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Fisiologia do trato gastrointestinal de Ruminantes - Os ruminantes formam um grupo amplo e diversificado de mamíferos; - As espécies domesticadas, como a vaca, a ovelha, a cabra, o búfalo de água e o camelo, utilizam carboidratos estruturais de origem vegetal que os humanos são incapazes de digerir para obter a energia necessária na produção de leite e carne destinados ao consumo humano e fibras na confecção de roupas; - Em muitas áreas do mundo, os ruminantes ainda fornecem grande parte do “cavalo- vapor” para o trabalho agrícola e o transporte; - Todos os ruminantes apresentam uma característica em comum: “afloramentos” especialmente adaptados do esôfago, denominados pré-estômagos, que possibilitam o armazenamento da ingesta e a fermentação bacteriana para digerir os materiais que não podem ser decompostos pelas enzimas dos mamíferos; - Existem variações no formato e no tamanho das várias estruturas esofágicas utilizadas como recipientes de fermentação pelos ruminantes; - A anatomia da vaca será utilizada para ilustrar os princípios básicos compartilhados pela maioria dos ruminantes. - Pré-estômagos da vaca: O esôfago propriamente dito da vaca transporta material para um grande recipiente de fermentação, que é composto por rúmen e retículo; O rúmen é o maior compartimento, revestido por papilas que lembram um “carpete felpudo” e que se estendem a partir da parede do rúmen para aumentar a área de superfície de absorção; As papilas do rúmen estão praticamente ausentes no rúmen neonatal; O comprimento e a largura das papilas do rúmen aumentam à medida que o rúmen é ocupado por bactérias e o recém-nascido é colocado em uma dieta que promove a produção de butirato no rúmen; O butirato é um ácido graxo volátil (AGV), que é de importância vital para a integridade do epitélio do rúmen; O melhor tipo de dieta que promove a produção de butirato e o desenvolvimento das papilas do rúmen no ruminante jovem é uma dieta rica em grãos, em oposição à forragem; 1 A parte mais cranial do grande recipiente de fermentação é denominada retículo. O retículo pode ser distinguido do rúmen pelas projeções singulares em formato de favo de mel de sua parede; O rúmen e o retículo são iguais do ponto de vista funcional: ambos atuam como locais de armazenamento da ingesta e proporcionam um abrigo seguro para as bactérias características do rúmen, que irão fermentar celulose e hemicelulose de sua dieta vegetal. Ambos são revestidos por epitélio estratificado pavimentoso, que é capaz de absorver AGV e alguns eletrólitos e minerais; Após a fermentação no rúmen e retículo, a porção mais líquida da mistura de fermentação é transferida para o terceiro pré-estômago, o omaso, por meio do orifício retículo-omasal; O omaso assemelha-se muito a um filtro de óleo de automóvel; Possui longas folhas ou lâminas cobertas por um epitélio estratificado pavimentoso pelas quais os sucos que deixam o rúmen e o retículo devem passar em seu trajeto até o estômago verdadeiro, conhecido como abomaso nos ruminantes; As lâminas do omaso também podem absorver AGV e água; O abomaso dos ruminantes pode apresentar mais pregas em sua superfície interna do que o estômago dos monogástricos; todavia, do ponto de vista funcional, é idêntico a um estômago monogástrico, assim como o intestino delgado e o intestino grosso dos ruminantes. - - 2 - Fermentação no rúmen: Para a vaca, uma das principais vantagens do rúmen consiste em fornecer um abrigo às bactérias que têm as enzimas necessárias para romper as ligações β(1→4) entre os vários açúcares que compõem a celulose (principalmente hexoses, como a glicose) e a hemicelulose (principalmente pentoses, como a xilose e a arabinose); As enzimas dos mamíferos não são capazes de realizar essa tarefa; As bactérias celulolíticas que são capazes de romper essas ligações são anaeróbios estritos e a maior parte consiste em membros dos gêneros Bacteroides, Ruminococcus e Butyrovibrio; Essas bactérias clivam as ligações β(1→4) dos carboidratos estruturais da parede celular dos vegetais e utilizam as hexoses e pentoses liberadas para obter energia; Como são anaeróbios que residem em um ambiente anaeróbico, os produtos finais de sua fermentação consistem principalmente em AGVs acetato, propionato e butirato; Os AGVs são rapidamente absorvidos por difusão não iônica através do epitélio do pré-estômago e usados pelo ruminante para obtenção de energia (discutida de modo mais detalhado na seção sobre absorção de AGV); O pH normal do líquido ruminal varia de acordo com a dieta; As dietas ricas em forragem promovem um pH ruminal mais alto, tipicamente em torno de 6,5 a 7,0; As dietas ricas em grãos diminuem o pH, visto que a produção de AGV é geralmente maior; O rúmen permanece “saudável” enquanto o pH médio permanece acima de 5,7. Uma desvantagem para um ruminante é que os amidos e os monossacarídeos e dissacarídeos mais simples na dieta do ruminante são utilizados pelas bactérias do rúmen como fonte de energia; Uma quantidade muito pequena de amido ou açúcar escapa do rúmen para absorção no intestino delgado; Enquanto muitas bactérias são capazes de clivar as ligações α(1→4) no amido, os gêneros amilolíticos, como Streptococcus e Ruminobacter, são particularmente competentes na digestão do amido e dos açúcares; 3 Nas condições anaeróbicas estritas do rúmen, essas bactérias fermentam os amidos e os açúcares a ácido láctico, com produção de alguns AGVs; A ação das bactérias amilolíticas pode representar um problema particular para os ruminantes alimentados com dietas ricas em grãos; O gado de corte algumas vezes tem a sua dieta rica em forragem (gramíneas) substituída por uma dieta rica em grãos (milho, trigo, cevada) quando entra em confinamento; As populações de bactérias amilolíticas podem multiplicar-se muito rapidamente em resposta ao amido presente na dieta e produzem grandes quantidades de ácido láctico; O ácido láctico tem um pKa de 3,86, tornando-o um ácido quase dez vezes mais forte do que o acetato (pKa de 4,75), o propionato (pKa de 4,87) e o butirato (pKa de 4,83); Altas quantidades de ácido láctico e de outros AGVs no líquido ruminal podem causar uma queda do pH do rúmen abaixo de 5,7. Nesse pH, as bactérias celulolíticas começam a morrer, e o epitélio do rúmen pode ser lesionado pelo acúmulo de ácido; As bactérias que estão morrendo liberam endotoxinas, as quais entram no sangue, podendo causar choque. Essa condição é conhecida como acidose ruminal. Tende a ocorrer particularmente no gado que não teve tempo suficiente para se adaptar à dieta rica em grãos; Quando se aumenta lentamente a quantidade de grãos na dieta no decorrer de um período de várias semanas, isso possibilita a formação de populações de bactérias, conhecidas como utilizadoras de lactato, no rúmen; Essas bactérias metabolizam o lactato do líquido ruminal como fonte de energia. As bactérias utilizadoras de lactato pertencem aos gêneros Selenomonas e Megasphaera; Os animais com populações muito grandes dessas bactérias no rúmen podem receber dietas muito ricas em amido, com pouco risco de acidose ruminal; Os suínos e outros fermentadores pós-gástricos têm essencialmente os mesmos tipos de bactérias celulolíticas que residem no ceco e no cólon, à semelhança das vacas nas quais essas bactérias são encontradas no rúmen. Entretanto, nessas espécies, os amidos e os açúcares são absorvidos pelo intestino delgado antes de alcançar o cólon, de modo que o risco de pH muito baixo é reduzido. 4 - Considerações energéticas: Do ponto de vista energético, um animal monogástrico deve ser capaz de obter cerca de 4 kcal de energia metabolizável por grama de amido ou glicose digeridos; O ruminante só obtém cerca de 2,2 kcal de energia metabolizável por grama de amido ou glicose, e essa quantidade encontra-se na forma dos AGVs que permanecem a partir da fermentação anaeróbica. Todavia, oanimal monogástrico não obtém energia da celulose e da hemicelulose, enquanto o ruminante ainda pode obter cerca de 2,2 kcal de energia metabolizável por grama de celulose e hemicelulose na dieta; Esses carboidratos estruturais vegetais com ligação β(1→4) não suprem a mesma quantidade de energia que os amidos com ligação α(1→4); entretanto, são muito abundantes, de modo que o ruminante sobrevive adequadamente; Talvez os animais com a melhor dessas duas situações sejam os fermentadores pós-gástricos; Esses animais obtêm 4 kcal de energia metabolizável por grama de amidos com ligação α(1→4) no intestino delgado e também podem obter cerca de 2 kcal de energia metabolizável por grama de carboidratos estruturais vegetais com ligação β(1→4) após fermentação microbiana no ceco e no cólon. - Fontes de proteínas: Outra vantagem possível de um animal ser ruminante é o fato de que as bactérias do rúmen podem fornecer ao animal uma proteína de alta qualidade; As bactérias do rúmen têm a capacidade de combinar o nitrogênio da amônia ou da ureia com esqueletos de carbono liberados dos carboidratos dietéticos, formando todos os aminoácidos que compõem o seu protoplasma; Quando as bactérias morrem ou são transferidas para o intestino delgado com outra digesta, as proteínas dentro das bactérias podem ser digeridas pelas enzimas proteolíticas dos mamíferos, sendo os aminoácidos usados então pela vaca; A proteína microbiana é considerada de altíssima qualidade: o seu perfil de aminoácidos é quase idêntico ao do músculo e do leite, possibilitando uma acentuada conversão em carne e leite pela vaca; Uma desvantagem de ser ruminante é o fato de que grande parte da proteína ingerida pela vaca pode ser utilizada pelas bactérias do rúmen; 5 Para as bactérias, é mais eficiente, do ponto de vista energético, utilizar aminoácidos pré- formados, quando disponíveis, em lugar de produzi-los de novo; A proteína dietética que pode ser degradada pelas bactérias do rúmen é designada como proteína degradável no rúmen; Nos animais monogástricos, é de suma importância a ingestão de proteínas de alta qualidade para o suprimento de aminoácidos essenciais; Nos ruminantes, se a proteína for degradável no rúmen, o animal perde os aminoácidos essenciais, a não ser que estes possam ser recuperados na forma de proteína microbiana que entra no intestino delgado. Nem toda proteína dietética ingerida por uma vaca é degradada pelas bactérias do rúmen para uso; Os ingredientes dietéticos variam na degradabilidade da proteína no rúmen; A maior parte das proteínas encontradas em alimentos típicos para animais contém entre 25 e 80% de proteína degradável no rúmen; A proteína que escapa das bactérias do rúmen, conhecida como proteína não degradável no rúmen, pode ser digerida no intestino delgado e, se for de alta qualidade, pode constituir uma excelente fonte de aminoácidos essenciais; Os equinos e outros fermentadores pós-gástricos digerem e absorvem as proteínas e os aminoácidos no intestino delgado. Entretanto, a microbiota existente em seus intestinos contém aminoácidos. Foram identificados transportadores de aminoácidos no epitélio da mucosa colônica do cavalo, porém a contribuição da proteína microbiana para as necessidades de aminoácidos essenciais dos equinos não está bem definida. Certamente, nos fermentadores pós-gástricos que praticam a coprofagia, como os coelhos, a proteína microbiana ingerida será digerida, e os aminoácidos serão absorvidos pelo intestino delgado. - Fungos e protozoários no rúmen: O rúmen é um ecossistema; Além de uma ampla variedade de bactérias anaeróbicas facultativas e anaeróbicas, o rúmen também contém pequenas populações de fungos; Algumas dessas espécies de fungos podem ajudar a degradar a lignina, um constituinte lenhoso e indigestível das paredes celulares dos vegetais; Outros habitantes bastante proeminentes do rúmen são os protozoários. Esses eucariotas podem ser muito grandes e, em geral, vivem ao ingerir bactérias e uns aos outros no rúmen; Há poucas evidências de que isso tenha alguma utilidade para a vaca. O veterinário pode facilmente estabelecer um diagnóstico de acidose ruminal 6 excessiva ao inserir uma sonda no rúmen da vaca e extrair uma pequena quantidade de líquido ruminal para exame microscópico; Os protozoários maiores morrem rapidamente quando o pH do rúmen cai para valores muito baixos; Os protozoários e os fungos também podem residir no ceco e no cólon dos fermentadores pós-gástricos. - Absorção dos ácidos graxos voláteis através da parede do rúmen: Os AGVs produzidos no rúmen são ácidos fracos que existem em um estado tanto dissociado quanto não dissociado; No estado não dissociado, são tanto hidrossolúveis quanto lipossolúveis. Nesse estado, não apresentam nenhuma carga e, por serem lipossolúveis, pode atravessar livremente a bicamada lipídica da membrana celular; No estado dissociado, a sua carga impede que eles atravessem a bicamada lipídica, e essa carga também os torna solúveis apenas em água. As formas não dissociadas e dissociadas dos ácidos fracos e das bases fracas estão em equilíbrio, e a concentração das formas não dissociada e dissociada depende do pH da solução. O ácido propiônico é usado como exemplo pelo fato de ilustrar melhor como isso afeta o equilíbrio e as concentrações das formas não dissociada e dissociada. O ácido propiônico na água existe no estado não dissociado, designado como HProp, e no estado dissociado, Prop–, conforme descrito pela seguinte equação: HProp 4 H+ + Prop– -Explicação da imagem (Difusão não iônica): O ácido propiônico, à semelhança de todos os ácidos fracos, existe em um estado dissociado com carga (Prop–) e em um estado não dissociado sem carga (HProp). A quantidade de cada espécie depende do pKa do ácido e do pH da solução. No estado HProp, o ácido atravessa livremente as membranas. Ao atravessar a membrana, o ácido propiônico dissocia-se para restabelecer o equilíbrio de dissociação. O pKa para o ácido propiônico é de 4,87; Em uma solução com pH de 4,87, 50% do ácido propiônico estarão no estado não dissociado, HProp, e 50%, no estado dissociado, Prop–; Se o pH da solução for de 5,87 (e convém lembrar que o pH é uma escala logarítmica), a redução dos íons H+ desvia o equilíbrio ainda mais para a direita, 7 e, nesse estágio, apenas 10% do ácido propiônico encontram-se na forma HProp, enquanto 90% estão na forma dissociada Prop–; Se a solução tiver um pH de 6,87, que não difere do pH no rúmen, apenas 1% do ácido propiônico encontra-se na forma não dissociada, enquanto 99% estão na forma dissociada. A pequena quantidade de HProp na forma não dissociada irá atravessar livremente a membrana apical a favor de seu gradiente de concentração para dentro da célula (Figura 45.5); Ao remover o HProp do lúmen, o equilíbrio de dissociação do ácido propiônico será desviado para a esquerda para repor o HProp perdido, permitindo que outro HProp atravesse a membrana celular; Uma vez do outro lado da membrana, o HProp dissocia-se rapidamente para formar H+ e Prop–. Neste momento, o Prop– está retido dentro da célula. Entretanto, enquanto o HProp estiver sendo produzido no lúmen e atravessar a membrana apical, haverá um segundo equilíbrio estabelecido pelo ácido propiônico no lado oposto da célula, próximo à membrana basolateral. Neste local, o Prop– e H+ estarão novamente em equilíbrio com o HProp. À medida que está sendo formado, o HProp irá atravessar a membrana basolateral para o líquido extracelular; Para atravessar o líquido ruminal e entrar no líquido extracelular, o AGV precisa atravessar todas as camadas de células que formam o epitélio estratificado pavimentoso que recobre as papilas ruminais; O estabelecimento desses equilíbrios quanto na membrana apical quanto na membrana basolateral de cada camada de células pavimentosas parece ser um processo colossal e ineficiente; O epitélio dorúmen tem uma maneira mais apropriada de melhorar a eficiência desse processo; Acima de cada camada de epitélio pavimentoso, existe uma camada de água inerte mantida por tensão superficial; A célula epitelial do rúmen remove (absorve) um átomo de Na+ dessa camada de água inerte em troca da secreção de um ânion HCO3– nesse espaço. Isso reduz o pH na camada de água inerte, de modo que ele geralmente é 1 a 1,5 unidade de pH abaixo do pH do líquido ruminal; O pH mais baixo desse líquido promove o equilíbrio do propionato e dos outros AGVs longe da dissociação, de modo que uma quantidade muito maior se encontra no estado não dissociado e pronta para atravessar as membranas apicais e entrar nas células. Isso melhora acentuadamente a eficiência de 8 absorção dos AGVs do rúmen. Acredita-se que um mecanismo semelhante de aumento da absorção de AGV ocorra também no cólon dos equinos. - Explicação da imagem (Absorção de ácidos graxos voláteis pelo rúmen): A parede do rúmen é composta de epitélio estratificado pavimentoso. A absorção de ácidos graxos voláteis é intensificada pela absorção de Na+ e secreção de HCO3– através do epitélio do rúmen. Isso cria uma pequena zona de pH mais baixo dentro da camada de água inerte acima e entre as células epiteliais. O pH mais baixo aumenta acentuadamente a quantidade de ácidos graxos voláteis no estado não dissociado sem carga, promovendo a sua absorção através das membranas apicais. - Motilidade do pré-estômago dos ruminantes: Ocorrem três tipos distintos de contrações no rúmen e no retículo da vaca, que desempenham três funções diferentes: mistura da ingesta com as bactérias ruminais, remoção de gases produzidos durante a fermentação e regurgitação do conteúdo luminal, de modo que possa ser mastigado adicionalmente para ajudar a sua degradação pelas bactérias do rúmen; Cada tipo de contração é controlado por um reflexo programado distinto no bulbo, em resposta à informação aferente sensitiva vagal, e é iniciado pelos nervos eferentes do vago; A contração do reflexo de regurgitação não permite a passagem de gás do rúmen, e o reflexo de eructação não permite a entrada de material fibroso no esôfago; O esôfago do ruminante, cranial aos pré-estômagos, apresenta músculo circular interno e músculo longitudinal externo compostos de músculo esquelético estriado; É peculiar em virtude de sua capacidade de peristaltismo tanto anterógrado quanto retrógrado; Na vaca e na ovelha, a ingesta do rúmen forma camadas distintas no rúmen. Uma espessa camada de partículas fibrosas mais longas da dieta flutua sobre os líquidos ruminais; Abaixo da “balsa do rúmen”, o tamanho das partículas em suspensão no líquido ruminal diminui, até que próximo à parte ventral do rúmen, o material é quase totalmente líquido, com apenas partículas pequenas suspensas no líquido; 9 Na maioria dos ruminantes, não há formação de camadas da ingesta do rúmen: fibras e partículas de todos os tamanhos são continuamente misturadas e distribuídas de modo uniforme por todo o líquido de fermentação. - Contrações de mistura: Essas contrações servem para manter o conteúdo do rúmen bem misturado, a fim de promover uma fermentação efetiva; Começam com a contração do rúmen próximo da cárdia (local de entrada do esôfago) e prosseguem pela superfície dorsal até a parte caudal do rúmen; Em seguida, a onda de contração prossegue até a parte ventral do rúmen e o retículo e, em seguida, de volta à região da cárdia; O material é transferido do saco dorsal do rúmen para o saco ventral e, em seguida, para o saco cego caudal dorsal e de volta ao saco dorsal; Cada contração de mistura leva 30 a 50 segundos para se completar, e as contrações ocorrem uma depois da outra; A ausculta do rúmen é realizada ao colocar o estetoscópio na região da fossa paralombar esquerda; O veterinário deve ouvir aproximadamente três sons ribombantes a cada 2 minutos em uma vaca normal; As contrações de misturas são apenas interrompidas pela eructação ou contrações de regurgitação na vaca saudável normal; A presença de material fibroso (na balsa do rúmen) parece constituir o principal fator que estimula as contrações do rúmen; O material da balsa é algumas vezes designado como “fator scratch”2, visto que a presença de material ruminal espesso promove as contrações tanto de mistura quanto de regurgitação do rúmen e do retículo. Uma notável característica do retículo é que, durante a contração do rúmen e do retículo, os materiais e objetos estranhos pesados geralmente ficam alojados no retículo; Como as vacas consomem a sua dieta muito rapidamente antes de procurar um local tranquilo para ruminar, elas podem não ser muito discriminativas sobre o que estão deglutindo. Não raramente, as vacas ingerem pregos e pedaços de arame que ficam alojados no retículo. As contrações do retículo podem fazer com que 10 esses objetos perfurem a parede cranial do retículo e entrem no peritônio, causando peritonite. Essa condição é conhecida como reticuloperitonite traumática. Em certas ocasiões, o objeto perfura o diafragma, causando também pleurite; Na maioria das vacas leiteiras, administra-se um ímã por via oral, que é deglutido e se aloja no retículo. O ímã segura qualquer material que contenha ferro, como arame, impedindo que perfure a parede do retículo. - Contrações de eructação: Durante a fermentação, são produzidos a cada minuto cerca de 2 l de gás, principalmente dióxido de carbono e pequenas quantidades de metano; Esses gases precisam ser removidos para evitar a distensão do rúmen, que poderia interferir na capacidade do diafragma de expandir a cavidade torácica; O reflexo de eructação é iniciado por aferentes vagais que detectam a distensão do rúmen dorsal pelo gás; As contrações iniciam-se na porção caudal do rúmen e prosseguem do saco cego caudal dorsal para o saco dorsal. Ao mesmo tempo, ocorre relaxamento do saco caudal ventral do rúmen. Isso tem o efeito importante de abaixar o nível de líquido em torno da região da cárdia, de modo que a entrada da parte inferior do esôfago esteja livre de líquido; Somente se a cárdia estiver sem líquido é que haverá relaxamento do esfíncter esofágico inferior, possibilitando a entrada de gás no esôfago; O gás é então propelido em movimento ascendente no esôfago por um esforço inspiratório contra a nasofaringe parcialmente fechada. Isso provoca a entrada de parte do gás eructado na traqueia e nos pulmões; O gás do rúmen é então expelido pelas narinas durante a exalação seguinte; Cada contração de eructação leva cerca de 30 segundos para se completar, e tipicamente ocorre uma eructação depois de três a cinco contrações de mistura. Foi sugerido que a inspiração de gases eructados nos pulmões pelo ruminante pode ajudar a abafar o ruído que poderia ser produzido por gases que escapassem diretamente pela boca; A emissão de arrotos altos poderia facilitar a detecção por predadores. - Timpanismo: O timpanismo ocorre quando os gases não conseguem sair do rúmen; 11 Pode ser causado por bloqueio do esôfago (asfixia), devido a ingestão ou produção de algum componente obstrutor; Pode também ocorrer em animais com doenças que afetam a função do nervo vago ou a função bulbar. O veterinário sempre deve considerar a raiva como possibilidade em uma vaca apresentando timpanismo. Entretanto, o timpanismo é causado mais caracteristicamente pela ingestão de certos tipos de material vegetal; Um exemplo clássico é o timpanismo causado pela ingestão de leguminosas, como alfafa. Essas plantas apresentam saponinas em suas folhas. Quando misturadas com o líquido ruminal, essas saponinas podem formar bolhas muito estáveis que flutuam na superfície do líquido ruminal. Essa espuma interfere no refluxo de eructação. As fibras sensitivas aferentes vagais na região da cárdia interpretam a espuma como líquido e não estimulam o relaxamento do esfíncter esofágico inferior. Isso serianormalmente um mecanismo para proteger o ruminante da inalação dos líquidos ruminais durante o reflexo de eructação. Entretanto, a cárdia nunca consegue ficar livre dessa espuma, os gases da fermentação não podem ser removidos, e a pressão do gás acumulado provoca distensão do rúmen e impede a expansão do diafragma, com consequente sufocação do ruminante; O timpanismo também pode ocorrer no gado alimentado com dietas ricas em grãos, particularmente as que contêm trigo e cevada. Neste caso, as bactérias amilolíticas produzem um muco de dextrina que provoca a formação de espuma no rúmen. Essa espuma também é percebida pelos receptores sensitivos na cárdia como incapacidade de eliminar o líquido da cárdia, de modo que não ocorrerá abertura do esfíncter esofágico inferior. -Contrações de regurgitação: Esse reflexo possibilita a transferência do material composto de grandes partículas do rúmen para a boca, de modo que a vaca possa mastigá-lo para reduzir o tamanho das partículas e aumentar a área de superfície disponível para a fixação das bactérias. Com frequência, é designado como ruminação; A presença de uma “balsa ruminal” (o material fibroso que flutua sobre o líquido ruminal) promove a iniciação desse reflexo; A regurgitação começa com a contração na porção média do saco dorsal; 12 Isso força o material da balsa em direção à cárdia, enquanto a bolsa de gás move-se para a parte caudal do rúmen. Ao mesmo tempo, ocorre um esforço inspiratório contra a nasofaringe fechada e o esfíncter esofágico superior aberto, que cria uma grande pressão negativa no esôfago para propelir o bolo de material fibroso para dentro do esôfago através do esfíncter esofágico inferior relaxado; A presença do material fibroso inicia contrações antiperistálticas, retrógradas, do esôfago, que propele o bolo para dentro da boca. Esse material é mastigado por alguns minutos, deglutido, e o processo é seguido de outro bolo; A regurgitação apresenta algum componente voluntário. As vacas mastigam o bolo regurgitado quando estão relaxadas. A quantidade de fibra (fibra detergente neutra) na dieta afeta a taxa de regurgitação; O material fibroso pode levar 3 dias para ser digerido no rúmen; A mastigação do material regurgitado também estimula a secreção de saliva, a qual atua como importante fonte de tampão ruminal, que ajuda a prevenir o desenvolvimento de acidez ruminal. Normalmente, ocorre uma contração de regurgitação a cada 2 a 3 minutos entre as contrações de mistura e as contrações de eructação. Quando o veterinário observa um rebanho de gado em repouso, pelo menos 60% das vacas devem estar mastigando ativamente o material regurgitado. Menos de 60% poderia indicar falta de fibras na dieta, podendo resultar em acidose ruminal. - Contração abomasal: Nos ruminantes, o material é transferido para o abomaso em uma velocidade bastante constante; À semelhança do estômago verdadeiro das espécies monogástricas, as contrações do abomaso permitem que o material que entra seja totalmente misturado com os ácidos e as enzimas do abomaso; As contrações também possibilitam a saída de algum material para o intestino delgado. Há produção de uma grande quantidade de dióxido de carbono durante a fermentação bacteriana, e uma certa quantidade permanece dissolvida no líquido ruminal. Entretanto, o dióxido de carbono é quase insolúvel em soluções com pH baixo, de modo que uma grande quantidade de gás é liberada quando o líquido ruminal encontra o ácido no abomaso; Uma ação singular da contração abomasal nos ruminantes consiste em propelir os gases de volta ao omaso e rúmen para regurgitação; O abomaso contrai-se normalmente cerca de 2,25 vezes por minuto; 13 A sua contração está coordenada com as contrações do rúmen, de modo que ocorrem cerca de duas contrações do abomaso para cada contração de mistura do rúmen; Se as contrações do rúmen ficarem mais lentas em virtude da ausência do material da balsa ruminal, as contrações do abomaso também diminuem. Infelizmente, se a contratilidade abomasal for acentuadamente reduzida, o abomaso pode ser preenchido com gás e “flutuar” na parte superior da cavidade abdominal, uma condição conhecida como deslocamento do abomaso. É particularmente comum em vacas leiteiras pouco depois do parto; O deslocamento de abomaso está frequentemente associado a uma dieta pobre em fibras ou a uma dieta que promove hipocalcemia (febre do leite). O músculo abomasal, à semelhança de todos os músculos lisos e esqueléticos, perde a sua força contrátil quando os níveis sanguíneos de cálcio estão baixos. - Reflexo do sulco reticular em ruminantes neonatais: Durante a sucção do leite, muitos ruminantes jovens iniciam um reflexo que desvia o leite do esôfago diretamente para dentro do omaso. Algumas vezes, é designado erroneamente como reflexo esofágico. Isso evita a entrada do leite no rúmen, onde poderia coalhar, possivelmente com destruição dos anticorpos do colostro; À medida que o bezerro cresce e desenvolve uma população de bactérias do rúmen, esse reflexo desvia as proteínas de alta qualidade do leite para o abomaso, para fornecer os aminoácidos essenciais ao animal, e não para as bactérias do rúmen; A ação de sucção e a presença de proteínas e eletrólitos do leite faz com que esse reflexo seja iniciado por vias neuronais aferentes da faringe. Uma prega do retículo move-se dorsalmente para formar um sulco entre o esôfago e o orifício retículo-omasal, que guia os líquidos diretamente do esôfago para o omaso. - Camelídeos: Os lamas (ou lhamas), os guanacos e os camelos também são ruminantes, com uma anatomia ligeiramente diferente do pré-estômago; Esses animais apresentam três câmaras (denominadas câmaras 1, 2 e 3), incluindo o abomaso, em lugar do pré-estômago de quatro câmaras e do estômago dos ruminantes mais tradicionais; As primeiras duas câmaras consistem em grandes 14 compartimentos de fermentação, e o material passa da câmara 1 para a câmara 2 e para a 3; Os camelídeos têm sáculos peculiares na porção ventral da câmara 1 e da câmara 2, que são invaginações da parede da câmara. Esses sáculos aumentam acentuadamente a área de superfície disponível para absorção e podem absorver os AGVs do líquido de fermentação cerca de três a quatro vezes mais rapidamente do que os ruminantes tradicionais; O líquido fermentado preenche esses sáculos, e, em seguida, as contrações da parede das câmaras evertem por completo o sáculo, descarregando o conteúdo de volta para a câmara de fermentação; A ingesta não forma camadas bem definidas pelo conteúdo de material fibrosa, na verdade, ela é mantida homogeneamente misturada com o líquido da câmara; A eructação nos camelídeos é mais frequente do que nos ruminantes clássicos, o que pode explicar a razão pela qual têm menos propensão ao timpanismo. Além disso, têm a capacidade de regurgitar o material da câmara 1 para mastigar o bolo. E qualquer pessoa que tenha trabalhado com camelídeos logo aprende que eles podem ejetar esse material fétido pela boca com força e alguma acurácia; A câmara 3 é um tanto análoga ao abomaso, embora apenas o último terço desse compartimento seja verdadeiramente o estômago glandular; A fermentação continua na porção cranial da câmara 3. - Ecologia microbiana do tubo digestório: Todos os animais recém-nascidos nascem ou eclodem com um tubo intestinal estéril, não há bactérias, nem fungos ou protozoários; Em poucas semanas, o animal jovem irá ingerir bactérias a partir da cavidade oral da mãe (lambendo e limpando o recém-nascido) ou por meio do contato com fezes no ambiente, dando início ao processo de colonização; Os ruminantes e fermentadores pós-gástricos desenvolvem uma população microbiana funcional em seus respectivos compartimentos de fermentação em cerca de 2 a 3 meses. Mesmo nas espécies monogástricas, as bactérias colônicas podem afetar acentuadamente a saúde do intestino por meio da produçãode butirato, e muitos animais monogástricos podem obter alguma energia a partir da produção de AGV no ceco e no cólon. 15 Muitos tipos de bactérias podem ser encontrados na boca e na orofaringe. Seu número é mantido relativamente baixo por enzimas, substâncias antibacterianas e anticorpos presentes na saliva. A doença periodontal (cães e gatos) ou a ocorrência de infecção abaixo da linha gengival podem constituir sequelas de um controle inadequado dessas bactérias; O duodeno e a parte superior do jejuno têm números relativamente baixos de bactérias; Os ácidos gástricos e as enzimas proteolíticas matam a maior parte das bactérias ingeridas (90%, de modo que ainda permanecem 10% que crescem de modo exponencial), e a ação de descarga da digesta mantém um número relativamente baixo no tubo gastrintestinal superior; O duodeno contém cerca de 105 bactérias por grama de conteúdo; Muitas das bactérias no jejuno provêm das bactérias encontradas no íleo. À medida que as populações no íleo crescem, elas ascendem pelo tubo intestinal; O íleo contém cerca de 108 bactérias por grama; No intestino grosso e no cólon, os níveis de oxigênio no lúmen caem muito mais, o que possibilita o crescimento de alguns anaeróbios; O ceco e o cólon contêm cerca de 1010 bactérias por grama de conteúdo. Existem algumas diferenças notáveis entre espécies nos tipos de bactérias que colonizam o intestino; Nos humanos, nos cães e nos gatos, as bactérias gram-negativas, como Escherichia coli, tendem a predominar no intestino delgado e no cólon; Há também muitos lactobacilos (gram-positivos). Os lactobacilos parecem estar associados a melhor saúde do intestino, daí a popularização do uso do iogurte com culturas vivas como probiótico; Os lactobacilos (gram-positivos) e bactérias filamentosas segmentadas predominam no intestino delgado de roedores e do coelho. Há também maior número de anaeróbios celulolíticos no cólon desses animais do que nas espécies monogástricas; Os habitantes do tubo intestinal em sua maioria não são prejudiciais e provavelmente são benéficos. Entretanto, certas bactérias são patogênicas: algumas são patogênicas o tempo todo, como no caso da maioria das espécies de Salmonella, que produzem toxinas e causam destruição tecidual ou inflamação sistêmica; algumas são apenas patogênicas quando as condições são favoráveis. Por exemplo, Clostridium perfringens tende a estar presente no intestino da 16 maioria dos cordeiros e não causa nenhum problema. Entretanto, quando o jovem cordeiro é colocado em uma dieta rica em grãos, uma certa quantidade de amido escapa da fermentação ruminal e segue o seu trajeto até o intestino delgado. A disponibilidade de amido como fonte de energia possibilita a proliferação do C. perfringens. Em seguida, esse microrganismo produz enterotoxinas, que causam dano aos eritrócitos e hemorragia intestinal. A colonização por bactérias normais pode ajudar a prevenir a colonização por espécies bacterianas patogênicas. Os probióticos são misturas de bactérias intestinais “normais”, como os lactobacilos, que ocupam um nicho ecológico e, portanto, excluem competitivamente os patógenos que ocupariam essa área do intestino. Os pré-bióticos são ingredientes dietéticos ingeridos para fornecer nutrientes preferidos pelas bactérias benéficas, na esperança de promover o seu crescimento; A administração de antibióticos da família das penicilinas a coelhos e ratos pode matar as bactérias gram-positivas e possibilitar a proliferação excessiva de E. coli no intestino. Isso geralmente é letal para esses animais. 17