem? Se não sabemos os mitos, nós não entendemos quais fantasias temos quando entramos em uma união. Quando vamos para o quarto não sabemos quais mito estamos representando. Ele vai para a caverna com a fantasia de uma criança de Vênus. Para ele, esta é uma experiência de prazer e deleite. Mas ela está sob a orientação de Juno. Ela entra com a fantasia marital de profunda união. Logo após ele recebe uma mensagem de Hermes de que ele deve continuar com seu trabalho que é ir fundar Roma, e por isso ele zarpa. Ela está absolutamente destruída. Deserção, traição. Para ele, não é uma traição porque ele veio com uma fantasia diferente. Para ela, é uma violação radical das leis do universo, da própria Rainha do Céu. E ela nunca o perdoa, porque ela aparece no submundo ainda furiosa, para sempre amargurada. Há muitas instruções nessa história. Qual é a fantasia de que governa um relacionamento? Que mitos estão ativos quando amantes se encontram? Suas fantasias estariam casadas? Talvez eu esteja fazendo Hera parecer bastante pesada. Assim, temos também de perceber que ela também possui uma base na comédia. A forma clássica de comédia apresenta em seu fim uma união. Sonhos de uma Noite de Verão seria o exemplo perfeito. Todos os quatro pares se unem. Muitos dos filmes que são chamados comédias românticas leves são sobre rapazes conquistando garotas ou garotas conquistando rapazes. Eles acabam com a união dos dois. Esta era a forma clássica da comédia. Uma comédia tem um significado muito mais profundo; todas as coisas estão em ordem porque o céu e a terra estão unidos, uma comédia também significa que quando duas pessoas se unem há leveza para com a própria vida. Se se pudesse desempenhar essas duas partes da união em vez de o prático versus o ideal. Se se pudesse levar o casamento tanto leve quanto seriamente, estar na comédia e na profundidade, coloque estes dois juntos (ao invés dos dois que eu mencionei no começo). Como você vive a comédia e a profundidade – não só como você vive a prática e o ideal. Chegamos agora a algumas outras essencialidades de Hera. Para começar, a casa. O primeiro objeto, o mais antigo templo de Hera, é uma casa de pedra: uma porta, duas janelas e um teto baixo. Como os pequenos desenhos que você pode ter desenhado como uma criança no jardim de infância. No Pesto, que é perto de Nápoles, há três templos de Hera. Pesto era um lugar muito sagrado para Hera, e estes templos soberbas ainda estão de pé, apesar da natureza instável da terra de lá. Se vocês voltarem para todas as vezes em que brincaram de casinha quando era uma criança, ou se tinham uma casa de bonecas, ou se fizeram pequenas casas de jornal e papelão caixas, este é um movimento arquetípico acontecendo. Esquecemo-nos de que a casa não é apenas algo feito por um arquiteto e vendido por um desenvolvedor. O serviço de cuidar da casa é cuidar de Hera. No pensamento cristão, no pensamento platônico, no pensamento new age, o corpo é uma casa; o templo da alma. Eu gosto de pensar que a casa também é o corpo de Hera. O cuidado da casa é uma atividade de Hera. Nossa cultura reconhece isso. Pense na enorme quantidade de revistas sobre casas: Houses and Garden [Casas e Jardim], House Beautiful [Casa Bonita], Home Decorating [Decorando a Casa], Architectural Digest [Almanaque Arquitectural], World of Interiors [Mundo dos Interiores], a seção casa dos jornais, reformas da casa na TV, possivelmente um programa de TV best-seller ou um dos mais assistidos: "This Old House" [Esta Velha Casa]. Os realtors são uma organização política de grande importância nos Estados Unidos com enorme influência. Este reino de Hera quase domina a economia porque a casa é a principal posse financeira do cidadão. Aqui temos de deixar claro uma distinção entre a interioridade e o foco de Héstia, e o domus ou oikos, a gestão da vida domesticada. A economia familiar, viverem todos sob o mesmo teto, ser capaz de prover a todos, incluindo visitantes e estranhos. Juno Moneta (a partir do qual a palavra "money" [dinheiro] deriva) foi um título de culto da deusa e refere-se ao templo em Roma, onde o dinheiro foi cunhado. Ainda na Idade Média a influência de Heracontinuou. Todos os produtos fornecidos ao senhor da casa juntamente com as taxas cobradas sobre os escravos e levadas para a casa real, ou a casa do duque, ou a casa do duque, eram definidas segundo às regras domésticas sob a supervisão da esposa do Lorde que, sendo uma mulher, administrava a esfera privada. Ela geria o espaço doméstico. O espaço doméstico era a casa, o que também envolvia as pessoas, os animais e as coisas e o cuidado para com tudo isso. Hoje nos sentimos a administração do espaço doméstico como um fardo tão enorme, sem reconhecer que todas essas coisas são formas de poder e gratificação. Para muitas pessoas, cuidar das coisas de sua casa é uma das atividades mais agradáveis. Dar manutenção, renovar da casa, redecorar a casa. Todos os anos recebendo novas cortinas e começando tudo de novo. Para outras pessoas isso parece absolutamente insano, mas este é um impulso de hera, dar manutenção neste templo. Eu conheço uma mulher que decora as casas das pessoas. Você escolhe o mobiliário e os tecidos – em seguida, ela vai expor as pinturas que você deve ter, quais reproduções você deve ter na parede, qual o bricabraque e as cores da parede e assim por diante. Ela me disse que em cada um dos casos em que ela trabalhou (dos casais), a mulher escolhe tudo na casa e toda a casa pertence a ela, exceto a escrivaninha do marido, sua sala de jogos e talvez a garagem. Ele tem a sua pequena área e do resto da casa é dela. Ele não decide sobre qual deverá ser a cor do estofamento ou os tipos de persiana. Frequentemente, quando você vai para a casas da pessoas, a esposa exibe a casa enquanto o marido fala de negócios. "Venha, deixe-me mostrar minha casa; eu quero te mostrar a casa”. Ela está mostrando uma parte de sua natureza de Hera. Na Suíça, dizem que quando que um casal começar a falar sobre mudança e sobre construir uma casa nova (ou seja, eles subiram a escada da economia), aí está o primeiro indício de divórcio. Quando eles quebram sua casa, eles quebram seu casamento. A casa é mais do que apenas uma coisa para mudar daqui para lá. É um símbolo do casamento de Hera. Um homem levanta-se em um dos retiros masculinos em que costumava dar aulas e disse que eles estavam construindo uma casa nova, e sua esposa fugiu com o construtor. O construtor estava mais perto da sensação de "casa". Portanto, não subestime o que você faz em casa e como essa ação é importante. Voltando de uma viagem de negócios que você para e, como um herói grego, você traz de volta algo para a casa. Cuidando da casa, a casa começa a cuidar de você. Você descobre que lhe dá prazer voltar para casa. Ou lhe dá prazer cuidar dela. E eu acho que é onde Hera está, ao retribuir algo a você por conceder-lhe corpo em sua própria casa. Existem esses velhos ditados (quer você atente para os sexos nele ou não): a mulher gosta de um homem que pode fazer as coisas pela casa, e odeia que ela sempre tem que arrumar as coisas que ele bagunça por onde ele passa. Profanando a casa desta forma, ele insulta Hera. E um homem gosta de uma mulher que seja uma boa dona de casa. Estas são afirmações de Hera. Outra: ela adora a casa mais do que eu. E as piadas: um homem está fazendo amor com uma prostituta e ela diz: "Você é o melhor" e quando ele está fazendo amor com sua amante, ela diz: "Eu te amo tanto". Mas quando ele está fazendo amor com sua esposa, ela diz: "Estava pensando em qual cor a gente deveria pintar o teto". Agora, esta é uma piada sexista desagradável, mas não é! É a casa que ela realmente ama. Isso é crucial e não deve ser tratado como apenas uma espécie de obsessão. Sua obsessão com a casa é igual a obsessão dele com o sexo. Assim, em certo sentido, Hera é também a deusa da manutenção, da sustentação da aparência. Nos filmes feitos por Merchant e Ivory, tudo são coisas de casa: cena após cena de móveis da casa. Toda a prata polida e todo o mobiliário polido e toda a gente tão feliz vendo os belos interiores. A casa responde aos presentes, às flores, aos objets d’art. Ela está cheia de memórias. Por um lado, tudo é limpeza, fixação, repetitiva rotina sem fim; vamos nos afastar disso. Por outro lado, os prazeres desta rotina, a profunda satisfação que o mobiliário dá. Uma última coisa sobre Hera e roupas. A grande deusa no templo de Samos, diz Kerényi, não se parecia como uma deusa tal como imaginada por aqueles que queriam agradá-la até que a vestiram, a agradaram com roupa. Vestir bonecas Barbie é um começo disso. Comprar todas essas pequenas coisas que você coloca e tira da pequena boneca. Isso é parte do culto de Hera, e não somente de Afrodite – que, de qualquer forma, é mais frequentemente representada parcialmente despida. Mencionei Juno e que seu elemento era o ar e um lugar especial de seu corpo era seu cenho. Uma pessoa pode ter um cenho limpo, uma bela testa. Mas não é simplesmente um cenho de poucos pelos e de sobrancelhas bem separados, é algo mais a ver com as regiões superiores a que Hera aspirava. Há um aspecto de ascensão social em Hera também. Ela concede status social ao levar alguém ao seu mundo. Seu metal em Pesto era a prata. Pense em presentes prateados de casamento e o lugar da prata no regime de economia familiar burguesa. Essa coisa do cenho implica ainda em uma visão geral de todo o estabelecimento. Uma mulher casada tinha status social e podia exibir sua elevada posição recebendo convidados. Continuamos a usar a palavra "recepção": "Estamos tendo uma recepção. Ela está dando uma recepção". Em correspondência à grande imaginação Zeus, há sua grande capacidade para a recepção que expande seu domínio ao elevar-se sobre todos os convivas. Quando se tem uma casa, quando se é casado, pode-se receber convidados, dar festas, receber todos os tipos de pessoas de todos os lugares e mostrar hospitalidade. Essa é uma das grandes virtudes de Hera. Quero repetir que é um erro supor que este par deva ser uma mãe e um pai e lembrá-los que Hera não foi chamada de "mãe". No mito, sua maternidade é bastante monstruosa: as figuras que ela dá à luz, ou como ela trata seu filho Hefesto. Provavelmente a maternagem em sentido incomum ficaria no caminho da função social, da função política, da função de anfitriã, a recepção que a vida de Hera é. Sexo, contudo, faz parte da união. Não é algo independente dela. O acasalamento é com o companheiro para o bem do casal. Ele pertence a sua vida juntos, a de Zeus e Hera, uma vida mais de carinhos e brigas, em vez de algum paraíso afrodisíaco ou extático abandono dionisíaco. Há uma última coisa a mencionar. O primeiro dia de cada mês do calendário romano foi chamado Kalends, a partir do qual temos a palavra calendário. O primeiro dia do mês traz o primeiro dia do mês lunar e, portanto, foi associado com o período menstrual. Aquele dia pertencia a Juno, de modo que a estrutura do calendário, a organização das leis oficiais e sociais do Estado e os ritmos do interior do corpo da mulher estivessem todos conectados. Em Roma, juno era a palavra para se referir ao genius de uma mulher, ou daimon interior. Não é apenas algo externo, que se passa na sociedade. A sociedade está intimamente conectada em Hera na psique e nas leis biológicas. Dessa forma, ela é o sustentáculo da civilização, a fornecedora do domicílio, da economia, da família, da domesticação, da criação da civilização, de forma que o casamento se tornasse algo dedicado ao serviço dos princípios mais elevados que a felicidade pessoal. A casa serve tanto a sociedade civil quanto minha propriedade pessoal. Se ele arranja a casa, ela governa a casa além de sua própria felicidade pessoal. Referências The Homeric Hymns, trans. Ch. Boer (Dallas, Spring Publications, 1970). L. Cowan, “Hera”, in The Olympians, ed. J. Stroud (Dallas, Institute of Humanities and Culture, 1995). A. Guggenbühl-Craig, Marriage: Dead or Alive [1977],trans. M. Stein (Putnam, Conn.: Spring Publications, 2004). K. Kérenyi, Zeus and Hera: Archetypal Image of Father, Husband and Wife, trans. C. Holme (London: Routledge & Kegan Paul, 1975). P. E. Slater, The Glory of Hera: Greek Mythology and the Greek Family (Boston: Bracon Press, 1968). M. Stein, “Hephaistos: A Pattern of Introversion”, Spring 1973. M. Stein, “Hera: Bound and Unbound”, Spring 1977. R. Stein, “Coupling/Uncoupling: Reflections on the Evolution of the Marriage Archetype”, Spring 1981.