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O PÚBLICO NA SOCIEDADE DE MASSAS Cândido Teobaldo de Souza Andrade Que é público? A palavra “público” vem sendo empregada para descrever os mais variados agrupamentos de pessoas. Um grupo de pessoas assistindo a um espetáculo ou a uma palestra poderia ser chamado público, ou seria simplesmente uma platéia ou auditório? É correto dizer-se público do futebol, ou público de Chico Buarque de Hollanda? É possível confundir-se público com povo ou nação? Massa e público seriam considerados sinônimos? Existe opinião pública? É ela um mito ou uma realidade? Opinião é resultante do público, da multidão ou da massa? Deve-se dizer sentimento coletivo ou opinião pública? Enfim, há uma série imensa de dúvidas e indagações que não merecem, até hoje, respostas convincentes. Os conceitos de massa, multidão e público variam amplamente. Existem tentativas de definição, que procuram identificar esses tipos fundamentais do comportamento coletivo. Mas, entre os estudiosos há diferenças sensíveis através de abordagens diversas. Além disso, cada um deles coloca o problema de maneira quase antagônica, propiciando na linguagem popular o uso indiscriminado desses termos, com significações diversificadas e pitorescas. Muitas vezes, o homem do povo ao nomear uma dessas formas de comportamento coletivo dá a exata conceituação. Assim, por exemplo, quando ele diz: “massa corintiana” querendo referir-se à enorme torcida do “Sport Club Corinthians Paulista”. Porém, incorrem em erro os locutores esportivos ou os narradores da televisão ao empregar a expressão “o público do Estádio do Pacaembu”, quando na verdade se trata de multidão convencionalizada, platéia, assistência ou auditório. O PÚBLICO Afirmam alguns estudiosos de Psicologia Social que até a descoberta da imprensa não se podia falar no agrupamento espontâneo que conhecemos, em nossos dias, com o nome de público. Na Antiguidade e na Idade Média existiam simplesmente multidões que se reuniam em praças, feiras e mercados. Nesse sentido, Arthur Ramos — o pioneiro do estudo da Psicologia Social no Brasil — afirmou: “Havia, na antiguidade 2 clássica, multidões várias, assembléias de cidadãos civis ou militares, o corpo eleitoral etc. Também na Idade Média havia feiras, multidões de peregrinos, multidões propriamente ditas, mas não públicos. Foi o ‘transporte do pensamento à distância’ (Tarde) que veio caracterizar o público” (RAMOS, 1952, p. 196-197). Assim, de acordo com Gabriel Tarde, a conceituação de público pressupunha a idéia de que ele é uma “multidão dispersa” (TARDE, 1922, p. 7). No entanto, esse conceito já foi substituído. Atualmente, os significados de multidão e de público são tão diversos, que não se pode nem mesmo falar que o público possa originar-se da multidão. A contigüidade espacial ou não também não constitui preocupação, pois os componentes do público podem ou não estar reunidos no mesmo local. Ressalte-se, desde já, que a tensão emocional em alto grau está presente na multidão, o que não acontece com os integrantes do público, que agem mais com base na razão. Daí dizer-se que “a multidão é violenta e o público sereno” (GOUVEIA, 1965, p. 66). As atitudes do homem moderno perante a complexidade da vida atual são difíceis de ser compreendidas em toda a sua extensão. O indivíduo, algumas vezes, mostra-se conscientemente racional em suas atitudes e opiniões; outras, age impulsionado por sentimentos. Seu comportamento, via de regra, é produto de fatores racionais e emocionais. Infelizmente, a atuação da propaganda tem levado as pessoas a agirem em virtude de considerações emotivas, deixando a razão e a reflexão como mero “background” de suas ações. É inegável que, apesar da acelerada evolução dos meios de comunicação e do progresso da educação, as pessoas nem sempre estão bem informadas, pois a amplitude dos problemas as impedem de obter informes em número suficiente para que possam opinar racionalmente. Ademais, a complexidade das questões levantadas de certa maneira afasta o homem comum dos problemas de alta indagação. O que, na realidade, existe é a massa, que aceita, por comodismo, os pontos-de-vista dos grupos relativamente pequenos, porém, detentores de melhores veículos de comunicação. Não é simples, contudo, separar, identificar e conceituar emoção e razão. Elas operam simultaneamente, criando atitudes e opiniões mescladas, que quase impedem a análise livre do pensamento individual ou coletivo. Mas, isto não quer dizer que não haja uma solução. É certo que a gigantesca floresta de nossa sociedade atual, alimentada pela seiva dos apelos emocionais, coloca o cidadão do mundo na desesperadora situação do homem extraviado na selva. Mas, se ele não perder a cabeça, acabará por encontrar a picada que o levará a lugar seguro. E para que isto aconteça, ele está na dependência de seu raciocínio e das informações que serão deixadas pelos sinais nas árvores. É indispensável criar um número cada vez maior de pessoas capazes de formar opinião racionalmente esclarecida em qualquer dos aspectos e posições em que surjam controvérsias de interesse geral. Torna-se necessário dar ensejo ao homem comum de conhecer os ângulos e os interesses dos problemas postos à prova, num intuito honesto 3 de se encontrar uma decisão coletiva que assegure, antes de tudo, o bem-estar de todos os elementos da comunidade, seja ela local, regional ou mundial. Em outras palavras, é preciso que surjam autênticos públicos e reais opiniões públicas. Mas, volta a indagação: que é público? Como ele se forma? Quais são suas características? Como se comporta o indivíduo no público? Pode-se notar que a formação do público depende: 1) da presença de pessoas ou grupos organizados de pessoas; 2) com ou sem contigüidade espacial; 3) da existência de controvérsia; 4) da abundância de informações; 5) da oportunidade de discussão; 6) do predomínio da crítica e da reflexão; 7) da procura de uma atitude comum; 8) de decisão ou opinião coletiva. Em resumo, a presença de uma controvérsia, a oportunidade de discussão e o aparecimento de uma decisão ou opinião coletiva marcam os principais fatores que permitem a formação do agrupamento elementar chamado público. Poder-se- ia, desde já, adiantar um conceito de público: “São pessoas ou grupos organizados de pessoas, sem dependência de contatos físicos, encarando uma controvérsia com idéias divididas quanto à solução ou medidas a serem tomadas frente a ela; com oportunidade para discuti-la, acompanhando ou participando do debate através dos veículos de comunicação ou da interação pessoal” (ANDRADE, 1965, p. 16). O público é um agrupamento espontâneo, porque é produto da controvérsia, não podendo assim ter a forma ou a estrutura dos grupos sociais organizados. Os integrantes do público não têm papel definido a desempenhar e têm pouca consciência de sua identidade. Ele é um grupo amorfo, cuja extensão e número variam em função da controvérsia. A existência de uma questão controvertida indica a presença de uma situação que não pode ser resolvida segundo tradições e normas; mas unicamente por meio do debate em busca de uma decisão coletiva resultante da discussão dos componentes do público. Não tem o público também divisão de trabalho preestabelecida, uma estrutura de posições ou uma chefia reconhecida, como acontece nos grupos sociais formais (família, associação, igreja, partido político etc.). Outra particularidade dos públicos é o desacordo e a oposição. As relações de conflito estão presentes no público, pois seus integrantes agem através, de discussões e interpretações. Em conseqüência, os componentes do público estão sempre predispostos a intensificar suas habilidades de crítica e reflexão. Note-se que esses debates podem ser travados através dos veículos de comunicação em geral (jornal, rádio, livro, correspondência, telefone, relatório, visita etc.). Não se deve esquecer que a hegemonia da razão sobre a emoção,faz com que o individuo no público não perca sua faculdade de crítica e autocontrole e intensifique sua habilidade de argumentação e de discussão ante a controvérsia. Dessa maneira, ele age racionalmente através de sua opinião, mas disposto a fazer concessões e a compartilhar da experiência alheia. 4 AÇÃO CONJUGADA A preocupação primordial da Sociologia, segundo Donald Pierson, “é explicar como se torna possível para os seres humanos agir conjugadamente, isto é, participar do comportamento coletivo, compartilhar de uma vida social comum” (PIERSON, 1955, p. 245). A sociedade age conjugadamente seguindo as normas e tradições estabelecidas e aceitas; a multidão atua pelo desenvolvimento do “contágio emocional”; a massa age pela convergência de seleção de seus integrantes. E o público, como poderá agir conjugadamente, se os seus elementos se acham divididos? O público adquire seu tipo de unidade, buscando atingir uma atitude comum e conseqüentemente uma decisão coletiva, através da discussão das opiniões expostas ao debate público. É essa decisão ou opinião coletiva, que permite a ação conjugada do público. A fim de propiciar as discussões do público e assim formar, realmente, esse tipo de agrupamento elementar, e que irá permitir a ação conjugada, é imprescindível que haja o denominado “universo de debates” ou “universo de discurso”. Se os componentes do público em formação não possuírem uma linguagem comum, não tiverem habilidade em concordar no significado dos termos e conceitos fundamentais e não deixarem de lado posições dogmáticas ou fanáticas, então não será possível o debate. Por esse motivo a sabedoria popular afirma: “em futebol e religião não é possível discussão”. Não havendo “universo de debates” cessa a discussão, pois fatores diversos impedem as considerações racionais que poderiam conduzir o debate a bom termo, tais como: a) a recusa ou a incompreensão em adotar o ponto-de-vista alheio por parte de alguns integrantes do público; b) a linguagem vária; c) a discordância em significados básicos. Além disso, quando as emoções começam a predominar, quando as vaidades afloram, quando explodem os ressentimentos de toda espécie e, enfim, toda a gama de sentimentos, preconceitos e estereótipos domina em toda a linha, o público em formação se transforma em multidão ou massa: a opinião pública não se formará e em seu lugar surgirão a histeria ou sentimentos coletivos. Deve-se lembrar que nem sempre ocorre a formação do público devido à preocupação — bastante perigosa — dos grupos de interesse de evitar e destruir a comunicação e a discussão entre os membros de uma comunidade ou grupo. O que é a greve senão o resultado do bloqueio de comunicação entre os líderes dos empregadores e empregados? Outras vezes, ainda que haja aparentemente comunicação, esses mesmos líderes encastelados em suas posições dogmáticas, não estabelecem o “universo de discurso”, ficando apenas em monólogos estéreis. A verdade é que a elevação do pensamento coletivo, mediante apelos dirigidos; à inteligência e à reflexão, é tarefa democrática que não pode ser descuidada sob pena de sofrermos uma imprevisível “rebelião das massas”. Salientamos a importância das palavras de Wrigth Mills: “A idéia da sociedade de massas sugere a idéia de uma elite do poder. A idéia de público, em contraste, sugere a tradição liberal de uma sociedade sem qualquer elite do poder ou, de qualquer forma, sem 5 elites móveis de conseqüências soberanas. Pois se um público autêntico é soberano, não necessita de senhor; mas as massas, em sua plenitude, são soberanas apenas nalguns momentos plebiscitário de adulação d uma elite autoritária. A estrutura política da Estado democrático, em sua retórica, tem de afirmar que esse público é a fonte mesma da soberania” (MILLS, 1962, p. 382). OPINIÃO PÚBLICA O conceito de que opinião publica faz supor a discussão racional de controvérsia de interesse geral, implicando também a procura do entendimento entre os membros da sociedade, parece pacífico em nossos dias. A qualidade da opinião pública depende muito da eficácia da discussão pública, pois ela se forma no calor da discussão dos membros do público ao debater diferentes e contrários pontos-de-vista acerca de uma questão que interesse, de algum modo, à comunidade. Assim, quando algumas opiniões contrárias forem impedidas de se apresentar ao público em formação, ou venham a sofrer alguma discriminação quanto à possibilidade de serem argüidas, não há eficácia na discussão pública. Em outras palavras, do uso honesto e equitativo dos veículos de comunicação depende, principalmente, a eficácia da discussão pública. É preciso permitir a mais ampla liberdade de discussão. O exercício da livre discussão baseia-se na idéia do homem como ser racional e plenamente capaz, por si mesmo, de alcançar a. verdade na ordem social. Não se pode olvidar aqui a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, quando reza: “Todos os homens nascem livres e iguais, em dignidade de direitos. São dotados de razão e consciência... Todos os seres humanos são capazes de discutir os problemas de interesse geral, independentemente de seu ‘status’ ou de seu grau de instrução. Afinal, se um semi-analfabeto pode fazer negócios de alta monta, por que não poderá ele opinar Sobre questões gerais? Todos não são seres racionais? As controvérsias surgidas e suas possíveis soluções não constituem dever de todos os componentes da comunidade onde vivem? De certa forma, deve-se anotar, aqui as palavras do famoso jornalista Walter Lippmann: ‘Dentro de uma sociedade faz-se necessário a concordância na presunção de que todos os membros da comunidade agem de maneira racional. Isto quer dizer que todos devem agir de modo a fazer crer num debate sincero e racional e que os torne hábeis a reconhecer em comum entendimento, aquilo que é verdade e o que é direito’” (ANDRADE, 1966, p. 5). Ademais, o conceito de que a opinião pública faz supor a discussão racional de controvérsias de interesse geral, implicando também a procura de entendimento comum, parece estar, em nossos dias, universalmente aceito. Enquanto Gabriel Tarde não chegava a considerar; o debate público como fator de opinião pública, o seu mais. destacado seguidor, nos Estados Unidos, o Prof. Edward Alsworth Ross, observava que a opinião pública poderia ser considerada como uma “discussão que atrai a atenção geral” (ROSS, 1928, p. 346). Vale notar que o introdutor dos estudos de Psicologia Social na América do Norte estabelece uma diferença entre opinião pública e opinião 6 preponderante; esta é a opinião que não admite mais discussões (casamento monogâmico no mundo ocidental, por exemplo). Tudo que é passível de controvérsia é terreno propício à formação de opinião pública. As controvérsias têm assegurado o desenvolvimento e o progresso da humanidade. Sem elas, nós estaríamos ainda na Idade da Pedra. O debate sereno é objetivo sobre os grandes problemas que interessam a todos os seres humanos constitui a mola propulsora que garante o bem-estar geral. Nessa ordem de idéias, assim se manifestava entre nós o então general Nelson de Mello: “A existência de controvérsias não deve provocar o desestímulo: ao contrário, a ausência delas seria um sinal de estagnação. A tradição brasileira leva-nos a um amplo e franco diálogo para a solução de nossas dificuldades. Bendito debate que sempre pudermos travar; graças à liberdade conquistada em 7.9.1822, que temos mantido e defendido” (BRASIL. Ministério da Guerra. Ordem...). “Não existe, opinião pública onde não haja um acordo substancial. Mas não existe opinião pública onde não haja desacordo. Opinião Pública pressupõe discussão pública”, escreveram Robert E. Park e Ernest W. Brugess em Introduction to the Science of Sociology (PARK, BURGESS, 1921, p. 832). Vivemos uma época, em que o debate deveria ser compreendido e aceito como a instrumentaçãolegítima do diálogo. O direito de discordar, de ter idéias próprias e de defendê-las, é a razão primeira que deve reger os destinos de qualquer nação. Da mesma maneira, em âmbito regional ou local, igualmente a discordância deveria, não só sei assegurada plenamente, mas também estimulada, no sentido de proporcionar condições para o progresso. Como diz Dominique Pire “A paz não é a simples ausência de guerra, o silêncio dos canhões, mas a criação de um clima de compreensão e respeito mútuos. O diálogo não consiste em expor o meu ponto-de-vista aos que pensam de maneira diversa da minha; consiste em pôr provisoriamente entre parêntesis o que eu penso, para tentar primeiro compreender o ponto-de-vista dos outros e ver o que há de apreciável nele. A paz é a harmonia nas nossas diferenças” (TITULAR DO...). O importante é salientar que a controvérsia deve ser apresentada, imparcial e claramente, de molde a permitir á sua discussão de maneira mais ampla e racional. Ela não deve ser colocada para o debate público já dirigida para um determinado resultado ou solução, como se a discussão publica tivesse apenas o mérito de ratificar alguma coisa já preestabelecida. Deve-se lembrar também que na discussão pública, as opiniões individuais. expostas podem ser resultantes, em grande parte, do acatamento que os membros que discutem tem pelos orientadores do debate. Os indivíduos, muitas vezes, concordam para evitar conflitos de idéias, sentimentos de ansiedade e, principalmente, porque acreditam não estar à altura de seus oponentes. Portanto, não se pode dizer que as opiniões sejam totalmente racionais e lógicas, pois elas estão muito ligadas aos sentimentos e às 7 emoções. Todavia, essa espécie de tolerância e mesmo a incapacidade inicial de debater os argumentos e contra-argumentos apresentados oferece um lado positivo, pois permite o começo de interação social entre os participantes da discussão. SUAS CARACTERÍSTICAS O público adquire seu tipo especial e peculiar de unidade e encontra a maneira de promover a ação conjugada, por meio de uma decisão coletiva ou desenvolvendo uma opinião comum. Deste modo, pode-se dizer que a opinião pública pode ser considerada um produto coletivo, isto é, uma opinião composta, formada das diversas opiniões existentes no público e que se influenciaram e se modificaram mutuamente. A interação das várias opiniões expostas e defendidas no debate público promove o aparecimento de uma opinião coletiva que, na verdade, é a opinião do público. É preciso não esquecer que a discussão é fator inconteste de interação. Ora, se existem diferentes opiniões, ressalta logo que uma das características da opinião pública é a de que ela não é uma opinião unânime, já que o público é conseqüência da controvérsia e do debate, Também, ela não é necessariamente a opinião, da maioria, pois sendo resultado da competição de diversas opiniões, pode uma minoria bem organizada exercer, maior influência na formação da opinião comum. A opinião pública, como um produto composto, pode ser e normalmente o é — diferente da opinião de qualquer elemento do público. A opinião pública está em contínuo processo de formação. Raramente chega-se a um consenso completo. Em outras palavras, a opinião pública aproxima-se de uma síntese, sem jamais alcançá-la totalmente. Porém, nem todos os membros do público contribuem igualmente para essa síntese, pois a opinião pública é o reflexo do grau, eficiência, organização e verbalização dos grupos ou indivíduos que participam do debate. Lawrence Lowell, referindo-se às características da opinião pública, assim escreveu: “A fim de que a opinião possa ser pública, não é suficiente a maioria e não é exigida unanimidade, mas ela precisa ser tal que, embora a minoria dela não participe, seus integrantes se sintam obrigados, não pelo medo, mas pela convicção, a aceitá-la; e se a democracia é completa, o acatamento da minoria deve ser dado de boa vontade” (LOWELL, 1953, p. 15). A sociedade humana poderá viver em relativa harmonia se existir entre os seus elementos, principalmente entre os antagônicos, as mais amplas comunicações e os debates, em busca de opiniões ou discussões Somente sob essas condições é que a opinião penderá ser realmente formada, assegurando a paz e o progresso dos povos. GRUPOS DE INTERESSE Nem todos os componentes do público contribuem para a formação da opinião pública, pois não de equitativa capacidade de raciocínio e de exposição e não estão de posse de idênticos veículos de comunicação. 8 Geralmente, o público é constituído de grupos de interesse e de espectadores desinteressados e, conseqüentemente, desunidos. Esses espectadores estão na posição de árbitro, sem que eles mesmos percebam essa situação especial. Daí o esforço daqueles grupos em estabelecer as opiniões das pessoas desinteressadas. E para isso os grupos de interesse utilizam-se de todos os recursos. Minorias bem organizadas e capacitadas para colocar sua posição perante o público em formação (controle dos veículos de comunicação, propaganda, bons argumentadores etc.) têm freqüentemente, uma influência muito maior sobre o processo de formação da opinião pública do que seria justo esperar. A ação dos grupos de interesse, na criação da opinião pública, colocando a controvérsia e esforçando-se para conquistar, para seu lado, o apoio e a aliança dos grupos ou pessoas desinteressadas, é fator de fundamental importância. Aqueles grupos, no seu afã para moldar a opinião dos espectadores, podem provocar, pela propaganda, o estabelecimento de atitudes emocionais. A contrapropaganda faz aparecer, novamente, a controvérsia e o processo de discussão. Assim, pode-se dizer que a propaganda é prejudicial somente quando existe apenas uma. A propaganda tem sido considerada suspeita porque na área da discussão pública molda opiniões e julgamentos, não se baseando apenas no mérito da controvérsia, mas principalmente agindo sobre os sentimentos. O seu objetivo precípuo é implantar uma atitude que vem a ser sentida pelas pessoas como natural, correta, espontânea e única. Deseja, assim, a propaganda: criar uma convicção e obter ação de acordo com essa certeza adquirida. O grande perigo no processo de formação da opinião pública reside na influência, cada vez mais considerável, que os grupos de interesse vêm exercendo em todo o mundo. As informações e as notícias são dispostas habilmente, persuadindo, intimando, ou coagindo as pessoas a aceitar pontos-de-vista, interesses egoísticos ou propósitos autoritários daqueles grupos, como algo espontâneo e legítimo. Sobre a atuação dos grupos de interesse ou de pressão nos Estados Unidos, assim se referiu Leda Rodrigues: “A espantosa proliferação dos grupos de pressão nos últimos 30 anos correspondeu acentuada mudança em suas táticas. De início, o ‘lobby’ (cabala; nos corredores do Congresso), consistia, sobretudo, na influência direta e recorria; com freqüência, ao suborno. Depois, grande ênfase passou a ser dada à propaganda e à criação de atitudes públicas favoráveis às pretensões de determinados grupos. Daí falaram uns dos outros em ‘old lady’ e ‘new lobby’. Segundo conclusão da comissão parlamentar encarregada de investigar o ‘lobbying’ em 1950 (nos EUA), os grupos de pressão, atualmente, em vez de tentarem influenciar diretamente a feitura das leis, procuraram criar uma aparência de apoio público a suas pretensões. Isso é facilitado pela prática corrente, até nos melhores jornais, de dar à propaganda inspirada pelos grupos econômicos o mesmo tratamento dispensado às notícias” (RODRIGUES, 1961, p. 88-89). 9 CONTROLE DA OPINIÃO PÚBLICA No século XVIII, o filósofo David Hume, em sua obra, intitulada Ensaio sobre o Entendimento Humano, escreveu: “A soberania da opinião publica, longe de ser uma aspiração utópica, é o que pesa e pesará sempre em todas as horas nas sociedades humanas” (ANDRADE, 1965, p. 21). O fenômeno “opinião pública”,de certo modo, dá-se em qualquer sociedade, mesmo nas chamadas primitivas. Porém, somente na sociedade moderna é que ele se fez consciente para a maioria dos estudiosos. Quem manda na humanidade, quem a governa, quem a dirige, depende da opinião pública. Aquele que pretende governar com os pretorianos, depende sempre da opinião de seus guardas e da opinião que tenham sobre eles os demais, como já advertia José Ortega y Gasset. É ainda o famoso filósofo espanhol quem escreveu: “Essa relação instável e habitual entre os homens, que se chama mando, não repousa nunca na força. O mando é o exercício normal da autoridade, o qual se baseia sempre na opinião pública, hoje, como antigamente, entre os ingleses ou entre os botocudos” (ORTEGA y GASSET, 1956, p. 189). Napoleão Bonaparte também reconheceu o valor da opinião pública quando disse: “A opinião pública é uma potencia invisível a quem ninguém resiste. Nada é mais móvel, mais vago e mais forte e apesar de caprichosa, ela é verdadeira, razoável, muito mais do que se pensa” (CÉGOS, 1953, p. 205). Não se pode negar que, hoje mais do que ontem, a humanidade tem como seu alicerce a opinião pública e exclusivamente sobre essa base o mundo pode sobreviver. Até mesmo, os homens de negócios reconhecem essa realidade, como quando o “czar” das indústrias cinematográficas norte-americanas, Eric Johnson, declarou: “Mais tarde ou mais cedo, os homens de empresa serão julgados pela opinião pública” (PENTEADO, 1960 ,p. 35). Na edição de 4.9.1901 do jornal O Estado de S. Paulo assim escrevia Júlio Mesquita: “O grande mal da República, a terrível efeméride, que vai minando e que fatalmente a matará, se os que a dirigem não tomarem outro caminho, é o seu divorcio, cada vez mais acentuado, disso que se chama opinião pública — uma coisa que, por não ter existência material, muita gente supõe que não existe, mas existe e é o único elemento da vida de todos os países civilizados”. O poder da opinião pública está presente, com toda sua fortaleza e amplitude. Daí a preocupação de se aperfeiçoar em formas de controle, visando a conduzir os interesses egoísticos, sob a capa de fins sociais e respeito pela opinião do público. Quando os meios de comunicação eram rudimentares e de pouco alcance, o processo empregado para o controle da opinião pública repousava no método repressivo, inibitório, conhecido até nossos dias pelo nome de censura. Hoje, o controle da opinião pública é realizado principalmente no meio de um processo criador, estimulante, que se denomina propaganda. 10 Segundo Kimball Young, a censura é “uma forma de controle social que se destina a bloquear a manifestação da opinião, crença ou idéia” (YOUNG, 1957, p. 472). Em outras palavras, censura é um processo coercitivo que visa a impedir certas manifestações de indivíduos ou grupos, sob justificativa do bem comum. Essa coação, contudo, não se faz pela força física. A censura tem suas origens nos tabus das sociedades primitivas, nas leis primárias que se observam nos clãs e sipes (grupos de parentesco) — proibições não escritas, obedecidas quase inconscientemente. Os “folk-ways”, “mores” e tradições são manifestações de censura impostas pelo passado do grupo. As superstições são também meios de censura, de fundo primitivo. Em contraste com a propaganda, a censura é essencialmente um processo negativo, pois ela limita e inibe a ação. Ela tem sua força, precipuamente, no medo e na ameaça. Em certos casos, a censura é claramente afim do preconceito, da discriminação e da intolerância. Entende-se, hoje, por censura o aparelhamento coercitivo voltado principalmente para os veículos de comunicação, no sentido de omitir informações. Sua ação está presente nos jornais, revistas, estações de rádio e de televisão, cinema, teatro, livros e outras publicações. A censura sempre existiu, em todos os povos. Hititas, egípcios, chineses, gregos e romanos, tiveram em outras épocas seu processo de censura. Por exemplo, na China antiga, à época do imperador Chi-Huang Ti, foram destruídas, por ordem imperial, todas as obras de Confúcio. Em Roma, no ano VIII da era cristã, Ovídio foi desterrado por haver escrito a Arte de Amar. Contudo, a primeira forma sistemática de censura em todo o mundo aparece na publicação do papa Alexandre VI, em 1501, a respeito das publicações, sem licença pontifical, a fim de evitar heresias. Daí os “nihil obstat” e “imprimatur” das licenças eclesiásticas de nossos dias, inclusive nos livros didáticos. O “Index Librorum Prohibitorum”, que indicava os livros julgados perniciosos aos católicos romanos, era um dos instrumentos dessa censura eclesiástica. Esse “Index” durou séculos, sendo abolido em 1966. A palavra “propaganda” foi usada, pela primeira vez, pelo papa Clemente VIII, em bula de 1597 (De Propaganda Fide), relativa às missões católicas. Coube ao papa Gregório XV organizar a Congregação de Propaganda, em 1622, para preparar os sacerdotes empenhados no proselitismo religioso. Para Frederick Lumley, o termo propaganda provém do latim “propagare”, cujo significado é amarrar vergônteas, brotos ou mudas de plantas, para fins de reprodução e daí o gerar, reproduzir e, por extensão, estender-se multiplicar-se. Etimològicamente, portanto, propaganda não se refere à geração espontânea, mas, sim, a uma reprodução forçada (LUMLEY, 1933, p. 186). Desde a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, a palavra propaganda adquiriu uma conotação negativa que se acentuou ainda mais, com o famoso Ministério 11 da Propaganda da Alemanha nazista. Muitos cientistas sociais estigmatizaram as atividades propagandísticas, quando as chamaram de anti-sociais e de responsáveis pela escravidão intelectual. No III Congresso Internacional de Relações Públicas (1964), o delegado do Líbano e presidente da Assembléia Geral da ONU, Charles Habib Malik, assim se pronunciou: “Sob a avalancha de palavras escritas e orais, com as quais estamos sempre sendo bombardeados, torna-se imperativo, hoje, distinguir a verdade da falsidade, o fato da fantasia, a realidade do que é propaganda, o essencial e importante daquilo que é acessório e trivial. Graças aos meios instantâneos de comunicação, este problema torna- se maior pela existência de diversas tendências ideológicas que convergem ao mesmo local e ao mesmo tempo. O resultado é que, quando não incorremos em erro, muitas vezes chegamos a ficar um tanto confusos” (MALIK, 1965). A realidade é que a propaganda, fomentando o aparecimento de massas, em lugar de públicos, tem criado opinião pública em forma de mito. Não é preciso que se chegue ao que Lumley, na obra citada, afirmou: “A propaganda transformou a sociedade em uma vasta casa mal-assombrada”. Contudo, não se pode negar que a maioria dos seres humanos vive, atualmente, a época dos “slogans”, das imagens e das informações interessadas. Sentimos que estamos sendo levados a fazer coisas que não faríamos se a propaganda não existisse. Os “slogans”, estereótipos e apelos emocionais, que compõem o determinante não-racional, podem, às vezes, provocar o aparecimento de um comportamento do público muito semelhante ao de uma multidão ou massa, não obtendo, na realidade a opinião pública, mas somente um sentimento coletivo. Não se pode negar que a opinião pública se forma através da comunicação e da interação social, o que difere bastante desse sentimento coletivo produzido pelas massas, em conseqüência da comunicação apenas unilateral. “A censura de um lado e a propaganda de outro atingem tais proporções no mundo moderno, que se arquiteta uma perfeita mística aduladora dá inteligência”, dizia A. Carneiro Leão; ao encarar a sociedade de massas em que vivemos (LEÃO, 1961, p. 166- 167). É certo que o poder público e o poder econômico, pelo controle da opinião pública, dificultam a formação de autênticos públicos, pois, lançam de maneira hábil informações tendenciosas ou meias-verdades, que são aceitas como fidedignas,ou omitem informes indispensáveis à compreensão correia dos acontecimentos. Cabe assim às Relações Públicas a importante missão de transformar os empregados, a clientela e os espectadores das instituições e empresas em genuínos públicos, levantando as controvérsias, fornecendo todas as informações e facilitando o debate, à procura de uma opinião ou decisão coletivas, visando ao interesse público. 12 REFERÊNCIAS ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Apostilas do curso médio de relações públicas. Nível II. São Paulo: Departamento Estadual de Administração, 1966. ______. Para entender relações públicas. São Paulo: Biblos, 1965. BRASIL. Ministério da Guerra. Ordem do dia do ministro da Guerra, Gen. Nelson de Mello. Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1962. CÉGOS. 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