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A FARSA DAS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS Elaine de Deus Oliveira (2016) E o que se pode presumir nesse contexto, focando as indústrias farmacêuticas? É no mínimo curioso o fato do DSM V 1 (2013) ter introduzido tantas novas entidades patológicas. Allen Frances (diretor do DSM IV), em entrevista afirmou: “Não soubemos nos antecipar ao poder dos laboratórios de fazer médicos, pais e pacientes acreditarem que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução.” 2 Entretanto, o diretor faz uma ressalva importante quando diz da necessidade e utilidade dos fármacos diante da imensa incapacidade que é resultante dos transtornos mentais severos e persistentes. E complementa: "Mas não ajudam nos problemas cotidianos, pelo contrário: o excesso de medicação causa mais danos que benefícios. Não existe tratamento mágico contra o mal-estar" 3 Para Caponi (2013) é percebido que a atual sociedade encontrou uma nova forma de lidar com o sofrimento, sendo os fracassos e as angústias agora administrados de maneira medicamentosa. O autor acredita que a ingenuidade de nossa sociedade, em razão de sua lenta modernidade, nesse decurso de biologização dos fatos sociais, aceitará passivamente diagnósticos tênues que permitam mitigar uma vivência sem sofrimentos pelo uso dos antidepressivos. Allen Frances (2014) 4 também discorre sobre a transformação dos problemas diários em transtornos mentais sendo estes tratados com comprimidos. E faz uma advertência sobre os interesses das indústrias farmacêuticas. Para o ex-diretor os problemas diários em transtornos mentais estão sendo transformados e tratados com comprimidos por razão de diagnóstico frouxo. Sendo, porém, o maior problema a venda de doença feita pela indústria farmacêutica mediante o convencimento de que as pessoas necessitam de remédios. E fazem isso investindo 1 DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS - Existem cinco revisões para o DSM desde sua primeira publicação em 1952. A maior revisão foi a DSM-IV, publicada em 1994. O DSM-5 (também referido como DSM-V) foi publicado em 18 de maio de 2013 e é a versão atual do manual. Em termos de pesquisa em saúde mental, o DSM continua sendo a maior referência da atualidade. 2 Disponível em: http://psibr.com.br/noticias/ex-coordenador-do-dsm-sobre-a-biblia- dapsiquiatriatransformamos -problemas-cotidianos-em-transtornos-mentais Acesso em: 16 jun. 2015. 3 Idem. 4 Disponível em: http://www.freudiana.com.br/destaques-home/perigosa-industria-das-doencas-mentais- uma-en trevista-allen-frances.html Acesso em: 22 jun. 2015. bilhões de dólares para injetar esses medicamentos na sociedade através de enganosa publicidade e assim induzir a conformidade das doenças psiquiátricas. Caponi (2013) é mais ousada na abordagem desse tema, pois afirma que os altos investimentos destinados à pesquisa de novos antidepressivos possuem dois objetivos específicos, sendo eles: oferecer um medicamento com menor efeito colateral para substituir o que está em uso; e, lançar medicamentos novos para os novos diagnósticos surgidos pela via da associação entre distúrbios, como por exemplo: depressão com ansiedade, anorexia nervosa, depressão com hiperatividade, etc. Pignarre (2001, p. 120 apud CAPONI, 2013, p. 118) afirma: "Os pesquisadores da indústria farmacêutica impõe sua biologia menor 5. Ela não tem grande utilidade fora do laboratório, sua ambição é aperfeiçoar e afinar os instrumentos de seleção de novos psicotrópicos que sempre serão os penúltimos." (grifo nosso). Caponi (2013) preocupa-se ainda em marcar uma séria advertência quanto a essa questão da biologia menor, pontuando: "[...] os motores 'medicalizar' e 'biologizar' se articulam de um novo modo a partir da petite biologie, que permite inverter a cadeia causal explicativa: agora é a terapêutica, o antidepressivo, o que permitiria identificar a causa da doença". Ou seja, totalmente contrário a construção dos diagnósticos apontados no DSM-IV que foi elaborado através de estudos populacionais amplos que se debruçaram para quantificar e estabelecer correlações e normas. Para Caponi (2013) a utilização do DSM-IV está subordinada a apresentação dos critérios pré-definidos, como fadiga, sentimento de culpa, problemas de sono ou apetite; não é dada atenção ao relato de vida das pessoas. Dessa forma, a autora conclama uma reflexão sobre a utilização dessa abordagem que conduz a deixar de lado o conteúdo da queixa trazida pelos pacientes e a valorizar somente o que ficou definido como importante anteriormente, ou seja, como diz a autora, o ritual de identificação das patologias leva a deixar entre parênteses a história de vida dos pacientes. As demais vertentes, políticas e sociais, serão rapidamente demonstradas, pois não se constituem foco dessa pesquisa. Na publicação abaixo (COTRIM, 2006, p. 32), sem muito esforço, poderá ser discernida a vertente política. 5 Conceito criado por Pignarre que se refere aos conhecimentos que permitem produzir novos psicofármacos a partir das reações provocadas pelos fármacos hoje existentes. (CAPONI, 2013, p. 118). Lógica capitalista Quando era presidente da República (1985-1990), José Sarney tomou conhecimento desta prestação de contas de um laboratório farmacêutico: Severo Gomes era ministro da Indústria e Comércio e recebeu um relatório de um grande laboratório internacional, destinado a seus acionistas, justificando os seus lucros baixos naquele ano: "O inverno foi muito fraco e, com o tempo bom, não tivemos a incidência de pneumonia nem complicações respiratórias. Os casos de gripe foram muito aquém de nossas previsões e os gastos com anúncios sobre nossos produtos, excessivos. Assim, pedimos a compreensão dos nossos acionistas para os baixos lucros, que não foram decorrentes da falta de esforços de nossos executivos". E continuava: "Contudo as perspectivas de melhoria são excelentes. Todas as previsões meteorológicas indicam que vamos ter um rigoroso inverno, com novos vírus gripais, não sendo descartada a hipótese de incidência de epidemias. Assim, o volume de consumo dos nossos medicamentos vai ser muito grande e explosivo, compensando o fraco desempenho deste ano". Severo deu-me conhecimento do relatório e uma boa risada, advertindo que essa é a lógica capitalista. 6 Esse tipo de exemplo tem apenas a pretensão de reforçar a potência das indústrias farmacêuticas - Uma surpreendente publicação na Folha de São Paulo! E, a vertente social, pode ser facilmente percebida na exibição do enredo de um excelente filme do diretor Fernando Meirelles: "O Jardineiro Fiel" 7 (DVD), que retrata de forma mais próxima possível da realidade, a cruel dinâmica de operações que são empregadas por essas indústrias com o objetivo de se manterem soberanas e imperativas nesse domínio. O desrespeito abusivo e coercivo do ser humano é evidenciado sem piedade em todos os níveis sociais. E ainda mais enfático na classe menos favorecida que é subjugada a testagem de medicamento sem que tenham conhecimento deles e nem de seus riscos imediatos e/ou futuros. Uma obra que vale à pena conferir! E nem mesmo a famosa Declaração de Helsinque, reconhecida no universo da saúde em todo o mundo, é respeitada por essa entidade. O discurso de Garrafa e Lorenzo (2013) 8 confirma o exposto acima. Para eles, não passarão desapercebidas as modificações feitas na Declaração de Helsinque onde a 6 JOSÉ SARNEY. Um mundo de paradoxos. Folha de São Paulo, 10 mar. 2000. 7 Este filme foi gentilmente indicado pelo farmacêutico Saulo Pinheiro Dias - Drogaria Ponciano (bairro de Olaria), no momento em que, mediante a possibilidade de compra de um medicamento genérico, surgiu a oportunidadede uma conversa sobre a questão dos altos interesses das grandes indústrias farmacêuticas. Deixo aqui registrado meu agradecimento pela proveitosa conversa e preciosa indicação que veio abrilhantar meu trabalho acadêmico. 8 In: CAPONI, Sandra; VERDI, Marta; BRZOZOWSKI, Fabíola Stolf; HELLMANN, Fernando. (Orgs.) Medicalização da Vida: Ética, Saúde Pública e Indústria Farmacêutica. 2. ed. Curitiba: Prisma, 2013. proteção de sujeito e comunidades são reduzidas e maximizados os interesses das grandes indústrias farmacêuticas. Certamente sofrerão algumas críticas, o que já vem ocorrendo com certa regularidade. Entretanto, os anos vindouros mostrarão em seus discursos se as referidas modificações estavam adequadas às situações de fragilidade social comprovadas nos países periféricos. Debruçar hoje sobre o assunto das indústrias farmacêutica é um grande desafio, pois já traz em seu contexto a certeza de um resultado utópico em qualquer que seja o tipo e nível de intervenção, porque seu domínio de ação é extremamente significativo e intocável. Moynihan e Cassels (2007 apud NASÁRIO; SILVA, 2015) denunciam que cerca de 500 bilhões dólares são movimentados anualmente através de campanhas de promoção pelas indústrias farmacêuticas. Elas exploram o ser humano em seu receio quanto à morte, à regressão física e à própria doença, reduzindo assim o valor que lhe é inerente. Na concepção desses autores, os gigantes farmacêuticos não mais se preocupam em atender as pessoas que de fato precisam, porque mais importa informar aos saudáveis que estão doentes e isso resulta em grande lucro. Resta a possibilidade de uma conscientização à população através da Educação sistemática e informativa. E esse é um dos papéis para o qual são chamados os profissionais da Saúde a desempenharem - sobretudo os da Saúde Mental - Que seja essa a nossa singela esperança! REFERÊNCIAS CAPONI, Sandra; VERDI, Marta; BRZOZOWSKI, Fabíola Stolf; HELLMANN, Fernando. (Orgs.) Medicalização da Vida: Ética, Saúde Pública e Indústria Farmacêutica. 2. ed. Curitiba: Prisma, 2013. 405p. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 16. ed. reform. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006. NASARIO, Marcela; SILVA Milena Mery da. O Consumo Excessivo de Medicamentos Psicotrópicos na Atualidade. Disponível em: http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Marcela-Nasario.pdf Acesso em: 05 Jul. 2016.
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